sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Miragem linear


ArchDaily 21-10-2022, por André Sette
https://www.archdaily.com.br/br/990910/the-line-cidades-lineares-nao-fazem-o-menor-sentido

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A discussão proposta por esse artigo é deveras interessante e devo dizer que estou de acordo com o juízo do título, embora sob uma ótica distinta. Pena que, como tanta coisa que se publica em Caos Planejado, seja mero gancho para os autores criticarem os esforços de planejamento de Belo Horizonte, São Paulo e outras capitais como prejudiciais à “eficiência de mercado”.

Os protótipos surgidos na primeira metade do século XX - Cité Industrial, Ciudad Lineal, Garden-City, Ville Radieuse, Broadacre City - são meros construtos, modelos ideais baseados na eliminação arbitrária e seletiva de fenômenos e processos constituintes da urbanização contemporânea e, por isso mesmo, irrealizáveis salvo em circunstâncias estritamente controladas pelos Estados nacionais, por um período limitado de tempo e, em qualquer caso, com vantagens muito discutíveis.

No caso da “cidade linear”, todos teriam rápido acesso ao meio de transporte, mas, como é fácil deduzir, estariam muito mais distantes do conjunto dos demais “lugares urbanos” – porque é precisamente para reduzir o custo direto e indireto do deslocamento e consequentemente maximizar seu poder de consumo que as populações se aglomeram, na medida das suas possibilidades, ao redor dos comércios, serviços e empregadores em geral, e para beneficiar-se dessa economia coletiva que comércios, serviços e empregadores se aglomeram, tanto quanto possível, à menor distância agregada da clientela e dos potenciais trabalhadores em lugares que não por acaso chamamos ‘centros’ e 'subcentros'.

Diz o autor que “hoje, quase 90% da população de Brasília mora em regiões que cresceram em volta do Plano Piloto (..) destino comum [às] cidades planejadas com a forma linear”. Na verdade, esse é o destino comum a todas as cidades, lineares ou não, nascidas de uma urbanização-piloto: vale para Brasília como para Belo Horizonte, Erechim, Maringá, Goiânia, Volta Redonda e tantas quantas queiramos estudar no Brasil e no mundo.

Levada à prática, a própria cidade linear de Soria y Mata não foi mais do que um “subúrbio-jardim” alongado, com seus correspondentes atributos arquitetônicos, que acabou integrado à expansão suburbana de Madri.

Reitero algo que já disse em outro lugar: 

“Una ciudad en la que no hay ninguna especie de centro solo puede existir en el plan ideal, como en una sociedad desarrollada fictícia donde no hay mercado, o en el plan teórico de una sociedad sobredesarollada igualitaria más allá del mercado. La centralidad es una norma reguladora constitutiva del mercado de suelo, es decir, que no ha sido creada por ningún gobierno; una forma de escasez que yace en el corazón de la economía del espacio socialmente construído, es decir histórico, y es su propio modo de ser.” [*]

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[*] “Centralidad, espacio urbano y renta del suelo – apuntes”, À beira do urbanismo 30-10-2010
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2010/10/centralidad-espacio-urbano-y-renta-del.html