O Globo 01-08-2025, por Roberto Andrés, Helton Júnior, Michelly Siqueira [*]
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/08/tarifa-zero-e-viavel-e-traz-beneficios.ghtml
Tarifa zero é viável e traz benefícios
A crise do transporte público se agrava no Brasil. A cada ano, a população convive com a piora dos serviços e com o aumento das tarifas. Cortes de linhas deixam bairros inteiros sem transporte. Atrasos são recorrentes, assim como lotações em horário de pico. Os ônibus à noite são escassos.
Só há uma situação em que a população está satisfeita: nas 137 cidades com tarifa zero integral. Nelas, o uso dos ônibus cresceu de duas a quatro vezes, sobretudo nos horários em que circulavam vazios. Com mais gente nas ruas, aumentam as vendas no comércio e o acesso a postos de saúde, praças, parques e escolas.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas comparou 57 cidades com tarifa zero com 2.731 que ainda cobram passagem. O resultado é impressionante: a gratuidade do transporte gerou 3,2% mais empregos, 7,5% mais empresas e 4,1% menos emissões. Difícil encontrar políticas públicas com impactos tão relevantes.
Até este momento, a gratuidade integral do transporte no Brasil se resume a cidades pequenas e médias. A razão é que o custo percentual do transporte cresce exponencialmente. Em cidades com até 500 mil habitantes, as prefeituras financiam a tarifa zero com 1% a 3% do orçamento. Em cidades maiores, esse percentual tende a subir.
Ou seja, nos grandes centros é preciso buscar recursos complementares. A notícia boa é que o Brasil estabeleceu essa fonte há 38 anos, quando foi promulgada a Lei do Vale-Transporte. Ali, decidiu-se que o setor empresarial teria participação no financiamento do transporte público.
Mas o desenho da Lei do Vale-Transporte faz com que, quando uma prefeitura zera a tarifa, a contribuição do vale-transporte também se torna zero. Ou seja, as pessoas jurídicas daquele município deixam de contribuir, embora se beneficiem do aumento de vendas no comércio.
A solução para o problema está colocada no Projeto de Lei 60/2025, que tramita na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Trata-se de uma solução constitucional, alinhada com o Marco Legal do Transporte em tramitação no Congresso Nacional, e que pode ser replicada em outras cidades.
O PL do Busão 0800, como ele tem sido chamado, zera a tarifa do transporte e estabelece quatro fontes de financiamento: as multas cobradas das empresas de ônibus, a publicidade, o subsídio da prefeitura e uma contribuição a ser paga pelas pessoas jurídicas. Essa contribuição substituiria o vale-transporte, não sendo portanto um gasto novo.
Embora tenha havido dúvida sobre a constitucionalidade de cobrar taxas para financiamento do transporte, hoje especialistas em Direito Tributário consideram a cobrança alinhada à Constituição — especialmente após o julgamento do tema 1.282 pelo STF, em março deste ano, que considerou constitucional a taxa do Corpo de Bombeiros.
Com as receitas previstas, calcula-se que o sistema de transporte em Belo Horizonte poderia arrecadar mais de R$ 2 bilhões por ano, o que é 20% a mais do que a arrecadação atual. Com isso, seria possível zerar a tarifa para os usuários — hoje, a tarifa responde por somente 26% das receitas do sistema — e zerar também o subsídio da prefeitura, que ultrapassa R$ 700 milhões anuais.
Um estudo recente de economistas da UFMG mostrou que o impacto nas empresas é pequeno. A contribuição, estimada em R$ 185 por funcionário por mês, com desconto de até nove funcionários por CNPJ, impactaria em média 0,91% na folha salarial das pessoas jurídicas da cidade.
O PL 60/2025 tem a assinatura de 22 vereadores (53% dos integrantes da Casa) de 12 partidos diferentes, simbolizando uma união entre esquerda, centro e direita em prol da cidade. Ao fazer o debate consistente sobre o transporte público, a Câmara Municipal de Belo Horizonte pode não só trazer um grande benefício para a população da cidade, mas tornar viável um modelo transformador para o transporte público em todo o país.
2025-08-10
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[*] Helton Júnior, administrador público, é vereador (PSD) e vice-líder do governo na Câmara Municipal de Belo Horizonte, Michelly Siqueira, advogada, é vereadora (PRD) e líder do bloco Independência Democrática na Câmara de Belo Horizonte, Roberto Andrés, urbanista e professor da UFMG, é autor do livro “A razão dos centavos”