quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Tarifa Zero: cautela, caldo de galinha... e CQ!

Estadão 27-10-2025, por Alvaro Gribel e Mariana Carneiro
https://www.estadao.com.br/.../tarifa-zero-em-todo-o.../

Tarifa zero para ônibus em todo o País custaria de R$ 90 bi a R$ 200 bi por ano, alertam entidades

“Entidades ligadas ao setor de transportes e às prefeituras afirmam que ainda é impossível calcular com exatidão o custo de implementação da tarifa de ônibus zero em todo o País. Os números variam de R$90 bilhões por ano, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a R$200 bilhões, segundo a estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). (..)

São inúmeras as dificuldades para o cálculo. Primeiro, o País tem mais de 5.500 municípios, e eles são responsáveis pelo transporte urbano, que é totalmente descentralizado. O governo federal não tem números agregados. Segundo, um projeto de tarifa zero nacional teria de englobar também o transporte sobre trilhos, que é usado nas grandes regiões metropolitanas e não poderia ser ignorado, sob pena de ter seu modelo de negócios colocado em risco.

Segundo o diretor de gestão da NTU, Marcos Bicalho dos Santos, um programa nacional enfrentaria dificuldades em pelo menos três dimensões: fiscal, operacional e regulatória. Ou seja, seria preciso saber quanto vai custar e como financiar, como evitar que o modelo entre em colapso com o aumento esperado da demanda, e ainda como atualizar os contratos de concessão que foram feitos entre as empresas de transporte e as três esferas de governo (municipal, estadual e federal).

“Pelas minhas contas, implementar isso em todo o País custaria cerca de R$90 bilhões por ano. Isso levaria em conta o custo atual (R$90 bilhões), o quanto teria de ser investido para suprir o aumento de demanda (R$20 bilhões), descontado o que já é subsidiado atualmente (R$20 bilhões)”, afirmou.
Principalmente nas grandes regiões metropolitanas a implementação desse modelo enfrentaria dificuldades, segundo Bicalho. (..)

*
Sou simpático à Tarifa Zero desde quando ela emergiu, em junho de 2013, como reivindicação da juventude estudantil paulistana.

Mas só me tornei adepto convicto depois de deduzir, de meus estudos sobre a organização espacial urbana, que a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica das cidades da época capitalista é, desde o seu nascedouro na Europa de meados do século XIX, uma espécie de máquina de economia sócio-espacial a serviço, para bem e para mal, do crescimento econômico e da acumulação  do capital - digamos, o plano urbanístico da 'mão invisível do mercado'.

Decorre daí que a mobilização
da força de trabalho e das famílias consumidoras, tanto mais cara quanto maiores e mais 'produtivas' as metrópoles, é matéria econômica de interesse da sociedade como um todo, vale dizer das famílias e dos negócios em geral. 

Cabe, portanto, que seus custos sejam proporcionalmente rateados entre as partes segundo os seus rendimentos - não sem antes exigir aos proprietários das terras urbanas, cujas rendas provêm, como um imposto privado, do direito à exploração das vantagens econômicas objetivas e subjetivas das localizações relativas das benfeitorias, que paguem a maior parte da despesa. Assim recomendaria Henry George, patrono da recuperação de mais-valias fundiárias urbanas. 
 
Dado, porém, que nada disso é simples de pôr em prática, seja devido à arraigada crença setecentista de que a sociedade é uma soma de indivíduos, seja porque, como escrevi em outro lugar, “as possíveis rubricas, ou fontes de recursos - impostos municipais, impostos estaduais, transferências federais, publicidade etc, - afetam desigualmente os distintos segmentos da população e da própria administração pública, gerando inevitáveis disputas”, eu recomendaria ao governo federal que adotasse uma política incrementalista: incentivar a implantação da Tarifa Zero em cidades de tamanho e complexidade crescentes, tanto para construir uma sólida rede de apoio quanto para produzir conhecimento sobre seus efeitos sócio-econômicos, problemas e soluções.

Não seriam, por falar nisso, o desenho e o cálculo das alternativas econômicas de cobertura da Tarifa Zero nas grandes metrópoles uma aplicação para lá de relevante dos recursos da Computação Quântica?
 
2025-11-09

PS: Tarifa Zero não é SUS, mas pode e deve aprender com ele.

domingo, 9 de novembro de 2025

Fábula civilizacional

Exame 02-11-2025, por tamires Vitorio
https://exame.com/mercado-imobiliario/luxo-em-ruinas-arranha-ceu-dos-bilionarios-pode-desabar-em-nova-york/
O quinto prédio mais alto de Nova York, o 432 Park Avenue, está localizado na prestigiada Billionaires’ Row — o “caminho dos bilionários” de Manhattan —, mas isso não o impediu de se tornar um pesadelo da engenharia. A torre, erguida com concreto branco em estilo minimalista em dezembro 2015, foi vendida como "o ápice da sofisticação arquitetônica", com unidades que ultrapassaram os US$ 80 milhões e moradores ilustres como Jennifer Lopez, Alex Rodriguez e o bilionário saudita Fawaz Alhokair. Mas, quase uma década depois de sua inauguração, o prédio de 432 metros de altura enfrenta uma série de falhas estruturais que podem, segundo engenheiros ouvidos pelo The New York Times, torná-lo inabitável. E representar risco para os pedestres. (..)

As autoridades de Nova York afirmam que o prédio não apresenta risco iminente de colapso. (..)

2025-11-09

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O nascimento das metrópoles: urbanização capitalista no Brasil 1870-1930 - notas introdutórias

Do estudo da formação da estrutura espacial urbana de Porto Alegre, publicado em À beira do urbanismo sob o título “Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)”, [1] deduzi que o ‘centro urbano’ é um objeto de existência relativamente recente, produto de transformações datadas, no Brasil - como também propõe Abreu [2] - do período compreendido entre os anos 1870 e 1930.

Até então, nas regiões urbanas que hoje chamamos ‘Centro’ existiam no Brasil as ‘cidades’ mercantil-escravistas, ditas ‘metrópoles’ quando se tratava de uma sede político-administrativa, espacialmente organizadas, porém, segundo a dinâmica e as necessidades de um reino feudal enriquecido pelo comércio de longa distância e, logo, pela monocultura colonial escravista e pela extração aurífera; cidades portuárias originalmente instaladas em sítios de acessibilidade restrita por motivos de proteção e defesa, que só muito mais tarde iriam transitar para uma nova espacialidade derivada da compra-venda generalizada - portanto da circulação livre e desimpedida - de mercadorias, serviços e força de trabalho.

