Cena 1: 2009. Por proposta do governo Paes (Rio), é aprovada a lei para realizar uma operação urbana na Região Portuária do Rio, sem qualquer previsão para destinação de percentual para habitação na área central e, muito menos, para habitação social (faixa de zero a seis salários mínimos).
Fonte: Á beira do urbanismo |
Cena 2: Em 2011, a Caixa Econômica Federal cria um fundo imobiliário especial, com recursos do Fundo de Garantia dos trabalhadores, para adquirir de uma vez só, em lote único, a totalidade dos títulos de potencial construtivo (CEPACs) do Porto, por R$ 3 bilhões à vista e sem qualquer reserva ou vinculação para edificação residencial e, muito menos, para habitação social.
Cena 3: Durante o meu mandato como vereadora, proponho o projeto de lei destinando, obrigatoriamente, um percentual mínimo de 10% dos recursos públicos do potencial construtivo vendidos para serem aplicados em habitação social. E a destinação de um mínimo de 10% da área também para habitação social.
Cena 4: Após tramitar pelas várias comissões da Câmara de Vereadores, o projeto para destinação de habitação social é, finalmente, incluído na pauta de votação. Quando está para ser votado, o líder do governo Paes e atual vice-prefeito do Rio (PT) apresenta uma emenda ao projeto (apoiada por outros 16 vereadores) que suprimia a destinação dos 10% dos recursos do CEPACs à habitação social. Com isso, também tira o projeto da pauta de votação.
Cena 5: Para viabilizar a construção de prédio residencial para a chamada Vila de Árbitros, a Prefeitura subsidia o negócio, através de termo de compromisso de aquisição dos apartamentos para futura venda aos servidores, através de carta de crédito, com recursos públicos ao empreendimento privado. Valor anunciado: R$ 500 milhões.
Cena 6: No final de 2012, o prefeito Paes envia projeto de lei à Câmara de Vereadores modificando a vinculação dos títulos de potencial edilício (CEPACS) da área portuária para facilitar a sua utilização, sem qualquer menção a uma reserva necessária para aplicação em edificações residenciais e muito menos em habitação social.
Cena 7: Acaba o meu mandato, em 2013 (não fui reeleita pelo PV), e o projeto de habitação social na área é mandado para o arquivo. Lá dormita sem que nenhum vereador tenha pedido até o momento seu desarquivamento (nem do governo, nem da oposição).
Cena 8: Em 2013 ocorre, por determinação judicial, novo complemento do Estudo de Impacto de Vizinhança do Projeto do Porto “Maravilha”. Novamente a questão da moradia é levantada com veemência em Audiência Pública realizada na sede do Ministério Público.
Cena 9: Os jornais começam a publicar críticas em relação à falta de previsão de moradias para o projeto do Porto, como se a questão fosse descoberta agora. O IAB diz que, agora, vai “constituir um grupo” para estudar a questão!
Cena 10: O prefeito Paes, sempre “Ele”, do Rio, faz uma declaração no jornal dizendo-se, agora, preocupado (?) com a questão residencial na área portuária. Diz que não determinou um percentual de títulos reservados à habitação para não “desvalorizar” as CEPACs. “Como eu queria vender aquele negócio, segurei, mas agora chegou o momento dessa discussão. Precisamos ter gente morando, para não virar o que virou o Centro. Este é o meu medo”. Não diga!
Cena 11: Nós, atônitos, sem acreditar no que vemos e ouvimos.
Inocência, ignorância ou insensatez mesmo?
Sônia Rabello é advogada e, atualmente, presidente da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro - FAM-RIO
Leia também, da mesma autora,
“Porto do Rio sem Habitação de Interesse Social? Ganância ou Ignorância?” (08-06-2015)