quarta-feira, 13 de março de 2024

A estrutura urbana de Manchester 1845, segundo F Engels


ENGELS F, “As grandes cidades” (2a parte - Manchester). Em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra pp 87-116. São Paulo: Boitempo 2008

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4662435/mod_resource/content/1/ENGELS.pdf 


(..) Mas já dissemos o bastante sobre essas cidades menores. Todas têm suas peculiaridades; nelas, porém, os operários vivem como em Manchester. Por isso, limitei-me a descrever o aspecto particular de sua estrutura; de fato, todas as observações gerais sobre a situação das moradias operárias de Manchester cabem perfeitamente à totalidade das cidades vizinhas. Passemos, pois, ao grande centro.

Manchester situa-se no sopé meridional de uma cadeia de montanhas que, partindo de Oldham, corta os vales do Irwell e do Medlock e cujo último cume, o Kersall-Moor, é, ao mesmo tempo, o hipódromo e o mons sacer de Manchester. A cidade propriamente dita encontra-se na margem esquerda do Irwell, entre esse rio e dois outros menores, o Irk e o Medlock, que aqui nele deságuam. Na margem direita do Irwell, encerrada numa espécie de anel formado pelo rio, está Salford e, mais a ocidente, Pendleton; ao norte do Irwell, encontram-se a alta e a baixa Broughton; ao norte do Irk, fica Cheetham Hill; ao sul do Medlock, está Hulme e, mais a oriente, Chorlton-on-Medlock e, ainda mais longe, mais ou menos a leste de Manchester, Ardwick. Todo esse conjunto é comumente chamado de Manchester e conta com 400 mil habitantes, senão mais.

Manchester é construída de um modo tão peculiar que podemos residir nela durante anos, ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um bairro operário ou até mesmo encontrar um operário – isso se nos limitarmos a cuidar de nossos negócios ou a passear. A razão é que – seja por um acordo inconsciente e tácito, seja por uma consciente e expressa intenção – os bairros operários estão rigorosamente separados das partes da cidade reservadas à classe média ou, quando essa separação não foi possível, dissimulados sob o manto da caridade.


Manchester tem, em seu centro, um bairro comercial bastante grande, com cerca de uma milha e meia de comprimento e outro tanto de largura, composto quase exclusivamente por escritórios e armazéns (warehouses). Nele praticamente não existem moradias e, por isso, à noite, fica vazio e deserto – apenas a guarda noturna, com suas lanternas, circula pelas ruas estreitas e sombrias. Nessa zona há algumas ruas grandes, que concentram o tráfego, e o térreo das edificações é ocupado por lojas luxuosas; aí se encontram uns poucos pavimentos superiores habitados e nela reina, até alta noite, uma certa animação. Excetuada essa zona comercial, toda a Manchester propriamente dita – ao lado de Salford e Hulme, uma parte significativa de Pendleton e de Chorlton, dois terços de Ardwick e igual parcela de Cheetham Hill e de Broughton – não é mais que um único bairro operário que, com uma largura média de uma milha e meia, circunda como um anel a área comercial. A alta e a média burguesia moram fora desse anel. A alta burguesia habita vivendas de luxo, ajardinadas, mais longe, em Chorlton e Ardwick ou então nas colinas de Cheetham Hill, Broughton e Pendleton, por onde corre o sadio ar do campo, em grandes e confortáveis casas, servidas, a cada quinze ou trinta minutos, por ônibus que se dirigem ao centro da cidade. A média burguesia vive em ruas boas, mais próximas dos bairros operários, sobretudo em Chorlton e nas áreas mais baixas de Cheetham Hill. O curioso é que esses ricos representantes da aristocracia do dinheiro podem atravessar os bairros operários, utilizando o caminho mais curto para chegar aos seus escritórios no centro da cidade, sem se aperceber que estão cercados, por todos os lados, pela mais sórdida miséria.


De fato, as principais ruas que, partindo da Bolsa, deixam a cidade em todas as direções, estão ocupadas, dos dois lados, por lojas da pequena e da média burguesias, que têm todo o interesse em mantê-las com aspecto limpo e decoroso. É verdade que tais lojas se relacionam de algum modo com os bairros que estão em suas traseiras e, naturalmente, são mais elegantes e cuidadas no bairro comercial e junto das áreas burguesas do que nas zonas em que têm de ocultar as sórdidas casas operárias; todavia, sempre dão conta de esconder dos ricos senhores e de suas madames, de estômago forte e nervos frágeis, a miséria e a sujeira que são o complemento de seu luxo e de sua riqueza. É o que acontece, por exemplo, com a Deansgate, que parte em linha reta da igreja velha para o sul; no princípio, é ladeada por boas lojas e fábricas; seguem-se lojas de segunda categoria e algumas cervejarias; mais ao sul, quando deixa o bairro comercial, tem pelos lados negócios mais pobres, que, à medida que se avança, tornam-se sujos e intercalados por tabernas; enfim, na extremidade sul, a aparência das lojas não permite qualquer dúvida sobre seus fregueses: operários, só operários. O mesmo se passa com a Market Street, que sai da Bolsa em direção ao sudeste: de início, encontramos lojas de primeira categoria e, nos andares superiores, escritórios e armazéns; depois (Piccadilly), belos hotéis e entrepostos; mais adiante ainda (London Road), junto ao Medlock, fábricas, lojas e tabernas para a pequena burguesia e para os operários; mais próximo de Ardwick Green, casas da média e alta burguesia e, a partir daí, grandes jardins e enormes residências dos mais ricos industriais e comerciantes. Assim, conhecendo a cidade, é possível, pelo aspecto dos trechos das ruas principais, deduzir o tipo de bairro contíguo; mas, dessas ruas, é extremamente difícil contemplar de fato os bairros operários. Sei perfeitamente que essa disposição urbana hipócrita é mais ou menos comum a todas as grandes cidades; também sei que os comerciantes varejistas, pela própria natureza de seu negócio, devem ocupar as ruas principais; sei igualmente que nessas ruas, em toda parte, encontram-se edificações mais bonitas que feias e que o valor dos terrenos que as rodeiam é superior ao daqueles dos bairros periféricos; entretanto, em lugar nenhum como em Manchester verifiquei tanta sistematicidade para manter a classe operária afastada das ruas principais, tanto cuidado para esconder delicadamente aquilo que possa ofender os olhos ou os nervos da burguesia. E, no entanto, em Manchester, a urbanização, menos ainda que em qualquer outra cidade, não resultou de um planejamento ou de ordenações policiais: operou-se segundo o acaso. É por isso que, quando penso na classe média afirmando às pressas que os operários se comportam de maneira adequada, sempre tenho a impressão que os industriais liberais de Manchester, as grandes personalidades liberais (big whigs), tiveram sua parte nessa organização urbana tão cheia de pudor. 


Acrescento que os estabelecimentos industriais situam-se quase todos à margem dos três rios ou dos vários canais que se ramificam pela cidade e passo diretamente à descrição dos bairros operários propriamente ditos. (..)


2024-03-13

domingo, 10 de março de 2024

Imóveis comerciais/ EUA: um resumo da crise


Valor Investe 07-03-2024, por Marília Almeida
https://valorinveste.globo.com/produtos/investimento-no-exterior/noticia/2024/03/07/queda-de-28percent-nos-precos-onde-pode-chegar-a-crise-do-imoveis-comerciais-nos-eua.ghtml
Segundo pesquisa de janeiro da WFH, a parcela de dias úteis completos trabalhados em casa ficou próxima a 30% desde o início de 2022. Ainda que tenha caído dos 60% registrados no meio de 2020, a porcentagem continua relevante. Com menos trabalhadores no escritório cinco dias por semana, a demanda por escritórios enfraqueceu e a vacância aumentou em 900 pontos percentuais entre o quarto trimestre de 2019 e o quarto trimestre de 2023.

