sábado, 31 de outubro de 2020

Geração inquilina

Deu no G1/Campo Grande – especial publicitário
05-10-2020, por Vista Empreendimentos Imobiliários 
Aluguel como fonte de receita vem ganhando maior valor entre o investidor


Trago ao leitor este “especial publicitário” do G1/Campo Grande com um propósito assumidamente didático.

Ali se diz que “todas as análises mostram uma mudança global de comportamento do consumidor, principalmente para as novas gerações, mais interessadas em ter acesso ao imóvel e menos em propriedade”.

É um modo panglossiano de dizer que as novas gerações não têm acesso a empregos e salários que lhes permitam comprar residências, como tiveram seus pais.

Na dúvida, recomendo a leitura de algumas matérias jornalísticas recentes, de onde extraí as seguintes passagens:

“(..) young hospitality workers have moved back in with mum and dad as their income dried up.” (News.com.au: Sydney, Melbourne, Brisbane rent prices plummeted amid pandemic, RBA reveals)*

“Las dificultades económicas de estos colectivos [jóvenes, inmigrantes y trabajadores temporales] para incrementar sus ingresos y después aceder a uma hipoteca ha incidido en el aumento de la demanda de vivienda en alquiler.” (El País: El mercado del alquiler, ¿cómo ha cambiado con la pandemia?)**

“(..) nearly two-thirds of childless single adults aged 20-34 in the UK have either never left or have moved back into the family home because of a combination of a precarious job market and low wages, sky-high private sector rents and life shocks such as relationship breakups”. (The Guardian: 'Boomerang' trend of young adults living with parents is rising – study)***

U
ma análise sistêmica desse fenômeno pode ser encontrada em Ryan-Collins, Lloyd and Macfarlane 2017, Rethinking the Economics of Land and Housing, Zed Books, Edição do Kindle, 6.4 “The role of land and economic rent in increasing inequality”, especialmente a seção “Intergenerational dynamics”. 

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terça-feira, 27 de outubro de 2020

Achado arqueológico

Deu no El País 
27-10-2020, por Josefina López Mac Kenzie 
Tras las huellas de Esteco
la ‘Sodoma’ que desapareció misteriosamente en el norte argentino

Plano de planta de Esteco II (Nuestra Señora de Talavera de Madrid), anónimo y sin fecha. Indica la asignación de solares en el trazado de esta ciudad. Archivo General de Indias (Sevilla)


“(..) En el siglo XX, varias expediciones rastrearon la legendaria Esteco. Según documentos, en 1609, tras 43 años, había migrado 100 kilómetros al noroeste para fusionarse con otro pueblo y formar Nuestra Señora de Talavera de Madrid. Un antropólogo de La Plata, Alfredo Tomasini, ya fallecido, logró documentar ambos sitios a partir de 1999. La llamada Esteco I, en el paraje El Vencido, estaba cubierta de vegetación. Y Esteco II, en el municipio Río Piedras, quedó expuesta cuando una empresa movía el suelo para plantar cítricos. Fue deslumbrante. En esta, la que arrasó el terremoto, identificaron sectores urbanos, vestigios del cabildo y conventos, y el único fuerte colonial de adobe [barro] de Latinoamérica. El paraíso perdido al que temían los fieles y soñaban poetas y buscadores de oro era ahora una joya para la ciencia y una escuela de campo para arqueólogos. (..)”


2020-10-27

domingo, 25 de outubro de 2020

Investindo na fronteira Leste

Deu no Mercado Imobiliário 
25-10-2020, por Estadão conteúdo 

Novo polo de arranha-céus, Tatuapé inaugurará maior prédio de São Paulo

O futuro maior prédio de São Paulo é o Platina 220, com 172 metros de altura, 2 a mais do que o atual recordista. Ele terá uso misto e reunirá, em uma única torre, quartos de hotel, apartamentos (de 35 a 70 metros quadrados), escritórios, lojas e lajes corporativas. (..)


Posição do Eixo Tatuapé relativamente ao Centro de São Paulo
Montagem: à beira do urbanismo


Moniza Camilo, coordenadora de incorporação e novos negócios da empresa, afirma que esse modelo é uma forma de atender uma demanda da população local que, ao ascender profissional e economicamente, acaba migrando para outras regiões da cidade, mais próximas dos atuais eixos de negócios. (..) Para ela, esse tipo de empreendimento também pode atrair moradores de outras partes da cidade para o Tatuapé.

