quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O futebol e a cidade: prodígios da oferta fixa

Deu no Espn online 
Por Thiago Cara, 15/01/2015
http://espn.uol.com.br/noticia/475139_futuro-da-selecao-brasileira-ja-esta-fatiado-com-empresarios
Futuro da seleção brasileira já está 'fatiado' com empresários 
A seleção brasileira [de futebol] que inicia nesta quinta-feira a disputa do Sul-Americano sub-20, no Uruguai, não tem as mesmas caras conhecidas do time que venceu a mesma competição há quatro anos, com Neymar & Cia. No mundo dos negócios, porém, os jovens já são vistos como 'minas de ouro'. Infelizmente, nem tanto para seus clubes. (Continua)

COMENTÁRIO

Jogador de futebol não é um "bem". Mas seus vínculos contratuais sim, na forma de "direitos". E como os grandes craques são escassos e irreprodutíveis, não espanta que este mercado tenha semelhanças com o das localizações urbanas (terrenos ou frações ideais): são todos “bens de oferta fixa”.

Isto significa que, ao contrário dos bens industriais em geral,  seus preços são determinados pela concorrência entre demandantes, prevalecendo, na compra ou arrendamento dos bens de maior "utilidade", os demandantes com maior capacidade de pagamento (ou endividamento).

Dito de outra forma, o preço de um bem de oferta fixa equivale ao máximo* que um demandante está apto e disposto a pagar para não ter de se contentar com o bem de utilidade imediatamente inferior. 

E, por essa mesma razão, a carga tributária, ao invés de se repartir, pela via da concorrência entre vendedores e compradores, equitativamente entre uns e outros, tende a recair integralmente sobre os primeiros - como ocorre com os bens arrematados em leilões.


Nas cidades, os impostos sobre a propriedade do solo (ITBI, IPTU) reduzem, em valor equivalente, o aluguel, ou preço de transação  dos imóveis, razão pela qual os locadores são adversários viscerais dos aumentos de IPTU e das taxas condominiais. De um modo geral, tudo o que a municipalidade deixa de cobrar à propriedade do solo como imposto se transforma em renda privada sob a forma de aluguel ou preço de venda (aluguel capitalizado).

 Transpondo esse raciocínio para o futebol, é fácil deduzir que a dívida fiscal (INSS, etc.) que o governo deixa de cobrar dos clubes se converte, como uma espécie de subsídio à demanda, em maior capacidade de compra e, daí, em aumento dos preços dos jogadores.

E se a inadimplência fiscal for uma prática comum nesse mercado, o resultado será uma inflação generalizada de preços e a transferência líquida da receita pública não arrecadada para os bolsos dos proprietários dos direitos econômicos dos jogadores e dos intermediários das transações.

Em outras palavras, toda a dívida dos clubes com o governo há muito já se converteu em capital privado pikettiano nas contas bancárias dos espertalhões do futebol. 

E clubes como Flamengo e Fluminense, que vêm suando a camisa para honrar seus débitos com a Receita Federal, acabam, tal como o comprador de um lote clandestino que recebe tempos depois um carnê de IPTU, pagando por seus craques pela segunda vez. Capisce?  

*E também por causa disso, os negócios envolvendo futebolistas de alto nível são, como as transações de imóveis excepcionalmente bem localizados, muito propícios à lavagem de dinheiro proveniente de negócios obscuros.

2015-01-16