A hipótese de que o que hoje chamamos de ‘centro urbano’ é um fenômeno sócio-histórico relacionado e concomitante, ainda que de maneira desigual, à expansão capitalista global no transcurso do século XIX, deu origem a duas linhas de investigação cujos progressos, limitados e incertos como é de se imaginar fora do ambiente acadêmico, vêm sendo paulatinamente registrados neste blog.

À primeira linha de investigação dei o título autoexplicativo “A revolução da centralidade - por uma teoria histórico-estrutural da espacialidade urbana capitalista”. Nela eu discuto 
de que maneira a compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho gerou um tipo de centralidade capaz de revolucionar as estruturas urbanas herdadas do passado feudal / mercantilista e, daí, as lacunas históricas e teóricas dos paradigmas científicos das espacialidade urbana 'moderna', quais sejam: (1) a síntese dos três modelos heurísticos de estrutura urbana proposta por Harris e Ullman 1945 (Círculos Concêntricos / Burgess 1925, Setores Radiais / Hoyt 1939 e Núcleos Múltiplos / Harris e Ullman 1945); (2) o modelo econômico-espacial neoclássico da distribuição dos usos e densidades do solo urbano segundo as ofertas de renda decrescentes com a distância ao Centro, por Alonso 1964; e (3) a diferenciação evolutiva das cidades conforme os 'estágios' históricos feudal, capitalista e pós-capitalista, proposta por J E Vance Jr em 1971.

A segunda linha de investigação, “O nascimento das metrópoles - urbanização capitalista no Brasil 1870-1930”, tem o caráter de estudo de caso - mais exatamente seis casos brasileiros - destinado a pôr à prova a validade geral da conclusão sacada do estudo de Porto Alegre no âmbito nacional. Ainda que também uma homenagem ao precocemente falecido mestre, a escolha das mesmas seis metrópoles brasileiras estudadas por Flávio Villaça em sua obra magna Espaço Intra-urbano no Brasil, de 1998, tem um caráter essencialmente prático: o livro de Villaça contém a mais ampla, bem documentada e competentemente desenvolvida investigação urbanística e geográfica até hoje produzida sobre as metrópoles brasileiras.

*

A página “Urbanização capitalista no Brasil 1870-1930 - o nascimento das metrópoles” aborda o surgimento, em nosso país, de um tipo de cidade radicalmente distinto de todas as que haviam existido até então: a metrópole capitalista.

O fato de tais metrópoles terem surgido como ‘desenvolvimento’, ou ‘modernização’, de cidades pré-existentes não o contradiz: o amadurecimento das relações de produção capitalistas foi um furacão civilizacional que tudo subordinou à sua dinâmica e suas necessidades.
Dadas as circunstâncias adequadas à acumulação do capital, onde já havia cidades ele as revolucionou; onde não havia, ele as criou. Contudo, a transição da urbanização feudal-mercantilista para a urbanização de mercado é - ouso dizer - um aspecto tão importante quanto pouco estudado dessa revolução.

Sugiro, à guisa de exemplo, uma comparação. Embora o bonde de tração elétrica tenha chegado a Salvador, pela mão do capital estrangeiro, três anos antes de São Paulo (1897 e 1900, respectivamente), a sede do Governo-Geral do Brasil colonial de 1549 a 1763 era, em 1959, na visão de Santos, “a metrópole de uma economia agrícola comercial antiga que ainda hoje subsiste; (..) embora penetrada pelas novas formas de vida, devidas à sua participação aos modos de vida do mundo industrial, [Salvador] mostra, ainda, na paisagem, [ao contrário das capitais do Sudeste] aspectos materiais de outros períodos” [3]. São Paulo, por seu turno, um “núcleo provinciano de segunda categoria antes de 1870” [4] e uma “cidade insignificante até fins do século XIX” [5], já nos anos 1930-40 era referida em relatos de visitantes estrangeiros como a Chicago brasileira / sul-americana / tropical por conta de suas fábricas, arranha-céus, anúncios luminosos, ruas e calçadas congestionadas, residências suburbanas luxuosas e um en
orme contingente de imigrantes europeus e asiáticos, além dos remanescentes e herdeiros dos trabalhadores escravizados de origem africana. [6]

A despeito, porém, de suas notáveis diferenças - de estatuto político-administrativo, de base econômica e de ritmo de crescimento - as seis maiores cidades brasileiras do Segundo Império e Primeira República tiveram a operação de seus sistemas de bondes urbanos de tração elétrica iniciada entre 1892 e 1914 
[7], não por acaso o terço médio do período descrito por Abreu como aquele "em que os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras”. 

A cidade capitalista não é, pois, a meu juízo, a mera ‘continuação modernizada’ da cidade feudal e de sua forma transitória, a cidade mercantilista. É um tip
o radicalmente distinto de cidade, que descrevo como um torvelinho de efeitos de aglomeração gerados, antes de mais nada, pela necessidade imperiosa de redução da distância-custo entre as principais categorias de agentes envolvidos na compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho, característica da formação social capitalista: as famílias para maximizar o poder de consumo dos rendimentos do trabalho, as firmas para baratear o custo da mão de obra e maximizar as vendas, portanto os lucros dos negócios.

De todos os efeitos de aglomeração gerados pela redução das distâncias entre os agentes da cidade-mercado, o mais generalizado e historicamente estável, e por isso mais importante, é a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica, necessariamente desigual, da urbanização, que pode ser dita a lei fundamental da organização espacial urbana capitalista. A metrópole capitalista é a manifestação espacial historicamente mais desenvolvida da dinâmica expansiva do próprio capital; um dispositivo de economia socioespacial a seu serviço.

É somente com a cristalização, no Brasil imperial da segunda metade do século XIX, das relações capitalistas de produção vigentes na Europa e Estados Unidos desde fins do século XVIII, que nossas cidades começam a passar da condição de entrepostos de exportação da agricultura escravista e importação de bens de consumo da aristocracia governante e seus agentes para a de mercado generalizado de bens, serviços e força de trabalho à margem do qual a imensa maioria de seus habitantes, apartados da posse da terra rural, não teria como subsistir.

