quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Tarifa Zero: A pergunta que não quer calar


Isto É Dinheiro / Deutsche Welle, 26-09-2025
https://istoedinheiro.com.br/quando-transporte-publico-sera-gratuito-em-todo-o-brasil

Passe livre: como financiar o transporte público gratuito em todo o Brasil?

Proposta avançou no país, fazendo do Brasil a nação no mundo com maior número de cidades com o benefício. Governo federal busca ampliar ideia em nível nacional, mas ainda há dúvidas sobre viabilidade

 

Em junho de 2013, quando manifestações pediam passe livre no transporte público brasileiro, a proposta foi pouco levada em conta.

Entretanto, com o passar dos anos, a gratuidade avançou no país de forma única no mundo, com o Brasil atingindo o posto de nação com maior número de cidades que não cobram pelo transporte. O movimento engloba pequenos e médios munícipios, e, agora, o governo federal busca ampliar a tarifa zero em nível nacional, enquanto o projeto enfrenta dúvidas sobre a viabilidade financeira em cidades maiores.

Atualmente, 136 munícipios brasileiros contam com transporte público gratuito todos os dias do ano, atendendo a mais de 8 milhões de pessoas. Cerca de 60% daquelas cidades que contam com a tarifa zero diária têm menos de 50 mil habitantes. Já as maiores, como São Paulo e Brasília, adotam a medida em domingos e feriados.

Segundo o último levantamento disponível sobre tarifa zero universal, o Brasil é o país com mais cidades oferecendo a gratuidade, seguido pelos Estados Unidos, com 69 cidades, Polônia, com 64, e França, com 43 municípios.

Em 2014, Maricá, no estado do Rio de Janeiro, que conta com cerca de 200 mil habitantes, foi pioneira entre as cidades de maior porte a adotar a ideia. O munícipio criou uma companhia pública para gerir o serviço, o que é raro no país, e passou a oferecer o serviço pela Empresa Pública de Transportes (EPT).

A medida chamou a atenção na época, mas uma característica única da cidade deixava clara a dificuldade de replicar a ideia no restante do país: o munícipio é o que mais recebe royalties de petróleo no Brasil. Com o oitavo maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, o orçamento municipal comportou espaço para medidas que outros com menor arrecadação teriam dificuldade de reproduzir.

Período da pandemia foi momento-chave

Na pandemia, em um cenário de forte queda na demanda pelo transporte público, acompanhado por um aumento dos custos, especialmente dos combustíveis, a defasagem abriu espaço para “uma visão diferente”, aponta o diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam. De acordo com estudo da NTU, 73% das iniciativas de tarifa zero no país vieram após o período.

O urbanista Roberto Andrés, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda que este momento foi chave para a mudança sobre a visão das operações do transporte no país. Entre subsidiar até metade dos custos do serviço e ainda seguir com uma tarifa alta ou zerar o preço das passagens, a ideia de gratuidade foi reforçada.

Mas os desafios são diferentes de acordo com a logística de cada lugar. Em municípios menores, o gasto com a operação de transporte tende a corresponder a uma fatia bem inferior do orçamento municipal do que nas cidades maiores, onde o sistema é mais complexo. No caso de São Paulo, a estimativa de gasto real por passageiro é de R$ 11,86, que hoje são subsidiados pela prefeitura, chegando à cobrança de R$ 5 por tarifa.

‘Desigualdade marcada pelo transporte’

Diferente de lugares como Luxemburgo, país que adotou nacionalmente a tarifa zero em 2020, e Tallin, capital da Estônia que se destacou pela medida, há um componente de justiça social mais forte no caso brasileiro, aponta Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas. Pesquisador do tema em diversos países, ele lembra que a “desigualdade no Brasil é marcada pelo transporte”.

Em outras regiões, especialmente na Europa, a tarifa livre foi defendida mais como uma forma de reduzir o uso do carro, com benefícios para a mobilidade e o meio ambiente.

Kębłowski observa que as questões também são importantes no Brasil, mas avalia que o impacto na renda e na qualidade de vida de pessoas que optavam por fazer trajetos de formas alternativas para economizar são as grandes vantagens de medida no país. “É algo mais importante pelo aspecto social e econômico que propriamente pelo ecológico”, aponta.

A maior cidade a zerar a tarifa até o momento é Caucaia, com cerca de 380 mil habitantes no Ceará, onde a frequência nos transportes aumentou em quatro vezes após a medida, reforçando que “havia demanda reprimida” pelos serviços, destaca Christovam. Na cidade, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) local apontou avanço de 30% nas vendas do comércio.

Com a maior circulação, há ampliação de atividades em diversos estabelecimentos. Além disso, o dinheiro economizado das passagens acaba sendo reinvestindo na economia local. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o transporte é o segundo maior gasto das famílias do país, atrás da alimentação. Em abril de 2025, os brasileiros gastaram 20,7% de sua renda com transporte.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) comparou 57 cidades com tarifa zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. Nas cidades em que foi aplicada a gratuidade, houve aumento de 3,2% de empregos e crescimento de 7,5% no número de empresas.

Como financiar?

Recentemente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou estudos sobre a viabilidade de replicar a medida nacionalmente. Na visão do deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), a medida “saiu do plano de um sonho impossível e passou a ser um plano concreto”. Um dos principais líderes da proposta na Câmara dos Deputados, ele afirma que a questão vem sendo avaliada, mas que o tema “deixou de ser um discurso de rua”.

Há ampla discussão sobre maneiras de financiar o projeto, mas muitas delas com difíceis repercussões políticas. “Estamos na elaboração, e ainda não é possível cravar como será. Tenho feito reuniões e nos movimentamos. Eventualmente, pode haver reações. É como no caso do imposto de renda, todos concordam que deve se isentar até os R$ 5 mil, resta saber de onde tirar o dinheiro”, afirma Tatto.

Há propostas de criação de um fundo a partir da aplicação de pedágios urbanos e cobrança pelo uso do espaço público pelos carros, levando em conta o tamanho dos veículos e uso de estacionamento. Com oneração direta ao contribuinte, as alternativas são vistas com ceticismo, ainda que contem com defesa teórica em razão de alguns impactos negativos causados pelo uso de automóveis.

Outra ideia é a de que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) dos combustíveis poderia se destinar a custear a operação. Por sua vez, a medida eventualmente aumentaria o preço final ao consumidor, dificultando que ela venha a ser bem aceita. Neste cenário, avança a visão de que o governo federal deverá contribuir em algum fundo para financiar as medidas.

