quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Para mim e para Ti, vence a cidade que recupera mais e adensa menos

Editado em 13-11-2014
Originalmente publicado neste blog em 28-05-2012


Alguns leitores enviaram-me e-mails pedindo a minha solução para o “caso” Outorgolândia X Onerópolis. Pois aí vai.

Começando pelo fim, a minha resposta é uma pergunta: a campeã da Outorga Onerosa do Direito de Construir é a cidade que arrecada mais dinheiro ou a que recupera uma proporção maior da renda fundiária? 

Não é preciso ser nenhum Sherlock para perceber que o mote dessa discussão é a Outorga Onerosa tal como se aplica em Niterói, cidade da RM do Rio de Janeiro onde nasci e voltei recentemente a residir (ver postagem "Em Niterói, o que o IPTU faz a OODC desfaz"). (http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2012/04/em-niteroi-o-que-o-iptu-faz-oodc-desfaz.html) 

Para mim, a campeã é Onerópolis, que recupera quase 30% da renda gerada na incorporação de um terreno de 1000m2 contra 20% de Outorgolândia para um terreno de igual tamanho e uso.  

E por que a proporção da renda fundiária gerada é mais importante do que a quantidade de dinheiro arrecadado? Porque, como apontou com argúcia a arquiteta-leitora Ti (ver comentários à postagem "Outorgolândia e Onerópolis" - http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2012/05/outorgolandia-ou-oneropolis.html), estamos falando do valor da contrapartida privada pelo aumento da densidade construtiva na cidade. 

Ti se propôs a calculá-lo supondo o Coeficiente Básico 1 para ambas as cidades. Concluiu que, para cada 100% de aumento de densidade, Onerópolis cobra R$ 373.333,00 por 1000m2 de terreno e Outorgolândia cerca de metade desse valor, isto é, R$ 187.500,00. 

Levando mais a fundo a linha de raciocínio de Ti, talvez fosse mais exato dizer que se trata da relação entre o adensamento construtivo urbano e o valor da contrapartida necessária para financiar o aumento de oferta de serviços básicos. 

Visto sob este ângulo, o montante absoluto de arrecadação com Outorga Onerosa do Direto de Construir pode ser enganoso: tanto por ocultar um nível relativamente baixo de recuperação da renda fundiária (caso de Outorgolândia) quanto – o que é mais importante – por resultar de um adensamento que gera custos maiores do que o acréscimo de receita da OODC e até da receita fiscal total (provavelmente o caso de Niterói). 

No plano teórico, podemos considerar o problema à luz do comportamento provável das curvas de custos e receitas públicas em face do aumento da densidade urbana.  Supomos ambas as curvas crescentes, mas com convexidade invertida. A curva de receita subiria a taxas decrescentes porque, mesmo em potentes surtos construtivos, o escasseamento do solo numa região urbana traz consigo a desaceleração do crescimento do estoque de benfeitorias.  Além de certo limiar de adensamento, os aumentos exponenciais de custos - em infraestruturas e sistemas de serviços, especialmente transportes - já não podem ser cobertos pelo aumento das receitas correntes, quer oriundas do solo, como o IPTU e a Outorga Onerosa do Direito de Construir , quer de outras fontes potencialmente beneficiárias do adensamento, como o ICMS e o ISS. Passamos do campo das economias para o das deseconomias de urbanização.   

Figura 1
Isto quer dizer que as infraestruturas e serviços demandados pelo adensamento só são “autofinanciáveis” em determinado intervalo – acima e abaixo de “limites críticos” mínimos e máximos de adensamento, como sugerido na Fig. 1. 

O fato de a determinação do Coeficiente de Aproveitamento médio dos terrenos acima do qual o adensamento já não é autofinanciável – assim convertendo a Outorga Onerosa do Direito de Construir em um “tiro no pé da própria cidade” – ser uma questão metodologicamente controversa e, em qualquer caso, específica de cada cidade e respectiva etapa de crescimento, não significa que esse coeficiente não exista. Podemos sugerir como guia para a sua determinação a questão: qual a relação entre o aumento da receita do adensamento em dado período e o investimento necessário para atender aos novos requerimentos de infraestrutura e serviços – por exemplo, a renovação da rede de abastecimento d’água, a ampliação da capacidade de fornecimento de energia e um novo sistema de transporte público de alta capacidade? 

Observe-se, por outro lado, que todas essas considerações repousam exclusivamente sobre o conceito de “autofinanciamento” do adensamento, sem levar em conta o uso dos recursos da sobrevalorização do solo em ações de urbanização e habitação social em áreas relativamente desvalorizadas da cidade. Vale dizer que, se estipularmos uma “cota social” (redistributiva) de aplicação obrigatória das receitas do adensamento, reduzir-se-á, em igual valor, a capacidade de autofinanciamento das infraestruturas e serviços das regiões adensadas. 

Figura 2


A Fig. 2 sugere que quanto mais próximo do CA crítico estiver o CA médio de serviço, menos recursos poderão ser destinados - se respeitado o princípio da autossustentabilidade do adensamento - à urbanização social. Podemos, também, postular como CA ótimo provável do ponto de vista da distribuição dos ganhos econômicos do adensamento aquele que maximiza o potencial de transferência de renda do solo para os Fundos Municipais de Desenvolvimento Urbano.

Uma cidade que recupere mais renda por unidade de adensamento terá, por conseguinte, não apenas menor gasto relativo com o autofinanciamento de suas infraestruturas como, também, maior capacidade de aplicação de recuperação da renda fundiária em programas de urbanização social. 

Figura 3
A Fig. 3 sugere a posição relativa de Onerópolis, Outorgolândia e, supostamente, Niterói no gráfico que relaciona a densidade construtiva (medida pelo CA médio) aos custos e receitas do adensamento. 

A conclusão é: tratar a questão da destinação dos recursos da Outorga Onerosa em termos exclusivamente distributivos  pode ser um equívoco metodológico relevante, por ocultar, em regiões urbanas de alta densidade construtiva, a formação de crises urbanístico-ambientais a médio prazo (já que a longo, como lembrou Keynes, estaremos todos mortos) sob a cobertura conveniente - e eleitoralmente eficaz - de uma política “robinhoodiana” de recuperação da valorização do solo. 

Lançando mão de uma "analogia edilícia", eu diria que a Outorga Onerosa do direito de Construir está para o adensamento urbano como uma viga para o conjunto do edifício: ela tem um peso próprio cuja sustentação há de estar assegurada antes de se começar a pensar em fazê-la suportar o restante da estrutura. Do contrário... a casa cai. 

Nos próximos capítulos da série "Duas ou Três Coisas Que Sei Dela (a OODC)", darei minha visão sobre a estimativa da valorização fundiária na construção em altura e sobre o papel dos coeficientes máximo e básico na determinação do valor da contrapartida (preço da OODC).  A conferir.


2012-05-28