Paralelo à Radial Leste e a estações de metrô, o Eixo Platina aplica propostas urbanísticas incentivadas pelo atual Plano Diretor, como a fachada ativa (comércio no térreo), por exemplo, e também se propõe a alargar as calçadas do entorno e investir em paisagismo e mobiliário urbano. (..)

Como explica a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie Nadia Somekh (..) o desenvolvimento desse mercado ocorre de forma fragmentada, em submercados aquecidos, a exemplo do Tatuapé ou de eixos da zona sul, como o entorno das Avenidas Berrini, das Nações Unidas e Chucri Zaidan, dentre outras. (..) Mesmo com a retomada mais recente, a especialista destaca que a demanda por grandes edifícios corporativos pode mudar com a permanência do home office ou trabalho híbrido após a pandemia.

Doutorando em Arquitetura e Urbanismo e diretor de uma incorporadora, Hugo Louro e Silva explica que a verticalização é um procedimento que depende de maior investimento, para adotar-se tecnologias e técnicas que garantam a segurança e efetividade da construção. “É muito mais caro construir do que um prédio de 18 ou 20 andares.” Por isso (..) esse tipo de construção acaba restrito a áreas mais valorizadas, nas quais as incorporadas têm mais certeza da procura. Dentro dessa lógica, ele vê que o perfil do Tatuapé deve mudar ainda mais. “Em curtíssimo prazo, vai virar um mix da densidade de Moema (mediana) com a solução geométrica de Balneário Camboriú. E pode ser que isso ocorra daqui a 20 anos na Penha ou no Belenzinho.” (..)

 

2020-10-25


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

As novas repúblicas e as centralidades

Deu no Estadão economia
22-10-2020, por Circe Bonatelli 

https://incorporacaoimobiliaria.com/2020/10/23/startup-paulistana-yuca-dobra-numero-de-quartos-para-locacao/

Montagem: Àbeiradourbanismo
Clique para ampliar
A construção, para locação, de unidades residenciais ultra-compactas na periferia imediata dos subcentros urbanos não é uma novidade. No Rio de Janeiro, essa tendência foi marcante nas décadas de 1960 e 1970 em Copacabana, Tijuca, Botafogo e Catete/Flamengo. 

Seu exemplo mais notório é o Edifício Richard, mais conhecido como Barata Ribeiro 200, em Copacabana, construído em 1959, com 12 pavimentos e 507 unidades, sendo 300 conjugados de 24m2 e 207 apartamentos de quarto e sala.*

A saturação do bairro que já foi novo traz consigo a redução da demanda residencial de alto padrão, compensada por sua vez, do ponto de vista da extração da renda do solo, pelo aumento da demanda de salas comerciais e de apartamentos compactos destinados aos trabalhadores do comércio e serviços. O bairro cristaliza-se como sub-centro. 

Talvez estejamos presenciando um processo análogo, em um novo ciclo de desvalorização relativa de bairros pericêntricos, acentuada pelo contraste entre a quantidade de capital envolvido e a gravidade da recessão econômica. 

Muitas dessas unidades anunciadas no mercado paulistano se localizam na região da Av. Paulista, centro financeiro de 2ª geração já em acelerado processo de substituição pela Faria Lima. 

A glamorização (“coliving”) faz parte da estratégia de negócios.

domingo, 18 de outubro de 2020

Inundação de mercado

Deu no NY Times 
12-10-2020, por Christopher Flavelle 
Florida Sees Signals of a Climate-Driven Housing Crisis

Home sales in areas most vulnerable to sea-level rise began falling around 2013, researchers found. Now, prices are following a similar downward path.





2020-10-18

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Apontamentos: Burgess 1925, urbanista acidental

BURGESS E W (1925), “O crescimento da cidade: Uma introdução a um projeto de pesquisa”. Tradução Raoni Barbosa, Universidade Federal de Pernambuco
https://www.researchgate.net/publication/318278050_O_crescimento_da_cidade_Uma_introducao_a_um_projeto_de_pesquisa
Diagramas das 
zonas concêntricas 
e áreas urbanas 
de Chicago tais como
aparecem na edição
de 1925 de The City


Ao leitor desse artigo de Ernest Burgess eu sugiro ter em conta que o diagrama das “zonas concêntricas” que o tornou famoso entre geógrafos e urbanistas não é o resultado de um estudo sobre a estrutura urbana, mas algo muito mais parecido com uma hipótese de trabalho do autor, auxiliar do projeto de pesquisa explicitado no título da obra: The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment [1] - uma espécie de programa da corrente acadêmica que veio a ser mundialmente conhecida como a “escola de sociologia urbana de Chicago”. 