Essa metamorfose radical da urbe feudal-mercantilista - mercantil-escravista no caso brasileiro - só pode ser dita completa quando “a sua própria construção se converte em negócio”, vale dizer quando a urbanização em geral se torna “um produto em si mesma” [8]:

É a indústria da urbanização, ou urbanização de mercado, que dá conteúdo e forma à urbe radiocêntrica. É ela que converte as chácaras semi-rurais em bairros residenciais, os antigos caminhos rurais em vetores radiais de expansão, os aldeamentos satélites estrategicamente situados em embriões de futuros subcentros e, finalmente, a própria “cidade” em “centro”! - uma mudança geográfica radical e meteórica na escala temporal da modernidade urbana, portadora de uma percepção coletiva do espaço inteiramente renovada ainda que pouco acessível aos hábitos mentais das antigas gerações: sua transposição para a linguagem corrente levaria ainda algumas décadas para se completar. [9]

2025-11-05


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NOTAS

[1] "Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)". À beira do urbanismo (blog), 21-05-2020, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html

[2] ABREU M, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62

[3] SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, p. 199
https://pt.scribd.com/doc/83594926/O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador

[4] CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade – urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 2002

[5] PRADO JR C (1953), A cidade de São Paulo - Geografia e História. São Paulo: Editora Brasiliense 2012, p. 76

[6] PETRONE P (1955), “A cidade de São Paulo no século XX: São Paulo transforma-se em metrópole industrial”. Revista de História v. 6, n. 21/22 jan-jun 1955, pp. 127-170

[7] Rio de Janeiro 1892, Salvador 1897, São Paulo 1900, Belo Horizonte 1902, Porto Alegre 1908, Recife 1914

[8] HERCE VALLEJO Manuel, "Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista". Café de las Ciudades Abril 2021.
https://cafedelasciudades.com.ar/sitio/contenidos/ver/459/las-infraestructuras-en-la-construccion-de-la-ciudad-capitalista.html

[9] Idem Nota [1]

domingo, 2 de novembro de 2025

Quem souber me corrija, por favor!

Metrópoles 22-10-2025, por Jessica Bernardo
https://www.metropoles.com/sao-paulo/maioria-dos-imoveis-his-financiados-por-bancos-foi-para-investidores

Clique na imagem para ampliar

Significa que o município de São Paulo está subsidiando renda do solo para os investidores imobiliários e - acreditem - para o AirBnb. 

Eu me pergunto um vez mais se o mesmo não estaria acontecendo com os imóveis financiados pelo Minha Casa Minha Vida no Porto Maravilha, Rio de Janeiro.  Ainda não consegui apurar se a Caixa Econômica Federal faz esse controle. 

Dado que a pesada aposta do governo federal no financiamento habitacional tem, obviamente, como um de seus mais importantes objetivos, os efeitos multiplicadores desse mercado na economia como um todo, não me espantaria que a CEF fizesse vista grossa para essa mesma distorção verificada em São Paulo, que já vem dando o que falar há algum tempo. 

Espero estar equivocado. Se estiver, terei prazer em admiti-lo.

2025-11-02

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Andando em círculos

Jornal da USP 14-10-2025
https://jornal.usp.br/diversidade/pesquisa-destaca-o-papel-do-estado-na-precarizacao-da-vida-urbana-do-extremo-da-zona-leste-de-sao-paulo/

“Uma pesquisa de mestrado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra como o governo pode atuar na precarização da vida urbana. O estudo intitulado Assalto à mão letrada: o papel do planejamento urbano na produção e reprodução da periferia no extremo leste da cidade de São Paulo, demonstra como a consolidação das periferias resulta de uma “ausência pensada” do Estado, que fez disso uma escolha de planejamento urbano para a região. O estudo contradiz uma pesquisa do Datafolha, de 2016, que apontou que 70% dos paulistanos acreditavam que as periferias deveriam receber mais investimentos públicos, indicando possível omissão governamental nessas áreas.

Segundo Jhonny Bezerra Torres, autor da pesquisa, a exclusão socioespacial de bairros na zona leste ocorre, principalmente, por meio da articulação entre transporte de massa e investimentos em habitação de interesse social em locais distantes da cidade formal, como é o caso dos conjuntos habitacionais criados em Itaquera. Um exemplo foi a criação do Expresso Leste, conhecido como Linha 11-Coral da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a construção de moradias sociais na região pela Companhia de Habitação Popular (Cohab). “A integração entre moradia e transporte distante do centro, longe de solucionar a questão habitacional na cidade, aprofundou a segregação socioespacial ao reforçar a lógica de marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade e, assim, de equipamentos urbanos”, ressalta o pesquisador. (..)”


*

Tenho para mim que estamos andando em círculos na questão da estrutura espacial urbana, agora com uma leva de trabalhos [1] baseados, ao que parece, na tese pikettiana de que a desigualdade social é uma escolha ideológica e política, transposta para o espaço urbano por Raquel Rolnik em seu livro São Paulo: O Planejamento da Desigualdade. Ali é dito: 

“(..) por meio de leis que definem um modo de construir que corresponde clara e exclusivamente a um segmento social, garantiu-se ao longo da história da cidade que os espaços com melhor qualidade urbanística fossem destinados a esses grupos, apesar da imensa pressão representada permanentemente pelo crescimento populacional das massas imigrantes. Nesse episódio se esboça o fundamento de uma geografia social da cidade, da qual até hoje não se conseguiu escapar. (..)” [2] [destaques PJ]

Numa entrevista sobre o livro concedida ao CBN Estudio 
em 24-01-2022, a autora 

“(..) explica que vários fatores determinantes para os paulistanos, como a a divisão entre centro e periferias, não surgiram espontaneamente, mas foram resultado de decisões de política urbana". [3]

Meu entendimento é outro. Não foi absolutamente por meio de leis, mas de 
ofertas de renda pelo direito à ocupação e uso da terra - o mecanismo econômico social e juridicamente aceito em todo o mundo, para bem e para mal, como árbitro da competição espacial urbana - que se garantiu “ao longo da história que os espaços com melhor qualidade urbanística fossem destinados” aos segmentos sociais mais afluentes. É a competição espacial capitalista arbitrada pela renda do solo, não a legislação urbanística, o “fundamento da geografia social da cidade”, determinante da “divisão entre centro e periferias”. A propósito, nunca é demais lembrar a formulação apresentada em 1903 por Richard M. Hurd, pioneiro da área do conhecimento geográfico e urbanístico que quase um século depois Flávio Villaça chamou, muito apropriadamente, de “espaço intra-urbano”[4]:

