Por uma teoria da estrutura da cidade capitalista
Esta página reúne, sob a rubrica "A revolução da centralidade - por uma teoria da estrutura da cidade capitalista", um conjunto de artigos já publicados em À beira do urbanismo.
De esa restricción proviene el fenómeno capital de la geografía urbana que es la centralidad, es decir el efecto colectivo, o generalizado, del esfuerzo de cada agente económico para minimizar sus costos de desplazamiento, incluso en una acepción más amplia de costo no monetario. Todos quieren “estar lo más cerca de" las cosas a que atribuyen valor, o de que tienen necesidad, es decir de los recursos socialmente producidos. La moderna centralidade urbana es la relación espacial que el costo de la distancia establece de una banda entre demandantes y proveedores de productos y servicios de uso o consumo rutinarios, de otra entre demandantes y proveedores de fuerza de trabajo.
"Lo más cerca de" significa geometricamente, para un conjunto de puntos en el espacio, un anillo "alrededor de". En un modelo territorial sencillo de asentamiento de residentes de cara a un mercado como suma de decisiones individuales, "lo mas cerca de" implica situar-se cada uno a lo largo de cuantos caminos puedan existir "a partir de", generando procesos expansivos de tendencia radial. La accesibilidad entra en el esquema.
Y, a medida que la distancia económica a tierras ubicadas entre los caminos radiales pueda ser menos grande que a la próxima parcela disponible a lo largo del radio, ocurre la ocupación progresiva de los intersticios, siguiendo ramificaciones que, con el paso del tiempo, tienden a fusionarse como anillos más o menos regulares de ocupación alrededor del "centro".
Sin embargo, las leyes de la economía espacial no actúan en una situación ideal donde solo existen residentes y un mercado. Además, su clara manifestación en la red urbana supone al menos un mercado de suelo e costos de transporte. Por lo que, ellas no determinan la forma física de la red urbana más que en un sentido muy general, y sobrepuesto a la trama histórica de la ciudad, el de la expansión radial en múltiples direcciones, con cierta propensión a la consolidación de anillos concéntricos. Más probablemente, ellas determinan el patrón de distribución y densidad de los distintos usos del suelo sobre la red física, que se puede representar en términos modernos como una estructura radial de desarrollo desigual en las múltiples direcciones alrededor de un "punto" focal - tipicamente el lugar de los comercios, servicios y gobierno -, como en el diagrama siguiente, derivado del concepto de distribución residencial según sectores de círculo de Homer Hoyt, 1939.
Organización socioespacial urbana según sectores de círculo |
La generalización de la produción para el intercambio, es decir de la produción / circulación / consumo de mercancías, materiales y imateriales, dentre ellos los propios bienes inmuebles y servicios que constituyen el substracto material de la urbe, en la sociedad capitalista madura, trajo consigo, además del crecimiento exponencial de las ciudades, la proliferación del fenómeno de las centralidades urbanas. Las metrópolis no tienen una, sino que múltiples centralidades, con áreas de influencia muy a menudo superpuestas.
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Así como las áreas de anillos sucesivos de igual sección alredor de un punto son vertiginosamente decrecientes en la aproximación al mismo punto, la cantidad de espacio disponible alrededor de um cluster de comercio y servicios será tanto más pequeña y escasa respecto a la demanda, y por lo tanto más cara, cuanto más cerca nos pongamos de dicho cluster. Por decirlo de otra manera, aunque todos los puntos de un territorio urbano fueran homogéneamente servidos de infraestructura y servicios a la parcela, sería imposible que fueran todos igualmente próximos a los centros de trabajo, consumo, servicios personales, ocio etc.
La contracción del espacio que supone la centralidad en la moderna economía de mercado es procesada, compensada y de esa forma continuamente reproducida, en el marco del propio mercado de productos inmobiliarios y hasta donde lo permiten las limitaciones técnicas y jurídicas existentes en un dado momento, por la intensificación del uso del suelo urbanizado mediante la edificación en altura, que multiplica la cantidad de unidades inmobiliarias erguidas sobre cada parcela, y el correspondiente fraccionamiento jurídico de la propiedad, que propicia a su titular la multiplicación de las rentas de localización.
Respecto al campo, la ciudad es, ella misma, centralidad. Una ciudad en la que no hay ninguna especie de “centro” solo puede existir en el plan ideal, como en una sociedad desarrollada fictícia donde no hay mercado, o en el plan teórico de una sociedad sobredesarollada igualitaria más allá del mercado. La centralidad es una norma reguladora constitutiva del mercado de suelo, es decir, que no ha sido creada por ningún gobierno; una forma de escasez que yace en el corazón de la economía del espacio socialmente construído, es decir histórico, y es su propio modo de ser.
A elaboração de modelos é um procedimento usual no processo de construção do conhecimento. Podemos descrevê-los como representações hiper-simplificadas da realidade que utilizamos para pôr em foco determinado aspecto ou relação que, em nosso estudo, supomos especialmente relevante. Eles nos ajudam a sintetizar o status de nossa compreensão dos fenômenos empiricamente observados e a formular novas hipóteses a serem submetidas à prova dos fatos e seus desenvolvimentos.
