quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Imobi Report 04-11-2025
https://imobireport.com.br/news-do-imobi/receita-federal-aperta-o-cerco-contra-a-informalidade-nos-imoveis/

Receita Federal aperta o cerco contra a informalidade nos imóveis

A partir de 2026, a Receita Federal implementará o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), o “CPF dos Imóveis”, que integrará dados de cartórios, prefeituras e órgãos federais para cruzar informações e combater sonegação e informalidade no mercado imobiliário. O sistema permitirá multas de até 150% por omissão de rendimentos e trará impacto na base de cálculo de tributos como IPTU, ITBI e ITCMD. Além disso, vendas recorrentes de imóveis poderão ser tributadas pelo IBS e CBS, exigindo replanejamento financeiro das imobiliárias.

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Provavelmente a mais importante medida governamental jamais tomada no Brasil, e talvez na América Latina, em favor da recuperação de mais-valias do solo urbano, não por acaso atacada por grande parte da imprensa de negócios imobiliários como 'política de aumento de impostos'. Tema obrigatório para futuras investigações de mestrado e doutorado em políticas urbanas. Mais informações nas passagens abaixo, constantes da matéria do Imobi Report.

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A Receita Federal vai redesenhar as regras fiscais para proprietários e investidores do mercado imobiliário a partir de 2026. A peça central dessa nova estrutura é o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), apelidado de “CPF dos Imóveis”, uma ferramenta que, combinada às novas diretrizes da Reforma Tributária, vai auxiliar no combate à informalidade e à sonegação. Seu principal objetivo é acabar com a fragmentação de dados que historicamente permitiu brechas na fiscalização de aluguéis, heranças e transações de compra e venda. Em outras palavras, é um revés para a sonegação e enfraquece a locação direta pelos proprietários. (Gazeta do Povo)

O “CPF dos Imóveis”, regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, funcionará como um identificador nacional único para cada imóvel, seja ele urbano ou rural. Na prática, o sistema integrará informações que hoje estão dispersas entre cartórios (matrículas de RGI), prefeituras (inscrições de IPTU) e órgãos federais como o Incra. Essa centralização de dados permitirá à Receita Federal um cruzamento automático e em tempo real do patrimônio imobiliário dos contribuintes, identificando com precisão quem omite rendimentos de aluguel ou declara valores de transação abaixo do mercado. (Terra)

A partir de 2026, a omissão de rendimentos de aluguel poderá resultar em multas de até 150% sobre o valor do imposto devido, além da cobrança retroativa dos últimos cinco anos. A fiscalização será potencializada pela definição de um “valor de referência” oficial para cada imóvel, calculado anualmente com base em dados de mercado. Em artigo para o Estadão, a advogada especialista em Direito Imobiliário Samira de Mendonça Tanus Madeira comenta que, embora a Receita afirme que o CIB não vai criar novos tributos, esse valor de referência servirá como parâmetro para a fiscalização e poderá, indiretamente, aumentar a base de cálculo de impostos como IPTU, ITBI e ITCMD, especialmente para proprietários com imóveis subavaliados ou com registros desatualizados. (Estadão)

Este movimento de rigor fiscal também trará mudanças na venda de imóveis. A venda de imóveis por empresas, como construtoras e incorporadoras, passará a ser tributada pelo novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Para pessoas físicas, a atenção deve ser redobrada: quem vender mais de três imóveis em um mesmo ano, ou mais de um imóvel construído por conta própria nos últimos cinco anos, será equiparado a uma pessoa jurídica e também passará a ser tributado pelo IBS e pela CBS, além do já existente Imposto de Renda sobre ganho de capital. (E-Investidor)

Todas essas mudanças vão exigir um replanejamento financeiro das imobiliárias, sendo este o tema central da live “Reforma Tributária: como preparar financeiramente a sua imobiliária”, transmitida gratuitamente no dia 6 de novembro, às 11h. O conteúdo vai reunir o conhecimento de Dioner Segala (CUPOLA) e Franciele Rocha (Contimob) para esclarecer como os novos tributos vão impactar o caixa, o repasse de aluguéis, a estrutura contábil e a precificação das imobiliárias. Eles vão compartilhar ações necessárias para manter a rentabilidade e orientar clientes, com foco nas decisões financeiras que precisam ser tomadas ainda em 2025. (Live Financeiro Essencial)

2025-12-03

domingo, 30 de novembro de 2025

Financeirização ou capitalismo de rendas?

Público 18-09-2025, por Bruna Santos
https://www.publico.pt/2025/09/18/p3/cronica/bolha-imobiliario-nao-vai-rebentar-2145996

A bolha do imobiliário não vai rebentar

O anúncio de Luís Montenegro sobre 1300 milhões de euros para habitação acessível parece responder à lógica elementar da crise habitacional: mais procura que oferta exige mais construção. Esta abordagem aparentemente óbvia ignora uma transformação fundamental: a habitação deixou de ser um bem de primeira necessidade para se tornar um activo financeiro no sentido estrito. (..)

Os dados portugueses são absolutamente devastadores: nos últimos dez anos, o preço médio das casas mais do que duplicou, enquanto os salários cresceram marginalmente, frequentemente abaixo da inflação real. Esta disparidade não é acidental nem temporária — é o resultado directo da financeirização do mercado de habitação. (..)

A habitação tornou-se uma reserva de valor global, equiparável a acções, obrigações ou ouro. As nossas cidades competem agora directamente com outras capitais europeias pelos fluxos de investimento internacionais. Um apartamento vale o que vale não porque os portugueses conseguem pagar esse preço, mas porque investidores internacionais consideram esse preço competitivo face às alternativas de investimento globais. (..)

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"Financeirização" parece ter se transformado numa palavra mágica, que explicaria por si só o drama das famílias que não encontram moradia minimamente próxima às fontes de emprego ao alcance do seu nível de rendimentos. 

Para a autora do artigo acima, o aumento de mais de 100% do preço da moradia em Portugal nos últimos dez anos, em face de "um crescimento apenas marginal dos salários", se explicaria por ter a moradia ter deixado de ser um "bem de primeira necessidade" para se tornar "um ativo financeiro em sentido estrito". Segundo ela,

"um apartamento vale o que vale não porque os portugueses conseguem pagar esse preço, mas porque investidores internacionais consideram esse preço competitivo face às alternativas de investimento globais".

Mas quem são, eu me pergunto, os "investidores internacionais" que consideram competitivos preços da moradia que a maioria dos portugueses não consegue pagar? Obviamente, os grandes proprietários, ou controladores, estrangeiros de imóveis residenciais em Portugal.

E por quê esses preços seriam "competitivos"? Porque outros demandantes de moradias portuguesas que não os trabalhadores portugueses estão econômica e juridicamente aptos e dispostos a pagá-los; são eles, com suas ofertas, não os "investidores ", que determinam esse preços.

E quem são esses demandantes? Segundo uma enxurrada de artigos da própria imprensa portuguesa e até mesmo um relatório da União Europeia, um considerável contingente de estrangeiros endinheirados - do Brasil e norte da Europa, principalmente - interessados em comprá-las para seu uso, ou para alugar e vender a outros estrangeiros endinheirados para os quais Portugal é uma magnífica opção de aposentadoria longe dos rigores do inverno norte-europeu, férias de verão, turismo em geral, estadia de curta duração e nomadismo digital.