Consequentemente, os valores de escritórios estão passando por uma correção de preços histórica. Desde que atingiram o pico cíclico em 2019, se deterioraram mais rapidamente do que a maioria dos setores imobiliários comerciais. Uma vez que a correção de preços termine este ano, a Oxford Economics projeta que os valores dos escritórios terão caído 28,6% desde seu pico em 2019. A intensidade da queda rivaliza com a desvalorização de 34,8% registrada entre os escritórios durante a crise financeira de 2008.

As implicações econômicas regionais variam. Mercados com uma concentração
maior de imóveis comerciais são mais propensos a sentir os efeitos do aumento da vacância e da queda nos valores. Ou seja, os distritos comerciais centrais (CBD) serão mais afetados do que os dos subúrbios.


Ao analisar os dados de vacância da MSCI por idade do edifício de escritórios, a Oxford Economics observa que a vacância aumentou em todas as idades e localidades entre 2019 e 2023. Mas edifícios mais antigos que 1989 e localizados nos centros comerciais centrais registraram aumento da vacância acima da média. Já edifícios mais novos, especialmente construídos após 1999 e localizados nos subúrbios, registraram cerca da metade do aumento geral da vacância de escritórios.

Os mercados com uma maior concentração de propriedades de escritório são mais propensos a sentir os efeitos do aumento da vacância e da queda nos valores. Boston, Los Angeles, Nova York, São Francisco e Washington DC representam 42% do número total de propriedades de escritório nos EUA, segundo dados da MSCI. Esses mercados são mais vulneráveis, especialmente os com edifícios mais antigos localizados no CBD. (..)”

 2024-03-10

quarta-feira, 6 de março de 2024

Especulação transnacional


NSC Total 01-03 2024
https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/como-a-crise-no-mercado-imobiliario-dos-eua-impulsiona-balneario-camboriu-e-rio-de-janeiro


"O mercado imobiliário brasileiro tem índices de valorização superiores a outros países e, além da atratividade da diferença cambial, cada vez mais, tem se tornado alvo para os americanos, assim como para investidores de outros países", diz o especialista em mercado imobiliário Renato Monteiro (..) Segundo ele, no último ano foi observado um aumento de 20% na procura de estrangeiros por imóveis no Brasil. A expectativa é que a busca seja ainda maior em 2024.

Segundo a Sort Investimentos, (..) as principais regiões que têm sido alvo de investidores dos EUA estão no litoral brasileiro. (..) Itapema registrou 19,52% de valorização anual – um recorde. Itajaí, também ao lado de Balneário Camboriú, registrou no último levantamento da Fipezap a terceira melhor valorização do país, com 13,35%.

Já no Rio de Janeiro, o destaque para Búzios. A cidade, com pouco mais de 26 mil metros quadrados, é apontada como a bola da vez do mercado imobiliário nacional, com projeção de valorizar em até 100% os imóveis nos próximos quatro anos. 

2024-03-10

domingo, 3 de março de 2024

Campos 2008: São Paulo no século XIX


CAMPOS Eudes, “São Paulo antigo: plantas da cidade”. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (20): set/out.2008
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A planta de 1897 (..) registra a verdadeira explosão urbana ocorrida na cidade durante a última década do século XIX, quando a população saltou de 65.000, em 1890, para 240.000 habitantes em 1900.

Como vimos anteriormente, desde o final dos anos 1850 se vinha desenvolvendo em São Paulo uma forte tendência especulativa, em razão da iminente construção da primeira ferrovia paulista (Santos-Jundiaí). Mais tarde, tornaram-se comuns os loteamentos particulares, sobretudo em consequência da crise inflacionária de 1875. E por essa mesma época, fizeram-se igualmente frequentes as manobras executadas pelas elites para atrair o desenvolvimento urbano para suas terras. (..)

Em virtude de todo esse processo especulativo, foi-se configurando em São Paulo uma nova estrutura urbana. A área central, chamada Triângulo, agora quase totalmente dominada pelo comércio e serviços, adensava-se e era tomada por nova tipologia arquitetônica: construções de três pavimentos que começavam a se alastrar pelo Centro a partir dos últimos anos 1880 – sedes de instituições bancárias e prédios com lojas no térreo e apartamentos residenciais ou salas de escritórios nos andares superiores. Concomitantemente, iam os loteamentos particulares tomando o lugar das antigas chácaras. Com suas ruas ortogonalmente dispostas, esses empreendimentos imobiliários, desde então, passaram a ser a forma característica de criação do espaço urbano paulistano.

Os terrenos mais procurados para a expansão da Capital eram os de melhor localização, encontráveis ao longo dos antigos caminhos que percorriam as terras altas, preferentemente os situados ao norte e a oeste, atuais bairros da Luz, Santa Ifigênia, Campos Elísios e, pouco mais tarde, nos anos 1890, Vila Buarque e Higienópolis (em geral bairros residenciais ocupados pelas camadas mais altas da sociedade). Os mais desfavoráveis eram os situados em regiões ribeirinhas, inundáveis durante o período das chuvas, em parte adquiridos pelas companhias ferroviárias que por aí estenderam suas linhas. A presença de linhas férreas nessas regiões desocupadas atrairia as primeiras indústrias e, consequentemente, as moradias da massa trabalhadora, sempre em constante aumento. Isso ocorreu no Brás, no Pari, na Mooca (cujas datas pantanosas já estavam sendo distribuídas a imigrantes em 1876) e no Bom Retiro, que segundo Raffard vinha sendo ocupado por operários desde 1890. Aos poucos, São Paulo adquire uma conformação tentacular, com grandes vazios em seu interior (compostos de glebas reservadas para a especulação e vales profundos de difícil acesso e ocupação), praticamente inexistindo ligações viárias entre suas diferentes partes.

Com a crescente atuação da iniciativa privada, deixa o Estado de ser o agente da produção do espaço da cidade, como ainda acontecia em meados do século XIX. Passa agora a atuar apenas normativamente, ou quando se torna necessário estabelecer a interligação entre os vários loteamentos esparsos, na busca de conferir alguma coesão à colcha de retalhos a que se reduz daí por diante a estrutura urbana paulistana.

Um relatório encaminhado em 1891 ao governo estadual descrevia muito bem a situação vivida por uma cidade submetida a um processo de intensa e descontrolada expansão. Embora fundada havia três séculos, São Paulo podia ser considerada uma cidade nova. (..)

2024-03-03

domingo, 25 de fevereiro de 2024

São Paulo, o nascimento da metrópole (1)

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O mapa ao lado, produzido pela Companhia Cantareira e Esgotos no ano de 1881, talvez seja o mais emblemático da meteórica transformação da São Paulo colonial-imperial, classificada por Cândido Malta Campos como “núcleo provinciano de segunda categoria antes de 1870”, em Centro da metrópole capitalista radiada.

O marco distintivo desse processo é o advento da indústria dos loteamentos periféricos destinados a adquirentes com capacidade de endividamento - vale dizer os estratos sociais de médios e altos rendimentos -, parcialmente servidos por bondes de tração animal (elétricos só a partir de 1900), mas também influenciados pela presença das estações ferroviárias Luz (1868) da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí) e São Paulo (1872, futura Júlio Prestes), da EF Sorocabana, peças-chaves da cafeicultura capitalista que subjaz à rápida transformação de São Paulo.

Essa primeira expansão periférica se faz acompanhar da expansão do próprio núcleo colonial-imperial para abrigar tanto os novos proletários que buscam os cortiços para fugir ao custo dos deslocamentos urbanos quanto os novos comércios, serviços e pequena indústria que, em muitos casos, substituem as residências dos comerciantes nos sobrados recém-valorizados.