Em geral, a base da distribuição de todos os usos comerciais é puramente econômica: a terra é arrematada pela maior oferta e o ofertante aquele que pode obter dela o maior ganho. Observe-se que quanto melhor a localização, maior a quantidade de usos que ela pode ter, consequentemente maior a quantidade de ofertantes. A base do valor da terra de uso residencial, por sua vez, é social, não econômica – ainda que também arrematada pela maior oferta: os ricos escolhem as localizações que mais lhes agradam, os de rendimentos médios procuram estar o mais perto deles que consigam, e assim por diante na escala de riqueza, ficando os trabalhadores mais pobres nas piores localizações, como as adjacências de fábricas, ferrovias, docas etc., ou longe da cidade. [5]

Exigir leis urbanísticas destinadas a mitigar e compensar os efeitos negativos da urbanização de mercado é indispensável; esperar que elas anulem, ou revertam, os efeitos da urbanização de mercado sobre a geografia social das cidades me parece um despropósito.

Não por acaso, o autor da tese objeto desta postagem relativiza os efeitos da “ausência pensada” do Estado dizendo que ela consolida as periferias e que “a integração entre moradia e transporte distante do centro, longe de solucionar a questão habitacional na cidade, aprofundou a segregação socioespacial ao reforçar a lógica de marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade e, assim, de equipamentos urbanos”. [destaques PJ]

Ora, se a “ausência pensada do Estado” consolida as periferias e “reforça a lógica da marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade”, é porque tanto as periferias quanto a lógica que governa a sua formação preexistem à presença do Estado planejador, e independem dele.

As perguntas inevitáveis são: como se formaram as periferias urbanas que o Estado contemporâneo trata de “consolidar” com sua “ausência pensada”? Em que consiste a “lógica da marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade”?

Considerando que o paradigma da organização espacial urbana é, desde a década de 1960, o modelo alonso-thuneniano da distribuição dos usos e densidades ao redor do Centro urbano com base na oferta de renda pela terra-localização, portanto uma estrutura centro-periférica com base na desigualdade de poder preemptivo da ocupação e uso do solo, seria de bom alvitre que essa vertente acadêmica se propusesse a demonstrar que o modelo de Alonso está equivocado ou, alternativamente, de que maneira os responsáveis pelo planejamento urbano poderiam anular, ou reverter, os efeitos da "lógica" da economia de mercado numa sociedade baseada... na economia de mercado.

2025-10-29

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NOTAS

[1] Ver também ALMEIDA R C, MOREIRA M e GRANDI M, “Favelas e Estado: por que a informalidade urbana é parte do planejamento de muitas cidades, e não uma falha”. The Conversation 08-10-2025
https://theconversation.com/favelas-e-estado-por-que-a-informalidade-urbana-e-parte-do-planejamento-de-muitas-cidades-e-nao-uma-falha-265339

[2] CBN Estudio 24-01-2022, entrevista com Raquel Rolnik

[3] ROLNIK Raquel, São Paulo: o planejamento da desigualdade. Fósforo. Edição do Kindle, p. 29.

[4] VILLAÇA Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil, FAPESP São Paulo 2001

[5] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, pp.77-8. Trad. PJ

domingo, 26 de outubro de 2025

Data venia

Veja Negócios 13-10-2025, por Camila Pati
https://veja.abril.com.br/economia/os-5-bairros-com-aluguel-mais-caro-na-cidade-de-sao-paulo/

“(..) Mudança no conceito de moradia

O estudo mostra que os apartamentos de um dormitório tem preço de aluguel 40% maior por metro quadrado do que imóveis maiores. O preço do metro quadrado dos apartamentos de apenas um dormitório ultrapassou, pela pela primeira vez, os 85 reais em São Paulo. Imóveis de dois e três dormitórios tem preço médio de 60 reais por metro quadrado.  


Segundo  Thiago Reis,  gerente de comunicação do QuintoAndar, a diferença de preço revela a transformação no conceito de moradia na cidade de São Paulo.  “Para muitos, um espaço menor, mas bem localizado, vale muito mais do que um apartamento maior e mais afastado. A demanda do paulistano por imóveis compactos e funcionais tem elevado de forma consistente o preço, especialmente em regiões próximas a polos de emprego e com acesso facilitado ao transporte”, afirma. (..)”

*

Com todo respeito, não creio tratar-se, aqui, da “transformação do conceito de moradia em São Paulo”. 

Já faz pelo menos um século e meio que, para significativos contingentes das populações urbanas de todo o mundo e por motivos de economia doméstica, “um espaço menor, mas localizado em regiões próximas a polos de emprego e com acesso facilitado ao transporte, vale muito mais do que um apartamento maior e mais afastado”. 

A propósito, nunca é demais lembrar a célebre passagem de Mumford:

(..) Lo que las compañías navieras descubrieron en el siglo xix, con su explotación de los pasajeros de proa, ya lo habían descubierto mucho antes los propietarios de terrenos: las ganancias máximas no se obtenían facilitando comodidades de primera clase para los que podían pagarlas a buen precio, sino hacinando en tugurios a aquellos cuyos peniques eran más escasos que las libras para un rico. (..)” MUMFORD Lewis [1961], La Ciudad em la Historia. Logroño: Pepitas de Calabaza Ed 2012, p. 695

A regra geral é: quanto menor a unidade, maior é a proporção do aluguel / preço derivada do direito ao solo-localização, que, salvo situações excepcionais, tem, ao contrário da benfeitoria, a prodigiosa capacidade de valorizar-se com a passagem do tempo, e tanto mais quanto maior e mais rica é a metrópole e mais privilegiada a localização.