Artigo publicado na Veja em junho de 2024 [1] nos diz que as políticas de atração de imigrantes dos anos precedentes geraram um contingente de 800 mil estrangeiros residentes no país, “desencadeando uma espiral de alta de preços como nunca se viu”: aluguel médio de 2.500 euros em Lisboa, o mais alto da Europa naquele momento segundo a multinacional HousingAnywhere. E mesmo com as limitações impostas pelo governo (extinção dos incentivos fiscais para estrangeiros e do Golden Visa, que concedia cidadania a quem investisse no país, regulação e taxação do aluguel rotativo), os preços continuaram nas alturas, com seus típicos efeitos: deslocamento das famílias de baixos rendimentos para as periferias, multiplicação da população de rua e aumento expressivo da ‘geração canguru’ - adultos que moram com os pais. 

E onde, afinal, entra a "financeirização"? 

Em postagem anterior deste blog, escrevi:

A moradia – assim entendo - é financeirizada desde que passou a ser produzida para o mercado, pela simples razão que são poucos os que podem comprá-la sem financiamento ao menos parcial de seu preço. Tradicionalmente, os contratos de hipoteca preveem que o próprio imóvel é a garantia do empréstimo para a sua aquisição. (..)

A financeirização da moradia deu um salto de qualidade quando, com a desregulamentação de fins do século passado, generalizou-se nos EUA e Inglaterra a prática dos empréstimos bancários garantidos pelo imóvel residencial para a compra de bens de consumo, viagens, universidade etc. Famílias com rendimentos estagnados, e até decrescentes, passaram a consumir… o valor futuro de suas casas!

Uma vez re-hipotecado o imóvel em troca de liquidez a curto prazo, o título da dívida podia ser vendido pelo banco para credores de que o devedor nunca ouvira falar, nos mais diversos países – a pirâmide financeira que desmoronou em 2007, levando milhões de pequenos investidores, boa parte deles trabalhadores cooptados para a mítica 'república dos pequenos proprietários’, à perda de seu capital, isto é, de suas próprias moradias que, afinal, eram o lastro de tudo! [2]

O que se está chamando de "financeirização" na história recente de Portugal é o fato de que, depois da crise de 2008 e da consequente queda abrupta dos juros, a oferta de moradia para estrangeiros endinheirados e portugueses enriquecidos tornou-se um negócio lucrativo o suficiente para atrair o interesse tanto de grandes imobiliárias sediadas no EUA, Europa e Ásia quanto de capitais de investimento - o capital 'em estado puro' - que circulam pelo mundo à espera de oportunidades de valorização. [3] Até a explosão da crise habitacional, Portugal vinha desfrutando, sob governos social-democratas, de uma lufada tão bem recebida quanto temerária de enriquecimento à base de rendas estrangeiras - aliás registrada com alguma constância neste blog. 

Ainda que favoreça a especulação de preços pela via da retenção da oferta, e que deva por isso ser combatida pelos sindicatos e movimentos de moradia no âmbito da União Europeia, não é a concentração da propriedade imobiliária em mãos de um pequeno número de grandes capitalistas a causa dos fabulosos aumentos de preços de que estamos falando. Foi o incentivo português à captura de rendas pagas por estrangeiros, sob a forma, por exemplo, dos Vistos Gold, e de uma legislação correspondentemente permissiva, que tornou as moradias dos país um alvo preferencial das grandes imobiliárias e dos capitais de risco.    

Não se trata de que a moradia em geral é tratada, em Portugal como em todos os países do mundo, como "ativo financeiro", deixando de ser - como já li em algum lugar - "valor de uso"; pois se a moradia deixa de ser "valor de uso", não pode se tornar "ativo financeiro": qual imobiliária ou especulador compraria um apartamento que seus potenciais clientes não queiram usar?  

Apartamentos bem conservados e bem localizados - relativamente às expectativas da demanda - se tornaram ativos privilegiados na economia contemporânea porque o solo urbano que os 'ancora' os 'condena' a aumentos de preços resultantes de externalidades socialmente criadas como o crescimento do PIB, a expansão continuada que torna urbanas as terras suburbanas e periféricas, o aumento da escassez relativa das melhores localizações e, vale lembrar, a própria concentração da riqueza nacional e planetária. 

Imóveis não encarecem na escala hoje registrada em Portugal por se tornar propriedade de investidores do ramo imobiliário: investidores passaram a adquiri-los em grande quantidade por serem bens duráveis que, a depender da localização, mesmo  depois de totalmente amortizados continuam a gerar lucro excedente (renda) ao investimento em conservação - e tanto mais renda quanto mais valorizada e escassa a terra-localização.

Quanto à crítica, com a qual compartilho, de que a moradia não vem sendo tratada como "bem de primeira necessidade", considero que os últimos governos portugueses não cuidaram, como deveriam, de - no mínimo - dirigir a proporção que fosse necessária do arrecadado com as rendas estrangeiras para a construção, em terrenos centrais e pericentrais das grandes cidades legalmente reservados para tal fim, de moradias ao alcance dos rendimentos do trabalhadorado português. 

Afinal, que outra coisa poderia significar, em se tratando do direito à habitação, o termo "social-democracia"? 

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PS: A edição deste domingo do jornal La Vanguardia publica matéria intitulada “Catalunya inicia los trabajos sobre la prohibición de la compra de vivienda para invertir”. [4]

'Aquisição de residências para fins de investimento' me soa como um bem-sucedido esforço de interpretação do jargão urbanístico 'financeirização da moradia'. No entanto, ainda que a extinção da compra-venda de residências para fins de investimento capitalista possa fazer sentido como horizonte de política urbana - medidas socializantes são urgentes, creio, em todos os âmbitos da vida econômica global -, há que considerar: 

(1) que além de fonte de rendimentos regulares para muitos pequenos proprietários, a moradia, na condição de 'casa própria', se torn0u a forma mais difundida de capitalização, vale dizer de 'investimento', da classe média como um todo, aí incluído um enorme contingente de trabalhadores qualificados, no futuro de suas famílias

(2) que a proposta implica uma intervenção na economia de mercado muito mais profunda que o mero controle dos alugueis, com repercussões sobre toda a cadeia produtiva da construção civil e seus derivados, além do próprio financiamento bancário privado. 

Medidas dessa natureza teriam de ser implantadas num âmbito geopolítico muito maior, com amplo apoio político e conhecimento de causa da sociedade organizada, de maneira progressiva para fins de controle de impactos e, o mais importante, de cima para baixo economicamente falando. Seria um erro crasso empurrar para o mesmo balaio os grandes capitalistas imobiliários nacionais e estrangeiros e a pequena-burguesia em geral e, no caso, os pequenos proprietários catalães. 

Por que não começar enfrentando os efeitos das políticas de controle dos alugueis já aplicadas em muitas cidades? Limitando a concentração da propriedade imobiliária residencial? Taxando as rendas fundiárias excedentes aos ganhos de capital 'normais', ou 'médios', da pequena propriedade imobiliária? 
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Para ilustrar o ponto de vista desta postagem, reproduzo abaixo trechos de matérias recentemente publicadas sobre o tema na imprensa portuguesa de negócios.

