quarta-feira, 27 de abril de 2011

Caio Martins, Niterói: Sede olímpica da construção em altura?

DESDE QUE VOLTEI a residir em Niterói, minha cidade natal, há cerca de dezoito meses, não parei de intrigar-me com o destino no Complexo Desportivo Caio Martins, onde passo todos os dias a caminho de casa.

Ocupando o equivalente a quatro quadras na região mais valorizada da cidade, o Caio Martins é um estranho conjunto esportivo com um ginásio circular e uma piscina olímpica onde quase nada de relevante acontece e um estádio de futebol semi-abandonado cuja maior serventia talvez seja proporcionar, com seus longos muros e arquibancadas projetadas sobre a calçada, o abrigo e privacidade a que têm direito, como qualquer um de nós, os sem-teto que a habitam cronicamente – não me espantaria que os atuais fossem desabrigados do Morro do Bumba ainda à espera de uma solução.

O contraste é evidente, uma vez que ao redor do Caio Martins a cidade se renova ao preço de até R$ 6.000,00 o m2 residencial construído, com intensidades de ocupação que chegam a atingir os absurdos índices de 5, 6 e até 7 vezes a área do terreno.

A mim, que sou amante de quase todos os esportes e, por razões que não cabem neste artigo, convicto adversário da indústria olímpica mundial e brasileira, nunca me assaltaram dúvidas sobre o imenso potencial do Caio Martins como equipamento público desportivo. O mesmo não se pode dizer, ao que parece, dos homens públicos, para-públicos e privados que ganham montanhas de prestígio e sabe-se lá que caudais de dinheiro como gerentes, propagandistas e sanguessugas do grande sonho olímpico nacional de 2016.

Trago bem vivas na memória as épicas batalhas de futebol de salão que opunham, para delírio de suas torcidas, Liceu x Salesiano, Figueiredo Costa x Instituto Abel e outros clássicos dos jogos estudantis niteroienses da década de 1960. Talvez por isso, como ex-profissional de planejamento urbano e governamental me pus a imaginar cenários, excessivamente otimistas talvez, em que a prefeitura, a universidade e os estaleiros locais bancavam equipes de vôlei, basquete e futebol de salão para, a exemplo dos atuais Petrópolis de futsal e Macaé de vôlei, disputar as ligas nacionais tendo o Caio Martins como seu “ginásio de mando” – criando, de quebra, uma boa alternativa noturna nesta cidade onde a diversão quase que se resume (menos mal) a comer fora.

Podem-se imaginar infinitos cenários. Não há sequer contradição entre a valorização imobiliária do bairro e o pleno funcionamento de um grande complexo esportivo, bastando que um plano gerencial ousado se faça acompanhar de um projeto arquitetônico e urbanístico que transforme o Caio Martins num lugar bonito, eficiente e atrativo: em vez de um estádio de futebol inútil, campos de pelada, quadras de tênis e pistas de skate com ciclovias, calçadas largas e passeios arborizados, além de cercas vivas e fechamentos semi-transparentes onde houver necessidade.

Eis, porém, que o cacoete de urbanista foi obrigado a dar lugar àquilo que, desde o início, era em mim uma sombria intuição: dias atrás, o saite do jornal O Dia anunciava a iminente venda do Complexo Esportivo Caio Martins, em Niterói, pelo Botafogo de Futebol e Regatas – sim, o Glorioso Botafogo de Heleno, Quarentinha, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Gérson e Jairzinho.

O erro da matéria era evidente. O Botafogo não poderia vender o Caio Martins pela simples razão de que este não lhe pertence, apenas lhe serve por concessão do Estado do Rio de Janeiro. Talvez relegada a algum “buraco da memória” orwelliano, a matéria não é mais encontrada pela ferramenta de busca do saite, mas as que lá estão dizem com todas as letras de quem é o sinistro desígnio:


Rio - O Complexo Esportivo Caio Martins, em Niterói, vai acabar. O governo do Estado venderá o conjunto, formado por estádio de futebol, ginásio e piscina olímpica. O comprador poderá demolir as instalações e usar o terreno para construir prédios: terá apenas que fazer equipamentos esportivos para a comunidade. (O Dia, 16-04-2011)

Socorram-me juristas e advogados, mas creio que pelas regras do direito administrativo um bem de uso especial – seguramente o caso do Caio Martins – não pode ser vendido pelo Executivo estadual sem ser desafetado desse uso pela Câmara dos Deputados. Ora, vender o velho presídio da Rua Frei Caneca, na região central do Rio de Janeiro, para implantar um grande projeto habitacional de interesse social é exatamente o oposto de vender um grande complexo esportivo de interesse social para transformá-lo em mais um paliteiro residencial de (relativo) luxo no centro de Icaraí!

A palavra está, pois, com o Ministério Público, mas também com o Tribunal de Contas, ao qual cabe zelar pela correta administração e destinação dos bens do povo sob a guarda do Estado, e à Câmara dos Deputados, que tem a oportunidade de, ao menos uma vez na vida, exercer a vontade soberana do eleitorado fluminense: já está em curso um movimento popular contra esse esbulho.

Não podemos, todavia, esquecer o prefeito e a Câmara Municipal de Niterói, aos quais cabe uma grave responsabilidade pois QUEM REGULA OS USOS E EDIFICABILIDADES DE CADA QUADRA DA CIDADE REGULA AO MESMO TEMPO... O VALOR DA TERRA, que, neste caso, o Estado proprietário quer vender! Há vagas para figurantes neste filme, no papel de vendilhões do templo. Alguém se candidata?

De minha parte, rogo ao grande Zeus do Olimpo o mesmo destino dos companheiros de Odisseu na morada do Cíclope para todos os hipócritas públicos e privados que contribuírem, ativa ou passivamente, para perpetrar este hediondo crime de lesa-cidade e lesa-esporte em nome do interesse geral e da boa marcha - quem há de duvidar? - do negócio olímpico nacional.

“O oráculo me soprou que Caio Martins, o escoteiro-padrão do Brasil, vai levar a Tocha Olímpica!” (Agamênon)



2011-04-27