O foco de Burgess, professor e pesquisador da Universidade de Chicago, são as perturbações do “metabolismo social” derivadas da expansão migratória acelerada, vertiginosa no caso de Chicago, das grandes cidades do meio-oeste estadunidense na aurora do século XX, na forma de processos espaciais que denominou “invasão-sucessão” de zonas socialmente estruturadas ao redor do centro de negócios (The Loop [2]).

O “modelo de Burgess” que chegou até nós é, em boa medida, uma invenção dos geógrafos Harris e Ullman, que o designaram, num clássico texto de 1944 intitulado "The Nature of Cities", a pioneira de uma sequência histórica de “generalizações da estrutura interna das cidades” a incluir o arranjo residencial por setores de círculo de Homer Hoyt, de 1939, batizado “teoria dos setores”, e o seu próprio construto alternativo chamado “núcleos múltiplos”. Ironicamente, foi o imenso poder heurístico do “modelo de Burgess”, refinado pelos resultados da pesquisa empírica de Homer Hoyt, não a consistência de sua crítica, que tornou o resumo de Harris-Ullman tão popular na geografia quanto é, na física, a série temporal das representações gráficas do átomo.

De todo modo, creio ser correto dizer que, na ausência de precedentes sobre o qual se apoiar, Burgess construiu, neste texto e em sua sequela “Urban Areas" [3], de 1929, um notável esboço de geografia urbana abrangendo temas como a expansão radial-concêntrica da cidade moderna, os obstáculos naturais e não naturais à expansão radial-concêntrica, a “descentralização centralizada” das cidades em rápido crescimento, a mobilidade dos grupos sociais ao longo dos corredores radiais urbanos e, mais amplamente, a análise espacializada, isto é, relativa ao meio físico da cidade como requer a “ecologia humana”, das três “formas de organização" social: econômicas, culturais e políticas.

De especial interesse para os urbanistas é a seção III [4] do artigo de 1929, um pequeno ensaio sobre como a expansão radial-concêntrica é afetada pelo grid - arruamento reticulado que define o design das cidades do Meio Oeste e Oeste dos EUA, derivado do sistema nacional de parcelamento das terras federais instituído em 1875. 

Fico devendo ao leitor um ensaio sobre o tema.

2020-10-12
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[1] BURGESS, E W e PARK R E, The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf

[2] The Loop (O Laço) é o termo que designa, em Chicago, o segmento central do sistema de trens urbanos da cidade. Todas as linhas do sistema original de fins do século XIX convergiam, e assim se mantêm, para um circuito retangular compartilhado de cerca de 600 x 400m, elevado sobre o tabuleiro de ruas do centro de negócios, onde se realizam as integrações. Por extensão de sentido, o termo The Loop passou a designar o próprio Centro da metrópole.

[3] BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, an Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-38
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015005490290&view=1up&seq=17

[4] A tradução para o português da Seção III, "O arruamento ortogonal", de minha autoria, pode ser acessada pelo link https://docs.google.com/document/d/1FT2s26XEOfQQ_M-bFL_2xVxFNPRBhXjpKRUd1r2n_cY/edit?usp=sharing

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Mal-estar social ou sociedade do mal-estar?

Deu no The Guardian online 
27-09-2020, por Rowan Moore 
‘It's like an open prison’: the catastrophe of converting office blocks to homes

A policy designed to open up the planning system has left thousands in tiny flats, far from schools and shops. And with more deregulation coming, things will get worse

Terminus House in Harlow, Essex, a former office block converted into housing. 
Photo: Bex Wade/The Observer

Excelente (e longa) matéria sobre os efeitos da desregulação urbanística na Inglaterra, cujo sistema é de difícil entendimento para nós, latino-americanos. Recortei e resumi o melhor que pude. 

A mesma Inglaterra que demole os conjuntos habitacionais dos anos 50 e 60 como "usinas de mal-estar social", parece replicá-los pela via do mercado habitacional desregulado. 

Fico a pensar: é o mau urbanismo que cria o mal-estar social ou é a sociedade do mal-estar que tortura o urbanismo com dilemas insolúveis? 


*** 

"Shield House is just one example of “permitted development”. It is an outcome of a government experiment in deregulation, which allows homes to be made out of old offices and shops without planning permission, that has been going on for some years. An estimated 65,000 flats have been made in this way. The experiment has been catastrophic in several significant respects, but the government has recently decided to double down on it, expanding their policy such that office blocks may now be replaced with entirely new buildings without permission. This means that undersized and badly planned and located flats can now be realised at a larger scale.

