Esta semana, a propósito da notícia de mais um socorro público às calamidades da Vila do PAN, Veríssimo enviou aos seus amigos um artigo fundamental sobre este que foi, no meu entender, o projeto-piloto da generosa política, há tempos em vigor em nosso país, de isenções e benefícios à indústria dos grandes eventos esportivos globais. Imperdível.
Vila do Pan – o retorno
Matéria publicada no dia 10 de dezembro, no Jornal O GLOBO,
informa que a realização de obra de estabilização do solo de rua, que poderia
comprometer a imagem olímpica, põe fim a impasse na Vila do Pan. Será?
A Vila do Pan está
construída na Subzona A-39 que está compreendida entre o Canal do Anil e a Av.
Alvorada, sendo limitada ao sul pela Lagoa do Camorim e ao norte pela Via 7 do
PA 8997. Esta subzona é constituída por duas áreas: uma denominada “Área A”
abrangida pelo PA 9822 e pelo PAL 35457, limitada ao norte pela Via 7 do PA
8997, ao sul pela Via Parque Projetada C, e ao leste, pela Avenida Canal do
Anil e a Oeste pela Avenida Alvorada; e outra, denominada “Área B” entre a
Avenida Parque Projetada C do PA 9822 e a Lagoa do Camorim, limitada a leste
pela Avenida Canal do Anil e a oste pela Avenida Alvorada.
Figura 1 – Localização da Vila do Pan em relação à Subzona A-39 |
A Legislação vigente
para a Área B da Subzona A-39, definida no Decreto 3.046/81, estipulava que o
lote mínimo permitido naquele local era de 3 mil metros quadrados com uma
testata mínima de 40 metros. Nestes lotes poderiam ser construída, apenas, uma
unidade habitacional com, apenas, um pavimento por lote. Estas unidades
habitacionais não poderiam ocupar mais do que dez por cento do terreno. O uso
comercial somente era admitido em lotes com frente para a Avenida Alvorada,
limitada a sua altura a dois pavimentos, sendo admitida uma ocupação do terreno
de, no máximo, vinte por cento, além de estarem afastadas 10 metros da Avenida
e 4 metros das demais edificações.
Como
pode ser observado, tais parâmetros urbanísticos restritivos induziam a uma ocupação
de pouca densidade e pouca carga. A legislação estabelecida para o local levou
em consideração as frageis condições de resistência do solo naquela região e,
por isso, não incentivava a sua ocupação intensiva.
Não obstante serem
previamente conhecidas as precárias condições daquele solo, a partir do ano de
2002 foram aprovadas uma série de leis e editados decretos que alteraram
profundamente os parâmetros urbanísticos e edilícios para o local.
Em 27 de setembro de 2002 foi
aprovada a Lei Complementar N.º 59 que
definiu usos para os lotes 1 a 41 da Q.4 do PAL 18 328 em função dos Jogos Panamericanos de 2007.
Em 22 de novembro de 2002 foram
aprovadas as Lei Complementares N.º 60 e 61 que alterou parâmetros edilícios e
dispositivo da LC N.º 59/2002.
Em 11 de dezembro de 2003, foi
editado o Decreto N.º 23811 que alterou parâmetros edilícios;
Em 08 de janeiro de 2004, foi
editado o Decreto N.º 23900 que alterou parâmetros edilícios.
As alterações
realizadas na legislação para o local atribuiram aos lotes ali existentes um
potencial de edificabilidade muitas vezes superior àquele vigente na legislação
de 1981. Isto quer dizer que, se um proprietário de um lote com 3 mil metros
quadrados poderia construir anteriormente apenas uma edificação unifamiliar com
300 metros quadrados, a partir da edição das novas normas poderia edificar, no
mesmo lote, 24 apartamentos com 300 m²
cada ou 72 apartamentos com 100 m2 cada.
Comparando-se os potenciais
construtivos permitidos pela legislação antes e depois de 2002/2004, pode-se
concluir que o valor no mercado desses lotes multiplicou-se muitas vezes neste
curto período, aumentando significativamente o patrimonio econômico dos seus
proprietários.