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Assinalei sobre o mapa de 1881 as primeiras áreas loteadas referidas por Candido M Campos* – Santa Ifigênia entre Aurora e Duque de Caxias, Morro do Chá e Campos Elíseos, onde começam a se estabelecer os comerciantes abastados e os novos capitalistas agrícolas.

A construção, na Chácara do Carvalho, futuro bairro da Barra Funda, do palacete do conselheiro Antônio Prado - grande cafeicultor, presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sócio da Prado & Chaves, maior casa exportadora nacional, presidente do Banco de Comércio e Indústria de São Paulo, senador vitalício do Império, deputado por São Paulo (1869-1872), Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1885-1888), Ministro das Relações Exteriores (1888) e prefeito de São Paulo (1899-1911) - assinala, talvez, o ápice desse primeiro impulso suburbanizador paulistano, à qual se seguiria a formação de novos bairros em todas as demais direções.

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Transparece aqui a noção hurdiana (1903) de crescimento urbano [capitalista] 
central e axial simultâneo e reciprocamente determinado, em todas as direções disponíveis, claramente materializado não mais de 10 anos depois nas urbanizações de Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Mooca, Brás, Pari, Luz e Bom Retiro (mapa de 1890).

A inauguração do Viaduto do Chá em 1892 viabilizará a expansão do centro urbano nascente para o lado Oeste do Anhangabaú, às expensas da área residencial do Morro do Chá, seguindo a direção de preferência dos estratos sociais mais abastados. Na direção oposta, onde em 1881 já se delineia a ocupação residencial ao redor da estação ferroviária do Brás (1867), mais tarde surgirá o lado proletário da centralidade metropolitana paulistana.

O compacto arruamento colonial-imperial (mapa 1881) propicia à centralidade em formação as condições ideais para o desenvolvimento da aglomeração comercial e sua subsequente especialização – o centro financeiro do “Triângulo”, o mais antigo e tradicional da cidade, onde até hoje opera a Bolsa de Valores.

Sintomático, talvez, dessa etapa formativa da centralidade capitalista, é o fato de que a planta de 1890, que segundo o pesquisador Eudes Campos** tinha por objetivo “orientar os forasteiros”, contendo por isso ruas de largura uniforme, indicação dos principais edifícios e pontos de parada dos bondes da Companhia Ferro Carril de São Paulo, não traz a inscrição “CENTRO” para indicar a área da cidade colonial-imperial, a essa altura já caracterizada como origem de uma expansão urbana nitidamente radiada, qualitativamente distinta, em forma e conteúdo, do crescimento vegetativo dos séculos precedentes.

2024-02-28
___
* CAMPOS Candido Malta, Os rumos da idade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Senac 2002. Edição do Kindle.

** CAMPOS Eudes, “São Paulo antigo: plantas da cidade”. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (20): set/out.2008
https://www.academia.edu/37066912/S%C3%A3o_Paulo_antigo_plantas_da_cidade  

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Oxford UK, século XI


PARKER James, On the history of Oxford during the tenth and eleventh centuries, (912-1100): the material of a lecture delivered before the Oxford architectural and historical society, Feb. 28, 1871. Oxford: Oxford University Press 1871 
https://archive.org/details/39002011213312.med.yale.edu/page/2/mode/2up

Author: Either James Parker (1834-1912), or unknown.
The book makes no reference to an artist involved in the making of the map.

https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Map_of_11th_century_Oxford.jpg
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(..)

The Streets, and the Parish Boundaries.

It is reasonable to suppose that before the close of the eleventh century, the city was divided into parishes. It is implied by the distinct mention of the "Parish Churches" in the Abingdon Abbey Chronicles, and further it may be inferred from the circumstance that the twelve churches of which we find mention as being within the walls, if taken as centres of small districts, occupy the whole of the space included within the wall with the exception of a small space at the south-eastern corner. Further consideration will confirm this view, for it will be seen by a reference to a plan of Oxford which I have appended, with the present boundaries of parishes marked upon it, that there is a certain system observable — partly depending on the churches, partly upon the streets, but also what appears to me to be of importance, partly upon the boundary of the city. I venture to infer from this, as we have certain knowledge of the names of the churches and of their actual sites, and a presumed knowledge of the general line of the city wall, that (a) we must fix the division of the city into parishes within the date of which I am writing; that (b) the subdivision was not a matter of chance, depending upon the gradual growth of the place, as new districts were added, but a systematic division of a definite space; and also that (e) with some exceptions the boundaries of the parishes have little changed. 

It will be observed that the general plan of the city is a rough parallelogram, with the sides converging somewhat as they tend to the west, in order to meet a circular outlier occupied by the Castle. From about the centre of the space so enclosed four chief streets diverge, running almost according to the points of the compass, due N., S., E. and W. That centre still bears the name of Carfax, corrupted from the Norman-French of Quatre-voies, i.e. where four ways meet. 

Of the four streets, the largest and most important, stretches eastward but bends a little to the south as it approaches the site of East-gate, and seems to have been called the High-street for a very long period of time. The names of North-street and South-street appear as late as Agas, in the former the Cornmarket stands, and the latter leads to S. Aldate's Church, whence now their respective names. The Western-street seems to have been called in part "The Baillie" and in part "Castle-street," but, so far as I have observed, no documents give us the names of any of the streets so early as the eleventh century.

At one of the corners where the four principal streets so meet stands S. Martin's Church.

(..) 

The Map of Oxford.

In attempting to illustrate the probable remains of the eleventh century on a map, I have mainly kept in view the identification of the sites named or referred to : I have therefore drawn Oxford as it is in brown lines. At the same time, I have brought out rather more clearly than is shewn in ordinary maps the line of the medieval city wall. There is no doubt of its exact course throughout.

On the map I have first of all added in black all the churches and chapels mentioned. I have also marked the Castle mound, and one or two other points. The black shading, which is supposed to represent the original ditch, must be taken only as approximately accurate, and as giving rather a general idea of the enceinte of the town, than a representation of actual remains. Along the north and eastern side I have little doubt the medieval ditch followed very nearly the line of the old one. On the south side, I confess I doubt if there was ever much of a ditch, — indeed there may have been none at all, and the stream may have been considered a sufficient defence.

I have coloured the streams blue, and it will be observed that there is a small one on the north side of the Broad Walk : it is shewn in all old maps. This stream, I believe, was once of much greater importance. It provided a communication from the Cherwell with the Trill p Mill-stream, — a little to the east of where it passes beneath S. Aldate's-street, and it was found to have existed beneath the site of the new buildings at Christ Church when they were digging the foundation. It passed along this north side of the Broad Walk, and joined the Cherwell just at its bend.

The light blue dotted line represents the modern parish boundaries, and is intended to illustrate what has been said on p. 66. The square form of the central parish is very apparent, others more or less retain the form of a square or a parallelogram. As already said, the parishes of S. Peter, S. Ebbe, and S. Aldate, seem to have been somewhat extended in later times.

The object of the map being to illustrate especially the remarks in the lecture, it is of course imperfect in many details which a full historical map of Oxford should give ; but as far as details are given, I think they may be relied on, as I have inserted nothing for which the authority has not been given already in these pages ; and the lines of streets, &c, have been taken from recent surveys.

(..)

2024-02-18

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Urbanização e planejamento no Brasil: ops!