Uma proposta que vem se destacando, e é a base para projetos de algumas cidades de maior porte é a de que empresários contribuam com parte do custeio da operação. Neste cenário, em discussão em Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis e Juiz de Fora, empresas com mais de dez funcionários fariam um aporte mensal por cada trabalhador, visando substituir os encargos atuais que as companhias fazem com o vale transporte.

Segundo Andrés, a medida em princípio gerou questionamentos dos empresários, mas vem sendo atualmente mais bem aceita após o aprofundamento das discussões. “Especialmente os comerciantes veem a proposta como positiva”, afirma. A ideia é inspirada na França, onde o setor empresarial contribui historicamente para a mobilidade urbana.

De acordo com o especialista, o modelo atual do pagamento do vale transporte apresenta uma série de problemas, e a medida ajudaria neste sentido. Um exemplo é o caso dos trabalhadores em regime de pessoa jurídica, que muitas vezes não têm o benefício e usam fundos próprios para ir trabalhar.

Na avaliação de Roberto Andrés, a prioridade em Brasília atualmente deveria ser a aprovação de um Marco Legal que tramita na Câmara dos Deputados sobre o tema. “Facilitaria e daria segurança jurídica aos munícipios seguirem com suas propostas”, avalia. Em Vargem Grande Paulista, que buscou um modelo de financiamento semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a medida inconstitucional.

De toda forma, a Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas vê o Brasil hoje como “uma grande exceção, saindo de uma fase de experimento para uma política estabelecida, incluindo uma diversidade entre regiões e riquezas das cidades” que aplicaram a medida. “O avanço no Brasil pode inspirar outras partes do mundo”, conclui.


2025-10-

domingo, 5 de outubro de 2025

Tarifa Zero em Belo Horizonte


Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR UFMG) 02-10-2025
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/estudo-da-ufmg-indica-impactos-socioeconomicos-positivos-da-tarifa-zero-em-belo-horizonte


"Estudo publicado hoje (quinta, 2 de outubro) por grupo de pesquisadores da UFMG demonstra que a adoção da Tarifa Zero no transporte público em Belo Horizonte geraria retorno médio de R$ 3,89 para cada R$ 1 investido na gratuidade de ônibus e outros modais. O grupo analisou os impactos socioeconômicos potenciais da medida com base em dados do IBGE e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Projeto que propõe a Tarifa Zero será votado nesta sexta-feira, 3, na Câmara Municipal.

Os dados apontam que os gastos com transporte público na cidade correspondem a parcela significativa da renda familiar – chega a cerca de 19% no caso das famílias de baixa renda. O peso dessa despesa compromete a capacidade das famílias de consumir outros bens e serviços, além de restringir sua mobilidade para acessar direitos básicos, como saúde, educação e trabalho.

A capital mineira destaca-se entre as cidades brasileiras com maior número de usuários de transporte público e apresenta elevada dependência do modal ônibus, que concentra 88% dos gastos das famílias com mobilidade. (..) 

2025-10-05

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Boston shoreline 1630 / 1999


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Fonte: Wikipedia


Se os EUA são o melhor país para se estudar a formação de metrópoles capitalistas ex novo, como Chicago, suas metrópoles da Costa Leste, muito especialmente Nova York e Boston, são referência obrigatória para o estudo da transição urbana do mercantilismo colonial para o capitalismo propriamente dito, industrial e financeiro.

Um aspecto relevante dessa transição é a perfeita adaptação dos centros financeiros, por motivos relacionados ao fenômeno das economias de aglomeração, aos arruamentos herdados das capitais provinciais, orgânicos ou ortogonais, totalmente desproporcionais, do ponto de vista do urbanismo moderno, ao porte das edificações.

Não por acaso, a península que em 1630 só tinha como acesso terrestre o istmo apropriadamente denominado Boston Neck, é hoje identificada na imagem principal da postagem pela legenda ‘Downtown’.

2025-10-01

domingo, 28 de setembro de 2025

Monbeig 1953: O crescimento de São Paulo


MONBEIG P, “La croissance de la ville de Sào Paulo”. Revue de Géographie Alpine 1953 41-1 pp. 59-97
https://www.persee.fr/doc/rga_0035-1121_1953_num_41_1_1083

Pierre Monbeig [1] 
“(..) Abertura de avenidas e ruas, construções, loteamentos, tudo isso atesta o crescimento repentino de São Paulo. Mas procuraríamos em vão um plano de conjunto, uma perspectiva clara ou um poder administrativo central capaz de impor a sua vontade, de traçar as linhas mestras da nova cidade e de legislar de maneira eficaz. A expansão do assentamento urbano ocorreu sem ordem e no interesse imediato dos indivíduos, exatamente como a expansão do povoamento rural. O que eram esses loteamentos e quem foram os loteadores? Em geral, os novos bairros nasciam ao azar. Ao falecerem os proprietários das antigas chácaras, os herdeiros, ao invés de mantê-las mais ou menos intactas ou reparti-las entre si, preferiam loteá-las e vendê-las. Constituíam, assim, pequenas sociedades com capitais provenientes das heranças. Às vezes optavam por vendê-las em bloco para agrimensores brasileiros ou estrangeiros. Havia casos em que a decisão de desmembrar e vender era tomada pelo proprietário ainda em vida. Era costume dar o nome do antigo proprietário à rua mais importante do loteamento: Avenida Angélica, Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, Rua Barão de Itapetininga. E assim se faz desde então, o que demonstra claramente a natureza familiar desses empreendimentos. (..)” [2]
[Tradução PJ]

2025-09-28
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NOTAS
[1] Géographe, spécialiste de l'Amérique du Sud. - Directeur de l'Institut des hautes études de l'Amérique latine, Paris. - Directeur des "Cahiers des Amériques latines". - Agrégé d'histoire et de géographie (1929). - Pensionnaire de la Casa Velasquez, Madrid (1939-1931). - Professeur, titulaire de la chaire de géographie, Université de São Paulo (1935-1946). - Président de l'association des géographes brésiliens (à partir de 1936). - Professeur, titulaire de la chaire de géographie économique (industrielle et commerciale), CNAM - Conservatoire national des Arts et Métiers, Paris (1952-1961) (Source DataBNF)