Não bastasse o intenso incremento
do potencial construtivo que se reflete - por consequencia - em um intenso
aumento do valor dos lotes no mercado, resolveu também a Prefeitura investir na
colocação da infraestrura necessária para a construção dessas edificações,
obrigação que deveria ser assumida, legal e lógicamente, pelo empreendedor, já
que o preço de venda dos imóveis, comercializados livremente no mercado, já
incorpora este tipo de investimento.
Não fossem suficientes as benesses
concedidas ao empreendedor pela Prefeitura, por meio das alterações nos
parâmetros legais e pela sua desoneração na execução da infraestrutura,
resolveu também o Governo Federal conceder uma linha de financiamento
privilegiada para a comercialização das unidades, utilizando-se os recursos do
Fundo de Amparo ao Trabalhador o FAT, com condições muito mais favoraveis de
financiamento que aquelas disponíveis no mercado na ocasião.
No
quadro abaixo pode-se comparar as taxas de juros oferecidas pelo mercado com aquela
concedida para a comercialização dos imóveis da Vila do Pan.
Tendo em vista os
generosos benefícios concedidos ao empreendedor - cumulativamente - pelos
governos municipal e federal, seria plenamente justificavel, e esperado, que o
responsável pelas edificações alí construídas disponibilizasse em contrapartida
os imóveis para a utilização pelos atletas e delegações durante o decorrer dos
jogos Pan e Para Panamericanos. Porém não foi isso que aconteceu. Apesar de
todas as benesses concedidas, resolveu o Governo Federal, adicionamente, pagar
ao empreendedor, antecipadamente, ou seja, antes das edificações estarem
concluídas, o valor de 25 milhões de reais a título de “aluguel” para a
utilização futura das unidades durante os jogos[1].
Mais uma vez ainda seria possível
justificar tanto aporte de recursos públicos a um empreendimento privado se, ao
fim do dia, tais unidades, produzidas substancialmente com recursos advindos
dos impostos arrecadados da população, fossem finalmente destinadas a um uso
social, ou seja, estivessem a serviço da redução do défict habitacional da
cidade. Mas não foi isso que aconteceu. A despeito dos volumosos subsídios
públicos incorporados ao valor de venda[2],
estes imóveis foram comercializados livremente no mercado, sem nenhuma
restrição, havendo casos, como amplamente divulgado, de um mesmo comprador
ter adquirido mais de uma unidade no empreendimento[3].
Não
bastasse, como visto, os volumosos recursos públicos investidos em um
empreendimento privado, que sequer teve muito trabalho e despesa para ser
comercializado, já que a grife de Vila do PAN já lhe garantia uma intensa
exposição midiática; restou ainda para o contribuinte municipal arcar com os custos[4]
dos reparos dos danos - mais do que previsiveis - causados à infraestrutura
pela já conhecida instabilidade do solo no local.
Mais
um caso típico de parceria público privada, onde os lucros se privatizam e os
prejuizos são socializados.
Rio,
10 de dezembro de 2011
Antônio
Augusto Veríssimo
Arquiteto.
[1]O CONVÊNIO/ME/CO-RIO N.º 171/2004 estipulou o pagamento
adiantado do valor de R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), a
título de Concessão do Direito Real de Uso por prazo determinado sobre o
imóveis da Vila do PAN. (informação contida no Acórdão n.º 1572/2005 do TCU –
Plenário).
[2] Segundo o site do Sindicato da Indústria da Construção
Civil do Rio de Janeiro – SINDUSCON-RJ, em março de 2006 os apartamentos da
Vila do PAN tinham alcançado preços entre R$ 115 mil (sala e suite)e R$ 420 mil
(sala e quatro suites);
[3] (Segundo a CAIXA, a AGENCO vendeu todos os
apartamentos em dois dias. De acordo com o próprio banco, celebridades como os
jogadores Romário e Petkovic compraram imóveis de quatro suítes por preços que
chegaram a R$ 390 mil. Os juros são camaradas: ficam por volta de um terço abaixo
das taxas normais de mercado”. Fonte:
Diego Escosteguy / Estadao.com.br / 28/01/2006.)
[4]
Segundo consta da matéria publicada no Jornal o Globo em 10 de dezembro de 2011
sob o título “Obra põe fim a impasse na Vila do Pan” a Prefeitura arcará com o
custo de R$ 4,1 milhões para conter o afundamento de trechos da Rua
Claudio Besserman Vianna (Bussunda) que
passa em frente ao empreendimento conhecido como Vila do Pan.