ArchDaily 05-06-2019, por Priscila Pacheco e Laura Azeredo
https://www.archdaily.com.br/br/918452/a-historia-da-urbanizacao-brasileira

Não é de hoje que me bato pelo entendimento de que a história da cidade e a história do urbanismo, ou do planejamento urbano, ainda que intimamente entrelaçadas, são coisas muito diferentes. Como dito em uma postagem sobre o Recife dos anos 1920:

A cidade e o urbanismo que nela intervém raramente são reconhecidos, e tratados, como objetos distintos em nossos estudos históricos. E é justo por aparecerem sempre tão intimamente entrelaçados no plano dos fatos, muitas vezes sem uma clara relação de causalidade, precedência ou interdependência, que se torna crítica a distinção. [1]

Neste artigo do ano 2019, a história da urbanização brasileira é resumida por suas autoras com base... nos ciclos de planejamento urbano (!) tais como observados e analisados por Flávio Villaça em seu texto “Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil”, Capítulo 6 da publicação de DEÁK e SCHIFFER (Orgs), O processo de urbanização no Brasil.

Isso parece indicar que, para as autoras, os “ciclos de urbanização” e os “ciclos planejamento urbano” são, em nosso país, tão rigorosamente coincidentes e densamente entretecidos que ou é impossível distingui-los ou não há motivo para fazê-lo.
Arte: Daniel Hunter / WRI Brasil
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Seria apenas o ponto de vista das autoras, discutível como o meu e quaisquer outros, não fosse o fato de apresentarem o esquema temporal de Villaça com as palavras: “Conheça a seguir, conforme a divisão de Flávio Villaça, as fases da urbanização brasileira.” [itálico meu]. Com direito a um vistoso gráfico, que reproduzo ao lado.

Como definir tal procedimento?

Ora, o texto de Villaça não trata da urbanização, mas do planejamento urbano brasileiro. E é dedicado justamente a demonstrar que a nossa urbanização se deu com pouca ou nenhuma contribuição relevante dos planos e do planejamento, em todas as suas fases. Mais exatamente, Villaça expõe a inoperância e a alienação históricas do planejamento urbano brasileiro, no âmbito institucional, em face dos problemas gerados pela urbanização conduzida pelo consórcio entre as classes dominantes e o Estado.

Não por acaso, é gritante a contradição entre o pensamento das autoras - para quem "A ideia de que as cidades brasileiras não foram planejadas é falsa. As cidades foram, sim, planejadas" - e o que diz Villaça sobre o planejamento urbano no Brasil. A passagem baixo, extraída de sua contribuição, o demonstra: 

(..) Finalmente, os planos diretores também não foram utilizados para legitimar obras ou ações concretas das prefeituras, já que os prefeitos não os assumiam.

Esse quadro se torna mais intrigante quando se atenta para o descompasso existente entre, de um lado, a inconsequência e mesmo inutilidade da maioria dos planos elaborados por décadas e décadas e, por outro, o enorme desenvolvimento que o planejamento "teórico" (ideológico na verdade) vem experimentando no Brasil, abrigado em faculdades de arquitetura, órgãos de planejamento urbano ou metropolitano e dezenas de governos municipais, estaduais e federais.

O domínio do discurso na esfera do planejamento urbano nos leva ainda e inexoravelmente a outra pergunta: o planejamento urbano e os planos diretores elaborados no Brasil nas últimas décadas devem ser analisados no âmbito da política ou da ideologia? Essa indagação tem redobrada importância diante de análises que, ao pretenderem investigar “políticas públicas” e ação concreta do Estado, investigam planos que não passam de discurso. Nesse sentido, não é raro por exemplo, no Brasil, denominar-se “prática de planejamento" ou "aperfeiçoamento do planejamento" a pura redação de relatórios, a pura redação ou reformulação livresca de planos que mal saem das quatro paredes de uma secretaria de planejamento e nunca chegaram sequer a ser debatidos (e muito menos aprovados) nos legislativos municipais ou estaduais (no caso de planos metropolitanos) e nunca foram efetivamente assumidos por qualquer executivo ou qualquer partido político. (..) [*] 

Tenho cá comigo que não se trata, neste caso, de um "deslize" autoral episódico, mas da manifestação um tanto desastrada de uma vertente de pensamento urbanístico para a qual tudo que se passa em nossas cidades, e tudo o que elas são, é o resultado de decisões de política e, por extensão, de planejamento urbano - donde se deduz que tudo o que precisamos para evitar e corrigir suas inequidades e aleijões são políticas e planos urbanísticos alternativos, socialmente orientados.

Tornarei ao assunto. 

2024-02-14

______
[1] “Apontamentos: Moreira e Saraiva 2020, urbanismo e suburbanização no Recife dos anos 1920”. À beira do urbanismo (blog) 10-08-2021, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/08/apontamentos-moreira-e-saraiva-2020.html

[2] VILLAÇA F, “6 – Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil”. Em DEÁK e SCHIFFER (Orgs), O Processo de Urbanização no Brasil, São Paulo: Edusp 1999, pp. 190-91.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Locorotondo, Apulia, Itália


(..) Locorotondo has very ancient origins, although the first written testimonies date back to the 12th century, when the village was surrounded by high walls of protection. The name Locorotondo comes from Latin “locus rotundus”, which means “round place”, to indicate the circular shape of the town.

The history of Locorotondo was marked by different dominations: first Byzantine, then Norman, then by the Knights of St. John of Jerusalem and finally Aragonese. In 1790 Locorotondo obtained administrative autonomy from the Benedictine monastery of Monopoli, to which it had been subjected for centuries. In 1807 the castle that stood in the center of the village was destroyed, as a sign of rebellion against the dukes Caracciolo di Martina Franca, who had oppressed the population with excessive taxes and torture in prisons. (..)

https://italysecretspots.com/locorotondo-the-city-of-cummerse/

2024-02-18

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Simbiose imobiliário-financeira: o capital no século XXI


BMCNews 03-02-2024
https://bmcnews.com.br/2024/02/03/itau-unibanco-emite-r-1-bilhao-em-letras-financeiras-para-aquisicao-de-imovel-historico/
Montagem: Àbeiradourbanismo
O banco brasileiro Itaú Unibanco anunciou recentemente a emissão de R$ 1 bilhão em letras financeiras, com o objetivo de alocar esses recursos na aquisição de um empreendimento imobiliário. (..) O imóvel comprado pelo Itaú Unibanco se encontra na Avenida Faria Lima, centro financeiro da cidade de São Paulo, e foi adquirido por um valor total de R$ 1.458.870.160,00. (..)

Do montante emitido em letras financeiras, R$ 530 milhões têm vencimento programado para fevereiro de 2034, enquanto os restantes R$ 470 milhões têm vencimento em fevereiro de 2039. (..)

A Opea Securitizadora foi a entidade subscritora destas Letras Financeiras. Em seguida, a Opea emitiu os CRIs (Certificados de Recebíveis) lastreados pelas letras emitidas pelo banco. O Itaú realizou a distribuição desses CRIs através de uma oferta pública registrada automaticamente perante a CVM e destinada a investidores qualificados e profissionais. (..)

2024-01-31

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Simbiose imobiliário-financeira: o capital no século XXI

Bloomberg 01-02-2024
https://www.bloomberglinea.com.br/mercados/bancos-enfrentam-alerta-sobre-us-560-bi-em-divida-em-imoveis-comerciais-nos-eua/
O mercado imobiliário comercial dos Estados Unidos tem estado em turbulência desde o início da pandemia de covid-19. Mas um alerta recém-emitido pelo New York Community Bancorp serve como um lembrete de que alguns bancos estão apenas começando a sentir a dor. (..) Como pano de fundo há uma mudança induzida pela pandemia para o trabalho remoto e um rápido aumento nas taxas de juros, o que tem aumentado a vacância, levado à queda nos valores dos imóveis e tornado mais caro para mutuários em dificuldades obter o refinanciamento.