[2] "(..) Ouvertures d'avenues et de rues, constructions, lotissements, tout cela témoigne suffisamment de la croissance subite de Saint-Paul. Mais on chercherait en vain un plan d'ensemble, une volonté bien arrêtée ou une direction administrative centrale capable d'imposer sa volonté, de tracer les lignes maîtresses de la nouvelle ville et de légiférer utilement. L'expansion du peuplement urbain s'est faite sans ordre et au mieux des intérêts immédiats des particuliers, exactement comme l'expansion du peuplement rural. Qu'étaient em effet ces lotissements et qui étaient les lotisseurs ? La plupart du temps, les nouveaux quartiers sont nés du hasard. A la mort d'um des propriétaires des vieilles chacaras, ses héritiers au lieu de la conserver en commun ou, en tous cas, à peu près intacte, décidaient de la diviser en parcelles mises en vente. Ils constituaient une petite société dont le capital provenait de l'héritage. Parfois les héritiers trouvèrent plus commode de vendre en bloc à des arpenteurs brésiliens ou étrangers. Parfois aussi la décision de morceler et de vendre était prise par le propriétaire, de son vivant. On donnait ou on a donné par la/ suite le nom du vieux possesseur à la rue la plus importante du lotissement : avenida Angelica, avenida Brigadeiro Luiz Antonio, rua do Barào de Itapetininga. L'habitude s'est conservée depuis lors. Elle témoigne bien du caractère familial de ces entreprises. (..)”


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Aluguel: o mais barato é o mais caro


G1 Globo 14-09-2025, por Raoni Alves
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/09/14/familias-de-baixa-renda-no-rj-comprometem-ate-65percent-do-orcamento-com-aluguel-aponta-estudo.ghtml

Famílias de baixa renda no RJ comprometem até 65% do orçamento com aluguel, aponta estudo

Levantamento encomendado pela plataforma de locação de imóveis QuintoAndar mostra que o peso do aluguel sobre a renda é maior no Rio de Janeiro do que na média nacional, especialmente entre os mais pobres (..)  [chegando a] a 65% da renda mensal familiar para quem ganha até R$ 1,9 mil.
Clique na imagem para ampliar
Morador da Rocinha, na Zona Sul do Rio, o entregador Lucas de Souza, de 25 anos, mora com a avó aposentada. Juntos, os dois recebem cerca de R$ 3,1 mil por mês e gastam R$ 900 com aluguel de um pequeno apartamento de dois cômodos. O valor representa 29% da renda familiar, o que deixa pouco espaço para despesas básicas como alimentação, transporte e contas de luz e água.

Na Zona Norte, o comerciante Carlos Henrique Almeida, 35 anos, divide um apartamento com a esposa em Vila Isabel. O casal tem renda conjunta de R$ 7,2 mil, mas paga R$ 2 mil de aluguel, o equivalente a 28% dos rendimentos da casa. (..)


*

Não consegui, até agora, localizar o relatório dessa pesquisa, nem no QuintoAndar nem no CEDEPLAR.

À beira do urbanismo c/ dados Cedeplar
Não surpreende, porém, que as despesas com aluguel sejam tanto mais elevadas relativamente aos rendimentos das famílias quanto menores são os rendimentos, uma vez que os alugueis se regulam, como tudo mais na economia de mercado, pelas taxas de retorno dos investimentos de capital, que aqui consiste em benfeitoria + propriedade do solo.

Aluguel equivalente a 44% de 1 salário mínimo é o que se pagaria, por hipótese, por uma casa no valor de R$100.000,00 - encontrável aos milhares nas periferias metropolitanas brasileiras - à taxa que remunera, no dia de hoje, a Caderneta de Poupança (0,5%+TR=0,67%).

R$100.000 * O,67% / R$1.518 = 44%

No caso, relatado na reportagem, da família residente na Rocinha, o aluguel (R$ 900,00) e seu peso (29%) sobre o ganho mensal (3,1 mil) correspondem ao rendimento de um capital de R$ 130 mil (compatível com os preços imobiliários naquela localização) [1] a uma taxa de 0,70%.

R$120.000 * 0,70% / R$3.100 = 29%

Um aluguel de R$ 2.000, correspondendo a 28% do rendimento familiar, se obtém do exemplo do casal de Vila Isabel, à taxa de 0,75%, considerando-se um apartamento de 2 quartos, sem garagem, no Boulevard 28 de Setembro, à venda no QuintoAndar pelo preço de R$ 270 mil .

R$270.000 *0,75% / R$7.200 = 28%
 
Contudo, há fatores cujos efeitos precisariam ser levados em conta nesta série, como a inclusão ou não do IPTU no preço do aluguel e o fato da moradia de aluguel ser compulsória e amplamente informal nas faixas de menor rendimento - favorecendo os proprietários tanto pela 
não incidência de IPTU quanto pela pressão da demanda. Por que outro motivo, senão o tamanho relativo da precariedade metropolitana, seria o RJ o campeão do aperto orçamentário da moradia em face de SP, MG e RS?

Aguardemos a divulgação do estudo.

2025-09-24

______
[1] "Não é possível fornecer o preço exato dos imóveis na Rocinha, pois as opções são muito variadas e dependem do imóvel, localização e características, mas é possível encontrar imóveis à venda a partir de cerca de R$ 130.000,00 (como visto no Facebook) ou R$ 230.000,00 (na Lopes) e casas para venda em comunidades como a Rocinha." [Google IA]

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Tarifa Zero: Somando pontos


Piauí 22-09-2025, por Clarisse Cunha Linke, Daniel Caribé e Roberto Andrés [*]
https://piaui.folha.uol.com.br/o-estudo-para-a-tarifa-zero-ja-existe-presidente/


O estudo para a Tarifa Zero já existe, presidente

(..) Hoje o Brasil vive um boom de Tarifa Zero. Já são 138 cidades com gratuidade do transporte todos os dias – número que cresce 32% ao ano. Cada vez mais cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, adotam a política, o que faz com que a população atendida aumente numa taxa ainda maior, de 50% ao ano. Atualmente, são mais de 8 milhões de brasileiros vivendo em cidades com Tarifa Zero.

Os resultados são inequívocos: a Tarifa Zero melhora a vida da população. Os mais beneficiados são os mais pobres, que passam a fazer deslocamentos antes impedidos pelo custo. Mais gente acessa postos de saúde, escolas, supermercados, parques e praças. O dinheiro que ia para a passagem vai para o comércio local, que aumenta as vendas. Como muitos migram dos carros para os ônibus, o trânsito diminui.