Portugal é o país da União Europeia (UE) onde os preços das casas estão mais sobrevalorizados e onde o turismo mais contribuiu para essa sobrevalorização. A conclusão é de um relatório da Comissão Europeia que estima que os preços da habitação em Portugal estão sobrevalorizados em 35%. (..) O relatório aponta vários motivos para o aumento dos preços das casas na UE, desde logo o êxodo urbano e o abrandamento da construção de novas habitações. (..) Em contrapartida, há um indicador que tem contribuído para a subida dos preços das casas em Portugal - o turismo. Segundo o relatório, “a nível nacional há indícios de que Portugal é o país onde o turismo teve o maior impacto nos preços das habitações”, designadamente com o crescimento de plataformas de partilha de casas, que tem pressionado os preços de arrendamento e de compra de imóveis “em algumas localizações privilegiadas, como os centros históricos”. [“Portugal é o país com as casas mais sobrevalorizadas da UE - e dar benefícios fiscais 'alimenta o aumento dos preços'". CNN Portugal 16-10-2025, por BCE] https://cnnportugal.iol.pt/habitacao/habitacao-em-portugal/portugal-e-o-pais-com-as-casas-mais-sobrevalorizadas-da-ue-e-dar-beneficios-fiscais-alimenta-o-aumento-dos-precos/20251016/68f0e59ed34ee0c2fed15173
 

 “Notícias recentes têm referido estudos em que o preço das casas sobe mais em zonas de maior aumento de construção. (..) A explicação, longe de ser um mistério, reside numa força económica muito simples e poderosa: a procura. E, neste momento, a procura é uma maré que levanta todos os barcos, até os que ainda estão no estaleiro. (..) Ainda que menos vigorosa do que há uns anos, também assistimos à pressão do turismo e Alojamento Local (AL). O sucesso do turismo transformou milhares de habitações em unidades de curta-duração, retirando-as do mercado de arrendamento (..) especialmente nos centros urbanos. (..) Os programas de Regime de Residentes Não-Habituais e Vistos Gold, embora revistos, atraíram um fluxo significativo de investidores e reformados com alto poder de compra, segmentando uma parte do mercado para um nível de preços superior. (..) o mercado não pode servir apenas o segmento de luxo. (..) Uma abordagem interessante poderia ser o modelo 1/3+1/3+1/3 em novos empreendimentos de média/grande  dimensão, com incentivos para que 1/3 da área seja destinada a habitação acessível (com preços controlados), 1/3 a preços de mercado intermédios, e 1/3 ao segmento superior. Isto evitaria a segregação social e garantiria que o crescimento beneficia todos. ["Mais cimento, mais confusão? A procura é que manda no Mercado Imobiliário". Observador 14-11-2025, por Rute Xavier] https://observador.pt/opiniao/mais-cimento-mais-confusao-a-procura-e-que-manda-no-mercado-imobiliario/

Foi fundada há quase 120 anos nos EUA e tem mais de 3.000 agências espalhadas por mais de 45 países. Falamos da rede imobiliária Coldwell Banker (CB), que aterrou em Portugal em 2017 e tem atualmente uma operação de 12 agências e cerca de 250 colaboradores. Em entrevista ao idealista/news, Frederico Abecassis, CEO da CB Portugal, revela que o seu “portefólio diversificado no segmento residencial de luxo” tem valorizado. (..) “Entre os principais mercados emissores no segmento prime e ultra-luxo destacam-se os EUA (…), o Brasil, países do Norte da Europa como Países Baixos, Suécia e Dinamarca, bem como o Reino Unido (…). [“Segmento de luxo em Portugal continua a demonstrar grande dinamismo”. Idealista 19-11-2025, por Frederico Gonçalves] https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2025/11/19/72227-segmento-de-luxo-em-portugal-continua-a-demonstrar-grande-dinamismo


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NOTAS

[1] “Por que explodiu a procura por imóveis em Portugal, elevando as cifras”, Veja 04-06-2024, por Paula Freitas

[2] "Financeirização da moradia ou concentração da propriedade?" À beira do urbanismo 16-08-2023, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2023/08/financeirizacao-da-moradia-ou.html

[3] “Residential demand shifts mainly with demography and is less buffeted by the business cycle. People will still need somewhere to sleep: you can’t digitalise a bed. And in an era of low interest rates, steady rental income becomes more attractive.” [“Big British companies are entering the rental market”. The Economist 28-08-2021]
https://www.economist.com/britain/2021/08/28/big-british-companies-are-entering-the-rental-market

[4] “Catalunya inicia los trabajos sobre la prohibición de la compra de vivienda para invertir”. La Vanguadia 30-11-2025, por Maite Gutierrez
https://www.lavanguardia.com/economia/20251125/11300809/catalunya-inicia-trabajos-sobre-prohibicion-compra-vivienda-invertir.html

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Rio Maravilhas: pondo os pingos nos is

Bertame.arq.br 21-11-2025, por Rodrigo Bertamé
https://bertame.arq.br/2025/11/21/praca-onze-maravilha-entre-o-fetiche-e-a-captura/

Praça Onze Maravilha: entre o fetiche e a captura

Imagem: https://bertame.arq.br
Dia da Consciência Negra. No palco de um evento tradicional do Estácio, a prefeitura escolheu um estranho roteiro simbólico: usar uma celebração da memória negra para lançar mais uma operação urbana. Batizada de “Praça Onze Maravilha”. O nome tenta acenar para a história; o conteúdo, porém, repete a velha fórmula da cidade-negócio.

Enquanto Porto Maravilha ainda patina com edifícios vazios, terrenos cercados e pouca vida cotidiana real, a prefeitura apresenta mais um experimento com o mesmo DNA: criar valor construtivo para operações imobiliárias, embrulhado em discurso de “revitalização” e “cultura”. A lógica é conhecida desde o Estatuto da Cidade: produz-se solo criado, vende-se potencial construtivo, atrai-se capital financeiro, promete-se urbanidade, mas esta nunca vem. Na prática, entrega-se um pacote de adensamento, edifícios inexpressivos e usos sazonais, desconectados da vida de quem sustenta aquele território, outrora esquecido, no dia a dia.

É importante lembrar onde estamos pisando. (..)

2025-11-23

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Capitalismo de rendas do solo urbano

Monitor Mercantil 18-11-2025, por Redação
https://monitormercantil.com.br/setor-imobiliario-no-mercado-de-capitais-cresce-75-em-9-meses/

Setor imobiliário no mercado de capitais cresce 7,5% em 9 meses

Imagem: Freepik
Em nove meses, o volume financeiro do setor imobiliário dentro do mercado de capitais foi de R$ 697 bilhões (dezembro/2024 a setembro/2025), crescimento de 7,5%. Os fundos de investimento imobiliário (FII) tiveram aumento de 5,9% e um patrimônio líquido de R$ 370 bilhões.

Enquanto o mercado de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) apresentou aumento de 9,6% no período (R$ 245 bilhões). O volume financeiro total do mercado de capitais variou 12% em 2025, saindo de R$ 15,3 trilhões para R$ 17,2 trilhões.

Composição da carteira: 60% das necessidades de liquidez estão em fundos de renda fixa; 60% do total investido estão em bens imóveis; em segundo lugar aparecem os CRI e CRA, com 19% do total; do total investido em bens imóveis, 86% estão em bens imóveis para renda.

