A certa altura deste artigo, está dito:
"Na ausência de dados da prefeitura de São Paulo (é muito difícil obter dados administrativos da aplicação da OODC nas cidades brasileiras), utilizarei os parâmetros das simulações de aplicação de OODC descritas pelo professor Paulo Sandroni em seu blog.(2) Caso eu venha a obter dados da prefeitura e eles me demonstrem a inconveniência desse procedimento, terei prazer em corrigir-me."
É disso que trata esse pequeno prólogo. Hoje, de posse de uma planilha completa de dados da Outorga Onerosa do Direito de Construir na cidade de São Paulo, devo admitir que os valores aqui estimados para a capital paulista são muito maiores do que os reais. Isto se deve ao uso dos valores de contrapartida extraídos dos exemplos puramente hipotéticos do Prof. Sandroni, cuja finalidade não era mostrar a ordem de grandeza dos valores arrecadados, mas apenas exemplificar a aplicação das fórmulas de cálculo. O erro, portanto, é exclusivamente meu.
Sustento, entretanto, que o método por mim utilizado nesta comparação, baseado no princípio do "valor residual da terra", é válido, e que os dados da mencionada planilha me permitem estimar preliminarmente que os valores de OODC cobrados em São Pauo, são, de fato, bem maiores que os cobrados em Niterói, o que buscarei demonstrar em um próximo artigo.
Em 12-07-2015, o blogueiro
Para um exame mais atualizado e completo do tema, leia também, neste blog:
"CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre - notas sobre as
modalidades de recuperação de mais-valias do solo resultantes de acréscimos de
edificabilidade"
*
Niterói é uma das cidades pioneiras na aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir no Brasil.
Não é pouca coisa num país cuja segunda maior metrópole, o Rio de Janeiro, há mais de 20 anos a prevê em seus Planos Diretores, mas nunca encontra o momento e o lugar certo de aplicá-la.
Justiça seja feita, portanto, aos profissionais urbanistas de Niterói, que há anos se dedicam a pôr em prática, divulgar, defender e aperfeiçoar esse relevante instrumento de financiamento urbano baseado na recuperação da renda da terra.
(Este reconhecimento não é extensível aos prefeitos e maiorias parlamentares da cidade, que vejo como responsáveis pelo que a OODC niteroiense tem de pífio e até de enganoso; penso que eles a têm usado como conveniente cobertura para uma política de adensamento construtivo que só beneficia proprietários e incorporadores).
Este breve artigo tem por finalidade estimar, com base no método de cálculo da valorização por acréscimo de edificabilidade discutido na postagem anterior e numa “curva de renda” por mim desenvolvida, em caráter experimental (um avaliador o faria, certamente, com muito mais segurança e competência), a dimensão dos valores cobrados por Outorga Onerosa em Niterói.
Analisaremos dois casos de cobrança de OODC em empreendimentos multifamiliares recém entregues nos bairros de Jardim Icaraí e Santa Rosa, comparando-os entre si e com informações disponíveis para a cidade de São Paulo. Os empreendimentos são o Tour de Renoir, à rua Vereador Duque Estrada 39, Santa Rosa, e o Orchestra, à rua João Pessoa 95, Jardim Icaraí.
Além dos indispensáveis dados de mercado dos dois empreendimentos, por mim recolhidos e temporalmente ajustados, faremos uso de dados coletados pelo professor Fernando Valverde Salandia junto à prefeitura de Niterói, disponíveis em sua apresentação "A experiência de Niterói, RJ, com a Outorga Onerosa do Direito de Construir". (1)
Na ausência de dados da prefeitura de São Paulo (é muito difícil obter dados administrativos da aplicação da OODC nas cidades brasileiras), utilizarei os parâmetros das simulações de aplicação de OODC descritas pelo professor Paulo Sandroni em seu blog.(2) Caso eu venha a obter dados da prefeitura e eles me demonstrem a inconveniência desse procedimento, terei prazer em corrigir-me.
Os fatos
Na mencionada apresentação, o professor Fernando Valverde nos oferece os seguintes dados sobre a aplicação da OODC nos empreendimentos em análise:
Não é pouca coisa num país cuja segunda maior metrópole, o Rio de Janeiro, há mais de 20 anos a prevê em seus Planos Diretores, mas nunca encontra o momento e o lugar certo de aplicá-la.