Um estudo da FGV publicado em fevereiro deste ano comparou 57 cidades com Tarifa Zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. A gratuidade dos ônibus resultou em aumento de 3,2% de empregos, aumento de 7,5% no número de empresas e redução de 4,2% de emissão de gases poluentes. São Caetano do Sul (SP) implantou a Tarifa Zero e viu o trânsito reduzir, com a retirada de 1.500 carros das ruas por hora, segundo monitoramento feito em parceria com Google e Waze. Nove em cada dez prefeitos que implementaram a medida foram reeleitos em 2024. (..)

O estudo propõe uma fonte de financiamento que não disputa os recursos existentes do governo e tampouco cria novos tributos. A solução passa pela mudança na forma de contribuição das empresas, com grande potencial de aumento de arrecadação.

Hoje, apenas uma parte dos empregos formais no Brasil contribui com o Vale Transporte, pois a política é opcional para os empregados e deixa de ser vantajosa para salários médios e altos. A conta fica nas costas dos trabalhadores mais pobres, que contribuem com até 6% dos seus salários, e dos informais, que pagam a tarifa “cheia” em seus deslocamentos.

A proposta do estudo substitui o Vale Transporte por uma contribuição exclusiva das empresas, para todos os funcionários. Micro e pequenas empresas ficam isentas, mas seus funcionários terão direito ao benefício. Com o valor de 220 reais por empregado por mês, será possível arrecadar 100 bilhões de reais por ano, o suficiente para financiar todo o sistema de transporte no país, já considerando o aumento da demanda.

A proposta é similar ao Versement Transport, política que existe na França há mais de cinquenta anos. (..)

2025-09-22

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Aluguel rotativo, por bem ou por mal

O Globo 14-09-2025, por Mariana Rosetti e Paola Churchill
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/09/14/de-temporario-a-permanente-crise-habitacional-forca-brasileiros-a-viverem-indefinidamente-em-albergues-na-europa.ghtml

De temporário a permanente: crise habitacional força brasileiros a viverem indefinidamente em albergues na Europa
Foto (detalhe): O Globo

Quando os proprietários ainda exigem agências imobiliárias, as taxas equivalem a um mês de aluguel, além da caução que pode variar de um a seis meses

(..) Em 2024, os preços da habitação em Portugal subiram 9,1%, quase três vezes mais que a média europeia de 3,3%, segundo dados do Eurostat. Na União Europeia (UE), 10,6% das famílias que vivem em cidades gastam mais de 40% da renda com moradia. O resultado: 896 mil pessoas dormem nas ruas. Em Portugal, das quase 11 mil pessoas em situação de rua, 10% são estrangeiros. (..)

O advogado Kevin de Sousa, especialista em Direito Imobiliário e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), ressalta que, do ponto de vista jurídico, as acomodações não foram criadas para esse fim. Por isso, são enquadradas como hospedagem turística, sujeitas a regras de higiene e segurança, mas sem oferecer as garantias próprias de um contrato de aluguel residencial.

“Na prática, isso cria um limbo jurídico: a pessoa mora em um albergue, paga mensalmente, mas não tem nenhum dos direitos que teria em uma locação formal. É um arranjo que atende à necessidade imediata, mas que coloca o imigrante em situação de alta vulnerabilidade”, explica. (..)

2025-09-17  

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Rio 40.000 graus

Diário do Rio 07-07-2025, por Victor Serra
https://diariodorio.com/paes-oferece-antigo-predio-do-jockey-club-no-centro-como-sede-permanente-do-brics-no-rio/

Paes oferece antigo prédio do Jockey Club, no Centro, como sede permanente do BRICS no Rio

Montagem: À beira do urbanismo
Foto: Diário do Rio
2025-09-10

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Krugman: sobre a crise de moradia nos EUA

Substack 03-09-2025, por Paul Krugman 
https://paulkrugman.substack.com/p/yes-america-has-a-housing-emergency (pago)
 
Yes, America Has a Housing Emergency
But Trump will make it worse

(..) We do, in fact, have a housing emergency. Over the past decade home prices have risen much faster than the overall cost of living, so the popular perception that housing has become unaffordable is grounded in reality:

Why has this been happening? The home price surge since 2015 looks very different from the housing bubble of the 2000s. That bubble was largely driven by speculation, with house prices rising much faster than rents. The price surge also bypassed sunbelt cities like Atlanta, Houston and Dallas, where housing supply expanded to meet rising demand.

This time, however, we’re looking at a truly national phenomenon. As Edward Glaeser and Joseph Gyourko document in a recent paper, housing prices have risen rapidly, without eliciting a large increase in homebuilding, even in cities that avoided the 2000s bubble.

Back in July, looking at the case of Atlanta, I suggested that we might be looking at the limits of sprawl. In the 2000s cities like Atlanta could add housing by spreading ever further out, adding single-family homes at their edges. At this point, however, they’ve sprawled so far that this doesn’t work anymore. Another recent academic paper, by Orlando and Redfearn, argues that sprawl has been

pushing single-family home builders farther away from the amenities that make these urban areas attractive. Eventually, this progression reaches a limit in which commuting back to these amenities is too costly. At this point, the greenfield land is effectively “built out.”

The obvious answer is to turn inwards — to build more housing by increasing population density, in particular by building multifamily housing. As I noted in my Atlanta piece, sunbelt cities still have extremely low population densities compared with blue-state cities:

So they could add a lot more housing and bring prices down — if local politics would allow it. Unfortunately, it generally won’t. Glaeser and Gyourko conclude their paper on a despairing note, suggesting that all our major cities, in red states as well as blue, have become places where existing homeowners have become effective at stopping new construction.

Which brings me back to Bessent saying that we have a housing emergency. What will he do about it?

Another man, in another administration, might go YIMBY — “yes in my backyard” — and try to tackle the political obstacles to housing construction. But take a look at Mandate for Leadership, the manifesto issued by the Heritage Foundation’s Project 2025. It’s all for deregulation when it comes to things like pollution controls. But when it comes to housing, it goes full NIMBY:

Congress should prioritize any and all legislative support for the single-family home … American homeowners and citizens know best what is in the interest of their neighborhoods and communities. Localities rather than the federal government must have the final say in zoning laws and regulations, and a conservative Administration should oppose any efforts to weaken single-family zoning.