Esta figura é uma representação ideal da tendência que tem toda cidade de se expandir radialmente a partir de seu distrito central de negócios – no esquema, ‘The Loop’ (I). [2]
O problema reaparece, na década de 1960, no modelo alonso-thuneniano da economia espacial, tal como apontado pelo professor Correia da Silva, da Universidade do Porto, num trabalho de doutoramento do ano de 2004 intitulado “Space in Economics — A Historical Perspective”:
A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Um defeito [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market].[3]
Com uma redundância descritiva que talvez não seja casual, Batty assim expressa, em recente artigo aqui divulgado sobre as cidades lineares,
“As cidades tendem a crescer ao redor de algum centro, em zonas concêntricas de uso do solo ordenadas de acordo com sua capacidade de pagar aluguel [ofertar renda], ligadas ao núcleo por meio de rotas radiais bem definidas que convergem para o centro”.[4]
“O princípio da aglomeração nasce nas aldeias rurais e povoados que vivem dos camponeses ou agricultores da região. (..) aos domingos, dia de descanso, o comércio e praças de mercado desses povoados se abrem para que os habitantes rurais venham comprar alimentos, insumos agrícolas e buscar serviços de saúde ou mecânica automotriz. (..) Assim se desenvolve uma cidade a partir de um pequeno povoado dotado de certa dinâmica econômica. [6]
"Assim, um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distancia, causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central." [7]
O fundamento da configuração tendencialmente radio-concêntrica da cidade capitalista madura é, portanto, o próprio processo de produção-distribuição-consumo de bens e serviços. As famílias se aglomeram o mais próximo possível dos fornecedores e empregadores, e estes o mais próximo possível do conjunto das famílias, para obter o maior benefício, respectivamente, de seu trabalho e de seu capital - sujeitando-se, por conseguinte, a pagar mais aluguel. Espécie de imposto privado sobre o privilégio de ocupar as localizações urbanas mais centrais e proveitosas, a renda da terra urbana opera, como eficazmente demonstrado pelo modelo alonso-thuneniano da distribuição dos distintos usos, como dispositivo de medição e regulagem de sua escassez constitutiva.
Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas e prestadores de serviços ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radioconcêntrica das cidades em expansão, é, em si mesma, um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar e expandir - a ponto de produzir o seu contrário, vultosas deseconomias sociais - a organização espacial intrinsecamente desigual da grande metrópole contemporânea.
Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese (2)
Publicado neste blog em 28-01-2024
Esta contribuição trata do fundamento, do mecanismo
e da gênese da centralidade urbana na formação social capitalista. O leitor
deve julgá-la como atualização de uma investigação em andamento: mais
desenvolvida que o primeiro artigo da série [1], porém ainda essencialmente
exploratória, cheia de lacunas a serem preenchidas e, principalmente, de ideias
a serem corrigidas e precisadas. Muitas passagens deste texto foram extraídas,
na íntegra ou com modificações, de postagens já publicadas neste blog.
Apesar de onipresente em nossa experiência de vida a ponto de parecer um fenômeno supra-histórico, a centralidade se manifesta na cidade capitalista de uma forma peculiar, distinta de todas as urbanizações do passado. [2] [2a]
A expansão tendencialmente
radioconcêntrica, lei espacial constitutiva da urbanização
capitalista, não foi instituída por nenhum sábio, plano, parlamento ou
governo: habita o cerne da economia do espaço urbano contemporâneo e é o seu modo
de ser. Pode-se interpretá-la como uma contração econômica do espaço natural,
tanto mais clara e intensa quanto mais desenvolvida e integrada é a produção,
circulação e consumo de bens e serviços - incluídos o parque edificado,
instalações e sistemas urbanos [3] - à economia de mercado.
Na cidade capitalista, centralidade implica escassez de solo apropriável para fins urbanos, uma forma de escassez que resulta da competição generalizada entre assalariados, autônomos, especialistas, comerciantes, industriais e banqueiros pelas localizações economicamente mais vantajosas e que, por isso, se sobrepõe a todas as suas formas particulares - escassez por restrições normativas ao uso e edificabilidade do solo, escassez por deficiência de urbanização e serviços públicos, escassez por incompatibilidades raciais, sociais e étnicas.
A configuração tendencialmente radioconcêntrica da urbe capitalista é a expressão geográfica da escassez econômica do solo criada pela circulação generalizada de mercadorias.
Contudo, não se encontram textos de economia, geografia e história urbana que tratem da centralidade como fenômeno histórico, isto é, dotado de distintos conteúdos em distintas formações sociais em distintas fases do desenvolvimento das forças produtivas humanas.
Na historiografia do próprio urbanismo, o “centro” da cidade contemporânea é, via de regra, assimilado ao seu marco fundacional[4], a despeito de, no caso brasileiro por exemplo, a sua gênese ser um fenômeno característico dos anos 1870-1930: até então, o que hoje chamamos “centro” era a “cidade” herdada da economia mercantil-escravista colonial por oposição ao campo circundante [4a], com elementos de centralidade relativamente dispersos - cais, sé, palácio, alfândega, mercado, comércio - este último quase sempre identificado pela rua onde as famílias da aristocracia, dos dignitários do Estado e dos comerciantes ricos ensaiavam os primeiros passos da “sociedade de consumo”.
A hipótese
Os paradigmas urbano-espaciais herdados do século XX, a saber, a série de três modelos geográficos postulados por Harris e Ullman em 1944 (Círculos Concêntricos / Burgess 1925, Setores de Círculo / Hoyt 1933 e Núcleos Múltiplos / Harris e Ullman 1944) e a síntese alonso-thuneniana da economia espacial neoclássica (Alonso 1964), baseiam-se todos em uma concepção axiomática e a-histórica da centralidade urbana - a cidade que se expande, desta ou daquela maneira, a partir de seu centro [5] e os usos e densidades que se distribuem ao redor do centro segundo o princípio preemptivo da maior oferta de renda por m2 de terreno [6].
Nesta contribuição eu apresento uma
hipótese alternativa, inspirada na concepção hurdiana (1903) de crescimento
urbano simultaneamente central e radial a partir do ponto de origem da
urbe[7]: a interdependência econômico-espacial entre a aglomeração
radial-periférica dos residentes-trabalhadores e a aglomeração central dos
fornecedores-empregadores.
