domingo, 27 de julho de 2025

Nuno Portas, arquiteto e urbanista 1934-2025

"(..) Teórico brilhante do turbulento casamento do plano com o projeto, exposto por isso mesmo ao fogo cruzado constante, ainda que de baixa intensidade, entre "projetistas" e "planejadores" da minha vizinhança imediata – além de inspirado palestrante capaz se apresentar em conferências trajando gravatas com mapas de Lisboa –, Portas, convidado por Conde a desenvolver no Rio, dentre outros, o projeto que o próprio convidado batizou de "Sás", lançou-me uma ponte imediata com seu interesse pelo que chamava de “plano do chão”- resquício talvez, dizia, do “urbanismo dos traçados” - um componente primário do processo de desenvolvimento urbano induzido pela intervenção da municipalidade. E se havia na SMU daquela época alguém interessado em "planos de chão", esse alguém era eu.

Em algum momento do nosso divertido convívio na prefeitura do Rio de Janeiro, Portas falou-me de seu incômodo com um insuficiente conhecimento “dessas coisas que se passam embaixo da terra” e de certa nostalgia da época em que os urbanistas eram engenheiros-arquitetos. Eu, que a essa altura já ruminava o urbanismo como disciplina derivada da interação de especialidades como a arquitetura, a engenharia, a economia, a geografia, o direito, a sociologia e outras -logias focadas na cidade, dei-me o direito de interpretar livremente a conjectura do mestre para deduzir, por minha conta e risco, a ideia da emancipação dos cursos de urbanismo das faculdades de arquitetura em prol de uma formação autenticamente profissional - tese que um dia, quem sabe, estarei defendendo neste blog.

Devo a Nuno Portas, que parecia interessar-se não tanto pelos PAs da prefeitura quanto pela minha leitura urbanística das redes de vias públicas, tráfego e transportes do Centro do Rio de Janeiro, a indicação para, por conta do camaleônico “Plano Estratégico” então em voga na cidade, passar uma agradável semana de trabalho na Plaça Reial de Barcelona acompanhando a feina arquitetônica de Oriol Bohigas e sua equipe a produzirem um projeto para a Frente Marítima da Praça XV, cujo resultado mais visível, único talvez se não me engano, foi o redesenho viário da Rua 1º de Março à altura do Edifício Garagem Menezes Cortes.

Em homenagem a Nuno Portas, e também porque na vida de urbanista a realização, mesmo que parcial, de uma ideia pode ser um momento raro, eu faço questão de chamar a bem-sucedida praça pública por ele proposta ao redor da Estação Estácio do Metrô do Rio de Janeiro, junto ao "Teleporto" da Cidade Nova, de “Parque Teleportas”, trocadilho que espero estar à altura da ironia subjacente ao título "Projeto Sás".  Tenho guardado, em algum lugar, uma ou outra folha de papel A3 contendo desenhos, gráficos, comentários e esquemas analíticos seus para o projeto, como lembrança dos bons tempos em que o urbanismo me parecia uma atividade relevante e factível para profissionais municipais que desejassem exercê-lo, em todos os níveis, independentemente de sua adesão a alguma máquina político-eleitoral. Eu ainda estava na prefeitura do Rio quando essa ilusão se desfez. (..) [*]

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[*] “Recapitulando”, À beira do urbanismo 21-08-2014, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/09/recapitulando.html

2025-07-27


sexta-feira, 25 de julho de 2025

O MCMV e o subsídio público à renda - de incorporação e de aluguel


O Estado de S Paulo 25-07-2025
https://www.estadao.com.br/economia/localizacao-tamanho-do-imovel-interessa-ao-mais-jovem-nprei/

Montagem: Àbeiradourbnanismo
Mesmo sabendo que o Minha Casa Minha Vida está longe de resolver o problema do imenso contingente de trabalhadores cujos rendimentos só lhes dá acesso à moradia informal, julgo que o programa é um sucesso no que tange à ampliação da demanda solvável de incorporações imobiliárias, portanto do acesso de trabalhadores qualificados à casa própria, pelo qual já foi dito, por gente da própria incorporação, a “salvação do setor imobiliário brasileiro”.

Há que considerar, porém, dois aspectos.

Primeiro, o inevitável - a conversão, por intermédio do adquirente, do subsídio ao juro fornecido pela CEF em renda imobiliária nos cofres das incorporadoras - objeto do negócio da incorporação sem o qual não haveria a sua participação no MCMV. Isso torna a cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir nas faixas superiores da demanda habitacional, para além da elementar ‘obrigação de urbanizar’, uma incontornável política compensatória do subsídio federal (CEF) à renda de incorporação, ainda que em favor dos municípios.