So no, the Trump administration won’t do anything to expand housing supply, which is the only way to make housing more affordable. (..)

domingo, 24 de agosto de 2025

Tenochtitlán

BBC News Mundo 14-03-2025, por Darío Brooks
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5y24dwenw5o.amp

"Esta grande cidade de Temixtitán foi fundada nesta lagoa salgada. (..) Ela tem quatro entradas, todas com calçadas feitas a mão, com a largura de duas lanças de cavaleiros. É uma cidade tão gloriosa quanto Sevilha e Córdoba [na Espanha].Suas ruas principais são muito largas e retas. Algumas delas e todas as demais são metade de terra, metade com água, onde eles andam com suas canoas."

Foi assim que o explorador espanhol Hernán Cortés (1485-1547) descreveu a cidade de México- Tenochtitlán (Temixtitán, segundo seu entendimento), em um dos mais antigos relatos escritos (1520) de como era o centro político e social dos mexicas, como também eram chamados os astecas que viviam no sul do México e na América Central.

México-Tenochtitlán e sua cidade-gêmea, México-Tlatelolco, causaram assombro nos espanhóis, devido ao seu avançado grau de urbanização.

"Esta cidade tem muitas praças, onde existem mercados permanentes e trabalhos de compra e venda", prossegue Cortés. "Ela tem outra praça, com cerca do dobro do tamanho da cidade de Salamanca [na Espanha], toda cercada por portais ao seu redor, onde, todos os dias, há mais de 70 mil almas comprando e vendendo; onde há todos os gêneros de mercadorias encontrados em todas as terras, desde mantimentos e víveres, até joias de ouro e prata, chumbo, latão, cobre, estanho, pedras, ossos, conchas, caracóis e plumas."

No momento da sua chegada, a cidade vivia uma das suas épocas de maior esplendor. (..)

2025-08-15

domingo, 17 de agosto de 2025

domingo, 10 de agosto de 2025

Busão 0800: Tarifa Zero em BH


O Globo 01-08-2025, por Roberto Andrés, Helton Júnior, Michelly Siqueira [*]
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/08/tarifa-zero-e-viavel-e-traz-beneficios.ghtml


Tarifa zero é viável e traz benefícios

A crise do transporte público se agrava no Brasil. A cada ano, a população convive com a piora dos serviços e com o aumento das tarifas. Cortes de linhas deixam bairros inteiros sem transporte. Atrasos são recorrentes, assim como lotações em horário de pico. Os ônibus à noite são escassos.

Só há uma situação em que a população está satisfeita: nas 137 cidades com tarifa zero integral. Nelas, o uso dos ônibus cresceu de duas a quatro vezes, sobretudo nos horários em que circulavam vazios. Com mais gente nas ruas, aumentam as vendas no comércio e o acesso a postos de saúde, praças, parques e escolas.

Um estudo da Fundação Getulio Vargas comparou 57 cidades com tarifa zero com 2.731 que ainda cobram passagem. O resultado é impressionante: a gratuidade do transporte gerou 3,2% mais empregos, 7,5% mais empresas e 4,1% menos emissões. Difícil encontrar políticas públicas com impactos tão relevantes.

Até este momento, a gratuidade integral do transporte no Brasil se resume a cidades pequenas e médias. A razão é que o custo percentual do transporte cresce exponencialmente. Em cidades com até 500 mil habitantes, as prefeituras financiam a tarifa zero com 1% a 3% do orçamento. Em cidades maiores, esse percentual tende a subir.

Ou seja, nos grandes centros é preciso buscar recursos complementares. A notícia boa é que o Brasil estabeleceu essa fonte há 38 anos, quando foi promulgada a Lei do Vale-Transporte. Ali, decidiu-se que o setor empresarial teria participação no financiamento do transporte público.

Mas o desenho da Lei do Vale-Transporte faz com que, quando uma prefeitura zera a tarifa, a contribuição do vale-transporte também se torna zero. Ou seja, as pessoas jurídicas daquele município deixam de contribuir, embora se beneficiem do aumento de vendas no comércio.

A solução para o problema está colocada no Projeto de Lei 60/2025, que tramita na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Trata-se de uma solução constitucional, alinhada com o Marco Legal do Transporte em tramitação no Congresso Nacional, e que pode ser replicada em outras cidades.

O PL do Busão 0800, como ele tem sido chamado, zera a tarifa do transporte e estabelece quatro fontes de financiamento: as multas cobradas das empresas de ônibus, a publicidade, o subsídio da prefeitura e uma contribuição a ser paga pelas pessoas jurídicas. Essa contribuição substituiria o vale-transporte, não sendo portanto um gasto novo.

Embora tenha havido dúvida sobre a constitucionalidade de cobrar taxas para financiamento do transporte, hoje especialistas em Direito Tributário consideram a cobrança alinhada à Constituição — especialmente após o julgamento do tema 1.282 pelo STF, em março deste ano, que considerou constitucional a taxa do Corpo de Bombeiros.

Com as receitas previstas, calcula-se que o sistema de transporte em Belo Horizonte poderia arrecadar mais de R$ 2 bilhões por ano, o que é 20% a mais do que a arrecadação atual. Com isso, seria possível zerar a tarifa para os usuários — hoje, a tarifa responde por somente 26% das receitas do sistema — e zerar também o subsídio da prefeitura, que ultrapassa R$ 700 milhões anuais.

Um estudo recente de economistas da UFMG mostrou que o impacto nas empresas é pequeno. A contribuição, estimada em R$ 185 por funcionário por mês, com desconto de até nove funcionários por CNPJ, impactaria em média 0,91% na folha salarial das pessoas jurídicas da cidade.

O PL 60/2025 tem a assinatura de 22 vereadores (53% dos integrantes da Casa) de 12 partidos diferentes, simbolizando uma união entre esquerda, centro e direita em prol da cidade. Ao fazer o debate consistente sobre o transporte público, a Câmara Municipal de Belo Horizonte pode não só trazer um grande benefício para a população da cidade, mas tornar viável um modelo transformador para o transporte público em todo o país.