Nessa situação de interdependência espacial, a acessibilidade é uma via de mão
dupla que carrega significados distintos e complementares para os dois lados da
relação, digamos os trabalhadores rurais assentados ao redor de um
entroncamento viário e o dono do empório ali localizado. Para os primeiros,
menos custo-tempo de deslocamento da família para finalidades diversas,
portanto maior disponibilidade de recursos para o consumo; para o segundo,
estar à mínima distância agregada do conjunto das famílias e vender um pouco de
tudo para que os assentados “não percam a viagem”. Embora possam existir nessa
comunidade dois ou três barbeiros de igual competência trabalhando em suas
residências, levará vantagem aquele que primeiro se estabelecer ao lado do
empório. Logo virão o armarinho, o açougue, o prestamista e outro empório para
que o freguês – nas palavras de Hurd - compre no empório B o que não encontrou
no empório A, pois no final as perdas se compensarão e ambos venderão mais.[8]
Das vantagens recíprocas, indicadas por Hurd, da localização relativa das famílias e firmas na cidade em expansão, isto é, do crescimento urbano “central” e “axial” simultâneos e interdependentes, eu derivo a hipótese de que a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica das cidades modernas resulta de um princípio de economia de aglomeração generalizado e socialmente construído, algo como o yin-yang da cidade capitalista, em que o crescimento axial é a forma de aglomeração própria das famílias residentes, que minimiza os custos individuais e coletivos, diretos e indiretos, de deslocamento, e o crescimento central a forma de aglomeração própria das firmas, que converte a economia coletiva das famílias em lucros comerciais e industriais, primeiro sob a forma elementar da maximização das vendas e serviços de varejo e, logo, sob a forma complexa da maximização da mão de obra disponível ao mínimo custo de transportes, isto é, do barateamento relativo da força de trabalho.
Toda a urbe é aglomeração, desdobrada pela especialização locacional arbitrada pela renda do solo em duas formas principais, economicamente interdependentes e reciprocamente determinadas: central, típica das firmas, e radial-periférica, típica das famílias.
Circulação de mercadorias, vantagem locacional e renda do solo
A relação fundamental entre o custo da distância e o poder de compra das
famílias, além de imediatamente dedutível dos efeitos de curto prazo das
políticas contemporâneas de “tarifa zero” nos transportes urbanos, é uma
premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de
Christaller 1933:
"(..) um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distância causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central." [9]
Ao passo que as famílias urbanas buscam, pela via da máxima proximidade
aos varejistas, prestadores de serviços e empregadores, minimizar seu custo
individual direto (transporte) e indireto (tempo de trabalho) de deslocamento,
assim maximizando o poder de compra dos rendimentos do trabalho, os negócios
buscam, localizando-se à menor distância agregada das famílias, capturar a
maior parte possível da economia coletiva em custos de deslocamento - disputando-a
aos proprietários do solo, que a reclamam como renda de aluguel - para
convertê-la em consumo imediato e barateamento mediato da força de trabalho,
consequentemente em lucros comerciais e industriais maximizados, sobre os quais
incidirão os correspondentes acréscimos de renda fundiária.
À minimização do dispêndio coletivo com deslocamentos proporcionado pela
disposição radial-concêntrica do assentamento corresponde, portanto, descontada
a renda fundiária embutida nos aluguéis, a maximização, em quantidade e
velocidade, das receitas e lucros do comércio, serviços e pequena indústria
aglomerados em seu centro - e dos negócios em geral. As famílias se aglomeram o
mais próximo possível dos fornecedores e empregadores, e estes o mais próximo
possível do conjunto das famílias, para obter o maior benefício,
respectivamente, de seu trabalho e de seu capital - sujeitando-se, por
conseguinte, a pagar renda do solo proporcional às suas respectivas vantagens
locacionais. São esses benefícios diretos que chamo economias
primárias de aglomeração.
Sustento que o mecanismo explicativo da dinâmica tendencialmente radioconcêntrica da expansão da cidade capitalista, portanto da formação da centralidade urbana moderna, é a conversão da economia coletiva em deslocamentos não capturada pelos alugueis em receitas comerciais e barateamento da força de trabalho, cabendo à renda arbitrar a sua ocupação e uso em favor das maiores ofertas dentro de limites dados pelo valor da vantagem locacional. Assim se separam as residências do comércio, se designam os melhores setores pericentrais aos residentes mais abonados e se destina o hipercentro da rede urbana aos negócios mais rentáveis.
A hipótese do equilíbrio econômico
baseado nos custos constantes de localização (transporte + aluguel, Wingo 1961)
[10] é uma brilhante especulação teórica baseada no trade-off
thuneniano entre o custo de transporte e a renda da terra agrícola, mas, como todo modelo, limitada por suas premissas simplificadoras: numa comunidade urbana em expansão com economia em crescimento, barateamento relativo dos bens de consumo e aumento do poder de compra dos salários, a renda extraída pelos proprietários do solo-localização nunca poderá, por mais que eles o persigam, zerar o saldo de consumo (aquele que excede as necessidades de reprodução da força de trabalho) da totalidade das famílias, tampouco o sobrelucro (aquele que excede o lucro médio) da totalidade das firmas. Do contrário, seria impossível o crescimento econômico numa sociedade urbana em formação, ainda não marcada por significativos excedentes de rendimento.
É certo que, com o advento de uma vasta classe média na segunda metade do século XX, muito especialmente nos Estados Unidos - não por acaso a circunstância em que William Alonso libertou a teoria da localização residencial do custo dos transportes -, as vantagens econômicas individuais da localização residencial pericentral passaram, em certa medida, de imperiosas a relativamente elegíveis, generalizando-se a opção preemptiva dos mais abonados, via oferta de renda, pela periferia urbana servida por rodovias, vale dizer por aquilo que a economia espacial neoclássica chama de “consumo de espaço”.