Justiça seja feita, portanto, aos profissionais urbanistas de Niterói, que há anos se dedicam a pôr em prática, divulgar, defender e aperfeiçoar esse relevante instrumento de financiamento urbano baseado na recuperação da renda da terra.
(Este reconhecimento não é extensível aos prefeitos e maiorias parlamentares da cidade, que vejo como responsáveis pelo que a OODC niteroiense tem de pífio e até de enganoso; penso que eles a têm usado como conveniente cobertura para uma política de adensamento construtivo que só beneficia proprietários e incorporadores).
Analisaremos dois casos de cobrança de OODC em empreendimentos multifamiliares recém entregues nos bairros de Jardim Icaraí e Santa Rosa, comparando-os entre si e com informações disponíveis para a cidade de São Paulo. Os empreendimentos são o Tour de Renoir, à rua Vereador Duque Estrada 39, Santa Rosa, e o Orchestra, à rua João Pessoa 95, Jardim Icaraí.
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Na ausência de dados da prefeitura de São Paulo (é muito difícil obter dados administrativos da aplicação da OODC nas cidades brasileiras), utilizarei os parâmetros das simulações de aplicação de OODC descritas pelo professor Paulo Sandroni em seu blog.(2) Caso eu venha a obter dados da prefeitura e eles me demonstrem a inconveniência desse procedimento, terei prazer em corrigir-me.
Os fatos
Na mencionada apresentação, o professor Fernando Valverde nos oferece os seguintes dados sobre a aplicação da OODC nos empreendimentos em análise:
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Temos, portanto, para cada caso, o valor total da contrapartida aplicada e o valor da contrapartida por m2 excedente ao Coeficiente Básico.
Como podemos, agora, apreciar o significado dessas contrapartidas por Outorga Onerosa do Direito de Construir como aplicação da política de recuperação da valorização / renda do solo?
A teoria
Recapitulemos o esquema de repartição da renda do solo na indústria da incorporação imobiliária, discutida em postagem anterior deste mesmo blog. A renda total gerada no empreendimento, a ser repartida entre o proprietário do solo e o incorporador segundo o poder de barganha de cada um, é o resíduo da subtração, à receita total (Valor Geral de Vendas - VGV), dos custos totais de construção e comercialização e do custo de capital representado pela Taxa Mínima de Atratividade – TMA. Contudo, em um mercado onde vige a Outorga Onerosa do Direito de Construir, a repartição do valor residual entre proprietário e incorporador só poderá ser feita após a dedução do valor da contrapartida - que é a parte da coletividade na repartição da renda do solo. (É claro que se o incorporador adquiriu o terreno antes da introdução da OODC ou da fixação do valor da contrapartida, terá de arcar sozinho com o "prejuízo" - um justificado ônus sobre a prática de manter lotes de "engorda").
Do esquema teórico da repartição da renda decorre a pergunta óbvia: a que proporção da renda total do solo correspondem as contrapartidas cobradas pela municipalidade de Niterói nos dois casos em discussão?
A análise
É para estimar essa proporção que vimos desenvolvendo uma metodologia baseada no método residual dedutivo de avaliações imobiliárias – que não é senão o “espelho” da estrutura econômica dos empreendimentos. Essa estimativa tem duas dimensões inseparáveis: a OODC como proporção da renda excedente ao coeficiente básico, que é aquela que o Estatuto da Cidade define como passível de cobrança de contrapartida; e a OODC como proporção da renda total, que, devido aos diferentes tamanhos de empreendimento, preços de venda médios do m2 privativo e coeficientes máximo e básico estabelecidos pelas legislações, reputo como o único termo possível de comparação entre as políticas municipais de recuperação da valorização por acréscimo de edificabilidade e, por isso mesmo, o verdadeiro “preço” da Outorga Onerosa do Direito de Construir.
Para o cálculo da contrapartida como proporção da renda excedente e da renda total, já havíamos deduzido as expressões algébricas ao lado.
Para estimar o valor residual, desenvolvemos, em caráter experimental, uma “curva de renda”
baseada em pesquisa de preços do m2 privativo em lançamentos recentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e numa combinação/ adaptação / atualização de parâmetros propostos pelo engenheiro-avaliador Milton Mandelblatt.(3)
A aplicação dessa metodologia aos casos escolhidos em Niterói nos fornece os seguintes resultados:
Como podemos, agora, apreciar o significado dessas contrapartidas por Outorga Onerosa do Direito de Construir como aplicação da política de recuperação da valorização / renda do solo?