Os dados citados estão na 2ª edição do Boletim Setor Imobiliário da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O relatório é produzido pela Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) da autarquia e publicado trimestralmente. Detalha a evolução da participação do setor imobiliário no mercado de capitais, com destaque para o desempenho dos FIIs e dos CRIs. As informações são coletadas a partir de dados do Portal de Dados Abertos da CVM, do Sistema Fundos.NET e dos relatórios internos de ofertas cadastradas no Sistema SRE da autarquia. A data-base da primeira edição do Boletim é junho/2025.


2025-11-18

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Tarifa Zero: cautela, caldo de galinha... e CQ!

Estadão 27-10-2025, por Alvaro Gribel e Mariana Carneiro
https://www.estadao.com.br/.../tarifa-zero-em-todo-o.../

Tarifa zero para ônibus em todo o País custaria de R$ 90 bi a R$ 200 bi por ano, alertam entidades

“Entidades ligadas ao setor de transportes e às prefeituras afirmam que ainda é impossível calcular com exatidão o custo de implementação da tarifa de ônibus zero em todo o País. Os números variam de R$90 bilhões por ano, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a R$200 bilhões, segundo a estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). (..)

São inúmeras as dificuldades para o cálculo. Primeiro, o País tem mais de 5.500 municípios, e eles são responsáveis pelo transporte urbano, que é totalmente descentralizado. O governo federal não tem números agregados. Segundo, um projeto de tarifa zero nacional teria de englobar também o transporte sobre trilhos, que é usado nas grandes regiões metropolitanas e não poderia ser ignorado, sob pena de ter seu modelo de negócios colocado em risco.

Segundo o diretor de gestão da NTU, Marcos Bicalho dos Santos, um programa nacional enfrentaria dificuldades em pelo menos três dimensões: fiscal, operacional e regulatória. Ou seja, seria preciso saber quanto vai custar e como financiar, como evitar que o modelo entre em colapso com o aumento esperado da demanda, e ainda como atualizar os contratos de concessão que foram feitos entre as empresas de transporte e as três esferas de governo (municipal, estadual e federal).

“Pelas minhas contas, implementar isso em todo o País custaria cerca de R$90 bilhões por ano. Isso levaria em conta o custo atual (R$90 bilhões), o quanto teria de ser investido para suprir o aumento de demanda (R$20 bilhões), descontado o que já é subsidiado atualmente (R$20 bilhões)”, afirmou.
Principalmente nas grandes regiões metropolitanas a implementação desse modelo enfrentaria dificuldades, segundo Bicalho. (..)

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Sou simpático à Tarifa Zero desde quando ela emergiu, em junho de 2013, como reivindicação da juventude estudantil paulistana.

Mas só me tornei adepto convicto depois de deduzir, de meus estudos sobre a organização espacial urbana, que a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica das cidades da época capitalista é, desde o seu nascedouro na Europa de meados do século XIX, uma espécie de máquina de economia sócio-espacial a serviço, para bem e para mal, do crescimento econômico e da acumulação  do capital - digamos, o plano urbanístico da 'mão invisível do mercado'.

Decorre daí que a mobilização
da força de trabalho e das famílias consumidoras, tanto mais cara quanto maiores e mais 'produtivas' as metrópoles, é matéria econômica de interesse da sociedade como um todo, vale dizer das famílias e dos negócios em geral. 

Cabe, portanto, que seus custos sejam proporcionalmente rateados entre as partes segundo os seus rendimentos - não sem antes exigir aos proprietários das terras urbanas, cujas rendas provêm, como um imposto privado, do direito à exploração das vantagens econômicas objetivas e subjetivas das localizações relativas das benfeitorias, que paguem a maior parte da despesa. Assim recomendaria Henry George, patrono da recuperação de mais-valias fundiárias urbanas. 
 
Dado, porém, que nada disso é simples de pôr em prática, seja devido à arraigada crença setecentista de que a sociedade é uma soma de indivíduos, seja porque, como escrevi em outro lugar, “as possíveis rubricas, ou fontes de recursos - impostos municipais, impostos estaduais, transferências federais, publicidade etc, - afetam desigualmente os distintos segmentos da população e da própria administração pública, gerando inevitáveis disputas”, eu recomendaria ao governo federal que adotasse uma política incrementalista: incentivar a implantação da Tarifa Zero em cidades de tamanho e complexidade crescentes, tanto para construir uma sólida rede de apoio quanto para produzir conhecimento sobre seus efeitos sócio-econômicos, problemas e soluções.

Não seriam, por falar nisso, o desenho e o cálculo das alternativas econômicas de cobertura da Tarifa Zero nas grandes metrópoles uma aplicação para lá de relevante dos recursos da Computação Quântica?
 
2025-11-09

PS: Tarifa Zero não é SUS, mas pode e deve aprender com ele.

domingo, 9 de novembro de 2025

Fábula civilizacional

Exame 02-11-2025, por tamires Vitorio
https://exame.com/mercado-imobiliario/luxo-em-ruinas-arranha-ceu-dos-bilionarios-pode-desabar-em-nova-york/
O quinto prédio mais alto de Nova York, o 432 Park Avenue, está localizado na prestigiada Billionaires’ Row — o “caminho dos bilionários” de Manhattan —, mas isso não o impediu de se tornar um pesadelo da engenharia. A torre, erguida com concreto branco em estilo minimalista em dezembro 2015, foi vendida como "o ápice da sofisticação arquitetônica", com unidades que ultrapassaram os US$ 80 milhões e moradores ilustres como Jennifer Lopez, Alex Rodriguez e o bilionário saudita Fawaz Alhokair. Mas, quase uma década depois de sua inauguração, o prédio de 432 metros de altura enfrenta uma série de falhas estruturais que podem, segundo engenheiros ouvidos pelo The New York Times, torná-lo inabitável. E representar risco para os pedestres. (..)

As autoridades de Nova York afirmam que o prédio não apresenta risco iminente de colapso. (..)

2025-11-09

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Urbanização capitalista no Brasil 1870-1930 - o nascimento das metrópoles: preâmbulo

Do estudo da formação da estrutura espacial urbana de Porto Alegre, publicado em À beira do urbanismo sob o título “Porto Alegre cidade radiocêntrica 2”, [1] deduzi que o ‘centro urbano’ é um objeto de existência relativamente recente, produto de transformações datadas, no Brasil - como também propõe Abreu [2] - do período compreendido entre os anos 1870 e 1930.

Até então, nas regiões urbanas que hoje chamamos ‘Centro’ existiam no Brasil as ‘cidades’ mercantis-escravistas, ditas ‘metrópoles’ quando se tratava de uma sede político-administrativa, espacialmente organizadas, porém, segundo a dinâmica e as necessidades de uma monarquia absolutista enriquecida pelo comércio de longa distância e, logo, pela monocultura colonial escravista e pela extração aurífera; cidades portuárias originalmente instaladas em sítios de acessibilidade restrita por motivos de proteção e defesa, que só muito mais tarde iriam transitar para uma nova espacialidade baseada na compra-venda generalizada - portanto na circulação livre e desimpedida - de mercadorias, serviços e força de trabalho.

A hipótese de ser o que hoje chamamos de ‘centro urbano’ um fenômeno sócio-histórico relacionado e concomitante, ainda que de maneira desigual, à expansão capitalista global no transcurso do século XIX, deu origem a duas linhas de investigação estreitamente relacionadas, cujos progressos, limitados e incertos como é de se imaginar fora do ambiente acadêmico, vêm sendo paulatinamente registrados neste blog.