Não decorre daí, porém, que a lei fundamental da espacialidade urbana capitalista - a configuração que minimiza o custo agregado dos deslocamentos, acelera o consumo, barateia a força de trabalho e, em consequência, cria gradientes de valor de localização baseados na distância ao centro da rede - tenha perdido a validade. Para os proletários, a máxima proximidade do centro urbano continuou sendo, em todos os países, uma necessidade vital apesar do ônus do aluguel - e tanto mais vital quanto mais pesado esse ônus -, gerando as elevadas densidades das favelas, cortiços e edifícios degradados dos centros urbanos e setores pericêntricos não reclamados pelos mais afluentes; além disso, não seria difícil demonstrar que, entre opções suburbanas similares, mesmo os segmentos médios tenham continuado a preferir aquelas de menor distância aos centros de comércio e serviços especializados, empregos e negócios em geral.
A renda da terra atua na configuração da cidade capitalista arbitrando a competição espacial a favor das maiores ofertas, o que conduz à especialização espacial dos usos e, com ela, à divisão da aglomeração urbana em duas categorias fundamentais, economicamente interdependentes: negócios e residências ou, na linguagem preferencial da ciência econômica, firmas e famílias.
É como "marcador" da escassez relativa de solo - adaptado aos requerimentos da economia do consumidor - que a renda aparece na moderna teoria da localização para descrever a distribuição dos usos e densidades ao redor do "centro," mais exatamente de um ponto sem dimensão axiomaticamente dotado de atributos da moderna centralidade urbana e que comanda a maior renda da cidade. [11]
No que concerne, porém, à estrutura ou rede espacial em que se
distribuem esses usos com base na oferta de renda, considero válida, e crítica,
a ressalva de Correia da Silva 2004:
A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Uma falha [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market]. [12]
A centralidade como fenômeno histórico
Em seu clássico texto de 1971 intitulado “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City” [12a], Vance parece ter sido o primeiro a explicitar, sem discuti-la em termos teóricos, a noção de que a cidade capitalista é um fenômeno histórico, qualitativamente distinto da cidade feudal que a precedeu. Para ele, “o advento da renda imobiliária urbana como fonte de riqueza pessoal, produto do desenvolvimento do sistema capitalista, transformou fundamentalmente a morfologia da cidade”.[13]
Meu ponto de vista é algo distinto. Considero que o fundamento da cidade capitalista por oposição à feudal é a nova riqueza extraída do mais-trabalho assalariado criador de mercadorias, sem a qual não haveria a moderna renda imobiliária urbana, tampouco a sub-classe dos rentistas. Minha hipótese é que a livre circulação de mercadorias - força de trabalho incluída - e a consequente onipresença do mercado gerou, no meio urbano herdado do passado feudal, uma nova dinâmica espacial baseada na vantagem econômica da mínima distância-custo entre residências e negócios (comércios, serviços e pequena manufatura), socialmente materializada na expansão tendencialmente radial-concêntrica da cidade moderna.
Numa formação social em que a imensa maior parte dos bens e serviços necessários à manutenção da vida são produzidos à base do trabalho assalariado para venda no mercado, não para o autoconsumo, isto é, são mercadorias e só como tal podem ser obtidos e consumidos, a compra-venda generalizada de mercadorias e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores espacialmente dispostos à menor distância-custo uns dos outros, fez surgir uma dinâmica espacial urbana até então desconhecida.
Não sendo possível estarem todos no mesmo lugar, a competição espacial passou a ser arbitrada pela capacidade que tivesse cada competidor de pagar pelo direito de ocupar a terra-localização, segundo a regra da interdependência espacial dos usos. A vantagem locacional de uma família não provém, primordialmente, de estar perto de outras famílias: cada família deve estar o mais próximo possível dos fornecedores de bens e serviços e das oportunidades de trabalho. A vantagem locacional das lojas e manufaturas tampouco provém, primordialmente, de estarem perto de outros negócios, mas à menor distância agregada possível do conjunto das famílias: as lojas para maximizar as vendas, as manufaturas para maximizar a disponibilidade de força de trabalho - ao mínimo custo de deslocamento nos dois casos.
Comércios e manufaturas exerceram o seu poder de preempção (maior capacidade de ofertar renda) aglomerando-se no ponto mais acessível da urbe pré-existente, ou em formação, restando às famílias trabalhadoras se distribuírem ao longo dos acessos principais a esse ponto e suas ramificações, num ritmo determinado, antes de tudo, pela força inercial do estoque imobiliário e pela escassez de capitais. Assim surgiram o centro, a periferia e a expansão tendencialmente radioconcêntrica da cidade. A valorização da localização central implicou a saída paulatina das residências dos próprios lojistas para a periferia, consolidando a especialização comercial do centro e residencial da periferia. Seguiu-se a hierarquização desses mesmos usos: os negócios mais rentáveis no polo financeiro [14] e as famílias mais abastadas nas periferias mais amenas e urbanizadas.
A urbe capitalista se distingue, pois, por uma nova forma histórica de centralidade: em lugar da “cidade” feudal e colonial por oposição ao campo circundante, com funções centralizadoras múltiplas e relativamente dispersas - cais, castelo/palácio, sé, mercado temporário sujeito a regras e obrigações senhoriais -, [15] forma-se o “centro” propriamente dito, permanente, especializado em negócios e eventualmente replicado em subcentros, por oposição à periferia eminentemente residencial.
