CORREIA DA SILVA J O, “4.2.1 Urban Rents and Land Use” (excerto de “History of Spatial Economic Theory”, pp 47-48), em BACKHOUSE R, History of Economic Thought, Programa de Doutoramento em Economia, Faculdade de Economia do Porto, Universidade do Porto S/DATA
https://docs.google.com/document/d/1zbj2l8KUv4gQHpDrLZg0fLoA7P7cjSI3yQV-xMmgVdw/edit?usp=sharing
Montagem: Àbeiradourbanismo |
O problema aqui é que a policentralidade não nega nem esvazia a centralidade, fenômeno basilar da organização do espaço: ao contrário, o manifesta e reafirma em condições particulares, ou certo estágio, de desenvolvimento. Nessa questão estou com VILLAÇA, para quem, “nas regiões metropolitanas em geral, inclusive nas norte-americanas, continua a haver um centro principal, o tradicional, seja o de Chicago, de São Francisco ou de Nova Iorque, que é mais desenvolvido que os demais e por isso pode, e deve, ser chamado de ‘principal’”. E tenho dúvidas de que, como diz Gottdiener 1985 e parece admitir o próprio Villaça, a polinucleação “tenha como uma de suas consequências ou manifestações o enfraquecimento dos centros principais como aglutinadores do espaço metropolitano”. [1]
A tendência à dispersão, nos países ricos - não por acaso corriqueiramente chamados de "centrais" -, de subcentros e cidades satélites ao redor dos grandes polos metropolitanos do século XX, resulta precisamente da concentração da riqueza nacional e global em suas áreas de influência, levando a que se expandam a ponto de formar conglomerados urbanos como a Grande Londres (quase diria a Inglaterra inteira), a Grande Paris e a Grande Tóquio, o triângulo Ruhr-Bruxelas-Amsterdam e seu análogo Houston-Dallas-San Antonio, os corredores Boston-Washington D.C, Quebec-Toronto, Osaka-Kioto e Xangai-Nanquim etc. Ao invés de "enfraquecimento", a polinucleação poderia significar a integração das grandes cidades em estruturas múltiplas ainda mais centralizadoras dos fluxos de riqueza global.Retornando à metrópole, penso que o "modelo americano" não exprime leis de organização espacial urbana distintas das que vigoram no resto do mundo. As diferenças de rendimento determinam, desde os primórdios da urbanização de mercado, tanto a forma geral da distribuição sócio-espacial, que é a ocupação residencial das áreas centrais e pericentrais pelas famílias mais desafogadas e a periferização do conjunto inversamente proporcional aos rendimentos, quanto suas manifestações particulares, como a formação de enclaves periféricos de elevados rendimentos (jardins e alphavilles) e centrais de trabalhadores precarizados (cortiços e estalagens) - configuração antagônica à forma geral da distribuição sócio-espacial, mas compatível com a lei fundamental da economia do espaço (rendas fundiárias decrescentes com a distância às centralidades).[2]
Vejo o “modelo americano” vigente, pode-se dizer, há quase um século, como situação-limite da forma geral centro-periferia nas especialíssimas circunstâncias históricas, geográficas e culturais de sua expansão capitalista, que inverte, relativamente à Europa Ocidental, Japão e países intermediários como Brasil, México e Argentina, o foco do poder de preempção locacional das camadas sociais aptas a aceder à moradia pela via do mercado. Dentre essas circunstâncias, cito: (1) uma classe média excepcionalmente numerosa, que inclui a totalidade da pequena burguesia e um enorme contingente de trabalhadores urbanos com significativos excedentes de rendimentos sobre as necessidades básicas; (2) um imaginário social que conserva a propriedade privada da terra de fronteira como ideal de liberdade individual e realização familiar; (3) uma numerosa coleção de cidades expandindo-se sobre terras de baixíssimo preço por m2; (4) o Estado provedor de uma vasta estrutura de acessibilidade automotiva movida a gasolina barata; (5) um setor bancário descentralizado e apto a oferecer crédito em massa a baixíssimo custo para o financiamento de automóveis e moradias; (6) uma formidável base industrial capaz de produzir tudo isso em tempo recorde.De volta ao início, parece-me tão correto Villaça em dizer que o caráter polinucleado da metrópole estadunidense contemporânea é, em Gottdiener, "uma simples observação empírica, não uma teoria" [3] quanto Silva em sugerir - ainda que de passagem - que a gênese do centro urbano principal, ou histórico, da metrópole capitalista ainda está por ser explicada no domínio da economia espacial thuneniana.
____[3] VILLAÇA Flavio, op.cit., p. 38