BBC News Brasil 13-04-2023
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy65e4qnjjpo
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Montagem:Àbeiradourbanismo Clique para ampliar |
Como estudioso da organização espacial urbana, achei de particular interesse nessa matéria a constatação de que as famílias, liberadas do gasto imediato com tarifas de transporte, tendem não só a deslocar-se mais como a consumir mais.
Ficou uma dúvida, que pesquisas futuras poderão esclarecer, a respeito da ideia bastante difundida entre adeptos - como eu mesmo - da recuperação da renda do solo para fins de financiamento urbano, de que toda redução de gastos com transporte público no orçamento do trabalhador será necessariamente anulada pelo aumento dos alugueis. Sua origem é assim resumida na Economia Regional de Richardson 1975: “A análise de Wingo [custos constantes de localização, 1961] mantém a hipótese de complementaridade entre os gastos de aluguel e os custos de transporte apresentados mais de três décadas antes por R. M. Haig, que, por sua vez, formulou um paralelo urbano ao modelo agrícola de Von Thunen [1826]”.
Vale lembrar, no entanto, que a redução o poder de compra com o aumento da distância, e respectivo gasto de transporte, entre a residência e o comércio de varejo é uma premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de Walter Christaller, 1933: [1] "(..) um consumidor que tenha de se
deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível
do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do
transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da
distancia, causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo
da procura com a distância ao lugar central."
Como já tive ocasião de sugerir em mais de uma postagem neste blog, [2] a compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores situados à menor distância-custo uns dos outros, não a renda da terra em si mesma, seria o fundamento da organização espacial urbana moderna.
No papel de árbitro da competição espacial entre usos do solo socialmente necessários e espacialmente interdependentes, a renda da terra assegura que, no processo de formação da cidade capitalista, comércio, serviços e pequena indústria se aglomerem no ponto mais acessível da rede urbana relativamente ao conjunto das famílias, e suas imediações, para beneficiar-se da máxima acessibilidade, portanto do mínimo dispêndio coletivo com deslocamentos. Daí provém a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica da cidade capitalista e as categorias espaciais que hoje chamamos de centro [de negócios] e periferia [residencial], com suas respectivas diferenciações.
Famílias não buscam morar perto do Centro para pagar mais aluguel; pagam mais aluguel (por m2) para estar no lugar da cidade onde é mínimo o custo de deslocamento e máxima a oferta de mercadorias, serviços e empregos. Tampouco os varejistas se estabelecem no Centro para pagar mais aluguel: pagam mais aluguel para estar à menor distância possível do conjunto das famílias e aí se aglomeram, em mercados e arruamentos tão compactos quanto possível, para que nenhum consumidor “perca a viagem” e a força de trabalho seja a mais farta e barata possível.
Sob este ângulo, a configuração radio-concêntrica da cidade moderna aparece como um dispositivo de economia social facilitador e acelerador da produção de riqueza sob a forma histórica do capital.
A ideia da vantagem locacional reciprocamente determinada de residentes e
varejistas, sugerida por Hurd em 1903, [4] tem estado obscurecida pelo sucesso
do modelo de William Alonso em representar a distribuição de firmas e famílias urbanas, sempre e por definição individualmente consideradas, ao redor do Centro segundo sua capacidade de ofertar renda pela terra-localização. [5] Permanece, no entanto, a questão: de onde vem o Centro? Por qual
razão as firmas, cuja aglomeração constitui o próprio Centro, ofertariam as maiores
rendas da cidade para estar o mais perto possível... de si mesmas?
Tenho para mim que as declarações de Josué Ramos, prefeito de Vargem Grande Paulista, e Celso Haddad, Diretor da ETP de Maricá, reproduzidas na matéria da BBC Brasil, contêm ao menos parte da resposta:"É uma questão muito maior do que a de mobilidade. Existe a questão social, a de geração de recursos, porque na hora que eu implantei a tarifa zero, aumentou o gasto no comércio, a arrecadação de ICMS, de ISS"
"Em 2022, foram R$ 160 milhões que as famílias deixaram de gastar com transporte, o que é injetado diretamente na economia da cidade"
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[2] “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese” 08-03-2021
[3] “Apontamentos: HURD 1903 - crescimento urbano axial e central” 15-03-2023
[5] ABRAMO P (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87
2023-04-13