A teoria
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Do esquema teórico da repartição da renda decorre a pergunta óbvia: a que proporção da renda total do solo correspondem as contrapartidas cobradas pela municipalidade de Niterói nos dois casos em discussão?
A análise
É para estimar essa proporção que vimos desenvolvendo uma metodologia baseada no método residual dedutivo de avaliações imobiliárias – que não é senão o “espelho” da estrutura econômica dos empreendimentos. Essa estimativa tem duas dimensões inseparáveis: a OODC como proporção da renda excedente ao coeficiente básico, que é aquela que o Estatuto da Cidade define como passível de cobrança de contrapartida; e a OODC como proporção da renda total, que, devido aos diferentes tamanhos de empreendimento, preços de venda médios do m2 privativo e coeficientes máximo e básico estabelecidos pelas legislações, reputo como o único termo possível de comparação entre as políticas municipais de recuperação da valorização por acréscimo de edificabilidade e, por isso mesmo, o verdadeiro “preço” da Outorga Onerosa do Direito de Construir.
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Para estimar o valor residual, desenvolvemos, em caráter experimental, uma “curva de renda”
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A aplicação dessa metodologia aos casos escolhidos em Niterói nos fornece os seguintes resultados:
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Qualquer leitor minimamente familiarizado com a OODC – assim como o leigo interessado na matéria – há de se perguntar: por que a recuperação da renda nos dois casos é tão díspar se os dois empreendimentos são tão similares em termos do produto imobiliário, do seu preço de venda por m2 privativo e da cota de terreno que esse preço contém?
É difícil responder a essa pergunta. Não pretendo argüir que o problema está nas fórmulas de cálculo – embora haja, a meu juízo, sérios problemas teóricos e práticos com a maioria das fórmulas de cálculo em uso no Brasil, inclusive a de São Paulo, que não apenas são "cegas" para a relação entre a contrapartida e a renda como podem gerar valores absurdamente elevados quando despidas de seus "fatores de ajuste" - como mostra, aliás, o professor Valverde em seu estudo da OODC em Niterói. Voltarei ao tema, com mais detalhes, em algum momento futuro.
Na verdade, a fórmulas têm um papel relativamente secundário na questão do valor da contrapartida, precisamente porque não são exatamente fórmulas de cálculo: são como algoritmos de determinação do valor da contrapartida, usados para atingir ordens de grandeza que satisfaçam à decisão política que tenha tomado a municipalidade a respeito de quanta renda pretende recuperar.
Dito em outras palavras, o valor da contrapartida por OODC não se "calcula" como o volume de um cilindro ou a velocidade final de um corpo em queda livre. Ele é uma decisão de política urbana que pode representar qualquer fração entre 0% e 100% da renda da terra gerada nos empreendimentos imobiliários (valor residual do terreno), a totalidade da qual não tem nada a ver com remuneração do investimento produtivo privado, mas é puro valor de localização, isto é, criação coletiva baseada na disponibilidade de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos.
Não existe, tampouco, explicação econômica para a disparidade de valores cobrados por OODC nas cidades brasileiras. O lucro imobiliário (isto é, o lucro excedente ao retorno de capital esperado) não é mais crucial para as empresas fluminenses, mineiras e potiguares do que para as paulistanas – todas, aliás, cada vez mais "nacionais", quando não "internacionais".
Embora a crise de 2008 e suas sequelas tenham deixado claro que o papel da renda imobiliária é cada vez mais crítico nas economias nacionais e mundial - razão pela qual a resistência empresarial às políticas de recuperação da renda tende, a meu ver, a crescer, não a diminuir -, a não arrecadação, ou a baixa arredação da OODC no âmbito das cidades explica-se, antes de tudo, pelo surrado chavão: a (falta de) vontade política dos governos municipais.
De todo modo, São Paulo é a prova empírica de que uma OODC de valor equivalente a 50% da valorização sobre o coeficiente básico 1 não afeta em nada o ritmo da incorporação imobiliária, que funciona à base de sobrelucros só limitados pela capacidade de endividamento da população adquirente de imóveis.
Se todas as cidades brasileiras convergissem para a recuperação de 50% do valor acrescido pela edificabilidade excedente ao Coeficiente Básico =1, como advoga a tradição paulistana, estariam dando um grande passo em favor do autofinanciamento de suas infraestruturas básicas.