O que muda é o poder que têm os incorporadores de compactar os apartamentos a limites inimagináveis para as gerações anteriores, resultante de dois aspectos principais, compostos de maneira distinta segundo o nível do rendimento familiar: a diminuição significativa do tamanho da própria família e o desenvolvimento das tecnologias aplicadas a todo tipo de equipamentos de uso doméstico. [*]

2025-10-26

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[*] A propósito, sugiro a leitura, neste mesmo blog, da postagem “O traseiro da TV e o lucro imobiliário”, de 07-06-2011.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/06/o-traseiro-da-teletela-e-o-lucro_07.html

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Financeirização da moradia: Lado B

O Globo 21-10-2025
https://oglobo.globo.com/ela/noticia/2025/10/21/a-estrategia-dos-ricos-entenda-o-segredo-por-tras-das-mansoes-financiadas-dos-bilionarios.ghtml

Comprar uma mansão à vista já não é mais sinônimo de poder absoluto. Atualmente, a verdadeira demonstração de inteligência financeira está justamente na estratégia contrária: financiar o imóvel, mesmo quando se tem dinheiro suficiente para quitá-lo integralmente. Essa abordagem, conhecida como "good debt" ou "dívida inteligente", parte do princípio de que, se o retorno do capital investido supera o custo dos juros do financiamento, é mais vantajoso deixar o dinheiro aplicado e fazer com que ele renda, em vez de imobilizá-lo em um único bem.
Essa prática ganhou força entre celebridades e executivos de altíssimo patrimônio, que passaram a enxergar o crédito como uma ferramenta estratégica. Jay-Z e Beyoncé, por exemplo, financiaram uma mansão avaliada em mais de 200 milhões de dólares em Malibu, mesmo com patrimônio bilionário. Mark Zuckerberg também escolheu recorrer a uma hipoteca ao adquirir sua residência em Palo Alto, e nomes como Kylie Jenner e Taylor Swift seguiram o mesmo caminho.

O fenômeno se intensificou após a crise financeira de 2008, quando as taxas de juros despencaram, tornando o crédito vantajoso até para os mais ricos. Desde então, o dinheiro barato passou a ser utilizado como instrumento para proteger e ampliar o patrimônio. (..)


2025-10-21

domingo, 12 de outubro de 2025

Socialismo engarrafado

O Dia 10-10-2025, por Fernando Moreira
https://extra.globo.com/blogs/page-not-found/post/2025/10/megaengarrafamento-reune-dez-milhoes-de-carros-apos-feriadao-na-china.ghtml

Megaengarrafamento reúne dez milhões de carros após feriadão na China

A rodovia expressa de Hushan, com pedágio de 36 cabines, registrou um megaengarrafamento com 10 milhões de carros voltando para casa após o período festivo, conhecido como Semana Dourada do Dia Nacional. 

2025-10-12

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Tarifa Zero: A pergunta que não quer calar


Isto É Dinheiro / Deutsche Welle, 26-09-2025
https://istoedinheiro.com.br/quando-transporte-publico-sera-gratuito-em-todo-o-brasil

Passe livre: como financiar o transporte público gratuito em todo o Brasil?

Proposta avançou no país, fazendo do Brasil a nação no mundo com maior número de cidades com o benefício. Governo federal busca ampliar ideia em nível nacional, mas ainda há dúvidas sobre viabilidade

 

Em junho de 2013, quando manifestações pediam passe livre no transporte público brasileiro, a proposta foi pouco levada em conta.

Entretanto, com o passar dos anos, a gratuidade avançou no país de forma única no mundo, com o Brasil atingindo o posto de nação com maior número de cidades que não cobram pelo transporte. O movimento engloba pequenos e médios munícipios, e, agora, o governo federal busca ampliar a tarifa zero em nível nacional, enquanto o projeto enfrenta dúvidas sobre a viabilidade financeira em cidades maiores.

Atualmente, 136 munícipios brasileiros contam com transporte público gratuito todos os dias do ano, atendendo a mais de 8 milhões de pessoas. Cerca de 60% daquelas cidades que contam com a tarifa zero diária têm menos de 50 mil habitantes. Já as maiores, como São Paulo e Brasília, adotam a medida em domingos e feriados.

Segundo o último levantamento disponível sobre tarifa zero universal, o Brasil é o país com mais cidades oferecendo a gratuidade, seguido pelos Estados Unidos, com 69 cidades, Polônia, com 64, e França, com 43 municípios.

Em 2014, Maricá, no estado do Rio de Janeiro, que conta com cerca de 200 mil habitantes, foi pioneira entre as cidades de maior porte a adotar a ideia. O munícipio criou uma companhia pública para gerir o serviço, o que é raro no país, e passou a oferecer o serviço pela Empresa Pública de Transportes (EPT).

A medida chamou a atenção na época, mas uma característica única da cidade deixava clara a dificuldade de replicar a ideia no restante do país: o munícipio é o que mais recebe royalties de petróleo no Brasil. Com o oitavo maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, o orçamento municipal comportou espaço para medidas que outros com menor arrecadação teriam dificuldade de reproduzir.

Período da pandemia foi momento-chave

Na pandemia, em um cenário de forte queda na demanda pelo transporte público, acompanhado por um aumento dos custos, especialmente dos combustíveis, a defasagem abriu espaço para “uma visão diferente”, aponta o diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam. De acordo com estudo da NTU, 73% das iniciativas de tarifa zero no país vieram após o período.

O urbanista Roberto Andrés, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda que este momento foi chave para a mudança sobre a visão das operações do transporte no país. Entre subsidiar até metade dos custos do serviço e ainda seguir com uma tarifa alta ou zerar o preço das passagens, a ideia de gratuidade foi reforçada.

Mas os desafios são diferentes de acordo com a logística de cada lugar. Em municípios menores, o gasto com a operação de transporte tende a corresponder a uma fatia bem inferior do orçamento municipal do que nas cidades maiores, onde o sistema é mais complexo. No caso de São Paulo, a estimativa de gasto real por passageiro é de R$ 11,86, que hoje são subsidiados pela prefeitura, chegando à cobrança de R$ 5 por tarifa.

‘Desigualdade marcada pelo transporte’

Diferente de lugares como Luxemburgo, país que adotou nacionalmente a tarifa zero em 2020, e Tallin, capital da Estônia que se destacou pela medida, há um componente de justiça social mais forte no caso brasileiro, aponta Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas. Pesquisador do tema em diversos países, ele lembra que a “desigualdade no Brasil é marcada pelo transporte”.