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A primeira linha, de cunho teórico e epistemológico e objeto de uma página própria neste mesmo blog, leva o título autoexplicativo “A revolução da centralidade - por uma teoria histórico-estrutural da espacialidade urbana capitalista”. Nela eu postulo que a cidade capitalista não é a mera ‘continuação modernizada’ da cidade feudal e de sua forma transitória, a cidade mercantilista. É um tipo radicalmente distinto de cidade, que descrevo como um torvelinho de efeitos de aglomeração gerados, antes de tudo, pela necessidade imperiosa, característica da formação social capitalista, de redução da distância-custo entre as principais categorias de agentes envolvidos na compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho: as famílias para aumentar as chances de emprego e maximizar o poder de consumo dos rendimentos do trabalho, as firmas para baratear o custo da mão de obra e maximizar as vendas, portanto os lucros dos negócios. 

Dentre todos os efeitos de aglomeração gerados, no transcurso do tempo, pela busca incessante da redução das distâncias entre os agentes da cidade-mercado, o mais generalizado e historicamente estável, e por isso mais importante, é a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica e desigual da urbanização - muitas vezes referida como 'modelo centro-periferia' -, que pode ser dita a lei fundamental da organização espacial urbana capitalista. Manifestação espacial historicamente mais desenvolvida da dinâmica expansiva do próprio capital, o crescimento simultaneamente 'central' e 'axial' [3] da metrópole capitalista opera - independentemente de qualquer plano e da vontade dos indivíduos que o criaram e reproduzem no seu dia-a-dia [4] - como uma espécie de 'máquina de economia socioespacial a seu serviço'.

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A segunda linha de investigação, intitulada “Urbanização capitalista no Brasil 1870-1930 - o nascimento das metrópoles”, tem o caráter de estudo de caso - mais exatamente seis casos brasileiros - destinado a pôr à prova a validade geral da conclusão sacada do estudo de Porto Alegre no âmbito nacional. Ainda que também uma homenagem ao precocemente falecido mestre, a escolha das mesmas seis metrópoles brasileiras estudadas por Flávio Villaça em sua obra magna Espaço Intra-urbano no Brasil, de 1998, tem um caráter assumidamente prático: o livro de Villaça contém a mais ampla, bem documentada e competentemente desenvolvida investigação urbanística e geográfica até hoje produzida sobre as metrópoles brasileiras.

A página do blog que traz esse título reúne postagens que abordam o surgimento em nosso país de um tipo de cidade radicalmente distinto de todas as que haviam existido até então: a metrópole capitalista.

É somente com a cristalização, no Brasil imperial da segunda metade do século XIX, das relações capitalistas de produção vigentes na Europa e Estados Unidos desde fins do século XVIII, que nossas cidades começam a passar da condição de entrepostos de exportação da agricultura escravista e importação de bens de consumo da aristocracia governante e seus agentes para a de mercado generalizado de bens, serviços e força de trabalho à margem do qual a imensa maioria de seus habitantes, apartados da posse da terra rural, não teria como subsistir.

Contudo, a transição da urbanização feudal-mercantilista para a urbanização de mercado é - ouso dizer - um aspecto tão importante quanto pouco estudado dessa revolução.

O fato das metrópoles capitalistas terem surgido, aqui e na maior parte do mundo, como ‘desenvolvimento’, ou ‘modernização’, de cidades pré-existentes não invalida a hipótese de que estejamos lidando com um objeto qualitativamente distinto: o amadurecimento das relações de produção capitalistas foi um furacão civilizacional que tudo subordinou à sua dinâmica e suas necessidades. Dadas as circunstâncias adequadas à acumulação do capital, onde já havia cidades ele as revolucionou; onde não havia, ele as criou. 

Consideremos, a título de exemplo, uma comparação. Embora o bonde de tração elétrica tenha chegado a Salvador, pela mão do capital estrangeiro, apenas três anos antes de São Paulo (1897 e 1900, respectivamente), a sede do Governo-Geral do Brasil colonial de 1549 a 1763 era, em 1959, na visão de Santos, “a metrópole de uma economia agrícola comercial antiga que ainda hoje subsiste; (..) embora penetrada pelas novas formas de vida, devidas à sua participação aos modos de vida do mundo industrial, [Salvador] mostra, ainda, na paisagem, [muito mais claramente do que as capitais do Sudeste] aspectos materiais de outros períodos” [5]. São Paulo, por seu turno, um “núcleo provinciano de segunda categoria antes de 1870” [6] e uma “cidade insignificante até fins do século XIX” [7], já nos anos 1930-40 era referida em relatos de visitantes estrangeiros como a Chicago brasileira / sul-americana / tropical por conta de suas fábricas, arranha-céus, anúncios luminosos, ruas e calçadas congestionadas, residências suburbanas luxuosas e um enorme contingente de imigrantes europeus e asiáticos. [8]

A despeito de suas notáveis diferenças internas - de estatuto político-administrativo, de base econômica e de ritmo de crescimento - é significativo que as seis maiores cidades brasileiras do Segundo Império e Primeira República tenham iniciado a operação de seus sistemas de bondes urbanos de tração elétrica não muito depois de suas congêneres europeias, mais exatamente entre 1892 e 1914 [9], não por acaso o terço médio do período descrito por Abreu como aquele "em que os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras”.

A metamorfose das urbes mercantis-escravistas brasileiras em metrópoles capitalistas - tão rápida à escala do tempo histórico quanto radical à vista de suas próprias tradições - pode ser dita completa, no sentido de pronta para novos ciclos de transformações quantitativas, quando as cidades-capitais da Colônia e Primeiro Império se convertem em Centros das novas metrópoles radiadas da República Velha. Como dito no já citado estudo sobre Porto Alegre:

É a indústria da urbanização, ou urbanização de mercado, que dá conteúdo e forma à urbe radiocêntrica. É ela que converte as chácaras semi-rurais em bairros residenciais, os antigos caminhos rurais em vetores radiais de expansão, os aldeamentos satélites estrategicamente situados em embriões de futuros subcentros e, finalmente, a própria “cidade” em “centro”! - uma mudança geográfica radical e meteórica na escala temporal da modernidade urbana, portadora de uma percepção coletiva do espaço inteiramente renovada ainda que pouco acessível aos hábitos mentais das antigas gerações: sua transposição para a linguagem corrente levaria ainda algumas décadas para se completar. [10]

Daí em diante nossas grandes cidades passam a ser, nas palavras de Herce Vallejo, "produtos em si mesmas", complexos de mercadorias imobiliárias e serviços urbanos cuja construção e operação tornaram-se um campo de negócios de vital importância para o desenvolvimento econômico do país e a multiplicação dos capitais aqui investidos. [11]

2025-11-05

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NOTAS

[1] "Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)". À beira do urbanismo (blog), 21-05-2020, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html

[2] ABREU M, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62

[3] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903.
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up

[4] “(..) a história faz-se de tal modo que o resultado final provém sempre de conflitos de muitas vontades individuais, em que cada uma delas, por sua vez, é feita aquilo que é por um conjunto de condições de vida particulares; (..) o resultado pode (..) ser encarado como o produto de um poder que, como um todo, actua sem consciência e sem vontade”. ENGELS F, “Carta a Josepf Bloch” 21.09.1890.
https://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22-1.htm

[5] SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, p. 199
https://pt.scribd.com/doc/83594926/O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador

[6] CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade – urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 2002

[7] PRADO JR C (1953), A cidade de São Paulo - Geografia e História. São Paulo: Editora Brasiliense 2012, p. 76

[8] PETRONE P (1955), “A cidade de São Paulo no século XX: São Paulo transforma-se em metrópole industrial”. Revista de História v. 6, n. 21/22 jan-jun 1955, pp. 127-170

[9] Rio de Janeiro 1892, Salvador 1897, São Paulo 1900, Belo Horizonte 1902, Porto Alegre 1908, Recife 1914

[10] "Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)". À beira do urbanismo (blog), 21-05-2020, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html

[11] HERCE VALLEJO M, "Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista". Café de las Ciudades Abril 2021.
https://cafedelasciudades.com.ar/sitio/contenidos/ver/459/las-infraestructuras-en-la-construccion-de-la-ciudad-capitalista.html

domingo, 2 de novembro de 2025

Quem souber me corrija, por favor!