2025-08-10

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[*] Helton Júnior, administrador público, é vereador (PSD) e vice-líder do governo na Câmara Municipal de Belo Horizonte, Michelly Siqueira, advogada, é vereadora (PRD) e líder do bloco Independência Democrática na Câmara de Belo Horizonte, Roberto Andrés, urbanista e professor da UFMG, é autor do livro “A razão dos centavos”

domingo, 3 de agosto de 2025

O VLT de Botafogo e o Metrô Rio-Itaboraí


Diário do Rio 25-07-2025
https://diariodorio.com/estudo-do-bndes-propoe-nova-linha-de-vlt-entre-botafogo-e-leblon-com-20-estacoes-na-zona-sul/

Montagem: Àbeiradourbanismo
A essa altura, a frase "O projeto prevê integração com o Metrô" quer dizer que o VLT de Botafogo, assim como o da Portuária / Centro, [1] terá uma tarifa própria com um desconto irrisório para a 'viagem integrada'. 

Ou seja, o sistema de transportes do Rio de Janeiro seguirá sendo um emaranhado de lucrativas permissões e concessões que, tudo considerado, provavelmente sai muito mais caro para os usuários e para o próprio Estado do que se fosse administrado como um sistema único verdadeiramente integrado. 

Como escrevi em outra postagem há mais de três anos: 

(..) sistemas de transporte urbano em grandes cidades são inapelavelmente deficitários pela simples razão de que a tarifa que cobre seus custos de implantação e operação já não cabe, faz tempo, no bolso da imensa maioria dos usuários. A circulação é a mãe de todas as deseconomias metropolitanas e o subsídio coletivo à mobilização - e ao custo! - da força de trabalho a primeira lei do transporte urbano. (..) 

A ideia recorrente de que a privatização dos transportes de grande capacidade reduz o déficit é um embuste: os privados não arcam com os custos de implantação e aquisição de material rodante e a fragmentação do sistema gera desarranjos em cadeia que o tornarão ainda mais caro a longo prazo. As concessões são meras oportunidades de gestão monopolista de pedaços da rede e seus componentes - a operação, de preferência - às expensas do conjunto. [2]

Falando nisso, se a IA não serve para otimizar a gestão econômica de sistemas públicos complexos, ainda que deficitários, para quê serve, afinal?    
 
E vamos combinar: por que razão só a Zona Sul tem direito a uma melhoria de transporte patrocinada pelo BNDES e o Ministério das Cidades? 

Sim, é verdade. Foi anunciado recentemente pela imprensa o início dos trabalhos para a implantação da Linha 3, ligando o Rio de Janeiro a Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. 

Contudo, no saite do Metrô Rio não há qualquer menção a essa linha e esse plano, assim como a nenhum outro. Seus principais links são, muito sintomaticamente, “Relação com Investidores” e “Informações para o Mercado”. O saite da RioTrilhos, instituição que carrega o nome pomposo de Companhia de Transporte sobre Trilhos do Estado do Rio de Janeiro, é uma viagem ao nada. 

Mas ficamos sabendo, pelo saite do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE UFRJ, [3] que em 3 de de junho foi lançado o “projeto PRISMA”, descrito como “uma iniciativa inovadora da COPPE/UFRJ que vai dar suporte técnico à implantação da tão aguardada Linha 3 do Metrô do Rio de Janeiro”. 

A pergunta é: se não é foi a RioTrilhos, nem o Metrô, nem a COPPE (cuja missão aqui é dar suporte técnico à implantação da Linha 3), quem, afinal, propôs, quem analisou e quem decidiu que a ligação Rio-Itaboraí é o projeto de expansão prioritário do Metrô do Rio?

É por intermédio do jornal O Globo de 08-06-2025 [4] que ficamos sabendo (?) a origem e o percurso desse plano:

“O estudo para a criação da nova linha metroviária, que deverá conectar São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e Rio de Janeiro, é fruto de um pedido do governo federal, via emendas parlamentares, no valor de R$ 26 milhões. O valor será repassado em três parcelas, e a primeira já foi encaminhada. O estudo tem prazo de 30 meses para conclusão. De acordo com a Coppe, o projeto busca oferecer uma base técnica para decisões estratégicas sobre o traçado, a viabilidade econômica e os impactos sociais da linha, prometida pelos prefeitos do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e de Niterói, Rodrigo Neves, caso as duas cidades vençam a disputa pela organização dos Jogos Pan-Americanos de 2031. As emendas parlamentares foram encabeçadas pelo senador Flavio Bolsonaro (PL) e envolve mais um senador e quatro deputados federais.”

Dos sofismas do urbanismo Panamericano e Olímpico já falamos muito neste blog. A novidade nesta matéria é dizer, de um modo um tanto capcioso, que o estudo para a criação da Linha 3 provém de "um pedido do governo federal via emendas parlamentares" (!?) cuja procedência só (muito) mais adiante se esclarece: "(..) foram encabeçadas pelo senador Flavio Bolsonaro (PL) e envolve mais um senador e quatro deputados federais".      

A única boa notícia aqui é que a seriedade e qualidade técnica do estudo em questão está garantida. Diz O Globo:

“O estudo é coordenado pelo professor Rômulo Orrico, do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da Coppe. Questionado sobre o objetivo do projeto, ele comparou a iniciativa a trabalhos anteriores e disse que busca um estudo técnico “que funcione”.

— Sobre o itinerário, por exemplo, levantamos oito estudos anteriores, inclusive um dos anos 1960, do Negrão de Lima (governador do então estado da Guanabara, de 1965 a 1971). Nosso projeto não está preso aos itinerários pensados pelos anteriores. Vamos examiná-los, mas é importante lembrar que a implementação não cabe a nós. A intenção é trazer as melhores informações e análises, e o gestor toma a decisão — diz.

Ele destacou os desafios que o estudo deve enfrentar ao longo dos próximos 30 meses, como o apagão de dados sobre mobilidade e comportamento do trânsito.

— É histórica no Brasil a carência de dados nesse campo. A morfologia das cidades mudou, subcentros cresceram. Duque de Caxias, por exemplo, era uma cidade dormitório nos anos 1970, e veja a centralidade dela hoje em dia. Essas mudanças implicam na necessidade de novos estudos. Vamos lidar com uma cidade complexa. Niterói não é um subúrbio do Rio. A ligação entre Niterói e São Gonçalo, pelos dados do IBGE, é a segunda mais importante ligação intermunicipal do país, quando consideramos origem e destino. Só perde para São Paulo e Guarulhos. Vamos precisar de um baita projeto técnico — reconhece.