O investidor bilionário Barry Sternlicht alertou nesta semana que o mercado de escritórios caminha para perdas superiores a US$ 1 trilhão. Para bancos que são credores, isso significa a perspectiva de mais inadimplência, à medida que alguns proprietários lutam para pagar empréstimos ou simplesmente abandonam os edifícios.
Os bancos regionais, em particular, estão mais expostos à indústria e correm o risco de serem mais prejudicados do que seus pares maiores por não terem grandes carteiras de cartões de crédito ou negócios de banco de investimento que possam protegê-los.

Empréstimos imobiliários comerciais representam 28,7% dos ativos dos bancos pequenos, em comparação com 6,5% nas maiores instituições, de acordo com um relatório do JPMorgan Chase (JPM) publicado em abril. Essa exposição tem levado a um escrutínio adicional dos reguladores, que já estão em alerta máximo após a tumultuada situação dos bancos regionais no ano passado.

Embora os problemas imobiliários, especialmente em escritórios, tenham sido evidentes nos quase quatro anos desde o começo da pandemia, o mercado imobiliário estava em um limbo em alguns aspectos: as transações despencaram devido à incerteza tanto entre compradores quanto vendedores sobre o quanto os edifícios valem. (..)


2024-02-08

domingo, 28 de janeiro de 2024

Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese (2)

Última edição 18-02-2024

Esta contribuição trata do fundamento, do mecanismo e da gênese da centralidade urbana na formação social capitalista. 

O leitor deve julgá-la como atualização de uma investigação em andamento: mais desenvolvida que o primeiro artigo da série [1], porém ainda essencialmente exploratória, cheia de lacunas a serem preenchidas e, principalmente, de ideias a serem corrigidas e precisadas. Muitas passagens deste texto foram extraídas, na íntegra ou com modificações, de postagens já publicadas neste blog.

*
Apesar de onipresente em nossa experiência de vida a ponto de parecer um fenômeno supra-histórico, a centralidade se manifesta na cidade capitalista de uma forma peculiar, distinta de todas as urbanizações do passado. [2] [2a]

expansão tendencialmente radioconcêntrica, lei espacial constitutiva da urbanização capitalista, não foi instituída por nenhum sábio, plano, parlamento ou governo: habita o cerne da economia do espaço urbano contemporâneo e é o seu modo de ser. Pode-se interpretá-la como uma contração econômica do espaço natural, tanto mais clara e intensa quanto mais desenvolvida e integrada é a produção, circulação e consumo de bens e serviços - incluídos o parque edificado, instalações e sistemas urbanos [3] - à economia de mercado.

Na cidade capitalista, centralidade implica escassez de solo apropriável para fins urbanos, uma forma de escassez que resulta da competição generalizada entre assalariados, autônomos, especialistas, comerciantes, industriais e banqueiros pelas localizações economicamente mais vantajosas e que, por isso, se sobrepõe a todas as suas formas particulares - escassez por restrições normativas ao uso e edificabilidade do solo, escassez por deficiência de urbanização e serviços públicos, escassez por preconceitos raciais, sociais e étnicos. 

A configuração tendencialmente radioconcêntrica da urbe capitalista é a expressão geográfica da escassez econômica do solo resultante da circulação generalizada de mercadorias.

Contudo, não se encontram textos de economia, geografia e história urbana que tratem da centralidade como fenômeno histórico, isto é, dotado de distintos conteúdos em distintas formações sociais em distintas fases do desenvolvimento das forças produtivas humanas.

Na historiografia do próprio urbanismo, o “centro” da cidade contemporânea é, via de regra, assimilado ao seu marco fundacional[4], a despeito de, no caso brasileiro por exemplo, a sua gênese ser um fenômeno característico dos anos 1870-1930: até então, o que hoje chamamos “centro” era a “cidade” herdada da economia mercantil-escravista colonial por oposição ao campo circundante [4a], com elementos de centralidade relativamente dispersos - cais, sé, palácio, alfândega, mercado, comércio - este último quase sempre identificado pela rua onde as famílias da aristocracia, dos dignitários do Estado e dos comerciantes ricos ensaiavam os primeiros passos da “sociedade de consumo”.

A hipótese

Os paradigmas urbano-espaciais herdados do século XX, a saber, a série de três modelos geográficos postulada por Harris e Ullman em 1944 (Círculos Concêntricos / Burgess 1925, Setores de Círculo / Hoyt 1933 e Núcleos Múltiplos / Harris e Ullman 1944) e a síntese alonso-thuneniana da economia espacial neoclássica (Alonso 1964), baseiam-se 
todos em uma concepção axiomática e a-histórica da centralidade urbana - a cidade que se expande, desta ou daquela maneira, a partir de seu centro [5] e os usos e densidades que se distribuem ao redor do centro segundo o princípio preemptivo da maior oferta de renda por m2 de terreno [6].


Nesta contribuição eu apresento uma hipótese explicativa da centralidade urbana capitalista, inspirada na concepção hurdiana (1903) de crescimento urbano simultaneamente central e radial a partir do ponto de origem da urbe [7]: a interdependência econômico-espacial entre a aglomeração radial-periférica dos residentes-trabalhadores e a aglomeração central dos fornecedores-empregadores.

Nessa situação de interdependência espacial, a acessibilidade é uma via de mão dupla que carrega significados distintos e complementares para os dois lados da relação, digamos os trabalhadores rurais assentados ao redor de um entroncamento viário e o dono do empório ali localizado. Para os primeiros, menos custo-tempo de deslocamento da família para finalidades diversas, portanto maior disponibilidade de recursos para o consumo; para o segundo, estar à mínima distância agregada do conjunto das famílias e vender um pouco de tudo para que os assentados “não percam a viagem”. Embora possam existir nessa comunidade dois ou três barbeiros de igual competência trabalhando em suas residências, levará vantagem aquele que primeiro se estabelecer ao lado do empório. Logo virão o armarinho, o açougue, o prestamista e outro empório para que o freguês – nas palavras de Hurd - compre no empório B o que não encontrou no empório A, pois no final as perdas se compensarão e ambos venderão mais.[8]

Das vantagens recíprocas, indicadas por Hurd, da localização relativa das famílias e firmas na cidade em expansão, isto é, do crescimento urbano “central” e “axial” simultâneos e interdependentes, eu derivo a hipótese de que a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica das cidades modernas resulta de um princípio de economia de aglomeração generalizado e socialmente construído, algo como o yin-yang da cidade capitalista, em que o crescimento axial é a forma de aglomeração própria das famílias residentes, que minimiza os custos individuais e coletivos, diretos e indiretos, de deslocamento, e o crescimento central a forma de aglomeração própria das firmas, que converte a economia coletiva das famílias em lucros comerciais e industriais, primeiro sob a forma elementar da maximização das vendas e serviços de varejo e, logo, sob a forma complexa da maximização da mão de obra disponível ao mínimo custo de transportes, isto é, do barateamento relativo da força de trabalho.

Toda a urbe é aglomeração, desdobrada pela especialização locacional arbitrada pela renda do solo em duas formas principais, economicamente interdependentes e reciprocamente determinadas: central, típica das firmas, e radial-periférica, típica das famílias.

Circulação de mercadorias, vantagem locacional e renda do solo

A relação fundamental entre o custo da distância e o poder de compra das famílias, além de imediatamente dedutível dos efeitos de curto prazo das políticas contemporâneas de “tarifa zero” nos transportes urbanos, é uma premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de Christaller 1933:

"(..) um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distância causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central." [9]

Ao passo que as famílias urbanas buscam, pela via da máxima proximidade aos varejistas, prestadores de serviços e empregadores, minimizar seu custo individual direto (transporte) e indireto (tempo de trabalho) de deslocamento, assim maximizando o poder de compra dos rendimentos do trabalho, os negócios buscam, localizando-se à menor distância agregada das famílias, capturar a maior parte possível da economia coletiva em custos de deslocamento - disputando-a aos proprietários do solo, que a reclamam como renda de aluguel - para convertê-la em consumo imediato e barateamento mediato da força de trabalho, consequentemente em lucros comerciais e industriais maximizados, sobre os quais incidirão os correspondentes acréscimos de renda fundiária.