Metrópoles 22-10-2025, por Jessica Bernardo
https://www.metropoles.com/sao-paulo/maioria-dos-imoveis-his-financiados-por-bancos-foi-para-investidores

Clique na imagem para ampliar

Significa que o município de São Paulo está subsidiando renda do solo para os investidores imobiliários e - acreditem - para o AirBnb. 

Eu me pergunto um vez mais se o mesmo não estaria acontecendo com os imóveis financiados pelo Minha Casa Minha Vida no Porto Maravilha, Rio de Janeiro.  Ainda não consegui apurar se a Caixa Econômica Federal faz esse controle. 

Dado que a pesada aposta do governo federal no financiamento habitacional tem, obviamente, como um de seus mais importantes objetivos, os efeitos multiplicadores desse mercado na economia como um todo, não me espantaria que a CEF fizesse vista grossa para essa mesma distorção verificada em São Paulo, que já vem dando o que falar há algum tempo. 

Espero estar equivocado. Se estiver, terei prazer em admiti-lo.

2025-11-02

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Andando em círculos

Jornal da USP 14-10-2025
https://jornal.usp.br/diversidade/pesquisa-destaca-o-papel-do-estado-na-precarizacao-da-vida-urbana-do-extremo-da-zona-leste-de-sao-paulo/

“Uma pesquisa de mestrado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra como o governo pode atuar na precarização da vida urbana. O estudo intitulado Assalto à mão letrada: o papel do planejamento urbano na produção e reprodução da periferia no extremo leste da cidade de São Paulo, demonstra como a consolidação das periferias resulta de uma “ausência pensada” do Estado, que fez disso uma escolha de planejamento urbano para a região. O estudo contradiz uma pesquisa do Datafolha, de 2016, que apontou que 70% dos paulistanos acreditavam que as periferias deveriam receber mais investimentos públicos, indicando possível omissão governamental nessas áreas.

Segundo Jhonny Bezerra Torres, autor da pesquisa, a exclusão socioespacial de bairros na zona leste ocorre, principalmente, por meio da articulação entre transporte de massa e investimentos em habitação de interesse social em locais distantes da cidade formal, como é o caso dos conjuntos habitacionais criados em Itaquera. Um exemplo foi a criação do Expresso Leste, conhecido como Linha 11-Coral da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a construção de moradias sociais na região pela Companhia de Habitação Popular (Cohab). “A integração entre moradia e transporte distante do centro, longe de solucionar a questão habitacional na cidade, aprofundou a segregação socioespacial ao reforçar a lógica de marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade e, assim, de equipamentos urbanos”, ressalta o pesquisador. (..)”


*

Tenho para mim que estamos andando em círculos na questão da segregação socioespacial urbana, agora com uma leva de trabalhos [1] baseados, ao que parece, na tese pikettiana de que a desigualdade social é uma escolha ideológica e política, transposta para o espaço urbano por Raquel Rolnik em seu livro São Paulo: O Planejamento da Desigualdade. Ali é dito: 

“(..) por meio de leis que definem um modo de construir que corresponde clara e exclusivamente a um segmento social, garantiu-se ao longo da história da cidade que os espaços com melhor qualidade urbanística fossem destinados a esses grupos, apesar da imensa pressão representada permanentemente pelo crescimento populacional das massas imigrantes. Nesse episódio se esboça o fundamento de uma geografia social da cidade, da qual até hoje não se conseguiu escapar. (..)” [2] [destaques PJ]

Numa entrevista sobre o livro concedida ao CBN Estudio 
em 24-01-2022, a autora 

“(..) explica que vários fatores determinantes para os paulistanos, como a a divisão entre centro e periferias, não surgiram espontaneamente, mas foram resultado de decisões de política urbana". [3]

Meu entendimento é outro. Não foi absolutamente por meio de leis, mas de 
ofertas de renda pelo direito à ocupação e uso da terra - o mecanismo econômico social e juridicamente aceito em todo o mundo, para bem e para mal, como árbitro da competição espacial urbana - que se garantiu “ao longo da história que os espaços com melhor qualidade urbanística fossem destinados” aos segmentos sociais mais afluentes. É a competição espacial capitalista arbitrada pela renda do solo, não a legislação urbanística, o “fundamento da geografia social da cidade”, determinante da “divisão entre centro e periferias”. A propósito, nunca é demais lembrar a formulação apresentada em 1903 por Richard M. Hurd, pioneiro da área do conhecimento geográfico e urbanístico que quase um século depois Flávio Villaça chamou, muito apropriadamente, de “espaço intra-urbano”[4]:

Em geral, a base da distribuição de todos os usos comerciais é puramente econômica: a terra é arrematada pela maior oferta e o ofertante aquele que pode obter dela o maior ganho. Observe-se que quanto melhor a localização, maior a quantidade de usos que ela pode ter, consequentemente maior a quantidade de ofertantes. A base do valor da terra de uso residencial, por sua vez, é social, não econômica – ainda que também arrematada pela maior oferta: os ricos escolhem as localizações que mais lhes agradam, os de rendimentos médios procuram estar o mais perto deles que consigam, e assim por diante na escala de riqueza, ficando os trabalhadores mais pobres nas piores localizações, como as adjacências de fábricas, ferrovias, docas etc., ou longe da cidade. [5]

Exigir leis urbanísticas destinadas a mitigar e compensar os efeitos negativos da urbanização de mercado é indispensável; esperar que elas anulem, ou revertam, os efeitos da urbanização de mercado sobre a geografia social das cidades me parece um despropósito.

Não por acaso, o autor da tese objeto desta postagem relativiza os efeitos da “ausência pensada” do Estado dizendo que ela consolida as periferias e que “a integração entre moradia e transporte distante do centro, longe de solucionar a questão habitacional na cidade, aprofundou a segregação socioespacial ao reforçar a lógica de marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade e, assim, de equipamentos urbanos”. [destaques PJ]

Ora, se a “ausência pensada do Estado” consolida as periferias e “reforça a lógica da marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade”, é porque tanto as periferias quanto a lógica que governa a sua formação preexistem à presença do Estado planejador, e independem dele.

As perguntas inevitáveis são: como se formaram as periferias urbanas que o Estado contemporâneo trata de “consolidar” com sua “ausência pensada”? Em que consiste a “lógica da marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade”?

