09-04-2012, por Isabela Bastos/O Globo, 08-04
Corredor expresso da mudança
Uma obra bilionária, com 29 estações, quatro terminais rodoviários, oito novos viadutos e ampliações em 11 pontes. O BRT Transbrasil - corredor expresso de ônibus entre Deodoro e o Aeroporto Santos Dumont (..) que a prefeitura espera colocar em operação até dezembro de 2015, terá 37km.
(..) O trajeto definitivo, ao qual O GLOBO teve acesso, foi escolhido em março. Incluído no pacote de investimentos das Olimpíadas de 2016, o corredor partirá de Deodoro e passará pelas pistas centrais das avenidas Brasil, Francisco Bicalho e Presidente Vargas. Já no Centro, o trajeto seguirá pela Rua Primeiro de Março e pela Avenida Presidente Antônio Carlos, chegando ao Santos Dumont. (..)
Parece uma
boa notícia. Uma excelente notícia até.
E, antes que
eu me esqueça, ainda bem que o O Globo tem acesso privilegiado aos projetos do governo. Pelo menos a gente fica sabendo...
A
implantação dos sistemas de BRTs no Rio de Janeiro está pelo 30 anos atrasada e
até as pedras sabem a razão: o papel histórico do sindicato das empresas de
ônibus da cidade como obstáculo ao desenvolvimento dos transportes urbanos. Trazido ao Rio pelo então governador Leonel Brizola, o
urbanista Jaime Lerner foi defenestrado antes de poder implantar o seu BRT curitibano
no mais cobiçado dentre todos os corredores de transporte da cidade: o Leblon-Copacabana-Praça
XV, jóia da coroa dos permissionários de linhas de ônibus.
Expulso do
Rio, o BRT foi, no entanto, bem acolhido em Bogotá, onde lhe deram o simpático apodo
de “Transmilênio”. Dez anos depois da virada do milênio, ei-lo de volta à
Cidade Maravilhosa.
Mas ainda não
é desta vez que o BRT chegará a Copacabana. A Zona Sul precisa subir um degrau,
digo, uma letra. Por enquanto, terá de se contentar com o BRS. Graças, porém, à
Copa do Mundo e à Olimpíada de 2016, não faltarão BRTs em novos corredores de
transporte da cidade: durante certo tempo só se falou de Transcarioca,
Transoeste e Transolímpica; agora, a menina os olhos é o Transbrasil, que irá de
Deodoro até o Aeroporto Santos Dumont (exigência do dono da marca?) passando
por uma laje de 550m sobre o Canal do Mangue e um mergulhão de 400m sob as
avenidas Beira-Mar e General Justo. Justíssimo.
Tudo isto parece
querer dizer - admitamos – que César Maia estava certo desde 1994: o
motor do desenvolvimento urbano nas metrópoles emergentes... é a indústria dos
grande eventos planetários. Não nos garante a propaganda oficial que é a
Olimpíada que está promovendo a Revolução dos Transportes do Rio de Janeiro?
Leia o leitor por si mesmo no portal Cidade Olímpica do saite da prefeitura do Rio de Janeiro, [1] uma orgiástica peça de propaganda de obras de engenharia que faria corar de vergonha o editor da Manchete da época do Brasil Grande.
Leia o leitor por si mesmo no portal Cidade Olímpica do saite da prefeitura do Rio de Janeiro, [1] uma orgiástica peça de propaganda de obras de engenharia que faria corar de vergonha o editor da Manchete da época do Brasil Grande.
[Frustrado com o descaso do público pela conquista do Pan 2007, César tentou celebrar a si próprio com o Museu Guggenheim do Pier Mauá. Repelido, foi acalentar seu ostracismo na ciclópica caixa de sapato avant-garde que mandou erguer no Cebolão da Barra da Tijuca, conhecida como Cidade da Música, de onde assiste, impávido, ao desfile triunfal de seus antigos afilhados e detratores sob o Arco Olímpico que ele concebeu. Justíssimo seria,
pois, substituir a estátua do Bellini pela de César, o Maia, na entrada
do Maracanã, antes que algum aventureiro decida que o espaço pertence a Eike, o
Grande.]
Mas onde
está o pulo do gato, afinal?
Eu não sei
ao certo, leitor. Não sou um sujeito bem-informado e, como certos árbitros de futebol, estou sempre longe do lance. Mas tenho boa visão à distância e o mais importante, sou gato escaldado. Aqui vão algumas indagações. Quem quiser
segui-las, eu recomendo uma vez mais a dica de Deep Throat: “Follow the money”.
A primeira
lição da economia dos transportes é o problema crítico da “demanda de pico”,
que impõe vultosos investimentos de capital em equipamentos que ficam ociosos a
maior parte do dia, semana, mês ou ano, conforme o caso - o
transporte pendular de passageiros entre a periferia e o centro das grandes cidades, o
transporte aéreo nos meses de verão nos países ricos e... o transporte aéreo e
terrestre em mega-eventos internacionais de curta duração!
Dizem línguas bem-informadas que as mais recentes decisões em matéria de expansão do Metrô do Rio –
a linearização da ligação Pavuna-Botafogo e a expansão da mesma linha (!) de
Ipanema para a Barra – atendem não às necessidades do planejamento de
transporte municipal e metropolitano, mas às necessidades financeiras da
concessionária, que estaria cumprindo obrigações contratuais relativas à
expansão do sistema cuidando de otimizar o carregamento – e que carregamento! -
de suas composições.
De duas uma:
ou o planejamento que preside a construção dos BRTs do Rio de Janeiro (aliás, em que
órgão do governo municipal ele reside?) não tem, na verdade, nada a ver com a Olimpíada
de 2016 ou está completamente equivocado.
