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Esse efeito se aplica a logradouros, praças e parques públicos, bens tombados, aeroportos e até para a estação ferroviária mais famosa do mundo - a Gare du Nord, de Paris. O princípio é o mesmo. Mas nem sempre dá certo, por múltiplas razões: a espiral de valorização do solo é um animal altamente sensível.
Não será fácil aos eventuais interessados no Jardim de Alah, que acaba de ser oferecido pela Prefeitura do Rio de Janeiro à iniciativa privada, fazer o negócio acontecer e prosperar.
Ainda que estrategicamente situado entre os bairros de Ipanema e Leblon, os mais valorizados do Rio de Janeiro e do Brasil, o Jardim de Alah é também uma área estigmatizada pelos ofertantes de excedentes orçamentários como endereço, e parque público adjacente, de pelo menos 1.000 famílias de baixa renda e pouca escolaridade, majoritariamente negras, residentes na Cruzada São Sebastião - conjunto habitacional construído na década de 1950 sob a égide da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o patrocínio de Dom Helder Câmara para receber população oriunda das favelas da Zona Sul em processo de erradicação -, sendo esta, com toda certeza, a verdadeira razão da prefeitura "não ter dinheiro para a sua manutenção".
Entre os que querem, mas não têm poder de exigir um parque público decente na porta de seu condomínio; os que podem, mas não fazem questão porque seus apartamentos já dão para ruas, calçadas e calçadões muito mais chiques e bem tratados; e os que governam mais preocupados em agradar os financiadores de suas campanhas eleitorais, o Jardim de Alah acabou virando uma "terra de ninguém" no coração da Zona Sul.
07-08-2019, por Gustavo Goulart
Sem dinheiro, prefeitura vai privatizar Jardim de Alah, que ganhará restaurantes e outros empreendimentosEm tempos de economia estagnada e rápida concentração da renda familiar, a sina de toda e qualquer terra urbana bem localizada é se tornar alvo de empreendimentos cujos produtos e serviços apelem aos que consintam em pagar, por aquela vantagem, uma parte de seu cobiçado excedente orçamentário.
O fato de um imóvel bem situado estar construído sobre, ou ser ele próprio, terra pública é quase irrelevante: caçadores de oportunidades especulativas sempre podem justificar a iniciativa como "parceria público-privada visando a manutenção e melhoria do equipamento". Dependendo do tamanho do negócio, a parceria pode implicar um simples "patrocínio" ou reivindicar um prospecto socialmente grandioso, como “legado olímpico".
Esse efeito se aplica a logradouros, praças e parques públicos, bens tombados, aeroportos e até para a estação ferroviária mais famosa do mundo - a Gare du Nord, de Paris. O princípio é o mesmo. Mas nem sempre dá certo, por múltiplas razões: a espiral de valorização do solo é um animal altamente sensível.
Não será fácil aos eventuais interessados no Jardim de Alah, que acaba de ser oferecido pela Prefeitura do Rio de Janeiro à iniciativa privada, fazer o negócio acontecer e prosperar.
Ainda que estrategicamente situado entre os bairros de Ipanema e Leblon, os mais valorizados do Rio de Janeiro e do Brasil, o Jardim de Alah é também uma área estigmatizada pelos ofertantes de excedentes orçamentários como endereço, e parque público adjacente, de pelo menos 1.000 famílias de baixa renda e pouca escolaridade, majoritariamente negras, residentes na Cruzada São Sebastião - conjunto habitacional construído na década de 1950 sob a égide da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o patrocínio de Dom Helder Câmara para receber população oriunda das favelas da Zona Sul em processo de erradicação -, sendo esta, com toda certeza, a verdadeira razão da prefeitura "não ter dinheiro para a sua manutenção".
Entre os que querem, mas não têm poder de exigir um parque público decente na porta de seu condomínio; os que podem, mas não fazem questão porque seus apartamentos já dão para ruas, calçadas e calçadões muito mais chiques e bem tratados; e os que governam mais preocupados em agradar os financiadores de suas campanhas eleitorais, o Jardim de Alah acabou virando uma "terra de ninguém" no coração da Zona Sul.
Transformá-lo num negócio rentável dependerá da capacidade que tenham seus promotores de gentrificá-lo, segregando-o mediante barreiras físicas e econômicas. Vale dizer, de torná-lo "exclusivo". Outra solução, não sei se mais ou menos economicamente viável, seria fazer o oposto: convertê-lo num grande parque popular de diversões mecânicas e eletrônicas - o velho e bom mafuá.
Na minha opinião, melhor seria deixar o lugar como está e mandar o Departamento de Parque e Jardins, a COMLURB e o policiamento regular fazerem cada um o seu respectivo serviço. É o bastante para que todos possam compartilhá-lo, nem mais nem menos democraticamente do que já ocorre nas orlas da Praia e da Lagoa - das quais o Jardim de Alah é, não esqueçamos, o inestimável espaço de conexão.
Jardim de Alah e Lagoa Rodrigo de Freitas, Leblon, 1960 - O conjunto habitacional Cruzada de São Sebastião (em primeiro plano) visava
abrigar famílias removidas da favela do Pinto, cujos resquícios podem ser
vistos à esquerda da saída do canal, criado na década de 20 para sanear a
Lagoa. À direita do canal, na Lagoa, está o Clube dos Caiçaras. Ao fundo,
também à direita, a favela da Catacumba
Fonte: Revista Piauí https://piaui.folha.uol.com.br/materia/rio-em-obras/
Cruzada São Sebastião 1957 Fonte: http://cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1567 |
2019-08-10