Em outras regiões, especialmente na Europa, a tarifa livre foi defendida mais como uma forma de reduzir o uso do carro, com benefícios para a mobilidade e o meio ambiente.

Kębłowski observa que as questões também são importantes no Brasil, mas avalia que o impacto na renda e na qualidade de vida de pessoas que optavam por fazer trajetos de formas alternativas para economizar são as grandes vantagens de medida no país. “É algo mais importante pelo aspecto social e econômico que propriamente pelo ecológico”, aponta.

A maior cidade a zerar a tarifa até o momento é Caucaia, com cerca de 380 mil habitantes no Ceará, onde a frequência nos transportes aumentou em quatro vezes após a medida, reforçando que “havia demanda reprimida” pelos serviços, destaca Christovam. Na cidade, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) local apontou avanço de 30% nas vendas do comércio.

Com a maior circulação, há ampliação de atividades em diversos estabelecimentos. Além disso, o dinheiro economizado das passagens acaba sendo reinvestindo na economia local. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o transporte é o segundo maior gasto das famílias do país, atrás da alimentação. Em abril de 2025, os brasileiros gastaram 20,7% de sua renda com transporte.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) comparou 57 cidades com tarifa zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. Nas cidades em que foi aplicada a gratuidade, houve aumento de 3,2% de empregos e crescimento de 7,5% no número de empresas.

Como financiar?

Recentemente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou estudos sobre a viabilidade de replicar a medida nacionalmente. Na visão do deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), a medida “saiu do plano de um sonho impossível e passou a ser um plano concreto”. Um dos principais líderes da proposta na Câmara dos Deputados, ele afirma que a questão vem sendo avaliada, mas que o tema “deixou de ser um discurso de rua”.

Há ampla discussão sobre maneiras de financiar o projeto, mas muitas delas com difíceis repercussões políticas. “Estamos na elaboração, e ainda não é possível cravar como será. Tenho feito reuniões e nos movimentamos. Eventualmente, pode haver reações. É como no caso do imposto de renda, todos concordam que deve se isentar até os R$ 5 mil, resta saber de onde tirar o dinheiro”, afirma Tatto.

Há propostas de criação de um fundo a partir da aplicação de pedágios urbanos e cobrança pelo uso do espaço público pelos carros, levando em conta o tamanho dos veículos e uso de estacionamento. Com oneração direta ao contribuinte, as alternativas são vistas com ceticismo, ainda que contem com defesa teórica em razão de alguns impactos negativos causados pelo uso de automóveis.

Outra ideia é a de que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) dos combustíveis poderia se destinar a custear a operação. Por sua vez, a medida eventualmente aumentaria o preço final ao consumidor, dificultando que ela venha a ser bem aceita. Neste cenário, avança a visão de que o governo federal deverá contribuir em algum fundo para financiar as medidas.

Uma proposta que vem se destacando, e é a base para projetos de algumas cidades de maior porte é a de que empresários contribuam com parte do custeio da operação. Neste cenário, em discussão em Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis e Juiz de Fora, empresas com mais de dez funcionários fariam um aporte mensal por cada trabalhador, visando substituir os encargos atuais que as companhias fazem com o vale transporte.

Segundo Andrés, a medida em princípio gerou questionamentos dos empresários, mas vem sendo atualmente mais bem aceita após o aprofundamento das discussões. “Especialmente os comerciantes veem a proposta como positiva”, afirma. A ideia é inspirada na França, onde o setor empresarial contribui historicamente para a mobilidade urbana.

De acordo com o especialista, o modelo atual do pagamento do vale transporte apresenta uma série de problemas, e a medida ajudaria neste sentido. Um exemplo é o caso dos trabalhadores em regime de pessoa jurídica, que muitas vezes não têm o benefício e usam fundos próprios para ir trabalhar.

Na avaliação de Roberto Andrés, a prioridade em Brasília atualmente deveria ser a aprovação de um Marco Legal que tramita na Câmara dos Deputados sobre o tema. “Facilitaria e daria segurança jurídica aos munícipios seguirem com suas propostas”, avalia. Em Vargem Grande Paulista, que buscou um modelo de financiamento semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a medida inconstitucional.

De toda forma, a Wojciech Kębłowski, professor da Vrije Universiteit de Bruxelas vê o Brasil hoje como “uma grande exceção, saindo de uma fase de experimento para uma política estabelecida, incluindo uma diversidade entre regiões e riquezas das cidades” que aplicaram a medida. “O avanço no Brasil pode inspirar outras partes do mundo”, conclui.


2025-10-

domingo, 5 de outubro de 2025

Tarifa Zero em Belo Horizonte


Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR UFMG) 02-10-2025
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/estudo-da-ufmg-indica-impactos-socioeconomicos-positivos-da-tarifa-zero-em-belo-horizonte


"Estudo publicado hoje (quinta, 2 de outubro) por grupo de pesquisadores da UFMG demonstra que a adoção da Tarifa Zero no transporte público em Belo Horizonte geraria retorno médio de R$ 3,89 para cada R$ 1 investido na gratuidade de ônibus e outros modais. O grupo analisou os impactos socioeconômicos potenciais da medida com base em dados do IBGE e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Projeto que propõe a Tarifa Zero será votado nesta sexta-feira, 3, na Câmara Municipal.

Os dados apontam que os gastos com transporte público na cidade correspondem a parcela significativa da renda familiar – chega a cerca de 19% no caso das famílias de baixa renda. O peso dessa despesa compromete a capacidade das famílias de consumir outros bens e serviços, além de restringir sua mobilidade para acessar direitos básicos, como saúde, educação e trabalho.

A capital mineira destaca-se entre as cidades brasileiras com maior número de usuários de transporte público e apresenta elevada dependência do modal ônibus, que concentra 88% dos gastos das famílias com mobilidade. (..) 

2025-10-05

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Boston shoreline 1630 / 1999


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Fonte: Wikipedia


Se os EUA são o melhor país para se estudar a formação de metrópoles capitalistas ex novo, como Chicago, suas metrópoles da Costa Leste, muito especialmente Nova York e Boston, são referência obrigatória para o estudo da transição urbana do mercantilismo colonial para o capitalismo propriamente dito, industrial e financeiro.