Assim como a classe dos rentistas urbanos não pode surgir da mera propriedade plena da terra (como explícito em Vance), tampouco a centralidade capitalista pode ter por fundamento a renda que se paga para ocupá-la (como implícito em Alonso). Imaginar que a cidade se estrutura a partir da renda do solo equivale, digamos, a supor que a economia em geral se estrutura a partir dos impostos. A renda é benefício exclusivo dos proprietários da terra urbana - agentes econômicos livres de vínculos de dependência espacial com todos os demais - em detrimento do nível de consumo das famílias e da lucratividade dos negócios; é o tributo que pagam, aos proprietários do solo, os residentes e os negociantes pelas respectivas vantagens individuais de localização numa formação social em que a riqueza provém da produção, circulação e consumo de mercadorias.
A organização espacial urbana capitalista pode ser descrita como uma engrenagem em que o mercado de bens, serviços e força de trabalho é a força motriz, a interdependência espacial dos usos o dispositivo regulador e a oferta de renda fundiária o medidor da escassez relativa de solo-localização e árbitro do direito à sua ocupação.
Com a estabilização da formação capitalista e o forte crescimento das classes médias dos países desenvolvidos - inclusive os derrotados na guerra recém-finda - na segunda metade do século XX, a força motriz da moderna organização espacial urbana - o mercado generalizado e permanente de bens e serviços - tornou-se uma entidade tão natural e avassaladora quanto o espaço euclidiano em que vivemos e nos relacionamos socialmente. Tal como a noção de “centro urbano”, a “metrópole-mercado” que lhe é subjacente assumiu também o aspecto de fenômeno supra-histórico.
A interdependência espacial dos usos do solo é um dispositivo regulador tão estável quanto o próprio mercado, em conteúdo, mas sujeito a importantes alterações geográficas por conta das tecnologias disponíveis - como nos ciclos históricos da localização industrial, nos ciclos de suburbanização residencial à base de trens, bondes, ônibus e automóveis, na formação dos hipercentros metropolitanos dominados por arranha-céus, na multiplicação dos shopping-centers de acesso automotivo e, muito recentemente, na crise combinada das lojas de frente de rua e dos espaços empresariais centrais por efeito do e-commerce e do home-office.
A renda da terra, por sua vez,
assumiu um protagonismo quase absoluto como organizador da cena espacial urbana
devido à mudança permanente, nas grandes metrópoles - onde se cria e consome a
imensa maior parte da riqueza planetária - das vantagens relativas das
localizações para cada tipo e classe de uso do solo tal como percebidas por
populações em acelerado processo de mobilidade social e respectivos
fornecedores de bens e serviços. Junte-se a isso o fato de ter se tornado, em
parceria com a promoção imobiliária e, mais recentemente, com a “indústria” dos
títulos de dívida, um dos mais importantes e lucrativos mercados de nossa
época.
*
Propor a interdependência econômico-espacial entre o aglomerado central de negócios e o aglomerado periférico de residentes como motor da dinâmica urbana capitalista não significa, porém, supor que tal dinâmica se apresente da mesma maneira em qualquer tempo e lugar. Devido ao caráter desigual, no espaço e tempo, do desenvolvimento capitalista, ela há de ter ritmos e etapas condizentes com as circunstâncias sócio-históricas em que se constrói a cidade: como lenta transformação do burgo feudal europeu, como expansão e reconstrução relativamente rápida da cidade colonial hispano-americana, como nascimento ex novo da cidade de fronteira estadunidense.
Embora o estudo combinado dessas três
formas históricas e suas variantes seja necessário para a compreensão da
estrutura espacial da cidade capitalista, é da longa transição do burgo feudal
europeu que se podem extrair os indícios de como se deu, originalmente, o
entrelaçamento dos processos envolvidos na sua formação: especialização do
comércio de varejo, localização das primeiras manufaturas, fixação locacional
do núcleo de negócios, formação dos gradientes de valor da terra, rearranjo do
estoque residencial em função do núcleo comercial e manufatureiro, separação de
comércio e residência, incorporação da periferia rural imediata etc.
Um esforço de síntese
(1) Na nova formação social em que a riqueza provém da produção,
comercialização e consumo generalizado de mercadorias, os varejistas e, num
primeiro momento, também os manufatores, tendem a se aglomerar no ponto mais
acessível dos assentamentos urbanos herdados do passado feudal / colonial -
aquele que minimiza a distância agregada aos potenciais trabalhadores /
consumidores - para maximizar as vendas e a disponibilidade de força de
trabalho.
(2) Tendo a maioria dos habitantes das cidades se tornado 100% dependente do
consumo de mercadorias e da oferta de trabalho assalariado, a população em
crescimento é compelida a se assentar à menor distância possível das
aglomerações comerciais para maximizar as oportunidades de emprego e minimizar
a perda do poder de compra de seus rendimentos correspondente ao custo-tempo de
deslocamento dos membros da família para finalidades diversas.
(3) Forma-se, assim, um padrão tendencialmente radioconcêntrico de escassez
locacional, tanto maior quanto mais próxima ao ponto mais acessível da rede
urbana, que propicia a extração, pelos proprietários das terras, de rendas
deduzidas das vantagens econômicas que essas localizações proporcionam aos seus
usuários.
(4) A expansão residencial pericêntrica e periférica começa, naturalmente,
pelas vias radiais. À medida, porém, que a distância do centro da rede a
terrenos intersticiais se torna igual ou menor que às próximas parcelas
disponíveis ao longo dos caminhos radiais, inicia-se a ocupação dos setores
circulares seguindo ramificações que, com o tempo, tendem a fundir-se em anéis
mais ou menos regulares de ocupação ao redor do aglomerado central. A
diferença, em termos de acessibilidade, entre as distâncias radiais e
rádio-circunferenciais ao centro da rede determina a configuração estelar, por
oposição a circular, da urbe em formação.
