segunda-feira, 4 de novembro de 2024

M Abreu: A cidade brasileira 1870-1930

ABREU Maurício*, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62
(*) Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


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Mercantilização: a formação de um mercado urbano de terras

Imagem: http://www.mauricioabreu.com.br/

Foi entre 1870-1930 que os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras. A nível da produção de mercadorias, foi nessa fase que as relações sociais de base capitalista se difundiram, substituindo aquelas que vigoraram em tempos anteriores. A escravidão  urbana, já em decadência em meados do século XIX, esgotou-se rapidamente. O trabalho familiar ainda mostrou algum crescimento. Mas foram as relações de trabalho de tipo assalariado, capitaneadas pela  produção industrial e pelo setor de serviços urbanos, aquelas que mais se expandiram nas cidades, tornando-as cada vez mais diferentes do campo, onde relações pretéritas de produção e de trabalho  ainda mantiveram-se predominantes. 

Foi nas cidades, e nesse período, que se verificou também uma outra faceta do enraizamento acelerado do capitalismo moderno. Trata-se da emergência de um mercado urbano de terras, que se estruturou primeiramente nas cidades que sofriam forte pressão imigratória (notadamente Rio de Janeiro e São Paulo), difundindo-se depois pelo restante das áreas urbanas. Transações com terras e moradias tiveram lugar no Brasil desde o século XVI. O que ocorreu de novo no final do século XIX - e nas grandes cidades - foi que ambas transformaram-se rapidamente em ativo  financeiro. Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. E algo mais ocorreu. O retalhamento deixou de ser produto da ação isolada de um proprietário fundiário que dividia sua chácara em poucos lotes urbanos. Surgiu a promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário. 

Como resultado, grandes loteamentos surgiram na paisagem urbana, tanto para a burguesia em ascensão quanto para o proletariado em formação. Diferenciaram-se uns dos outros por sua localização no tecido urbano, já que as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço. Diferenciaram-se também pelo produto oferecido, que passou a variar da alta qualidade dos bairros criados para os mais abastados, inspirados no modelo howardiano da cidade-jardim e grandemente beneficiados pelo Estado com infraestrutura, ao nada urbanístico oferecido nos loteamentos proletários. Agravou-se a partir daí o processo de acesso diferencial dos grupos sociais às benesses urbanas, o que exigiu que os mais mais pobres passassem a lutar cada vez mais para obter do poder público os benefícios que este, não raro antecipadamente, concedia aos bairros mais ricos. 

A estruturação do mercado capitalista da habitação não se limitou, entretanto, à grande promoção fundiária, ainda que tenha sido essa a direção preferencial tomada pelo grande capital imobiliário até 1930. O rápido crescimento demográfico ofereceu também condições para o surgimento de um capital imobiliário mais modesto, em alguns lugares associado ao capital industrial, que produziu boa parte do estoque de habitações construído nessa época, simbolizado por vilas, avenidas e correres de casas. 

Crise e superação do pensamento sobre as cidades: do higienismo ao sanitarismo
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