Um aspecto relevante dessa transição é a perfeita adaptação dos centros financeiros, por motivos relacionados ao fenômeno das economias de aglomeração, aos arruamentos herdados das capitais provinciais, orgânicos ou ortogonais, totalmente desproporcionais, do ponto de vista do urbanismo moderno, ao porte das edificações.

Não por acaso, a península que em 1630 só tinha como acesso terrestre o istmo apropriadamente denominado Boston Neck, é hoje identificada na imagem principal da postagem pela legenda ‘Downtown’.

2025-10-01

domingo, 28 de setembro de 2025

Monbeig 1953: O crescimento de São Paulo


MONBEIG P, “La croissance de la ville de Sào Paulo”. Revue de Géographie Alpine 1953 41-1 pp. 59-97
https://www.persee.fr/doc/rga_0035-1121_1953_num_41_1_1083

Pierre Monbeig [1] 
“(..) Abertura de avenidas e ruas, construções, loteamentos, tudo isso atesta o crescimento repentino de São Paulo. Mas procuraríamos em vão um plano de conjunto, uma perspectiva clara ou um poder administrativo central capaz de impor a sua vontade, de traçar as linhas mestras da nova cidade e de legislar de maneira eficaz. A expansão do assentamento urbano ocorreu sem ordem e no interesse imediato dos indivíduos, exatamente como a expansão do povoamento rural. O que eram esses loteamentos e quem foram os loteadores? Em geral, os novos bairros nasciam ao azar. Ao falecerem os proprietários das antigas chácaras, os herdeiros, ao invés de mantê-las mais ou menos intactas ou reparti-las entre si, preferiam loteá-las e vendê-las. Constituíam, assim, pequenas sociedades com capitais provenientes das heranças. Às vezes optavam por vendê-las em bloco para agrimensores brasileiros ou estrangeiros. Havia casos em que a decisão de desmembrar e vender era tomada pelo proprietário ainda em vida. Era costume dar o nome do antigo proprietário à rua mais importante do loteamento: Avenida Angélica, Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, Rua Barão de Itapetininga. E assim se faz desde então, o que demonstra claramente a natureza familiar desses empreendimentos. (..)” [2]
[Tradução PJ]

2025-09-28
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NOTAS
[1] Géographe, spécialiste de l'Amérique du Sud. - Directeur de l'Institut des hautes études de l'Amérique latine, Paris. - Directeur des "Cahiers des Amériques latines". - Agrégé d'histoire et de géographie (1929). - Pensionnaire de la Casa Velasquez, Madrid (1939-1931). - Professeur, titulaire de la chaire de géographie, Université de São Paulo (1935-1946). - Président de l'association des géographes brésiliens (à partir de 1936). - Professeur, titulaire de la chaire de géographie économique (industrielle et commerciale), CNAM - Conservatoire national des Arts et Métiers, Paris (1952-1961) (Source DataBNF)

[2] "(..) Ouvertures d'avenues et de rues, constructions, lotissements, tout cela témoigne suffisamment de la croissance subite de Saint-Paul. Mais on chercherait en vain un plan d'ensemble, une volonté bien arrêtée ou une direction administrative centrale capable d'imposer sa volonté, de tracer les lignes maîtresses de la nouvelle ville et de légiférer utilement. L'expansion du peuplement urbain s'est faite sans ordre et au mieux des intérêts immédiats des particuliers, exactement comme l'expansion du peuplement rural. Qu'étaient em effet ces lotissements et qui étaient les lotisseurs ? La plupart du temps, les nouveaux quartiers sont nés du hasard. A la mort d'um des propriétaires des vieilles chacaras, ses héritiers au lieu de la conserver en commun ou, en tous cas, à peu près intacte, décidaient de la diviser en parcelles mises en vente. Ils constituaient une petite société dont le capital provenait de l'héritage. Parfois les héritiers trouvèrent plus commode de vendre en bloc à des arpenteurs brésiliens ou étrangers. Parfois aussi la décision de morceler et de vendre était prise par le propriétaire, de son vivant. On donnait ou on a donné par la/ suite le nom du vieux possesseur à la rue la plus importante du lotissement : avenida Angelica, avenida Brigadeiro Luiz Antonio, rua do Barào de Itapetininga. L'habitude s'est conservée depuis lors. Elle témoigne bien du caractère familial de ces entreprises. (..)”


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Aluguel: o mais barato é o mais caro


G1 Globo 14-09-2025, por Raoni Alves
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/09/14/familias-de-baixa-renda-no-rj-comprometem-ate-65percent-do-orcamento-com-aluguel-aponta-estudo.ghtml

Famílias de baixa renda no RJ comprometem até 65% do orçamento com aluguel, aponta estudo

Levantamento encomendado pela plataforma de locação de imóveis QuintoAndar mostra que o peso do aluguel sobre a renda é maior no Rio de Janeiro do que na média nacional, especialmente entre os mais pobres (..)  [chegando a] a 65% da renda mensal familiar para quem ganha até R$ 1,9 mil.
Clique na imagem para ampliar
Morador da Rocinha, na Zona Sul do Rio, o entregador Lucas de Souza, de 25 anos, mora com a avó aposentada. Juntos, os dois recebem cerca de R$ 3,1 mil por mês e gastam R$ 900 com aluguel de um pequeno apartamento de dois cômodos. O valor representa 29% da renda familiar, o que deixa pouco espaço para despesas básicas como alimentação, transporte e contas de luz e água.

Na Zona Norte, o comerciante Carlos Henrique Almeida, 35 anos, divide um apartamento com a esposa em Vila Isabel. O casal tem renda conjunta de R$ 7,2 mil, mas paga R$ 2 mil de aluguel, o equivalente a 28% dos rendimentos da casa. (..)


*

Não consegui, até agora, localizar o relatório dessa pesquisa, nem no QuintoAndar nem no CEDEPLAR.

À beira do urbanismo c/ dados Cedeplar
Não surpreende, porém, que as despesas com aluguel sejam tanto mais elevadas relativamente aos rendimentos das famílias quanto menores são os rendimentos, uma vez que os alugueis não se regulam pelo rendimento das famílias, mas pelas taxas de retorno dos investimentos de capital, que aqui consiste em benfeitoria + propriedade do solo.