À minimização do dispêndio coletivo com deslocamentos proporcionado pela disposição radial-concêntrica do assentamento corresponde, portanto, descontada a renda fundiária embutida nos aluguéis, a maximização, em quantidade e velocidade, das receitas e lucros do comércio, serviços e pequena indústria aglomerados em seu centro - e dos negócios em geral. As famílias se aglomeram o mais próximo possível dos fornecedores e empregadores, e estes o mais próximo possível do conjunto das famílias, para obter o maior benefício, respectivamente, de seu trabalho e de seu capital - sujeitando-se, por conseguinte, a pagar renda do solo proporcional às suas respectivas vantagens locacionais. Tais benefícios diretos são o que chamo de economias primárias de aglomeração.

Sustento que o mecanismo explicativo da dinâmica tendencialmente radioconcêntrica da expansão da cidade capitalista, portanto da formação da centralidade urbana moderna, é a conversão da economia coletiva em deslocamentos não capturada pelos alugueis em receitas comerciais e barateamento da força de trabalho, cabendo à renda arbitrar a sua ocupação e uso em favor das maiores ofertas dentro de limites dados pelo valor da vantagem locacional. Assim se separam as residências do comércio, se designam os melhores setores pericentrais aos residentes mais abonados e se destina o hipercentro da rede urbana aos negócios mais rentáveis.

A hipótese do equilíbrio econômico baseado nos custos constantes de localização (transporte + aluguel, Wingo 1961) [10] é uma brilhante especulação teórica baseada no trade-off
thuneniano entre o custo de transporte e a renda da terra agrícola, mas, como todo modelo, limitada por suas premissas simplificadoras: numa comunidade urbana em expansão com economia em crescimento, barateamento relativo dos bens de consumo, aumento do poder de compra dos salários e crescente diferenciação dos rendimentos dos trabalho, a renda extraída pelos proprietários do solo-localização nunca poderá, por mais que eles o persigam, zerar o saldo de consumo (aquele que excede as necessidades de reprodução da força de trabalho) da totalidade das famílias, tampouco o sobrelucro (aquele que excede o lucro médio) da totalidade das firmas. Do contrário, seria impossível o crescimento econômico numa sociedade urbana em formação, ainda não marcada por significativos excedentes de rendimento.

É certo que, com o advento de uma vasta classe média na segunda metade do século XX, muito especialmente nos Estados Unidos - não por acaso a circunstância em que William Alonso libertou a teoria da localização residencial do custo dos transportes -, as vantagens econômicas individuais da localização residencial pericentral passaram, em certa medida, de imperiosas a relativamente elegíveis, generalizando-se a opção preemptiva dos mais abonados, via oferta de renda, pela periferia urbana servida por rodovias, vale dizer por aquilo que a economia espacial neoclássica chama de “consumo de espaço”. 

Não decorre daí, porém, que a lei fundamental da espacialidade urbana capitalista - a configuração que minimiza o custo agregado dos deslocamentos, acelera o consumo, barateia a força de trabalho e, em consequência, cria gradientes de valor de localização baseados na distância ao centro da rede - tenha perdido a validade. Para os proletários, a máxima proximidade do centro urbano continuou sendo, em todos os países, uma necessidade vital apesar do ônus do aluguel - e tanto mais vital quanto mais pesado esse ônus -, gerando as elevadas densidades das favelas, cortiços e edifícios degradados dos centros urbanos e setores pericêntricos não reclamados pelos mais afluentes; além disso, não seria difícil demonstrar que, entre opções suburbanas similares, mesmo os segmentos médios tenham continuado a preferir aquelas de menor distância aos centros de comércio e serviços especializados, empregos e negócios em geral.

renda da terra atua na configuração da cidade capitalista arbitrando a competição espacial a favor das maiores ofertas, o que conduz à especialização espacial dos usos e, com ela, à divisão da aglomeração urbana em duas categorias fundamentais, economicamente interdependentes: negócios e residências ou, na linguagem preferencial da ciência econômica, firmas e famílias. 

É como "marcador" da escassez relativa de solo - adaptado aos requerimentos da economia do consumidor - que a renda aparece na moderna teoria da localização para descrever a distribuição dos usos e densidades ao redor do "centro," mais exatamente de um ponto sem dimensão axiomaticamente dotado de atributos da moderna centralidade urbana e que comanda a maior renda da cidade. [11]

No que concerne, porém, à estrutura ou rede espacial em que se distribuem esses usos com base na oferta de renda, considero válida, e crítica, a ressalva de Correia da Silva 2004:

A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Uma falha [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market]. [12]


A centralidade como fenômeno histórico

Em seu clássico texto de 1971 intitulado “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City” [12a], Vance parece ter sido o primeiro a explicitar, sem discuti-la em termos teóricos, a noção de que a cidade capitalista é um objeto histórico, qualitativamente distinto da cidade feudal que a precedeu. Para ele, “o advento da renda imobiliária urbana como fonte de riqueza pessoal, produto do desenvolvimento do sistema capitalista, transformou fundamentalmente a morfologia da cidade”.[13]

Meu ponto de vista é algo distinto. Considero que o fundamento da cidade capitalista por oposição à feudal é a nova riqueza extraída do mais-trabalho assalariado criador de mercadorias, sem a qual não haveria a renda imobiliária, tampouco a sub-classe dos rentistas. Minha hipótese é que a livre circulação de mercadorias - força de trabalho incluída - e a consequente onipresença do mercado gerou, no meio urbano herdado do passado feudal, uma nova dinâmica espacial baseada na vantagem econômica da mínima distância-custo entre residências e negócios (comércios, serviços e pequena manufatura), socialmente materializada na expansão tendencialmente radial-concêntrica da cidade moderna.

Numa formação social em que a imensa maior parte dos bens e serviços necessários à manutenção da vida são produzidos à base do trabalho assalariado para venda no mercado, não para o autoconsumo, isto é, são mercadorias e só como tal podem ser obtidos e consumidos, a compra-venda generalizada de mercadorias e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores espacialmente dispostos à menor distância-custo uns dos outros, fez surgir uma dinâmica espacial urbana até então desconhecida.

Não sendo possível estarem todos no mesmo lugar, a competição espacial passou a ser arbitrada pela capacidade que tivesse cada competidor de pagar pelo direito de ocupar a terra-localização, segundo a regra da interdependência espacial dos usos. A vantagem locacional de uma família não provém, primordialmente, de estar perto de outras famílias: cada família deve estar o mais próximo possível dos fornecedores de bens e serviços e das oportunidades de trabalho. A vantagem locacional das lojas e manufaturas tampouco provém, primordialmente, de estarem perto de outros negócios, mas à menor distância agregada possível do conjunto das famílias: as lojas para maximizar as vendas, as manufaturas para maximizar a disponibilidade de força de trabalho - ao mínimo custo de deslocamento nos dois casos. 