Desejo, de coração, boa sorte ao PET COPPE, minha alma mater em matéria de transportes urbanos, nessa empreitada - interessantíssima, mas, dadas as circunstâncias, não menos espinhosa e arriscada. 

2025-08-03

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[1] O VLT da Portuária/Centro agora é “tarifa zero”. Por qual razão, ainda não sei. Até há pouco a "tarifa integrada" era um pequeno desconto sobre a soma das duas tarifas, que, salvo engano, continua sendo a regra geral na cidade.

[2] “Transmilenio:quem vai pagar a conta?"À beira do urbanismo 08-01-2022
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2022/01/transmilenio-quem-vai-pagar-conta.html

[3] "Coppe inicia estudo milionário para Linha 3 do metrô, que ligaria Rio a Niterói sob a Baía de Guanabara"
https://oglobo.globo.com/rio/bairros/niteroi/noticia/2025/06/08/coppe-inicia-estudo-milionario-para-linha-3-do-metro-que-ligaria-rio-a-niteroi-sob-a-baia-de-guanabara.ghtml

domingo, 27 de julho de 2025

Nuno Portas, arquiteto e urbanista 1934-2025

"(..) Estudioso incansável do difícil casamento do plano com o projeto, exposto por isso mesmo ao fogo cruzado constante, ainda que de baixa intensidade, entre "projetistas" e "planejadores" da minha vizinhança imediata – além de inspirado palestrante capaz se apresentar em conferências trajando gravatas com mapas de Lisboa –, Portas, convidado por Conde a desenvolver no Rio, dentre outros, o projeto que o próprio convidado batizou de "Sás", lançou-me uma ponte imediata com seu interesse pelo que chamava de “plano do chão”- resquício talvez, dizia, do “urbanismo dos traçados” - um componente primário do processo de desenvolvimento urbano induzido pela intervenção da municipalidade. E se havia na SMU daquela época alguém interessado em "planos de chão", esse alguém era eu.

Em algum momento do nosso divertido convívio na prefeitura do Rio de Janeiro, Portas falou-me de seu incômodo com um insuficiente conhecimento “dessas coisas que se passam embaixo da terra” e de certa nostalgia da época em que os urbanistas eram engenheiros-arquitetos. Eu, que a essa altura já ruminava o urbanismo como disciplina derivada da interação de especialidades como a arquitetura, a engenharia, a economia, a geografia, o direito, a sociologia e outras -logias focadas na cidade, dei-me o direito de interpretar livremente a conjectura do mestre para deduzir, por minha conta e risco, a ideia da emancipação dos cursos de urbanismo das faculdades de arquitetura em prol de uma formação autenticamente profissional - tese que um dia, quem sabe, estarei defendendo neste blog.

Devo a Nuno Portas, que parecia interessar-se não tanto pelos PAs da prefeitura quanto pela minha leitura urbanística das redes de vias públicas, tráfego e transportes do Centro do Rio de Janeiro, a indicação para, por conta do camaleônico “Plano Estratégico” então em voga na cidade, passar uma agradável semana de trabalho na Plaça Reial de Barcelona acompanhando a feina arquitetônica de Oriol Bohigas e sua equipe a produzirem um projeto para a Frente Marítima da Praça XV, cujo resultado mais visível, único talvez se não me engano, foi o redesenho viário da Rua 1º de Março à altura do Edifício Garagem Menezes Cortes.

Em homenagem a Nuno Portas, e também porque na vida de urbanista a realização, mesmo que parcial, de uma ideia pode ser um momento raro, eu faço questão de chamar a bem-sucedida praça pública por ele proposta ao redor da Estação Estácio do Metrô do Rio de Janeiro, junto ao "Teleporto" da Cidade Nova, de “Parque Teleportas”, trocadilho que espero estar à altura da ironia subjacente ao título "Projeto Sás".  Tenho guardado, em algum lugar, uma ou outra folha de papel A3 contendo desenhos, gráficos, comentários e esquemas analíticos seus para o projeto, como lembrança dos bons tempos em que o urbanismo me parecia uma atividade relevante e factível para profissionais municipais que desejassem exercê-lo, em todos os níveis, independentemente de sua adesão a alguma máquina político-eleitoral. Eu ainda estava na prefeitura do Rio quando essa ilusão se desfez. (..) [*]

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[*] “Recapitulando”, À beira do urbanismo 21-08-2014, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/09/recapitulando.html

2025-07-27


sexta-feira, 25 de julho de 2025

O MCMV e o subsídio público à renda - de incorporação e de aluguel


O Estado de S Paulo 25-07-2025
https://www.estadao.com.br/economia/localizacao-tamanho-do-imovel-interessa-ao-mais-jovem-nprei/

Montagem: Àbeiradourbnanismo
Mesmo sabendo que o Minha Casa Minha Vida está longe de resolver o problema do imenso contingente de trabalhadores cujos rendimentos só lhes dá acesso à moradia informal, julgo que o programa é um sucesso no que tange à ampliação da demanda solvável de incorporações imobiliárias, portanto do acesso de trabalhadores qualificados à casa própria, pelo qual já foi dito, por gente da própria incorporação, a “salvação do setor imobiliário brasileiro”.

Há que considerar, porém, dois aspectos.

Primeiro, o inevitável - a conversão, por intermédio do adquirente, do subsídio ao juro fornecido pela CEF em renda imobiliária nos cofres das incorporadoras - objeto do negócio da incorporação sem o qual não haveria a sua participação no MCMV. Isso torna a cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir nas faixas superiores da demanda habitacional, para além da elementar ‘obrigação de urbanizar’, uma incontornável política compensatória do subsídio federal (CEF) à renda de incorporação, ainda que em favor dos municípios.

Segundo, o inaceitável - o uso de uma parte substancial do subsídio da CEF aos juros imobiliários para a produção de unidades destinadas ao aluguel rotativo nas regiões centrais das grandes metrópoles, sob a confortável cobertura do adensamento planejado dos corredores de transporte a da “preferência dos jovens por apartamentos compactos em lugares onde as coisas acontecem” - o que significa a conversão (aparentemente descontrolada) do subsídio ao juro destinado às famílias adquirentes em renda apropriada por investidores em moradia de aluguel.

2025-07- 27

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Santos 1959: O centro de Salvador, indústrias


SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 90-93
https://pt.scribd.com/doc/83594926/O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador

Indústrias > 5 operários, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit.

