(Originalmente publicado em 23-06-2013)
Quando deixada pela coletividade ao seu próprio alvedrio, a indústria da incorporação imobiliária opera como uma máquina de concentração espacial da renda urbana em geral, e fundiária em particular. Ela é ao mesmo tempo impulsionadora e beneficiária das espirais de preços e vantagens locacionais que explicam o fenômeno dos “cones de valorização” discutidos no trabalho do sociólogo e planejador urbano chileno Francisco Sabatini, estudioso da segregação espacial urbana.
É por isso que, para a coletividade, o valor das grandes operações imobiliárias está em sua capacidade de produzir riqueza distribuindo renda urbana. As grandes operações imobiliárias contribuem para a distribuição da renda urbana quando (1) financiam a implantação de serviços de transporte público de amplo alcance ou (2) financiam a alocação, no território beneficiado pelas melhorias urbanas, de residentes de faixas de renda mais baixas, que de outra forma não teriam acesso às vantagens dessa localização. De preferência, as grandes operações urbanas contribuem para a distribuição da renda urbana quando realizam (1) e (2) simultaneamente.
Ocorre que, na Operação Urbana Centro de Niterói não há sinal de (1) nem de (2). É uma Operação Urbana fechada sobre si mesma, em que a recuperação da renda da terra em forma de CEPACs* só serve... à valorização da própria terra. Que tenha sido proposta por duas empreiteiras, não espanta; espanta que tenha sido comprada, de olhos fechados, pelo governo PT-PV de Niterói.
Não é isto, no entanto, uma exclusividade da Operação Urbana Centro de Niterói. A versão atual da Operação Urbana Porto Maravilha (devíamos fazer uma passeata pela mudança desse nome), adotada pelo governo Eduardo Paes depois de expurgada das modestas heresias distributivas da consultoria francesa, tampouco contempla qualquer mescla de faixas de renda e, do ponto de vista do financiamento da mobilidade urbana, é um simulacro: seus bondes talvez sirvam mais à pretendida imagem VIP do futuro bairro do que ao transporte urbano, a decisão de derrubar-se o viaduto da Perimetral ignorou a possibilidade de seu aproveitamento parcial no transporte público de massa (como imaginaram os alunos do professor Cristóvão Duarte, da UFRJ), seu novo binário não leva à Zona Norte via Benfica, mas direto à Linha Vermelha via Gasômetro, não há previsão de chegada do Metrô ao coração da Portuária e, finalmente, de transporte hidroviário na Baía de Guanabara nem se ouviu falar.
Retomando o tema do caráter frankensteiniano de nosso "urbanismo olímpico”, importa lembrar que temos diante de nós a perspectiva de duas megaoperações imobiliárias no coração da metrópole que poderiam, teoricamente, propiciar uma importante economia em subsídios do programa Minha Casa Minha Vida, correspondente à redução das despesas de transporte das milhares de famílias de trabalhadores que a elas tivessem acesso. Só faltam... os trabalhadores e a expansão do transporte terrestre e marítimo no centro da metrópole!
Sugiro, pois, considerarmos o seguinte. OK. Façamos as duas grandes operações. Mas estipulemos como meta dedicar o excedente de renda fundiária pago pelos adquirentes de imóveis "de mercado", em ambos os lados da baía, a adjudicar pelo menos um terço das unidades a residentes das 3 faixas do programa Minha Casa Minha Vida. Paralelamente, exijamos que o Estado amplie a capacidade do transporte hidroviário na Baía de Guanabara e execute a ligação metroviária Estácio-Praça XV com um ramal ao coração da Portuária. Topa?
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* Aqui cabe uma ponderação. Em uma OUC, ou parte de uma OUC, feita sobre terras públicas, o uso de CEPACs é no melhor dos casos redundante e, no pior, indevido. Trata-se, aqui, de vender a terra aos incorporadores pelo seu preço de mercado para custear a urbanização do perímetro (como em Puerto Madero, Buenos Aires).
O preço de mercado pode ser expresso, é certo, em CEPACs, mas neste caso não tem sentido aplicar-se o conceito de "potencial construtivo excedente ao Coeficiente Básico (Cb)", pois a municipalidade estaria dando ao preço de venda da terra um desconto equivalente à proporção Cb/C, sendo C o Coeficiente Máximo. Vender terra pública pelo seu valor de mercado expresso em CEPACs implica, necessariamente, tomar o coeficiente básico de aproveitamento de terreno como sendo Cb=0!
Essa ponderação recomenda um novo artigo. De todo modo, o blogueiro sugere a leitura do artigo "A repartição da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária", acessível pelo link
O preço de mercado pode ser expresso, é certo, em CEPACs, mas neste caso não tem sentido aplicar-se o conceito de "potencial construtivo excedente ao Coeficiente Básico (Cb)", pois a municipalidade estaria dando ao preço de venda da terra um desconto equivalente à proporção Cb/C, sendo C o Coeficiente Máximo. Vender terra pública pelo seu valor de mercado expresso em CEPACs implica, necessariamente, tomar o coeficiente básico de aproveitamento de terreno como sendo Cb=0!
Essa ponderação recomenda um novo artigo. De todo modo, o blogueiro sugere a leitura do artigo "A repartição da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária", acessível pelo link
2013-06-23