21-07-2021, por Pensar a Cidade
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/pensar_a_cidade/2021/07/802618-porto-alegre-tera-leiloes-anuais-de-solo-criado.html
O Parque Moinhos de Vento, o Parcão, é um dos principais focos de valorização do solo no mercado imobiliário de Porto Alegre |
Isto só poderia significar que, em Porto Alegre, os m2 leiloados são uma parte relativamente pequena do volume total de construção, isto é, que os coeficientes básicos de aproveitamento de terreno são em geral bastante elevados como proporção dos coeficientes máximos. Por quê?
Com efeito, diz a matéria um pouco adiante que “em Porto Alegre, o valor básico desse índice [construtivo] varia entre 1 e 2,4 e o máximo entre 1,5 e 3”. Se tomamos, então, como hipótese um terreno de 1.000m2 com Cb=2,4 e Cm=3, temos que apenas 600m2 são excedentes ao coeficiente básico, vale dizer "solo criado" para fins de cobrança de direitos de edificabilidade. Supondo um preço de R$3.000,00 por m2 de Solo Criado, temos uma contrapartida total de R$ 1.800.000,00. Dado, porém, que o incorporador vai construir e vender 1.000m2 x 3 = 3.000 m2, o preço REAL da contrapartida é R$ 600,00 / m2, este sim um valor, mais exatamente uma ordem de grandeza de valor, compatível no sul-sudeste do Brasil com a recuperação do resíduo (renda da terra) contido no preço de 1m2 privativo médio no mercado de classe média: para uma hipotética proporção de 35% no m2 privativo ao preço de R$ 8.000,00, o resíduo valeria R$ 2.800,00 /m2 e a contrapartida 21,4% do resíduo.
A não distinção entre preço nominal e preço real da contrapartida por Solo Criado / OODC, perdidos em infinitas combinações possíveis de coeficientes básico, máximo e “fatores de ajuste” inseridos nas fórmulas de cálculo, continua sendo, a meu juízo, um sério obstáculo à construção de um entendimento comum, consequentemente uma política nacional, da recuperação de mais-valias fundiárias na indústria da incorporação.
[*] Veja o Projeto Básico do leilão previsto para agosto de 2021, objeto da reportagem, em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smf/usu_doc/leilao_2-2021_sei_14718639__anexos.pdf
[**] A “igualdade de direitos de aproveitamento de
terreno” implícita no Cb =1 é altamente discutível, para não dizer 100% mítica.
Primeiro porque o Cb=1 só igualaria, e não mais do que formalmente como explico mais abaixo, os direitos dos proprietários de terrenos se e somente se TODO o resíduo (renda da terra) do VGV (receita total do empreendimento) excedente ao Cb=1 fosse pago a título de Outorga Onerosa / Solo Criado – o que é fora de questão porque destruiria o negócio da incorporação tal como o conhecemos. Dessa contradição nascem os “fatores de planejamento”, cuja primeira missão nas fórmulas de cálculo de OODC / Solo Criado é, curiosamente, violar a camisa de força do Cb=1.
Segundo porque a terra tem distintos valores de mercado conforme sua localização na cidade, fenômeno que subverte a ideia, subjacente ao Cb=1, de igualação dos proprietários pela via do “direito natural ao valor de uso dos terrenos". Proprietários de terrenos urbanos são desiguais antes de tudo pela localização de seus imóveis. Ilustro com um caso limite: numa região periférica de baixa densidade e demanda de alta renda, como a Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, um terreno de 10 mil m2 com Cb=Cm=1 admitiria (não existe OODC no Rio de Janeiro), grosso modo, 10 mil m2 de produto imobiliário, VGV de R$ 100 milhões, resíduo (renda da terra) de R$ 50 milhões e ZERO de Outorga Onerosa / Solo Criado.
Terceiro porque a virtude da igualdade entre donos de
terrenos urbanos é uma reminiscência jeffersoniana: lei igual para proprietários - de
terras, capitais e até escravos.