(..) Em 1955, para 514 estabelecimentos considerados industriais e fábricas em Salvador, 192 se localizavam nos quarteirões centrais. (..) Um total de 3.960 pessoas encontravam-se ocupadas nessas empresas, o que dá uma média de 20, aproximadamente, para cada estabelecimento. Na realidade, somente 159 estabelecimentos contavam mais de 5 operários (414 para a cidade inteira), sendo que a maior parte dos estabelecimentos empregavam entre 5 e 25 pessoas. (..) A grande maioria, tendo menos de 25 operários, são principalmente artesanatos, ligados à vida íntima da cidade. As necessidades diárias e imediatas da população urbana aí são satisfeitas, muitas vezes sem intermediário comercial. São exatamente pequenas fábricas, dispondo de um setor comercial. Tendo acima de 25 empregados, porém menos de 100, encontram-se estabelecimentos cuja atividade os leva a permanecer bem próximos dos quarteirões comerciais ou do mercado. Isso explica por que há uma verdadeira concentração desses estabelecimentos nos quarteirões centrais. Todos os jornais ali estão, bem como 32 das 33 tipografias e editoras, 30 das 41 casas de confecção de vestuário; a totalidade, exceto 3, das fábricas de calçados, as duas de refrigerantes e ¾ das padarias. (..) Essas indústrias, salvo exceções, são sobretudo complementares ao comércio, verdadeiro setor industrial de magazines. Orientam-se segundo as necessidades das casas comerciais, destinando sua produção a um consumo quase imediato, sem constituir estoque nas suas pequenas oficinas. Comumente, a razão comercial dos estabelecimentos que fabricam e dos que vendem os produtos é a mesma. Não é raro que uma loja mantenha, atrás ou num sótão, um pequeno artesanato cujos produtos aparecem nas suas vitrines... O melhor exemplo é o das casas de calçados da rua Dr. Seabra. Essas pequenas indústrias utilizam produtos semiacabados e os transformam para o consumo, ao qual fornecem, então, produtos acabados. (..) A Cidade do Salvador não é uma cidade industrial (..). Esse fato (..) leva à localização, nos quarteirões centrais da cidade, de certas indústrias e artesanatos relativamente numerosos em relação ao conjunto da cidade. (..)”

2025-07-09

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Santos 1959: O centro de Salvador, bancos


SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2a. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 89-90
https://pt.scribd.com/.../O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
Agências bancárias, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit.

(..) Os bancos da rede nacional financiam o comércio de exportação e importação, a agricultura comercial e a especulação imobiliária, bem como a indústria, embora em menor escala. (..) Os bancos regionais ou locais, possuindo capitais menores, interessam-se sobretudo pelo comércio, agricultura comercial e especulação imobiliária, que asseguram uma movimentação de fundos mais rápida. (..) Isso explica por que os bancos, ligados estreitamente ao comércio e, consequentemente, 'ao porto, tenham preferido a Cidade Baixa para a sua instalação. Ali os negócios financeiros criam quarteirões fortemente especializados, nas ruas Miguel Calmon, Portugal e avenida Estados Unidos. (..) É na Cidade Baixa que se acham as principais sedes bancárias, enquanto na rua Chile, São Pedro, Calçada e Baixa dos Sapateiros há escritórios secundários, as "agências metropolitanas". (..) O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas, sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas. Novas foram abertas em São Pedro, Baixa dos Sapateiros e Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para acolher um guichê bancário, bem como o fato, já mencionado, da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo por um guichê secundário do Banco do Estado. (..)

2025-07-02

domingo, 29 de junho de 2025

Portugal: capitalismo de rendas vs. moradia


The Guardian 25-06-2025
https://www.theguardian.com/commentisfree/2025/jun/25/lisbon-europe-portugal-golden-visa-capital-investors-short-term-rentals
“Over the past decade, Lisbon has undergone a dramatic transformation – from one of the most affordable capitals in Europe to the most unaffordable.

Between 2014 and 2024, house prices in the city rose by 176%, and by more than 200% in its central historic districts. The home price to income ratio, a key indicator of housing affordability, reflects this shift with stark clarity: today, Lisbon tops Europe’s housing unaffordability rankings. This trend extends to the national level. In 2015, Portugal ranked 22nd out of 27 EU countries for housing unaffordability. Today, it ranks first. In a country where 60% of taxpayers earn less than €1,000 a month, finding a rental below that price in the Portuguese capital is only possible if you’re willing to live in 20 sq metres – or less.

To understand how Lisbon reached this point, we need to look back to the years following the 2008 global financial crisis. As part of its shock plan to revive the economy, Portugal embraced a strategy of aggressive liberalisation, aiming to put Lisbon – and the country – on the global map for real estate investment and tourism. (..)”

2025-06-29

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Santos 1959: O centro de Salvador, comércio


SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2a. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, p. 82
https://pt.scribd.com/.../O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
Salvador 1894, Morales de los Ríos
(..) Até o fim do século XIX, todo o comércio se concentrava na Cidade Baixa, daí o nome que guardou até hoje: é o "Comércio" para o habitante de Salvador. O centro da Cidade Alta abrigava as principais funções administrativas e religiosas, tendo uma importante função residencial. O século XX traz uma nova especialização funcional, cada vez mais acentuada. À Cidade Baixa ficou reservada a função de centro do comércio grossista, enquanto encontramos na Cidade Alta o comércio varejista. O comércio varejista divide-se, nitidamente, em um setor de luxo e em um outro pobre, ocupando cada um deles uma zona diferente no interior do centro da cidade. À subida do comércio varejista para a Cidade Alta correspondeu o aumento da população nos bairros exteriores da mesma. Todavia, o sempre crescente número de imigrantes rurais, que gravam os recursos da população ativa, torna impossível um desenvolvimento mais notório do comércio varejista, fato que se reflete na diferença entre seu próprio quadro e o do comércio em grosso. O comércio varejista rico encontra-se nas ruas do coração da Cidade Alta, seguindo as linhas dos transportes coletivos, em direção aos bairros ricos. O comércio varejista pobre ocupa a Baixa dos Sapateiros (rua Dr. J.J. Seabra), artéria principal do tráfego de veículos coletivos que se dirigem aos bairros da classe média e pobre. O comércio varejista de luxo encontra-se principalmente nas ruas Chile, Misericórdia, Ajuda, Carlos Gomes, quase toda a avenida Sete de Setembro e uma parte da avenida Joana Angélica. (..)

2025-06-25