segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Petróleo e estatais no Centro do Rio: uma nota

Deu no IBRAFi Notícias
07-01-2019, por Ramona Ordoñez e Bruno Rosa (O Globo  Economia 06/01/2019)

Retomada do petróleo anima mercado imobiliário do Rio


“(..) Um levantamento da Regus, 
empresa especializada no aluguel 
de salas comerciais, mostra que 
mais de 450 empresas 
relacionadas ao setor de petróleo 
e gás, entre operadores e 
prestadores de serviços, 
abriram ou ampliaram 
escritórios no Estado do Rio, 
principal zona produtora 
do Brasil, no ano passado.
A previsão da empresa é que este 
ano haja um aumento de 30% no 
número de companhias do setor 
em busca de espaços flexíveis, 
virtuais, ou em coworking, além 
de obter endereços fiscais no Rio 
para iniciar atividades no país.

O mercado carioca ganhou ainda 
um impulso extra no fim de 
dezembro, quando a Petrobras 
abriu uma licitação para alugar 
espaços de trabalho para até 
4.500 posições (pessoas) ao longo 
de três anos em regime de 
coworking. Ou seja, a estatal quer 
investir em um novo modelo que 
possibilite o trabalho em conjunto 
com outras empresas perto de sua 
sede, no Centro do Rio. (..)
Imagem: Edifício sede da 
Petrobrás na Avenida Chile, 
Centro do Rio de Janeiro

O papel da indústria do petróleo na recuperação do dinamismo imobiliário do Centro do Rio na primeira década do século XXI está competentemente analisado, e profusamente documentado, na dissertação da arquiteta e urbanista Alice Belém intitulada Novos Rumos para o Centro do Rio de Janeiro - os significados da prosperidade do petróleo (Especialização em Engenharia Urbana UFRJ 2013), que o leitor pode acessar pelo link [1].

Segundo Belém, “48% das empresas de petróleo e gás do município estão instaladas no Centro do Rio de Janeiro (..) com atividades relacionadas a Serviços, Produtos, Organização e Exploração & Produção”.

Ampliando o escopo da análise, Belém observa que, apesar das privatizações, as empresas estatais remanescentes com sede no Centro do Rio representam "vultosas massas de capital e expressivos contingentes de empregos, diretos e indiretos."

Em 2008, só a Petrobrás contava 31 mil postos de trabalho no Centro, incluindo Praça da Bandeira, sendo 8,9 mil no edifício-sede (Edise) da Avenida Chile e outro tanto distribuído em edificações novas e retrofitadas, próprias e alugadas, no corredor urbano Castelo-Cruz Vermelha-Estácio.


Fonte: Belém, A. Novos Rumos para o Centro do Rio de Janeiro - os significados da prosperidade do petróleo

Tendo em conta os fluxos financeiros associados a essas "massas de capital" e o nível salarial médio desses empregos, pode-se supor a importância decisiva das estatais herdadas dos ciclos desenvolvimentistas do século XX e, mais recentemente, da renovada economia do petróleo, como contraponto aos efeitos negativos (a) da mudança da capital para Brasília em 1960, (b) das crises econômicas recorrentes e (c) da concorrência inexorável dos subcentros sobre a dinâmica imobiliária e a conservação e uso do estoque de bens públicos do Centro do Rio.

Assunto para um livro inteiro ou uma tese doutoral; no meu caso, quem sabe dois ou três artigos para este mesmo blog. Um deles, com certeza, seria dedicado a debater a hipótese de Villaça, enunciada em sua obra magna Espaço Intra-Urbano no Brasil (1998), de que “a única explicação possível para o fato de partes significativas das elites cariocas ainda usarem o centro do Rio”, fazendo dele o menos afetado dentre os centros metropolitanos brasileiros pelo abandono dos grupos sociais afluentes, “é uma só: a força da tradição e das monumentalidades herdadas do passado”. [2]

Não seria o caso - pergunto - de incluir como fator explicativo da resiliência econômica no Centro do Rio, ao lado da indiscutível “força da tradição” materializada em um tesouro de bens legados pela capital da Colônia, do Império e da República, a condição de sede do parque de empresas estatais nacionais e a circunstância de capital da indústria (cada vez menos) brasileira do pré-sal?

Não por acaso considero, faz tempo, a expansão da "indústria da administração petroleira" sobre o vetor Castelo-Cruz Vermelha-Estácio um aspecto ineludível do debate sobre os parcos sucessos e muitos desacertos da Operação Urbana Porto Maravilha, bem como das decisões relativas ao Metrô, portanto de toda a política oficial voltada à "revitalização do Centro" nos últimos 20 anos.
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[2] VILLAÇA, Flavio. Espaço Intra-Urbano no Brasil (1998), São Paulo: Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute, 2001, p.292


2019-01-14