Plano para Gateshead e Newscastle upon Tyne 2010-2030
Áreas indicadas para a construção de novos
centros de negócios*
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Topei com ele por acaso, na Internet, durante minhas pesquisas sobre as atribulações da cidade-jardim howardiana e achei, a exemplo do pientíssimo vira-casaca Henrique IV, rei católico de França, que valia se não uma missa inteira, como Paris, pelo menos uma pequena prédica. Sinal dos tempos.
“Town and Country Planning in England: A Bird's Eye View”, [1] de R. E. Megarry, professor titular da Universidade de Cambridge e professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York (1960-61), proporciona ao estudioso da história e dos modelos regulatórios do urbanismo um resumo dos atributos básicos e etapas de desenvolvimento do sistema legal de planejamento de uso do solo e licenciamento de projetos na Inglaterra e Gales.
A exposição de Megarry abrange os 53 anos decorridos desde a edição do Housing, Town Planning &c. Act de 1909, marco jurídico inaugural do sistema de planejamento e controle do uso do solo no país, com destaque para a reforma instituída pelo Town and Country Planning Act de 1947, que lhe deu não propriamente a sua forma atual - já lá se vão mais de 50 anos -, mas a sua configuração moderna: nas palavras do autor, um sistema compulsório para todas as autoridades locais, extensivo à totalidade do territorio da Inglaterra e Gales, flexível no duplo sentido de que os planos estão sujeitos a revisões periódicas e de que suas disposições não são vinculantes, unificado por estarem todas as autoridades locais subordinadas ao então Ministério da Habitação e Governos Locais e legitimado por um elevado grau de participação e controle cidadão, quer no processo de elaboração dos planos quer na discussão dos recursos das decisões das autoridades locais.
Essa lista de atributos me anima a matizar a ideia, expressa num texto muito mais modesto e recente de Rolnik e Lopes sobre a atualidade do zoneamento [2], de que, ao contrário do que sucede no “sistema normativo” de extração norte-americana e alemã, “que define, por texto e mapa, o que um proprietário pode ou não pode fazer em seu terreno”, no sistema "discricionário" inglês a análise “é feita a partir de méritos individuais e consultas a moradores do entorno de cada empreendimento”.
Parece faltar aqui o papel central do plano, também composto de textos e mapas a despeito do caráter não vinculante dos usos e edificabilidades propostos para as diferentes áreas e localizações. Na Inglaterra da segunda metade do século XX, explica Megarry, o licenciamento de novos usos e construções, embora sujeito à decisão discricionária da autoridade local, deve levar em conta as disposições e recomendações do plano de desenvolvimento urbano vigente, cabendo recurso à instância superior - com direito a alegações presenciais das partes envolvidas, seus representantes e assessores técnicos. Não havendo, por definição, a hipótese de decisão contrária à norma urbanística, os tribunais de justiça se limitam a garantir o respeito aos ritos.
De um modo geral, creio ser possível dizer que, no moderno sistema inglês de planejamento e controle urbano, o conceito essencialmente passivo de zoneamento é substituído por uma visão estratégica de alocação espacial de usos e recursos, públicos e privados, no marco de um plano de desenvolvimento local reconhecido e aceito pela comunidade.
Plano de Liverpool Janeiro 2002
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No saite do Liverpool City Council dedicado ao Unitary Development Plan de 2002, por exemplo, se lê que o UDP “é um documento legal crucial para o futuro da cidade, [que] mostra quais usos podem ser dados a cada terreno” (what every piece of land in the city can be used for), uma formulação, aliás, no mínimo ambígua para um sistema classificado como discricionário. De fato, o capítulo 6, "Recuperação Econômica", apresenta uma lista extensiva de terrenos com as respectivas áreas e usos recomendados. [3] A figura ao lado [4] é o mapa resumo do plano de desenvolvimento urbanístico da cidade de Liverpool de janeiro de 2002.