Dá para acreditar que os fluxos previsíveis, ou mesmo uma geografia urbana desejada
para a cidade segundo as perspectivas econômicas dos próximos
30 anos, são os mesmos, ou compartem os mesmos vetores, que os fluxos esperados
nos 30 dias de Jogos Olímpicos?
Gastar
bilhões em infraestruturas e sistemas de transportes com base no princípio de “preparar
a cidade para as Olimpíadas” me parece uma rematada estupidez. Seria
interessante fazer uma enquete sobre o tema entre os trabalhadores, sem excluir
os empregados nas obras. Acho que nenhum deles construiria uma casa com 4 banheiros só porque gosta de receber a parentalha do interior que vem no Natal para tomar banho de mar e assistir ao foguetório de Copacabana.
Na verdade,
esse risco está parcialmente encoberto e protegido pelo fato de que, sendo tão grande o nosso atraso nessa matéria e tão aguda a nossa carência de meios de transporte de massa, dificilmente um sistema de BRT num grande corredor do Rio
de Janeiro corre o risco de “micar”.
Salvo erros
monstruosos de gestão pública – que, em se tratando do negócio olímpico,
absolutamente não descarto – os novos BRTs do Rio de Janeiro não deverão “micar”
pelo simples fato de que o desenvolvimento real da cidade a médio e longo prazo
não está ancorado na Olimpíada nem na
Copa do Mundo, mas no papel especial do Estado e da metrópole na economia petroleira do
Brasil – planejamento, administração, prospecção, exploração, refino e... royalties na veia!
Pode-se ter
uma noção superficial – mas bastante impactante – dessa realidade plotando num
mapa os imensos novos edifícios de negócios da, ou alugados à, Petrobrás e suas
subsidiárias no centro da cidade, ao redor dos quais gravitam, por sua vez,
centenas, talvez milhares de prestadoras de serviços e negócios derivados.
Esses não durarão 30 dias, mas 30 anos! De segunda a sexta, e sábados, domingos
e feriados em alguns casos.
Se o motor
desse desenvolvimento fossem as Olimpíadas e a Copa do Mundo, poderíamos
começar a nos preocupar seriamente em como enfrentar os efeitos financeiros do
sucateamento de sistemas de transporte e instalações esportivas
superdimensionados (ou fora da realidade do nível de desenvolvimento do esporte
brasileiro), além, é claro, em como pagar as dívidas do investimento cedido gratuitamente,
ou quase, aos concessionários privados das instalações esportivas
economicamente viáveis (desde que não imputados os custos de construção).
Não nos
iludamos, porém. Em se tratando de sistemas de transporte de massa, não “micar”
não é a mesma coisa que funcionar a contento, operar eficientemente, servir
adequadamente à população, integrar-se corretamente aos demais meios e modos de
transporte e ao tecido urbano e, last but not least, ajudar a equilibrar a estrutura urbana profundamente desigual que
trazemos do passado. Os novos BRTs do Rio poderão, sim, fracassar se não
servirem para “fechar” a malha rodo-ferroviária num conjunto verdadeiramente
integrado de transportes urbanos. [Sou do tempo em que "transporte integrado" queria dizer entrar em um veículo num lugar da cidade, trocar de modo e sair em qualquer outro lugar pagando uma única tarifa básica.]
Onde está o
plano de tudo isso? Por que três BRTS e uma expansão linear de Metrô, de uma só
tacada, com foco na Barra da Tijuca? Que plano tem o governo para multiplicar
as oportunidades de acesso à região central? À Praça XV? Cruz Vermelha? Praça
Mauá? Catumbi? Rio Camprido? São Cristóvão? Benfica? Que modos e linhas estarão
operacional e tarifariamente integrados no Centro da cidade? Como elas se integrarão ao transporte na Baía de Guanabara? Para onde vai a
Rodoviária e como poderá ser acessada? Onde se decidem as obras e intervenções
prioritárias na cidade e na Região Metropolitana? O que diz o Plano Diretor de desenvolvimento urbano sobre
a Revolução Olímpica? Pobre democracia.
Eu não tenho
nenhuma dúvida de que o planejamento urbano e de transportes públicos saído da cozinha das empreiteiras e concessionárias virá, fatalmente, cobrar o seu
preço. Precedentes, inclusive recentes, abundam – o abandono da ligação de
Metrô Estácio-Cruz Vermelha- Praça XV (onde há mais de 10 anos se dá o
verdadeiro desenvolvimento de negócios do Centro do Rio), a expansão linear do
Metrô até a Barra via Ipanema e Botafogo, o açambarcamento do transporte público
na Baía de Guanabara pela Viação 1001, agora monopólio multi-modal da CCR. Mas
o mais novo e curioso exemplo vem da própria matéria que deu o mote a este
artigo. Ela diz o seguinte:
“Implantados há poucos meses, o último deles em março, os corredores Bus Rapid Service (BRS) da Presidente Vargas, Primeiro de Março e Presidente Antônio Carlos serão substituídos pelo BRT. Segundo o secretário de Transportes, o BRS é uma solução provisória, que prepara o terreno para a implantação do corredor exclusivo, condicionando os motoristas à nova rotina. (Itálico meu)
Deixa ver se
entendi: o BRS é provisório até a chegada do BRT como o Maracanã do Pan era provisório
até a chegada do Maracanã da Copa, que por sua vez será provisório, assim como o
Parque Aquático Maria Lenk, até a chegada do Maracanã Olímpico e do Parque
Aquático Atol dos Tubarões.
Que magnífica lição de planejamento privado... do gasto público!
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14-04-2012____