Comércios e manufaturas exerceram o seu poder de preempção (maior capacidade de ofertar renda) aglomerando-se no ponto mais acessível da urbe pré-existente, ou em formação, restando às famílias trabalhadoras se distribuírem ao longo dos acessos principais a esse ponto e suas ramificações, num ritmo determinado, antes de tudo, pela força inercial do estoque imobiliário e pela escassez de capitais. Assim surgiram o centro, a periferia e a expansão tendencialmente radioconcêntrica da cidade. A valorização da localização central implicou a saída paulatina das residências dos próprios lojistas para a periferia, consolidando a especialização comercial do centro e residencial da periferia. Seguiu-se a hierarquização desses mesmos usos: os negócios mais rentáveis no polo financeiro [14] e as famílias mais abastadas nas periferias mais amenas e urbanizadas. [14a]

A urbe capitalista se distingue, pois, por uma nova forma histórica de centralidade: em lugar da “cidade” feudal e colonial por oposição ao campo circundante, com funções centralizadoras múltiplas e relativamente dispersas - cais, castelo/palácio, sé, mercado temporário sujeito a regras e obrigações senhoriais -, [15] forma-se o “centro” propriamente dito, permanente, especializado em negócios e eventualmente replicado em subcentros, por oposição à periferia eminentemente residencial.

Assim como a classe dos rentistas urbanos não pode surgir da mera propriedade plena da terra (como explícito em Vance), tampouco a centralidade capitalista pode ter por fundamento a renda que se paga para ocupá-la (como implícito em Alonso). Imaginar que a cidade se estrutura a partir da renda do solo equivale, digamos, a supor que a economia em geral se estrutura a partir dos impostos. A renda é benefício exclusivo dos proprietários da terra urbana - agentes econômicos livres de vínculos de dependência espacial com todos os demais - em detrimento do nível de consumo das famílias e da lucratividade dos negócios; é o tributo que pagam, aos proprietários do solo, os residentes e os negociantes pelas respectivas vantagens individuais de localização numa formação social em que a riqueza provém da produção, circulação e consumo de mercadorias.

A organização espacial urbana capitalista pode ser descrita como uma engrenagem em que o mercado de bens, serviços e força de trabalho é a força motriz, a interdependência espacial dos usos o dispositivo regulador e a renda fundiária o medidor da escassez relativa de solo-localização e árbitro do direito à sua ocupação.

Com a relativa estabilização da formação capitalista e o forte crescimento das classes médias dos países desenvolvidos - inclusive os derrotados na guerra recém-finda - na segunda metade do século XX, a força motriz da moderna organização espacial urbana - o mercado generalizado e permanente de bens e serviços - tornou-se uma entidade tão natural e avassaladora quanto o espaço euclidiano em que vivemos e nos relacionamos socialmente. Tal como a noção de “centro urbano”, a “cidade-mercado” que lhe é subjacente assumiu também o aspecto de fenômeno supra-histórico. 

A interdependência espacial dos usos do solo é um dispositivo regulador tão estável quanto o próprio mercado, em conteúdo, mas sujeito a importantes alterações geográficas por conta das tecnologias disponíveis - como nos ciclos históricos da localização industrial, nos ciclos de suburbanização residencial à base de trens, bondes, ônibus e automóveis, na formação dos hipercentros metropolitanos dominados por arranha-céus, na multiplicação dos shopping-centers de acesso automotivo e, muito recentemente, na crise combinada das lojas de frente de rua e dos espaços empresariais centrais por efeito do e-commerce e do home-office.

A renda da terra, por sua vez, assumiu um protagonismo quase absoluto como organizador da cena espacial urbana devido à mudança permanente, nas grandes metrópoles - onde se cria e consome a imensa maior parte da riqueza planetária - das vantagens relativas das localizações para cada tipo e classe de uso do solo tal como percebidas por populações em acelerado processo de mobilidade social e respectivos fornecedores de bens e serviços. Junte-se a isso o fato de ter se tornado, em parceria com a promoção imobiliária e, mais recentemente, com a “indústria” dos títulos de dívida, um dos mais importantes e lucrativos mercados de nossa época.

*

Propor a interdependência econômico-espacial entre o aglomerado central de negócios e o aglomerado periférico de residentes como motor da dinâmica urbana capitalista não significa, porém, supor que tal dinâmica se apresente da mesma maneira em qualquer tempo e lugar. Devido ao caráter desigual, no espaço e tempo, do desenvolvimento capitalista, ela há de ter ritmos e etapas condizentes com as circunstâncias sócio-históricas em que se constrói a cidade: como lenta transformação do burgo feudal europeu, como expansão e reconstrução relativamente rápida da cidade colonial hispano-americana, como nascimento ex novo da cidade de fronteira estadunidense.

Embora o estudo combinado dessas três formas históricas e suas variantes seja necessário para a compreensão da estrutura espacial da cidade capitalista, é da longa transição do burgo feudal europeu que se podem extrair os indícios de como se deu, originalmente, o entrelaçamento dos processos envolvidos na sua formação: especialização do comércio de varejo, localização das primeiras manufaturas, fixação locacional do núcleo de negócios, formação dos gradientes de valor da terra, rearranjo do estoque residencial em função do núcleo comercial e manufatureiro, separação de comércio e residência, incorporação da periferia rural imediata etc.

Um esforço de síntese 

(1) Na nova formação social em que a riqueza provém da produção, comercialização e consumo generalizado de mercadorias, os varejistas e, num primeiro momento, também os manufatores, tendem a se aglomerar no ponto mais acessível dos assentamentos urbanos herdados do passado feudal / colonial - aquele que minimiza a distância agregada aos potenciais trabalhadores / consumidores - para maximizar as vendas e a disponibilidade de força de trabalho.

(2) Tendo a maioria dos habitantes das cidades se tornado 100% dependente do consumo de mercadorias e da oferta de trabalho assalariado, a população em crescimento é compelida a se assentar à menor distância possível das aglomerações comerciais para maximizar as oportunidades de emprego e minimizar a perda do poder de compra de seus rendimentos correspondente ao custo-tempo de deslocamento dos membros da família para finalidades diversas.

(3) Forma-se, assim, um padrão tendencialmente radioconcêntrico de escassez locacional, tanto maior quanto mais próxima ao ponto mais acessível da rede urbana, que propicia a extração, pelos proprietários das terras, de rendas deduzidas das vantagens econômicas que essas localizações proporcionam aos seus usuários.

(4) A expansão residencial pericêntrica e periférica começa, naturalmente, pelas vias radiais. À medida, porém, que a distância do centro da rede a terrenos intersticiais se torna igual ou menor que às próximas parcelas disponíveis ao longo dos caminhos radiais, inicia-se a ocupação dos setores circulares seguindo ramificações que, com o tempo, tendem a fundir-se em anéis mais ou menos regulares de ocupação ao redor do aglomerado central. A diferença, em termos de acessibilidade, entre as distâncias radiais e rádio-circunferenciais ao centro da rede determina a configuração estelar, por oposição a circular, da urbe em formação.

(5) Sendo os comércios, serviços e manufaturas mais aptos a ofertar rendas que os residentes em geral e alguns residentes mais aptos a ofertar rendas do que outros, seguem-se as tendências à especialização locacional dos negócios no centro da rede - às expensas do uso residencial sempre que economicamente vantajoso - e à hierarquização da periferia residencial com base na capacidade de pagamento pelas vantagens objetivas e subjetivas das localizações, a primeira e mais duradoura dentre elas a proximidade do centro da rede.

(6) Desdobra-se, assim, a aglomeração urbana em duas modalidades economicamente interrelacionadas e reciprocamente dependentes: central, típica das firmas, e radial-concêntrica, típica das famílias residentes.

(7) Com o crescimento da população, o aumento da riqueza e o desenvolvimento em geral, formam-se nas grandes cidades, com base nos mesmos princípios antes enunciados, redes mais ou menos superpostas, hierarquizadas e complexas de aglomerados de negócios e entornos residenciais invariavelmente marcados – salvo por efeito de regulações urbanísticas – pela densificação e verticalização decrescentes do estoque edificado.