Refletindo sobre a hipótese, bastante razoável, de que um tal sistema de decisões discricionárias tende a ser mais suscetível às pressões dos grandes empreendedores, ocorreu-me por contraste o ponto de vista de Villaça, para quem, “num país de Estado fraco como o Brasil”, a localização das camadas afluentes, portanto dos produtos da indústria da incorporação, no espaço urbano resulta de “processos sociais que se desenvolvem por muitas décadas e que determinam a legislação urbanística em vez de serem determinados por ela. Imaginar que a legislação urbanística possa dobrar [no longo prazo] os interesses de um poderosíssimo setor de mercado - o setor imobiliário - é uma ilusão”.[5]
A força inercial da legislação como contraponto ao poder de pressão do negócio imobiliário é indiscutível, mas não deve ser superestimada. Ela não é igualmente eficaz em todos lugares e circunstâncias históricas e tende a ser solapada no longo prazo mesmo em países de “Estado forte” como a França e a Inglaterra - se entendo o conceito de Villaça -, por interesses que ou escapam ao controle do urbanismo ou o colocam mais ou menos legitimamente a seu serviço, como é o caso dos Grandes Projetos Urbanos da nossa e de outras épocas.
Uma década de experiência em funções de responsabilidade na Secretaria Municipal de Urbanismo da cidade do Rio de Janeiro me faz pensar que o estudo do regime discricionário inglês pode contribuir para a melhoria dos nossos sistemas municipais de regulação e licenciamento urbanístico, em geral carentes de métodos e procedimentos adequados - do ponto de vista da transparência administrativa, do controle democrático e das finalidades do planejamento - ao exame de circunstâncias não previstas nos códigos, que não são raras, e à tomada de decisão em situações interpretativas, conflituosas e de solução negociável, que são muito mais corriqueiras do que - parafraseando o mais ilustre dos ingleses - supõe a nossa vã filosofia.
E para que o leitor possa formar a sua própria ideia sobre a atualidade do texto de Megarry, indico ao final da postagem um link do governo britânico para o sistema de planejamento de uso do solo na Inglaterra contemporânea (“Plain English guide to the Planning System”, Department for Communities and Local Government, janeiro de 2015). [6] Abaixo, segue um destaque extraído da seção dedicada aos Planos Locais, datado de 19-05-2016 e atualizado em 28-07-2017. [7]
Qual é o papel do plano local?
Os Planos Locais ocupam um lugar central no sistema nacional de planejamento. Por isso é essencial que eles estejam em vigor e atualizados. O Plano Local provê uma imagem e um marco para o desenvolvimento futuro da área, indicando necessidades e oportunidades nas áreas de habitação, economia, instalações comunitárias e infraestrutura, bem como proteção do meio ambiente, adaptação às mudanças climáticas e garantia de qualidade dos projetos. É também um instrumento crucial para a análise e aprovação de projetos, ponto de partida, ao lado dos Planos de Vizinhança em vigor, para o exame dos pedidos de licença para novos empreendimentos.
O que deve estar contemplado um plano local?
O Plano Local deve conter uma clara visão do desenvolvimento da área no período da sua vigência, indicando-se onde, quando e como ocorrerão essas transformações. Pode-se fazê-lo mediante alocações espaciais gerais (áreas) ou especificas (terrenos) para diferentes usos; indicação de áreas com vocação de desenvolvimento ou que requeiram a aplicação de regras especiais (como os habitats protegidos); especificação de critérios a serem levados em conta na análise dos empreendimentos. As políticas de desenvolvimento urbano local devem ser sintetizadas em um mapa geral, junto com todas as informações que a Autoridade de Planejamento julgue relevantes para a sua melhor compreensão.
Boa leitura.
[4] "A Plan for Liverpool - proposals map". The City of Liverpool
https://liverpool.gov.uk/media/9626/the-udp-map.pdf
[5] VILLAÇA, F. Espaço Intra-Urbano no Brasil, Capítulo 8: "Os bairros residenciais das camadas de alta renda", Nota 15. p 224. SãoPaulo 2001: Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute
[6] “Plain English guide to the Planning System”, January 2015 Department for Communities and Local Government