(5) Sendo os comércios, serviços e manufaturas mais aptos a ofertar rendas que
os residentes em geral e alguns residentes mais aptos a ofertar rendas do que
outros, seguem-se as tendências à especialização locacional dos negócios no
centro da rede - às expensas do uso residencial sempre que economicamente
vantajoso - e à hierarquização da periferia residencial com base na capacidade
de pagamento pelas vantagens objetivas e subjetivas das localizações, a
primeira e mais duradoura dentre elas a proximidade do centro da rede.
(6) Desdobra-se, assim, a aglomeração urbana em duas modalidades economicamente
interrelacionadas e reciprocamente dependentes: central, típica das firmas, e
radial-concêntrica, típica das famílias residentes.
(7) Com o crescimento da população, o aumento da riqueza e o desenvolvimento em
geral, formam-se nas grandes cidades, com base nos mesmos princípios antes
enunciados, redes mais ou menos superpostas, hierarquizadas e complexas de
aglomerados de negócios e entornos residenciais invariavelmente marcados –
salvo por efeito de regulações urbanísticas – pela densificação e
verticalização decrescentes do estoque edificado.
Conclusão
Tal como até aqui desenvolvida, a hipótese
sugere que a interdependência econômico-espacial do que hoje chamamos “famílias
e firmas”, determinada pelo advento da produção e circulação generalizada dos
meios de produção e subsistência das populações urbanas como mercadorias, seria
o princípio explicativo da dinâmica expansiva tendencialmente
radial-concêntrica da cidade moderna, portanto da gênese da sua centralidade.
É essa interdependência que fará resultar, da competição espacial generalizada
arbitrada pela renda do solo, a estruturação do espaço urbano capitalista em
duas categorias principais: os centros e subcentros de negócios (comércio,
serviços, indústria leve) e suas respectivas periferias residenciais.
Gerada, sem dúvida alguma, pelas necessidades individuais de trabalhadores,
comerciantes e manufatores libertos dos vínculos e obrigações feudais, a
dinâmica expansiva radial-concêntrica da cidade capitalista é, no
entanto, um resultado que nenhum agente previu ou planejou, e que
transcende todas as expectativas individuais: um dispositivo
espacial socialmente construído, que minimiza o custo agregado dos
deslocamentos, favorece o consumo, barateia a força de trabalho e acelera a
realização dos lucros comerciais e industriais.
Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas, prestadores de serviços e compradores de força de trabalho, ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radio-concêntrica das cidades em expansão, é em si mesma um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar, diferenciar socialmente e expandir - a ponto de, a partir de certo tamanho, produzir o seu contrário: vultosas deseconomias sociais - a grande metrópole contemporânea.
2024-01-28
A renda da terra urbana é o mecanismo social e juridicamente consagrado de arbitragem da competição espacial entre os usuários do solo [1] [2].
Não surpreende, pois, que, na ausência de uma teoria amplamente aceita da organização espacial urbana na sociedade capitalista, [2a] o modelo construído por William Alonso no início dos anos 1960 para sintetizar sua teoria do mercado de solo urbano [3] - aqui representado pela curva de mercado do tipo 'envelope', de imensa utilidade analítica e didática, é bom que se diga - tenha se tornado, por uma espécie de 'derivação de sentido', o paradigma científico da própria estrutura da cidade moderna e a renda da terra adquirido o status de fundamento dessa ordem espacial.
A questão inescapável é: de onde vem e em que consiste a vantagem de localização? Como ela teria se manifestado para os distintos ocupantes do solo nas etapas formativas das cidades capitalistas, quando rendimentos significativamente excedentes às necessidades básicas de consumo das famílias eram - ao contrário dos Estados Unidos da década de 1960 - privilégio de uma ínfima minoria da sociedade, ao passo que os da imensa maioria eram disputados centavo a centavo com as despesas de transporte e renda de aluguel?
Com apurado senso crítico, o hoje professor Correia da Silva, da Universidade do Porto, apontou, num trabalho de doutoramento do ano de 2004, o calcanhar de aquiles do modelo de Alonso: assumir como dado aquilo que, do ponto de vista da estrutura da cidade moderna, era preciso explicar: a existência mesma do centro comercial urbano. [7]
Dito de outra forma, o fundamento da moderna espacialidade urbana não é a alocação, com base na oferta de renda, de consumidores individuais de solo-localização em busca da 'máxima satisfação' [12] representada pelas vantagens da proximidade do centro, mas a compra-venda generalizada de bens, serviços e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, isto é, com compradores e vendedores, sejam firmas ou famílias, situados à menor distância-custo uns dos outros.
Montagem: Abeiradourbanismo Clique na imagem para ampliar |
Stuttgart 1794, Edimburgo 1773, Berlim 1789 Clique para ampliar |
El único hecho que lo hace [este tipo de trazado urbano] más notorio en los Estados Unidos que en el Viejo Mundo es la ausencia, excepto en zonas como las de los establecimientos iniciales de Boston y Nueva York, de tipos anteriores de planificación urbana. A partir del siglo XVII, las extensiones de ciudades occidentales, tanto en Stuttgart y Berlín como en Londres y Edimburgo, se hicieron del mismo modo, excepto donde antiguos cursos de agua, caminos o límites de campos habían establecido líneas que no era fácil anular. (..) Estos planos servían únicamente para una rápida división de la tierra, una rápida conversión de solares en lotes y una rápida venta. La carencia misma de adaptaciones más específicas al paisaje o a las necesidades humanas solo aumentaba, por su misma imprecisión e indeterminación, su utilidad general para el mercado. [1a]
O que, por outro lado, não se pode deixar de observar, e que os textos sobre a grade ortogonal em geral desconsideram, é o fato de que a "economia da ocupação do solo", tão bem descrita pelo articulista, que fez da grade ortogonal o traçado padrão da moderna urbanização de mercado, é obrigada por essa mesma urbanização de mercado a coexistir com estruturas de acessibilidade urbana de tipo radial-concêntrico derivadas da “economia da localização” - como descrito, por exemplo, no modelo geral da distribuição dos usos do solo na metrópole contemporânea, sintetizado por William Alonso na década de 1960.
