sábado, 3 de outubro de 2020

A ordem e a lei

 Deu no NY Times 

24-09-2020, por Michael Kimmelman 

Times Square, Grand Central and the Laws that Build the City

A virtual tour looks at the legal battles and innovations behind 42nd Street. Our critic chats with the Harvard professor Jerold S. Kayden


Building proposed by
Marcel Breuer over
Grand Central Terminal
Bettmann Archive/
Getty Images/NY Times
Artigo muito interessante, recheado de belas fotos e, principalmente, exemplos do que chamo “urbanismo negocial”, do qual Nova York é uma fonte inesgotável: compra-venda de espaço aéreo, manutenção privada de espaço público, uso público de espaço privado e exemplos clássicos de como funciona, por lá, a transferência de potencial construtivo, com suas evidentes contradições.

Em 1978 a Suprema Corte decidiu que a companhia proprietária da estação Grand Central não tinha direito constitucional ao valor especulativo derivado da hipotética construção de uma torre comercial sobre o terminal e, por extensão, que a cidade não contraía dívida com o proprietários de terrenos por reduzir seu valor de mercado por efeito da regulação do uso e da edificabilidade. Como no Brasil. Contudo, o mesmo juiz Brennan julgou que a empresa poderia transferir o potencial construtivo não utilizado a outros terrenos de sua propriedade nos arredores da estação. Ou seja, a cidade não contraía dívida, mas se esperava que compensasse o suposto prejuízo.*

Por outro lado, cumpre observar o que me parece ser uma visão distorcida, muito difundida aliás, do processo de construção das cidades, expressa logo no primeiro parágrafo:

Designers design buildings. Engineers engineer them. But the law is New York’s foundational architect and building block.”

E a indústria de bens e serviços urbanos? Se acomoda às regras do direito? Ou será substancialmente ao contrário? Acho que o autor não poderia ter escolhido cidade pior para ilustrar a sua tese.

__
*Sobre isso, eu sustento a minha antiga posição: a transferência de potencial construtivo deve ser uma prerrogativa exclusiva da municipalidade, destinada à cobertura de custos de intervenções públicas - tipicamente a desapropriação de terrenos necessários a obras e equipamentos. Por isso não a chamo "transferência do direito de construir", fórmula com a qual o Estatuto da Cidade abre a porta para a privatização dos próprios direitos de uso e edificabilidade, que dessa forma acabariam por tornar-se ilimitados, como se não bastasse a garantia constitucional de apropriação privada de seu efeito econômico: a renda da terra.

2020-10-06