(..) Permitted development means local authorities and local residents cannot oppose or alter proposals. They have no power to insist on adequate room sizes or daylight or influence the look of a building. With these safeguards removed, predictable consequences followed. There was a race to the bottom on size, with some flats created of 20, of 15, or even 10 square metres (a standard parking space is 11.5 square metres) in which a bed might end up 30cm from a washing machine. Such things as balconies or gardens would become virtually extinct.

(..) The main role of permitted development was once to ease the path of conservatories, small domestic extensions, garden sheds, and other uncontroversial works. But over the past few years the government (in England only, as the other nations of the union have devolved planning regimes) has turned it into a machine for driving up housing numbers, no matter how drastic the effects on people’s lives.

(..) In three reports in 2011 and 2012 the rightwing thinktank Policy Exchange had a prolonged lightbulb moment. What, they asked, if permitted development rights were extended, so that they would allow worn-out office buildings to be converted into housing, without the need for full planning permission? Since seeking planning permission can be an inefficient, expensive, risky and sometimes capricious process, there were attractions to the idea. Why not cut red tape and unleash the power of a deregulated market, to release a plentiful supply of residential units that would be relatively cheap, whether or not they were especially cheerful? “No one is going to mind if an office becomes a home,” said Policy Exchange. “We need to systematically change the planning system. Our current planning system, designed as part of a socialist utopia in the 1940s, has to be modernised for a 21st-century economy.”

(..) Lockdown has highlighted the importance of adequate domestic space and access to the outdoors. Covid-19 has also changed patterns of work, with the likelihood that demand for offices will in some places decline. There will be an opportunity to make them into homes, but it will take thoughtfulness and planning to do it well. There seems to be no chance of either from the government. Instead we hear this from Jenrick: “These changes will help transform boarded-up, unused buildings safely into high-quality homes at the heart of their communities.” But the buildings are not always unused, the homes are not high-quality and they are not in any positive sense at the heart of communities.(..)

2020-10-09


terça-feira, 6 de outubro de 2020

sábado, 3 de outubro de 2020

A ordem e a lei

 Deu no NY Times 

24-09-2020, por Michael Kimmelman 

Times Square, Grand Central and the Laws that Build the City

A virtual tour looks at the legal battles and innovations behind 42nd Street. Our critic chats with the Harvard professor Jerold S. Kayden


Building proposed by
Marcel Breuer over
Grand Central Terminal
Bettmann Archive/
Getty Images/NY Times
Artigo muito interessante, recheado de belas fotos e, principalmente, exemplos do que chamo “urbanismo negocial”, do qual Nova York é uma fonte inesgotável: compra-venda de espaço aéreo, manutenção privada de espaço público, uso público de espaço privado e exemplos clássicos de como funciona, por lá, a transferência de potencial construtivo, com suas evidentes contradições.

Em 1978 a Suprema Corte decidiu que a companhia proprietária da estação Grand Central não tinha direito constitucional ao valor especulativo derivado da hipotética construção de uma torre comercial sobre o terminal e, por extensão, que a cidade não contraía dívida com o proprietários de terrenos por reduzir seu valor de mercado por efeito da regulação do uso e da edificabilidade. Como no Brasil. Contudo, o mesmo juiz Brennan julgou que a empresa poderia transferir o potencial construtivo não utilizado a outros terrenos de sua propriedade nos arredores da estação. Ou seja, a cidade não contraía dívida, mas se esperava que compensasse o suposto prejuízo.*

Por outro lado, cumpre observar o que me parece ser uma visão distorcida, muito difundida aliás, do processo de construção das cidades, expressa logo no primeiro parágrafo:

Designers design buildings. Engineers engineer them. But the law is New York’s foundational architect and building block.”

E a indústria de bens e serviços urbanos? Se acomoda às regras do direito? Ou será substancialmente ao contrário? Acho que o autor não poderia ter escolhido cidade pior para ilustrar a sua tese.

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*Sobre isso, eu sustento a minha antiga posição: a transferência de potencial construtivo deve ser uma prerrogativa exclusiva da municipalidade, destinada à cobertura de custos de intervenções públicas - tipicamente a desapropriação de terrenos necessários a obras e equipamentos. Por isso não a chamo "transferência do direito de construir", fórmula com a qual o Estatuto da Cidade abre a porta para a privatização dos próprios direitos de uso e edificabilidade, que dessa forma acabariam por tornar-se ilimitados, como se não bastasse a garantia constitucional de apropriação privada de seu efeito econômico: a renda da terra.

2020-10-06