“(..) As forças que regem a organização sócio-espacial das metrópoles modernas não se subordinam, apenas se adaptam na medida da necessidade, aos traçados pré-existentes. A "economia da localização" se sobrepõe mais ou menos despoticamente à "economia da ocupação" segundo regras que lhe são próprias. As leis da organização sócio-espacial urbana são as mesmas, e seus efeitos análogos, na cidade radiocêntrica de Porto Alegre e nos vastos reticulados de Barcelona e Chicago. (..)” [2]
Corrijo-me, agora: as leis da “economia da localização urbana” são as mesmas em todas as cidades modernas, vale dizer construídas pela economia de mercado, mas os efeitos de sua coexistência com as regras da "economia da ocupação do solo” variam - segundo a resistência que esta última lhes ofereça. Em 1903, Hurd postulou tal relação nos seguintes termos: as cidades crescem em todas as direções a partir do ponto de origem salvo quando obstaculizadas pela topografia ou pela estrutura da propriedade fundiária pré-existente. [3] Na década de 1920, Burgess reafirmou o postulado acrescentando, como fatores de resistência, eventuais elementos construídos (ferrovias, aquedutos) e, muito importante, as próprias comunidades previamente assentadas no território. [4] Falta acrescentar um aspecto capital: os planos reguladores.
Se defrontadas por um rígido plano regulador de urbanismo, como em Brasília, as leis da economia da localização impor-se-ão à metrópole em expansão como coroa exterior de cidades satélites.
Acréscimos e montagem: Àbeiradourbanismo |
Porto Alegre 1928 - linhas de bonde |
"Há quem pense que quanto mais larga mais valorizada a rua, devido à maior capacidade de tráfego. Mas em uma rua comercial a largura é praticamente irrelevante (..). A pouca largura facilita o intercâmbio entre os dois lados, o que é de alguma forma vantajoso para os negócios quando não implica em limitação à altura dos edifícios". [7]
Boston 1814 (esq, acima), Boston CBD 1896 (esq abaixo) e Devonshire St atual (dir) Clique na imagem para ampliar |
Fonte: Hurd 1903 |
Retornando ao artigo, a ideia de que “o grid está em declínio” me parece uma dedução meramente circunstancial relacionada, se tanto, às práticas correntes da indústria estadunidense dos loteamentos suburbanos - que orientam a parte final do texto. Relativamente a qualquer outro país, o grid não pode estar em declínio nos EUA: ele é o marco regulador, indelével e indestrutível até onde alcança a perspectiva histórica, de seu singular processo de urbanização, simbolizado nas icônicas imagens de aglomerados de arranha-céus em meio a vastos reticulados urbanos de baixíssima densidade.
[2] Entendida como aquela em que já predominam o trabalho assalariado e a produção para o mercado, mas não necessariamente a grande indústria.
[3] CORREIA da SILVA J (2004), "Space in Economics — A Historical Perspective".
[4] BATTY M, "The Linear City: illustrating the logic of spatial equilibrium". Comput.Urban Sci. 2, 8 (2022)
[6] BORRERO OCHOA O, Economía Urbana y Plusvalia del Suelo. Bogotá: Bhandar Editores 2018, p. 65.
[7] [BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
[8] JORGENSEN P, “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese”. À beira do urbanismo (blog) 08-03-2021
Distância, aglomeração, centralidade (2)
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/03/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html
[2] "La ciudad moderna (..) es distinta de cualquier tipo de ciudad anterior (..) porque ha concentrado en ella los factores de producción sobre la base de un nuevo sistema económico basado en el capital”. HERCE VALLEJO Manuel, “Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista”. Café de las Ciudades, Abril 2021
https://cafedelasciudades.com.ar/sitio/contenidos/ver/459/las-infraestructuras-en-la-construccion-de-la-ciudad-capitalista.html
[2a] “Mas, dir-se-á, as leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam elas aplicadas no presente ou no passado. (..) É exatamente isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis abstratas não existem. (..) Segundo sua opinião, pelo contrário, cada período histórico possui suas próprias leis. Assim que a vida já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado de determinado estágio a outro, começa a ser dirigida por outras leis. (..)” [Correio Europeu, Petersburgo, maio de 1872, p. 427-436; em MARX Karl, O Capital (Posfácio da 2a. Edição). São Paulo: Editora Nova Cultural 1996, p. 139]
[3] "(..) la ciudad es también un producto en sí misma, una sumatoria de mercancías inmobiliarias que añaden valor a la propiedad." HERCE VALLEJO Manuel, op. cit.
[4]“(..) antes de tudo, é preciso definir o que entendemos por centralidade. A definição, no caso, parte de uma referência espacial, ou seja, geográfica e de dimensão física: o centro é o núcleo original, o ponto de partida nodal e uma aglomeração urbana. O centro é, pois, o marco zero de uma cidade, o local onde tudo começou, o seu núcleo de origem. (..)” [PESAVENTO S J, “História, Memória e Centralidade Urbana" Rev. Mosaico, v.1, n.1, p.3-12, jan/jun 2008
https://seer.pucgoias.edu.br/.../mos.../article/view/225/179
[4a] Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [17] [Aspas dos autores] [CAPRETZ A e MANHAS M, "Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto (SP), 1887". I Simposio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011].
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf
[5] “Esta figura é uma representação ideal da tendência que tem toda cidade de se expandir radialmente a partir de seu distrito central de negócios – no esquema, ‘The Loop’ (I)”. BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em PARK R E, BURGESS E W e MCKENZIE R D, The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p. 50.