Critérios alternativos para a cobrança de OODC em Niterói
Para dar uma dimensão do potencial de recuperação de renda do solo por OODC em Niterói, proponho agora utilizar o método de estimação da valorização e da renda para traçar critérios alternativos de determinação do valor da contrapartida.
Nas tabelas abaixo, indico os valores de OODC por m2 construído excedente e total, que, nos casos analisados, resultariam de distintas políticas de recuperação da valorização. A coluna assinalada em cinza contém os parâmetros da OODC efetivamente aplicada. As demais contêm os valores de OODC por m2 contruído excedente que teriam resultado de distintas combinações de parâmetros de política urbana: fatores de recuperação da valorização variando entre 20% e 50% com Cb =2 e, finalmente, o critério "paulistano": coeficiente básico = 1 e fator de recuperação da valorização = 50%.
No caso do Orchestra, a diferença estimada entre o efetivamente arrecadado e a receita que teria resultado da aplicação do critério "50% da valorização acrescida ao coeficiente básico = 1" (em termos de renda total atualizada, que é o preço de venda da terra aos adquirentes dos novos apartamentos, não de parte da renda, como é o caso do valor de mercado do terreno - 50% , em tese - ou, ainda pior, da representação desatualizada deste último que é o valor venal para fins de IPTU) monta a quase inacreditáveis R$ 8.436.000,00
No caso do Tour de Renoir, um empreendimento mais representativo da média dos lançamentos em Jardim Icaraí, a receita total poderia alcançar a marca dos R$ 3.000.000,00. Para cada 50 empreendimentos anuais, a aplicação deste critério - que propomos como "critério de convergência para as cidades brasileiras" - teria representado um aporte da ordem de R$ 150.000. 000,00 ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (o equivalente a 2.173 apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida para famílias com rendimentos até 3 salários mínimos) contra cerca de R$ 25.000.000,00 arrecadados na cidade de 2004 a outubro de 2011 - segundo nos informa o professor Valverde.
Este valor, à primeira vista estratosférico para os padrões de OODC em uso no Brasil, pode ser, no entanto, perfeitamente compatível com a imensa sobrecarga que os coeficientes de aproveitamento de terreno de Niterói impõem à sua infraestrutura e redes de serviços urbanos. (5)
É claro, cada administração municipal tem a sua circunstância política. Mas, dentro de certos limites, sempre é possível escolher. As tabelas acima mostram que a pior opção não é necessariamente a única factível.
2013-04-22
______
Esta é uma questão inteiramente pertinente, uma vez que levanta o problema crucial da confiabilidade do método de determinação de OODC utilizado em Niterói. Os dados coligidos pelo professor Valverde mostram inequivocamente que a disparidade de valores de contrapartida é uma das características dominantes da aplicação da OODC na cidade. A outra é, precisamente, o seu baixíssimo valor relativo, objeto desta postagem.
Consideremos agora, portanto, o quadro resultante dessa mesma metodologia aplicada sobre os parâmetros das simulações de Outorga Onerosa na cidade de São Paulo, apresentadas pelo professor Paulo Sandroni no artigo "Captura de Mais Valias Urbanas em São Paulo através do binômio Solo Criado/Outorga Onerosa: análise do impacto do coeficiente de aproveitamento básico como instrumento do Plano Diretor de 2002", disponível em seu blog.(2)
Os preços médios de m2 privativo para os dois bairros foram por mim deduzidos de pesquisa na Internet e ajustados para março de 2012. A quantidade de m2 privativos foi tomada como igual ao de m2 brutos construídos, com base na hipótese simplificadora de que as taxas m2 construído/m2 privativo e m2 computáveis/m2 construído se compensam. Assumo, também, que a "curva de renda" da Região Metropolitana do Rio de Janeiro se aplica à de São Paulo. Esse inevitável conjunto de simplificações (produto da falta de dados da própria municipalidade) exige que consideremos os valores resultantes como meras ordens de grandeza!