Considerando que o paradigma da organização espacial urbana é, desde a década de 1960, o modelo alonso-thuneniano da distribuição dos usos e densidades ao redor do centro urbano com base na oferta de renda pela terra-localização, portanto uma estrutura centro-periférica com base na desigualdade de poder preemptivo da ocupação e uso do solo, seria de bom alvitre que essa vertente acadêmica se propusesse a demonstrar que o modelo de Alonso está equivocado ou, alternativamente, de que maneira os responsáveis pelo planejamento urbano poderiam anular, ou reverter, os efeitos da "lógica" da economia de mercado numa sociedade baseada... na economia de mercado.

2025-10-29

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NOTAS

[1] Ver também ALMEIDA R C, MOREIRA M e GRANDI M, “Favelas e Estado: por que a informalidade urbana é parte do planejamento de muitas cidades, e não uma falha”. The Conversation 08-10-2025
https://theconversation.com/favelas-e-estado-por-que-a-informalidade-urbana-e-parte-do-planejamento-de-muitas-cidades-e-nao-uma-falha-265339

[2] CBN Estudio 24-01-2022, entrevista com Raquel Rolnik

[3] ROLNIK Raquel, São Paulo: o planejamento da desigualdade. Fósforo. Edição do Kindle, p. 29.

[4] VILLAÇA Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil, FAPESP São Paulo 2001

[5] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, pp.77-8. Trad. PJ

domingo, 26 de outubro de 2025

Data venia

Veja Negócios 13-10-2025, por Camila Pati
https://veja.abril.com.br/economia/os-5-bairros-com-aluguel-mais-caro-na-cidade-de-sao-paulo/

“(..) Mudança no conceito de moradia

O estudo mostra que os apartamentos de um dormitório tem preço de aluguel 40% maior por metro quadrado do que imóveis maiores. O preço do metro quadrado dos apartamentos de apenas um dormitório ultrapassou, pela pela primeira vez, os 85 reais em São Paulo. Imóveis de dois e três dormitórios tem preço médio de 60 reais por metro quadrado.  


Segundo  Thiago Reis,  gerente de comunicação do QuintoAndar, a diferença de preço revela a transformação no conceito de moradia na cidade de São Paulo.  “Para muitos, um espaço menor, mas bem localizado, vale muito mais do que um apartamento maior e mais afastado. A demanda do paulistano por imóveis compactos e funcionais tem elevado de forma consistente o preço, especialmente em regiões próximas a polos de emprego e com acesso facilitado ao transporte”, afirma. (..)”

*

Com todo respeito, não creio tratar-se, aqui, da “transformação do conceito de moradia em São Paulo”. 

Já faz pelo menos um século e meio que, para significativos contingentes das populações urbanas de todo o mundo e por motivos de economia doméstica, “um espaço menor, mas localizado em regiões próximas a polos de emprego e com acesso facilitado ao transporte, vale muito mais do que um apartamento maior e mais afastado”. 

A propósito, nunca é demais lembrar a célebre passagem de Mumford:

(..) Lo que las compañías navieras descubrieron en el siglo xix, con su explotación de los pasajeros de proa, ya lo habían descubierto mucho antes los propietarios de terrenos: las ganancias máximas no se obtenían facilitando comodidades de primera clase para los que podían pagarlas a buen precio, sino hacinando en tugurios a aquellos cuyos peniques eran más escasos que las libras para un rico. (..)” MUMFORD Lewis [1961], La Ciudad em la Historia. Logroño: Pepitas de Calabaza Ed 2012, p. 695

A regra geral é: quanto menor a unidade, maior é a proporção do aluguel / preço derivada do direito ao solo-localização, que, salvo situações excepcionais, tem, ao contrário da benfeitoria, a prodigiosa capacidade de valorizar-se com a passagem do tempo, e tanto mais quanto maior e mais rica é a metrópole e mais privilegiada a localização.

O que muda é o poder que têm os incorporadores de compactar os apartamentos a limites inimagináveis para as gerações anteriores, resultante de dois aspectos principais, compostos de maneira distinta segundo o nível do rendimento familiar: a diminuição significativa do tamanho da própria família e o desenvolvimento das tecnologias aplicadas a todo tipo de equipamentos de uso doméstico. [*]

2025-10-26

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[*] A propósito, sugiro a leitura, neste mesmo blog, da postagem “O traseiro da TV e o lucro imobiliário”, de 07-06-2011.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/06/o-traseiro-da-teletela-e-o-lucro_07.html

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Financeirização da moradia: Lado B

O Globo 21-10-2025
https://oglobo.globo.com/ela/noticia/2025/10/21/a-estrategia-dos-ricos-entenda-o-segredo-por-tras-das-mansoes-financiadas-dos-bilionarios.ghtml

Comprar uma mansão à vista já não é mais sinônimo de poder absoluto. Atualmente, a verdadeira demonstração de inteligência financeira está justamente na estratégia contrária: financiar o imóvel, mesmo quando se tem dinheiro suficiente para quitá-lo integralmente. Essa abordagem, conhecida como "good debt" ou "dívida inteligente", parte do princípio de que, se o retorno do capital investido supera o custo dos juros do financiamento, é mais vantajoso deixar o dinheiro aplicado e fazer com que ele renda, em vez de imobilizá-lo em um único bem.
Essa prática ganhou força entre celebridades e executivos de altíssimo patrimônio, que passaram a enxergar o crédito como uma ferramenta estratégica. Jay-Z e Beyoncé, por exemplo, financiaram uma mansão avaliada em mais de 200 milhões de dólares em Malibu, mesmo com patrimônio bilionário. Mark Zuckerberg também escolheu recorrer a uma hipoteca ao adquirir sua residência em Palo Alto, e nomes como Kylie Jenner e Taylor Swift seguiram o mesmo caminho.

O fenômeno se intensificou após a crise financeira de 2008, quando as taxas de juros despencaram, tornando o crédito vantajoso até para os mais ricos. Desde então, o dinheiro barato passou a ser utilizado como instrumento para proteger e ampliar o patrimônio. (..)


2025-10-21

domingo, 12 de outubro de 2025

Socialismo engarrafado

O Dia 10-10-2025, por Fernando Moreira
https://extra.globo.com/blogs/page-not-found/post/2025/10/megaengarrafamento-reune-dez-milhoes-de-carros-apos-feriadao-na-china.ghtml

Megaengarrafamento reúne dez milhões de carros após feriadão na China

A rodovia expressa de Hushan, com pedágio de 36 cabines, registrou um megaengarrafamento com 10 milhões de carros voltando para casa após o período festivo, conhecido como Semana Dourada do Dia Nacional. 

2025-10-12

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Tarifa Zero: A pergunta que não quer calar


Isto É Dinheiro / Deutsche Welle, 26-09-2025
https://istoedinheiro.com.br/quando-transporte-publico-sera-gratuito-em-todo-o-brasil

Passe livre: como financiar o transporte público gratuito em todo o Brasil?

Proposta avançou no país, fazendo do Brasil a nação no mundo com maior número de cidades com o benefício. Governo federal busca ampliar ideia em nível nacional, mas ainda há dúvidas sobre viabilidade

 

Em junho de 2013, quando manifestações pediam passe livre no transporte público brasileiro, a proposta foi pouco levada em conta.