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[6] “As cidades tendem a crescer ao redor de algum centro, em zonas concêntricas de uso do solo ordenadas de acordo com sua capacidade de pagar aluguel [ofertar renda], ligadas ao núcleo por meio de rotas radiais bem definidas que convergem para o centro”. BATTY M, "The Linear City: illustrating the logic of spatial equilibrium". Comput.Urban Sci. 2, 8 (2022)
https://link.springer.com/article/10.1007/s43762-022-00036-z
[7] “Growth in cities consists of movement away from the point of origin in all directions, except as topographically hindered, this movement being due both to aggregation at the edges and pressure from the centre. Central growth takes place both from the heart of the city and from each subcentre of attraction, and axial growth pushes into the outlying territory by means of railroads, turnpikes and street railroads. All cities are built up from these two influences, which vary in quantity, intensity and quality, the resulting districts overlapping, interpenetrating, neutralizing and harmonizing as the pressure of the city's growth bring them in contact with each other.” HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, cap I
[8] “Retail stores cluster together at convenient points for their customers and not because they do business with each other. The chief attracting power of such a retail section seems to be the insurance to customers against failure to find within the section what they seek. Undoubtedly the selection within this special district is normally better than that in all the rest of the city combined, and shoppers are saved the time, trouble and uncertainty of seeking through scattered shops. While one shop may attract a customer and another make the sale, such an interchange of customers is probably in the long run closely balanced. HURD R M, op.cit. Cap VI
[9] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf
[10] WINGO L (1961): Transportation and urban land. Washington, DC: Resources for the Future.
[11] “For urban land, this process is more complex. (..) Very briefly, the method consists of assuming a price of land in the center of the city, and determining the prices at all other locations by the competitive bidding of the potential users of land in relation to this price." ALONSO W (1960), “A Theory of the Urban Land Market”, em Papers and Proceedings of the Regional Science Association, Vol 6, 1960
https://www.academia.edu/2161751/A_theory_of_the_urban_land_market
[12] CORREIA-DA-SILVA J , “Space in Economics – A Historic Perspective”, em Backhouse R, History of Economic Thought, Programa de Doutoramento em Economia, Faculdade de Economia do Porto, Universidade do Porto
https://www.fep.up.pt/docentes/joao/material/space.pdf
[12a] VANCE JR J E, “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City”. Economic Geography , Apr., 1971, Vol. 47, No. 2, pp. 101-120
[13] “The main argument of this paper may be presented in sharper focus at this point. It is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city”. VANCE JR J E, Op. Cit.
[14] “In many forms of business the clustering together of those transacting it finally crystalizes into an Exchange, which forms the centre of the district. Since the Exchanges are the result and not the cause of the special districts in which they are located, we must look back of them to find the causes for the location of various utilities.” [ HURD R M, op.cit. Cap VI]
[15] “In the most primitive situation of periodic markets no such thing as a shopping centre existed, indeed the whole notion was alien. A widening of a main street gave sufficient space for temporary stalls to be set up on market days. Even that amount of adaptation was not essential for mats or cloths could be laid on the floor, or on a trestle within any open space; the church-yard was a typical one, since it was a meeting place. (..) The demand for buildings was minimal, the power of the trader or merchant limited, and hence the city was dominated by the centres of political and religious control. Castle, or town hall, and cathedral or church, were the major buildings and retail trade only incidental to these formative elements.” CARTER H, An Introduction to Urban Historical Geography – cap 8 The Internal Structure of the City: the central area. Londres: Edward Arnold Publishers, 1983, pp. 150-170.
https://archive.org/det.../introductiontour0000cart/mode/1up
[2a] Até então, o indiscutível paradigma científico e acadêmico da moderna organização espacial urbana era a série histórica dos três modelos de estrutura urbana proposta por Harris e Ullman em 1945: Círculos Concêntricos/Burgess 1925, Setores Radiais/Hoyt 1939 e Núcleos Múltiplos/Harris e Ullman 1945, sobre os quais assim se pronunciou o economista regional H Richardson em 1969: "Esses três conceitos de estrutura urbana não são diametralmente opostos uns aos outros. Cada conceito provavelmente tem alguma importância para explicar a estrutura de qualquer cidade. (..) As mesmas concepções teóricas gerais, como a tentativa de minimizar os custos de atrito tomada como princípio organizacional, são aplicáveis em graus variáveis a todas as três concepções da estrutura de uma cidade." RICHARDSON H W (1969), Economia Regional - Teoria da Localização, Estrutura Urbana e Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar 1975[3] ALONSO W, Location and land use; toward a general theory of land rent. Cambridge: Harvard University Press, 1964.
[4] ALONSO W, “The Historic and the Structural Theories of Urban Form: Their Implications for Urban Renewal”. Land Economics Vol. 40, No.2 (May, 1964), pp. 227-231. University of Wisconsin Press.
https://docs.google.com/document/d/1-bHp274ABR8iKw3TvP4Et2Z6YOpjQbOq1ppaSC4mczk/edit?usp=sharing
[5] HAIG R, “Toward an Understanding of the Metropolis”, Quarterly Journal of Economics, May 1926; BURGESS E W, “The Growth of the City”, em The City, R. E. Park and E. W. Burgess (Eds.),Chicago, Illinois: University of Chicago Press, 1925; HOYT H, The Structure and Growth of Residential Neighborhoods in American Cities. Washington D.C.: Federal Housing Administration, 1937, p. 116.
[6] VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, 101-20.
https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true
https://istoriamundial.files.wordpress.com/2013/11/la-ciudad-en-la-historia_lewis-mumford.pdf
[2] JORGENSEN P, “Porto Alegre cidade radiocêntrica (1)”. À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019. https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html
[3] HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up
[4] BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em BURGESS, E W e PARK R E, The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[6] JORGENSEN P, “Porto Alegre cidade radiocêntrica (1)”. À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019. https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html