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As proporções encontradas nesta “simulação da simulação” da OODC de São Paulo são verdadeiramente surpreendentes para os padrões brasileiros e - por que não admitir - para as expectativas deste blogueiro também. Porém, a julgar pelo conjunto de informações aduzidas pelo prof. Sandroni no artigo "CEPACS: Certificates of Additional Construction Potential: A New Financial Instrument of Value Capture in São Paulo", também encontrável em seu blog (4), essas proporções são inteiramente compatíveis com a tradição paulistana oriunda das extintas Operações Interligadas, cuja lei determinava que à administração pública deveria caber um mínimo de 50% do incremento de valor criado pelo benefício concedido - no nosso caso, aumento de edificabilidade - ao empreendedor. Essa proporção é mantida na Operação Urbana Água Espraiada e chega a 60% no caso da Operação Urbana Água Branca.
Os por quês
Por que a recuperação da renda em Niterói é tão flagrantemente menor do que aquela que se pratica na cidade de São Paulo? Por que Niterói se contenta com fatores de recuperação da valorização e taxas de recuperação da renda de até 1/10 de suas homólogas paulistanas?
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É difícil responder a essa pergunta. Não pretendo argüir que o problema está nas fórmulas de cálculo – embora haja, a meu juízo, sérios problemas teóricos e práticos com a maioria das fórmulas de cálculo em uso no Brasil, inclusive a de São Paulo, que não apenas são "cegas" para a relação entre a contrapartida e a renda como podem gerar valores absurdamente elevados quando despidas de seus "fatores de ajuste" - como mostra, aliás, o professor Valverde em seu estudo da OODC em Niterói. Voltarei ao tema, com mais detalhes, em algum momento futuro.
Na verdade, a fórmulas têm um papel relativamente secundário na questão do valor da contrapartida, precisamente porque não são exatamente fórmulas de cálculo: são como algoritmos de determinação do valor da contrapartida, usados para atingir ordens de grandeza que satisfaçam à decisão política que tenha tomado a municipalidade a respeito de quanta renda pretende recuperar.
Dito em outras palavras, o valor da contrapartida por OODC não se "calcula" como o volume de um cilindro ou a velocidade final de um corpo em queda livre. Ele é uma decisão de política urbana que pode representar qualquer fração entre 0% e 100% da renda da terra gerada nos empreendimentos imobiliários (valor residual do terreno), a totalidade da qual não tem nada a ver com remuneração do investimento produtivo privado, mas é puro valor de localização, isto é, criação coletiva baseada na disponibilidade de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos.
Não existe, tampouco, explicação econômica para a disparidade de valores cobrados por OODC nas cidades brasileiras. O lucro imobiliário (isto é, o lucro excedente ao retorno de capital esperado) não é mais crucial para as empresas fluminenses, mineiras e potiguares do que para as paulistanas – todas, aliás, cada vez mais "nacionais", quando não "internacionais".
Embora a crise de 2008 e suas sequelas tenham deixado claro que o papel da renda imobiliária é cada vez mais crítico nas economias nacionais e mundial - razão pela qual a resistência empresarial às políticas de recuperação da renda tende, a meu ver, a crescer, não a diminuir -, a não arrecadação, ou a baixa arredação da OODC no âmbito das cidades explica-se, antes de tudo, pelo surrado chavão: a (falta de) vontade política dos governos municipais.
De todo modo, São Paulo é a prova empírica de que uma OODC de valor equivalente a 50% da valorização sobre o coeficiente básico 1 não afeta em nada o ritmo da incorporação imobiliária, que funciona à base de sobrelucros só limitados pela capacidade de endividamento da população adquirente de imóveis.
Se todas as cidades brasileiras convergissem para a recuperação de 50% do valor acrescido pela edificabilidade excedente ao Coeficiente Básico =1, como advoga a tradição paulistana, estariam dando um grande passo em favor do autofinanciamento de suas infraestruturas básicas.
Critérios alternativos para a cobrança de OODC em Niterói
Para dar uma dimensão do potencial de recuperação de renda do solo por OODC em Niterói, proponho agora utilizar o método de estimação da valorização e da renda para traçar critérios alternativos de determinação do valor da contrapartida.
Nas tabelas abaixo, indico os valores de OODC por m2 construído excedente e total, que, nos casos analisados, resultariam de distintas políticas de recuperação da valorização. A coluna assinalada em cinza contém os parâmetros da OODC efetivamente aplicada. As demais contêm os valores de OODC por m2 contruído excedente que teriam resultado de distintas combinações de parâmetros de política urbana: fatores de recuperação da valorização variando entre 20% e 50% com Cb =2 e, finalmente, o critério "paulistano": coeficiente básico = 1 e fator de recuperação da valorização = 50%.
