sábado, 26 de dezembro de 2020

Burgess 1929: “O arruamento ortogonal”

BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, an Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-38
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015005490290&view=1up&seq=17


Ilustração da mancha urbana em
"cruz de malta" sobre mapas 
antigos das cidades de Ft. Worth,
Texas e Columbus, Ohio.

Montagem: Àbeiradourbanismo 
Nesta seção por mim traduzida de seu artigo "Urban Areas", de 1929, o sociólogo Ernest Burgess esboça, a partir de seus estudos sobre Chicago mas abarcando outras cidades “de planície” do Meio-Oeste dos EUA, uma questão basilar da moderna organização espacial urbana: o “efeito combinado da expansão radial-concêntrica e do sistema de vias arteriais ortogonais”, a primeira tida por ele como uma espécie de lei geral da estruturação urbana, o segundo herdado do reticulado parcelário (grid) criado pelo governo dos Estados Unidos em 1785 para facilitar a venda, a colonos e urbanizadores, dos novos territórios conquistados a oeste do continente.

A dedução mais interessante desse esboço, que repousa, sem dizê-lo, sobre o princípio do custo da distância formulado por Von
Thünen em 1826 e postulado como fundamento econômico da organização espacial urbana por Haig exatos cem anos depois, é a tendência à desvalorização relativa, em Chicago, dos lotes urbanos situados nas direções diagonais de expansão a partir do centro de negócios, e a formação de manchas urbanas com aspecto de “cruz de malta” em cidades de planície do Meio-Oeste estadunidense.

Tal efeito pode ser visto como a manifestação mais acabada de uma contradição espacial inerente à urbanização de mercado, e que subjaz à estrutura do espaço por ela construído, entre a “economia da localização” e a 
“economia da ocupação do solo”. A primeira, sujeita à primazia do fator acessibilidade, tende à disposição radial-concêntrica desigualmente distribuída do conjunto; a segunda, governada pelo aproveitamento das parcelas, impõe a preferência dos urbanizadores privados pelo arranjo ortogonal. 

Leia também neste blog: "Burgess 1925: urbanista acidental"
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/10/burgess-1925-urbanista-acidental.html

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III. O arruamento ortogonal
Chicago, como a maioria das cidades dos Estados Unidos, tem quase todas as vantagens e desvantagens do arruamento ortogonal. Fosse este fator o único relevante, o crescimento urbano não seria radial, mas em ângulos retos a partir do centro da cidade. O arruamento nas direções cardeais torna mais acessíveis ao centro urbano, portanto mais desejáveis para uso residencial, os distritos urbanos situados a norte, sul, leste e oeste e, inversamente, indesejáveis os setores ao longo das direções diagonais. Uma tendência natural sob o sistema reticulado tem sido a instalação do sistema local de ferrovias urbanas e transporte rápido nas arteriais norte-sul e leste-oeste. ou próximo a elas.

Acelera-se, assim, a força da expansão radial nas arteriais perpendiculares ao CBD e retarda-se, obstaculiza-se até, a tendência à expansão radial nas direções diagonais que cortam o reticulado. O efeito geral da superposição do padrão ortogonal dos arruamentos com o padrão circular das zonas urbanas é a configuração em cruz de malta que assumem cidades norte-americanas típicas como Columbus, em Ohio, e Fort Worth, no Texas (isto é, cidades de planície desprovidas de extensas frentes lacustres e fluviais).

Em Chicago, o rio tornou os setores diagonais ainda mais inacessíveis e desfavoráveis para uso residencial, acarretando a ocupação de suas margens pela indústria pesada e por bairros de população pobre e moradias de baixo padrão. As poucas vias diagonais da cidade, quase todas ao longo de estradas construídas sobre antigos caminhos indígenas, ainda que mitiguem as tendências inerentes ao arruamento reticulado pouca influência exercem, no conjunto, porque apenas uma delas, a Milwaukee Avenue, é uma autêntica arterial a serviço de uma grande área. E mesmo esta padece da desvantagem de todas as demais diagonais de Chicago, a saber, o fato de não partir do CDB como é o caso das ortogonais North Clark Street, West Madison Street e South State Street.

O efeito combinado da expansão radial-concêntrica com o sistema de vias arteriais ortogonais é concentrar o deslocamento centro-periferia nas direções cardeais. Na lacustre Chicago, os troncos principais de movimento populacional - para usar a sugestiva expressão do Professor A. E. Holt - foram o Norte ao longo da orla, o Sul ao longo da ferrovia Illinois Central e o Oeste ao longo da West Madison Street e Washington Boulevard. Esses três movimentos principais de população originária do país geraram o desenvolvimento de uma sucessão de subúrbios residenciais de alto padrão.

Nos interstícios das três direções de rápido crescimento permanecem dois setores de crescimento mais lento, o Noroeste e o Sudoeste, ocupados por colônias de imigrantes europeus, negros oriundos do sul do país e latino-americanos em geral. O mapa da próxima página mostra o movimento de todos esses grupos ao longo das vias mais importantes.


2020-12-26