Segundo, o inaceitável - o uso de uma parte substancial do subsídio da CEF aos juros imobiliários para a produção de unidades destinadas ao aluguel rotativo nas regiões centrais das grandes metrópoles, sob a confortável cobertura do adensamento planejado dos corredores de transporte a da “preferência dos jovens por apartamentos compactos em lugares onde as coisas acontecem” - o que significa a conversão (aparentemente descontrolada) do subsídio ao juro destinado às famílias adquirentes em renda apropriada por investidores em moradia de aluguel.

2025-07- 27

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Santos 1959: O centro de Salvador, indústrias


SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 90-93
https://pt.scribd.com/doc/83594926/O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador

Indústrias > 5 operários, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit.

(..) Em 1955, para 514 estabelecimentos considerados industriais e fábricas em Salvador, 192 se localizavam nos quarteirões centrais. (..) Um total de 3.960 pessoas encontravam-se ocupadas nessas empresas, o que dá uma média de 20, aproximadamente, para cada estabelecimento. Na realidade, somente 159 estabelecimentos contavam mais de 5 operários (414 para a cidade inteira), sendo que a maior parte dos estabelecimentos empregavam entre 5 e 25 pessoas. (..) A grande maioria, tendo menos de 25 operários, são principalmente artesanatos, ligados à vida íntima da cidade. As necessidades diárias e imediatas da população urbana aí são satisfeitas, muitas vezes sem intermediário comercial. São exatamente pequenas fábricas, dispondo de um setor comercial. Tendo acima de 25 empregados, porém menos de 100, encontram-se estabelecimentos cuja atividade os leva a permanecer bem próximos dos quarteirões comerciais ou do mercado. Isso explica por que há uma verdadeira concentração desses estabelecimentos nos quarteirões centrais. Todos os jornais ali estão, bem como 32 das 33 tipografias e editoras, 30 das 41 casas de confecção de vestuário; a totalidade, exceto 3, das fábricas de calçados, as duas de refrigerantes e ¾ das padarias. (..) Essas indústrias, salvo exceções, são sobretudo complementares ao comércio, verdadeiro setor industrial de magazines. Orientam-se segundo as necessidades das casas comerciais, destinando sua produção a um consumo quase imediato, sem constituir estoque nas suas pequenas oficinas. Comumente, a razão comercial dos estabelecimentos que fabricam e dos que vendem os produtos é a mesma. Não é raro que uma loja mantenha, atrás ou num sótão, um pequeno artesanato cujos produtos aparecem nas suas vitrines... O melhor exemplo é o das casas de calçados da rua Dr. Seabra. Essas pequenas indústrias utilizam produtos semiacabados e os transformam para o consumo, ao qual fornecem, então, produtos acabados. (..) A Cidade do Salvador não é uma cidade industrial (..). Esse fato (..) leva à localização, nos quarteirões centrais da cidade, de certas indústrias e artesanatos relativamente numerosos em relação ao conjunto da cidade. (..)”

2025-07-09

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Santos 1959: O centro de Salvador, bancos


SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2a. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 89-90
https://pt.scribd.com/.../O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
Agências bancárias, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit.

(..) Os bancos da rede nacional financiam o comércio de exportação e importação, a agricultura comercial e a especulação imobiliária, bem como a indústria, embora em menor escala. (..) Os bancos regionais ou locais, possuindo capitais menores, interessam-se sobretudo pelo comércio, agricultura comercial e especulação imobiliária, que asseguram uma movimentação de fundos mais rápida. (..) Isso explica por que os bancos, ligados estreitamente ao comércio e, consequentemente, 'ao porto, tenham preferido a Cidade Baixa para a sua instalação. Ali os negócios financeiros criam quarteirões fortemente especializados, nas ruas Miguel Calmon, Portugal e avenida Estados Unidos. (..) É na Cidade Baixa que se acham as principais sedes bancárias, enquanto na rua Chile, São Pedro, Calçada e Baixa dos Sapateiros há escritórios secundários, as "agências metropolitanas". (..) O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas, sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas. Novas foram abertas em São Pedro, Baixa dos Sapateiros e Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para acolher um guichê bancário, bem como o fato, já mencionado, da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo por um guichê secundário do Banco do Estado. (..)

2025-07-02