terça-feira, 20 de junho de 2017

A cidade ex novo como núcleo histórico

Expansão urbana de Maringá - PR
1947 (plano original), 1980 e 2014

Fonte: Rubira 2016 [1]
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O estudo das cidades ex novo da época moderna importa menos pela fama que carregam de "cidades planejadas" do que pelo testemunho que nos dão das possibilidades, limites e contradições envolvidas no processo de planejamento urbano.

Uma dessas contradições, de consequências práticas pouco claras mas culturalmente bem estabelecida, diz respeito à natureza singular de seu "núcleo histórico" - abrangendo o “centro” propriamente dito e o perímetro urbano original -, nem sempre devidamente reconhecido, ou valorizado, como tal pelos munícipes e suas instituições.[2]

Em textos não acadêmicos disponíveis na Internet, o termo cidade planejada quase sempre se refere a alguma cidade construída "do zero" - quer sobre um autêntico vazio rural, quer sobre um núcleo rural ou litorâneo pré-existente. Sua marca distintiva é a existência de um traçado.

Na verdade, o "plano" de uma cidade nova pode tanto consistir em pouco mais do que um simples tabuleiro, como no caso de Teresina e Aracaju - disputadas como "mais antiga cidade planejada do Brasil" - como, no outro extremo, em um conjunto urbano totalmente edificado e rigidamente regulado, como no caso de Brasília. O mais das vezes, no entanto, verificam-se situações intermediárias: um trama projetada de vias e praças públicas, acompanhada de um conjunto de regulações básicas relativas ao zoneamento, ocupação do solo e preservação de áreas verdes.

O certo é que, em quase todos os casos, o crescimento da cidade nova transborda o limite originalmente estabelecido e novos ciclos regulatórios e de obras públicas - viárias, principalmente - têm início, para dar conta, dentre outros, do próprio processo de expansão urbana. Não raro, esse transbordamento é concomitante à execução do projeto original, pela via do assentamento não devidamente programado dos trabalhadores envolvidos em sua construção.

É assim que as "cidades planejadas", independentemente de sua posição na escala da modernidade, se convertem, pode-se dizer, em núcleos históricos de suas próprias transfigurações metropolitanas, caracterizados não pela antiguidade dos conjuntos edificados remanescentes - geralmente reciclados, lá onde existem, para uso geral sob a tutela de programas especiais de proteção e conservação - mas pelos atributos técnicos, funcionais e artísticos de componentes ainda plenamente operacionais como o traçado, os parques e áreas verdes, os centros cívico e administrativo etc., mais ou menos bem adaptados aos primeiros ciclos de sua vida útil.  

Estou postulando que o núcleo planejado de uma metrópole fundada no século XX pode ser tão “histórico” e prenhe de significados e tradições quanto qualquer Centro Histórico declarado Patrimônio da Humanidade pelas Nações Unidas! Depende, talvez, do que o observador entende por “história” e do que busca no qualificativo que lhe corresponde.

Em postagens futuras, buscarei examinar sob este prisma os núcleos planejados de quatro importantes cidades novas brasileiras, criadas sob os auspícios do urbanismo moderno em distintas épocas, lugares e circunstâncias: Belo Horizonte (1895), Goiânia (1933), Maringá (1947) e Brasília (1960).

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[1] Rubira, Felipe G, “Análise multitemporal da expansão urbana de Maringá-PR durante o período de 1947 a 2014 envolvendo o Parque Municipal do Cinquentenário e as principais áreas verdes do município”, em Caderno de Geografia (PUC Minas), v.26, n.46, 2016, pp 334-361. http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/view/P.2318-2962.2016v26n46p333/9513

[2] “Hemos visto que los habitantes de La Plata no demostraron reconocer el valor del patrimonio histórico de fines del siglo XIX y se mostraron indiferentes ante los edificios nuevos y prácticos. ¿Por qué esa cultura de demoler el pasado? ¿Por qué no construir nuevos lugares, nuevos sitios preservando e incorporando lo antiguo?” LOSANO G, “La Plata: de la ciudad apreciada a la ciudad ignorada”. Geograficando año 2, no. 2, 2006, p. 201-223
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.360/pr.360.pdf


2017-06-22