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No caso do Orchestra, a diferença estimada entre o efetivamente arrecadado e a receita que teria resultado da aplicação do critério "50% da valorização acrescida ao coeficiente básico = 1" (em termos de renda total atualizada, que é o preço de venda da terra aos adquirentes dos novos apartamentos, não de parte da renda, como é o caso do valor de mercado do terreno - 50% , em tese - ou, ainda pior, da representação desatualizada deste último que é o valor venal para fins de IPTU) monta a quase inacreditáveis R$ 8.436.000,00
No caso do Tour de Renoir, um empreendimento mais representativo da média dos lançamentos em Jardim Icaraí, a receita total poderia alcançar a marca dos R$ 3.000.000,00. Para cada 50 empreendimentos anuais, a aplicação deste critério - que propomos como "critério de convergência para as cidades brasileiras" - teria representado um aporte da ordem de R$ 150.000. 000,00 ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (o equivalente a 2.173 apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida para famílias com rendimentos até 3 salários mínimos) contra cerca de R$ 25.000.000,00 arrecadados na cidade de 2004 a outubro de 2011 - segundo nos informa o professor Valverde.
Este valor, à primeira vista estratosférico para os padrões de OODC em uso no Brasil, pode ser, no entanto, perfeitamente compatível com a imensa sobrecarga que os coeficientes de aproveitamento de terreno de Niterói impõem à sua infraestrutura e redes de serviços urbanos. (5)
É claro, cada administração municipal tem a sua circunstância política. Mas, dentro de certos limites, sempre é possível escolher. As tabelas acima mostram que a pior opção não é necessariamente a única factível.
2013-04-22
______
NOTAS
(1) Valverde Salandia, Luis Fernando, “A experiência de Niterói, RJ, com a Outorga Onerosa do Direito de Construir”, Curso de Regulamentação e Implementação de Operações Urbanas Consorciadas e Outorga Onerosa do Direito de Construir, governo Federal do Brasil e Lincoln Institute of Land Policy, São Paulo, 25 de novembro de 2011
(2) Sandroni, Paulo, "Captura de Mais Valias Urbanas em São Paulo através do binômio Solo Criado / Outorga Onerosa: análise do impacto do coeficiente de aproveitamento básico como instrumento do Plano Diretor de 2002". http://sandroni.com.br/?page_id=301
(3) Abuhnaman, Sergio, Curso Básico de Engenharia Legal e Avaliações, Pini, 1999
(4) Sandroni, Paulo, "CEPACS: Certificates of Additional Construction Potential. A New Financial Instrument of Value Capture in São Paulo", http://sandroni.com.br/?page_id=310, também publicado em “Municipal Revenues and Land Policies”, Ed. Gregory Ingram and Yu-Hung Hong. Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, Mass. 2010
(5) Convido o leitor a ver imagens e dados impressionantes da atual superintensificação do uso do solo urbano nas cidades brasileiras em
http://oglobo.globo.com/pais/verticalizacao-altera-paisagens-de-cidades-do-norte-do-nordeste-8174401
(1) Valverde Salandia, Luis Fernando, “A experiência de Niterói, RJ, com a Outorga Onerosa do Direito de Construir”, Curso de Regulamentação e Implementação de Operações Urbanas Consorciadas e Outorga Onerosa do Direito de Construir, governo Federal do Brasil e Lincoln Institute of Land Policy, São Paulo, 25 de novembro de 2011
(2) Sandroni, Paulo, "Captura de Mais Valias Urbanas em São Paulo através do binômio Solo Criado / Outorga Onerosa: análise do impacto do coeficiente de aproveitamento básico como instrumento do Plano Diretor de 2002". http://sandroni.com.br/?page_id=301
(3) Abuhnaman, Sergio, Curso Básico de Engenharia Legal e Avaliações, Pini, 1999
(4) Sandroni, Paulo, "CEPACS: Certificates of Additional Construction Potential. A New Financial Instrument of Value Capture in São Paulo", http://sandroni.com.br/?page_id=310, também publicado em “Municipal Revenues and Land Policies”, Ed. Gregory Ingram and Yu-Hung Hong. Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, Mass. 2010
(5) Convido o leitor a ver imagens e dados impressionantes da atual superintensificação do uso do solo urbano nas cidades brasileiras em
http://oglobo.globo.com/pais/verticalizacao-altera-paisagens-de-cidades-do-norte-do-nordeste-8174401