Conclusão

Tal como até aqui desenvolvida, a hipótese sugere que a interdependência econômico-espacial do que hoje chamamos “famílias e firmas”, determinada pelo advento da produção e circulação generalizada dos meios de produção e subsistência das populações urbanas como mercadorias, seria o princípio explicativo da dinâmica expansiva tendencialmente radial-concêntrica da cidade moderna, portanto da gênese da sua centralidade.

É essa interdependência que fará resultar, da competição espacial generalizada arbitrada pela renda do solo, a estruturação do espaço urbano capitalista em duas categorias principais: os centros e subcentros de negócios (comércio, serviços, indústria leve) e suas respectivas periferias residenciais.

Gerada, sem dúvida alguma, pelas necessidades individuais de trabalhadores, comerciantes e manufatores libertos dos vínculos e obrigações feudais, a dinâmica expansiva radial-concêntrica da cidade capitalista é, no entanto, um resultado que nenhum agente previu ou planejou, e que transcende todas as expectativas individuais: um dispositivo espacial socialmente construído, que minimiza o custo agregado dos deslocamentos, favorece o consumo, barateia a força de trabalho e acelera a realização dos lucros comerciais e industriais. 

Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas, prestadores de serviços e compradores de força de trabalho, ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radio-concêntrica das cidades em expansão, é em si mesma um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar, diferenciar socialmente e expandir - a ponto de, a partir de certo tamanho, produzir o seu contrário: vultosas deseconomias sociais - a grande metrópole contemporânea.


2024-01-28

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NOTAS

[1] JORGENSEN P, “Distância, aglomeração, centralidade”. À beira do urbanismo (blog) 08-03-2021
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/03/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html

[2] "La ciudad moderna (..) es distinta de cualquier tipo de ciudad anterior (..) porque ha concentrado en ella los factores de producción sobre la base de un nuevo sistema económico basado en el capital”. HERCE VALLEJO Manuel, “Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista”. Café de las Ciudades, Abril 2021 

[2a] “Mas, dir-se-á, as leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam elas aplicadas no presente ou no passado. (..) É exatamente isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis abstratas não existem. (..) Segundo sua opinião, pelo contrário, cada período histórico possui suas próprias leis. Assim que a vida já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado de determinado estágio a outro, começa a ser dirigida por outras leis. (..)” [Correio Europeu, Petersburgo, maio de 1872, p. 427-436; em MARX Karl, O Capital (Posfácio da 2a. Edição). São Paulo: Editora Nova Cultural 1996, p. 139]

[3] "(..) la ciudad es también un producto en sí misma, una sumatoria de mercancías inmobiliarias que añaden valor a la propiedad." HERCE VALLEJO Manuel, op. cit.

[4]“(..) antes de tudo, é preciso definir o que entendemos por centralidade. A definição, no caso, parte de uma referência espacial, ou seja, geográfica e de dimensão física: o centro é o núcleo original, o ponto de partida nodal de uma aglomeração urbana. O centro é, pois, o marco zero de uma cidade, o local onde tudo começou, o seu núcleo de origem. (..)” [PESAVENTO S J, “História, Memória e Centralidade Urbana" Rev. Mosaico, v.1, n.1, p.3-12, jan/jun 2008
https://seer.pucgoias.edu.br/.../mos.../article/view/225/179

[4a] Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [17] [Aspas dos autores] [CAPRETZ A e MANHAS M, "Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto (SP), 1887". I Simposio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011].
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf

[5] “Esta figura é uma representação ideal da tendência que tem toda cidade de se expandir radialmente a partir de seu distrito central de negócios – no esquema, ‘The Loop’ (I)”. BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em PARK R E, BURGESS E W e MCKENZIE R D, The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p. 50.
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf

[6] “As cidades tendem a crescer ao redor de algum centro, em zonas concêntricas de uso do solo ordenadas de acordo com sua capacidade de pagar aluguel [ofertar renda], ligadas ao núcleo por meio de rotas radiais bem definidas que convergem para o centro”. BATTY M, "The Linear City: illustrating the logic of spatial equilibrium". Comput.Urban Sci. 2, 8 (2022)
https://link.springer.com/article/10.1007/s43762-022-00036-z

[7] “Growth in cities consists of movement away from the point of origin in all directions, except as topographically hindered, this movement being due both to aggregation at the edges and pressure from the centre. Central growth takes place both from the heart of the city and from each subcentre of attraction, and axial growth pushes into the outlying territory by means of railroads, turnpikes and street railroads. All cities are built up from these two influences, which vary in quantity, intensity and quality, the resulting districts overlapping, interpenetrating, neutralizing and harmonizing as the pressure of the city's growth bring them in contact with each other.” HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, cap I

[8] “Retail stores cluster together at convenient points for their customers and not because they do business with each other. The chief attracting power of such a retail section seems to be the insurance to customers against failure to find within the section what they seek. Undoubtedly the selection within this special district is normally better than that in all the rest of the city combined, and shoppers are saved the time, trouble and uncertainty of seeking through scattered shops. While one shop may attract a customer and another make the sale, such an interchange of customers is probably in the long run closely balanced.  HURD R M, op.cit. Cap VI

[9] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf

[10] WINGO L (1961): Transportation and urban land. Washington, DC: Resources for the Future.

[11] “For urban land, this process is more complex. (..) Very briefly, the method consists of assuming a price of land in the center of the city, and determining the prices at all other locations by the competitive bidding of the potential users of land in relation to this price." ALONSO W (1960), “A Theory of the Urban Land Market”, em Papers and Proceedings of the Regional Science Association, Vol 6, 1960
https://www.academia.edu/2161751/A_theory_of_the_urban_land_market

[12] CORREIA-DA-SILVA J , “Space in Economics – A Historic Perspective”, em Backhouse R, History of Economic Thought, Programa de Doutoramento em Economia, Faculdade de Economia do Porto, Universidade do Porto
https://www.fep.up.pt/docentes/joao/material/space.pdf

[12a] VANCE JR J E, “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City”. Economic Geography , Apr., 1971, Vol. 47, No. 2, pp. 101-120

[13] “The main argument of this paper may be presented in sharper focus at this point. It is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city”. VANCE JR J E, Op. Cit. 

[14] “In many forms of business the clustering together of those transacting it finally crystalizes into an Exchange, which forms the centre of the district. Since the Exchanges are the result and not the cause of the special districts in which they are located, we must look back of them to find the causes for the location of various utilities.” [ HURD R M, op.cit. Cap VI]

[14a] Na Manchester de 1845, classificada por Engels como "o tipo clássico da moderna cidade industrial", em que a localização das tecelagens é ainda determinada pela contiguidade dos rios e canais e o transporte da força de trabalho uma opção apenas nascente, a área comercial ocupa uma posição central relativamente à rede hidroviária e suas fábricas, e é cercada de residências operárias por todos os lados. Contudo, já existe a especialização locacional das finanças (banca e bolsa) no centro comercial e das residências burguesas na periferia urbana. [Ver ENGELS F, “As grandes cidades” (2a parte - Manchester). Em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, pp. 87-116. São Paulo: Boitempo 2008.]

[15] “In the most primitive situation of periodic markets no such thing as a shopping centre existed, indeed the whole notion was alien. A widening of a main street gave sufficient space for temporary stalls to be set up on market days. Even that amount of adaptation was not essential for mats or cloths could be laid on the floor, or on a trestle within any open space; the church-yard was a typical one, since it was a meeting place. (..) The demand for buildings was minimal, the power of the trader or merchant limited, and hence the city was dominated by the centres of political and religious control. Castle, or town hall, and cathedral or church, were the major buildings and retail trade only incidental to these formative elements.”  CARTER H, An Introduction to Urban Historical Geography – cap 8 The Internal Structure of the City: the central area. Londres: Edward Arnold Publishers, 1983, pp. 150-170.