Entretanto, com o passar dos anos, a gratuidade avançou no país de forma única no mundo, com o Brasil atingindo o posto de nação com maior número de cidades que não cobram pelo transporte. O movimento engloba pequenos e médios munícipios, e, agora, o governo federal busca ampliar a tarifa zero em nível nacional, enquanto o projeto enfrenta dúvidas sobre a viabilidade financeira em cidades maiores.

Atualmente, 136 munícipios brasileiros contam com transporte público gratuito todos os dias do ano, atendendo a mais de 8 milhões de pessoas. Cerca de 60% daquelas cidades que contam com a tarifa zero diária têm menos de 50 mil habitantes. Já as maiores, como São Paulo e Brasília, adotam a medida em domingos e feriados.

Segundo o último levantamento disponível sobre tarifa zero universal, o Brasil é o país com mais cidades oferecendo a gratuidade, seguido pelos Estados Unidos, com 69 cidades, Polônia, com 64, e França, com 43 municípios.

Em 2014, Maricá, no estado do Rio de Janeiro, que conta com cerca de 200 mil habitantes, foi pioneira entre as cidades de maior porte a adotar a ideia. O munícipio criou uma companhia pública para gerir o serviço, o que é raro no país, e passou a oferecer o serviço pela Empresa Pública de Transportes (EPT).

A medida chamou a atenção na época, mas uma característica única da cidade deixava clara a dificuldade de replicar a ideia no restante do país: o munícipio é o que mais recebe royalties de petróleo no Brasil. Com o oitavo maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, o orçamento municipal comportou espaço para medidas que outros com menor arrecadação teriam dificuldade de reproduzir.

Período da pandemia foi momento-chave

Na pandemia, em um cenário de forte queda na demanda pelo transporte público, acompanhado por um aumento dos custos, especialmente dos combustíveis, a defasagem abriu espaço para “uma visão diferente”, aponta o diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam. De acordo com estudo da NTU, 73% das iniciativas de tarifa zero no país vieram após o período.

O urbanista Roberto Andrés, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda que este momento foi chave para a mudança sobre a visão das operações do transporte no país. Entre subsidiar até metade dos custos do serviço e ainda seguir com uma tarifa alta ou zerar o preço das passagens, a ideia de gratuidade foi reforçada.

Mas os desafios são diferentes de acordo com a logística de cada lugar. Em municípios menores, o gasto com a operação de transporte tende a corresponder a uma fatia bem inferior do orçamento municipal do que nas cidades maiores, onde o sistema é mais complexo. No caso de São Paulo, a estimativa de gasto real por passageiro é de R$ 11,86, que hoje são subsidiados pela prefeitura, chegando à cobrança de R$ 5 por tarifa.

‘Desigualdade marcada pelo transporte’

Diferente de lugares como Luxemburgo, país que adotou nacionalmente a tarifa zero em 2020, e Tallin, capital da Estônia que se destacou pela medida, há um componente de justiça social mais forte no caso brasileiro, aponta Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas. Pesquisador do tema em diversos países, ele lembra que a “desigualdade no Brasil é marcada pelo transporte”.

Em outras regiões, especialmente na Europa, a tarifa livre foi defendida mais como uma forma de reduzir o uso do carro, com benefícios para a mobilidade e o meio ambiente.

Kębłowski observa que as questões também são importantes no Brasil, mas avalia que o impacto na renda e na qualidade de vida de pessoas que optavam por fazer trajetos de formas alternativas para economizar são as grandes vantagens de medida no país. “É algo mais importante pelo aspecto social e econômico que propriamente pelo ecológico”, aponta.

A maior cidade a zerar a tarifa até o momento é Caucaia, com cerca de 380 mil habitantes no Ceará, onde a frequência nos transportes aumentou em quatro vezes após a medida, reforçando que “havia demanda reprimida” pelos serviços, destaca Christovam. Na cidade, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) local apontou avanço de 30% nas vendas do comércio.

Com a maior circulação, há ampliação de atividades em diversos estabelecimentos. Além disso, o dinheiro economizado das passagens acaba sendo reinvestindo na economia local. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o transporte é o segundo maior gasto das famílias do país, atrás da alimentação. Em abril de 2025, os brasileiros gastaram 20,7% de sua renda com transporte.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) comparou 57 cidades com tarifa zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. Nas cidades em que foi aplicada a gratuidade, houve aumento de 3,2% de empregos e crescimento de 7,5% no número de empresas.

Como financiar?

Recentemente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou estudos sobre a viabilidade de replicar a medida nacionalmente. Na visão do deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), a medida “saiu do plano de um sonho impossível e passou a ser um plano concreto”. Um dos principais líderes da proposta na Câmara dos Deputados, ele afirma que a questão vem sendo avaliada, mas que o tema “deixou de ser um discurso de rua”.

Há ampla discussão sobre maneiras de financiar o projeto, mas muitas delas com difíceis repercussões políticas. “Estamos na elaboração, e ainda não é possível cravar como será. Tenho feito reuniões e nos movimentamos. Eventualmente, pode haver reações. É como no caso do imposto de renda, todos concordam que deve se isentar até os R$ 5 mil, resta saber de onde tirar o dinheiro”, afirma Tatto.

Há propostas de criação de um fundo a partir da aplicação de pedágios urbanos e cobrança pelo uso do espaço público pelos carros, levando em conta o tamanho dos veículos e uso de estacionamento. Com oneração direta ao contribuinte, as alternativas são vistas com ceticismo, ainda que contem com defesa teórica em razão de alguns impactos negativos causados pelo uso de automóveis.

Outra ideia é a de que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) dos combustíveis poderia se destinar a custear a operação. Por sua vez, a medida eventualmente aumentaria o preço final ao consumidor, dificultando que ela venha a ser bem aceita. Neste cenário, avança a visão de que o governo federal deverá contribuir em algum fundo para financiar as medidas.

Uma proposta que vem se destacando, e é a base para projetos de algumas cidades de maior porte é a de que empresários contribuam com parte do custeio da operação. Neste cenário, em discussão em Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis e Juiz de Fora, empresas com mais de dez funcionários fariam um aporte mensal por cada trabalhador, visando substituir os encargos atuais que as companhias fazem com o vale transporte.

Segundo Andrés, a medida em princípio gerou questionamentos dos empresários, mas vem sendo atualmente mais bem aceita após o aprofundamento das discussões. “Especialmente os comerciantes veem a proposta como positiva”, afirma. A ideia é inspirada na França, onde o setor empresarial contribui historicamente para a mobilidade urbana.

De acordo com o especialista, o modelo atual do pagamento do vale transporte apresenta uma série de problemas, e a medida ajudaria neste sentido. Um exemplo é o caso dos trabalhadores em regime de pessoa jurídica, que muitas vezes não têm o benefício e usam fundos próprios para ir trabalhar.

Na avaliação de Roberto Andrés, a prioridade em Brasília atualmente deveria ser a aprovação de um Marco Legal que tramita na Câmara dos Deputados sobre o tema. “Facilitaria e daria segurança jurídica aos munícipios seguirem com suas propostas”, avalia. Em Vargem Grande Paulista, que buscou um modelo de financiamento semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a medida inconstitucional.

De toda forma, a Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas vê o Brasil hoje como “uma grande exceção, saindo de uma fase de experimento para uma política estabelecida, incluindo uma diversidade entre regiões e riquezas das cidades” que aplicaram a medida. “O avanço no Brasil pode inspirar outras partes do mundo”, conclui.


2025-10-