Aluguel equivalente a 44% de 1 salário mínimo é o que se pagaria, por hipótese, por uma casa no valor de R$100.000,00 - encontrável aos milhares nas periferias metropolitanas brasileiras - à taxa que remunera, no dia de hoje, a Caderneta de Poupança (0,5%+TR=0,67%).

R$100.000 * O,67% / R$1.518 = 44%

No caso, relatado na reportagem, da família residente na Rocinha, o aluguel (R$ 900,00) e seu peso (29%) sobre o ganho mensal (3,1 mil) correspondem ao rendimento de um capital de R$ 130 mil (compatível com os preços imobiliários naquela localização) [1] a uma taxa de 0,70%.

R$120.000 * 0,70% / R$3.100 = 29%

Um aluguel de R$ 2.000, correspondendo a 28% do rendimento familiar, se obtém do exemplo do casal de Vila Isabel, à taxa de 0,75%, considerando-se um apartamento de 2 quartos, sem garagem, no Boulevard 28 de Setembro, à venda no QuintoAndar pelo preço de R$ 270 mil .

R$270.000 *0,75% / R$7.200 = 28%
 
Contudo, há fatores cujos efeitos precisariam ser levados em conta nesta série, como a inclusão ou não do IPTU no preço do aluguel e o fato da moradia de aluguel ser compulsória e amplamente informal nas faixas de menor rendimento - favorecendo os proprietários tanto pela 
não incidência de IPTU quanto pela pressão da demanda. Por que outro motivo, senão o tamanho relativo da precariedade metropolitana, seria o RJ o campeão do aperto orçamentário da moradia em face de SP, MG e RS?

Aguardemos a divulgação do estudo.

2025-09-24

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[1] "Não é possível fornecer o preço exato dos imóveis na Rocinha, pois as opções são muito variadas e dependem do imóvel, localização e características, mas é possível encontrar imóveis à venda a partir de cerca de R$ 130.000,00 (como visto no Facebook) ou R$ 230.000,00 (na Lopes) e casas para venda em comunidades como a Rocinha." [Google IA]

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Tarifa Zero: Somando pontos


Piauí 22-09-2025, por Clarisse Cunha Linke, Daniel Caribé e Roberto Andrés [*]
https://piaui.folha.uol.com.br/o-estudo-para-a-tarifa-zero-ja-existe-presidente/


O estudo para a Tarifa Zero já existe, presidente

(..) Hoje o Brasil vive um boom de Tarifa Zero. Já são 138 cidades com gratuidade do transporte todos os dias – número que cresce 32% ao ano. Cada vez mais cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, adotam a política, o que faz com que a população atendida aumente numa taxa ainda maior, de 50% ao ano. Atualmente, são mais de 8 milhões de brasileiros vivendo em cidades com Tarifa Zero.

Os resultados são inequívocos: a Tarifa Zero melhora a vida da população. Os mais beneficiados são os mais pobres, que passam a fazer deslocamentos antes impedidos pelo custo. Mais gente acessa postos de saúde, escolas, supermercados, parques e praças. O dinheiro que ia para a passagem vai para o comércio local, que aumenta as vendas. Como muitos migram dos carros para os ônibus, o trânsito diminui.

Um estudo da FGV publicado em fevereiro deste ano comparou 57 cidades com Tarifa Zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. A gratuidade dos ônibus resultou em aumento de 3,2% de empregos, aumento de 7,5% no número de empresas e redução de 4,2% de emissão de gases poluentes. São Caetano do Sul (SP) implantou a Tarifa Zero e viu o trânsito reduzir, com a retirada de 1.500 carros das ruas por hora, segundo monitoramento feito em parceria com Google e Waze. Nove em cada dez prefeitos que implementaram a medida foram reeleitos em 2024. (..)

O estudo propõe uma fonte de financiamento que não disputa os recursos existentes do governo e tampouco cria novos tributos. A solução passa pela mudança na forma de contribuição das empresas, com grande potencial de aumento de arrecadação.

Hoje, apenas uma parte dos empregos formais no Brasil contribui com o Vale Transporte, pois a política é opcional para os empregados e deixa de ser vantajosa para salários médios e altos. A conta fica nas costas dos trabalhadores mais pobres, que contribuem com até 6% dos seus salários, e dos informais, que pagam a tarifa “cheia” em seus deslocamentos.

A proposta do estudo substitui o Vale Transporte por uma contribuição exclusiva das empresas, para todos os funcionários. Micro e pequenas empresas ficam isentas, mas seus funcionários terão direito ao benefício. Com o valor de 220 reais por empregado por mês, será possível arrecadar 100 bilhões de reais por ano, o suficiente para financiar todo o sistema de transporte no país, já considerando o aumento da demanda.

A proposta é similar ao Versement Transport, política que existe na França há mais de cinquenta anos. (..)

2025-09-22

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Aluguel rotativo, por bem ou por mal

O Globo 14-09-2025, por Mariana Rosetti e Paola Churchill
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/09/14/de-temporario-a-permanente-crise-habitacional-forca-brasileiros-a-viverem-indefinidamente-em-albergues-na-europa.ghtml

De temporário a permanente: crise habitacional força brasileiros a viverem indefinidamente em albergues na Europa
Foto (detalhe): O Globo

Quando os proprietários ainda exigem agências imobiliárias, as taxas equivalem a um mês de aluguel, além da caução que pode variar de um a seis meses

(..) Em 2024, os preços da habitação em Portugal subiram 9,1%, quase três vezes mais que a média europeia de 3,3%, segundo dados do Eurostat. Na União Europeia (UE), 10,6% das famílias que vivem em cidades gastam mais de 40% da renda com moradia. O resultado: 896 mil pessoas dormem nas ruas. Em Portugal, das quase 11 mil pessoas em situação de rua, 10% são estrangeiros. (..)

O advogado Kevin de Sousa, especialista em Direito Imobiliário e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), ressalta que, do ponto de vista jurídico, as acomodações não foram criadas para esse fim. Por isso, são enquadradas como hospedagem turística, sujeitas a regras de higiene e segurança, mas sem oferecer as garantias próprias de um contrato de aluguel residencial.

“Na prática, isso cria um limbo jurídico: a pessoa mora em um albergue, paga mensalmente, mas não tem nenhum dos direitos que teria em uma locação formal. É um arranjo que atende à necessidade imediata, mas que coloca o imigrante em situação de alta vulnerabilidade”, explica. (..)

2025-09-17