quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Obsolescência não programada (2)

Deu no Extra online
Infraestrutura e serviços do Favela-Bairro se deterioraram, e condições são semelhantes ao período pré-urbanização

“Menina dos olhos do Favela-Bairro,
o Parque Royal, na Ilha do Governador,
está longe hoje de ser a vitrine do 
programa que prometia levar
urbanização e melhorar a qualidade
de vida dos moradores. Inaugurada
na segunda metade dos anos 1990, a
charmosa ciclovia, beirando a poluída
Baía de Guanabara, teve trecho do
muro de contenção destruído pela
maré há uma década e ainda não foi
refeito.”
(Continua)
Foto (detalhe): Roberto Moreyra / Extra
O Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID publicou em junho deste ano um relatório intitulado Bairro: 10 anos depoisque "revisita os bairros melhorados por meio do programa Favela-Bairro II com o objetivo de identificar os desafios a longo prazo que estes enfrentam."

“Associar às intervenções urbanas ações efetivas relacionadas às políticas sociais, dando a ambas o caráter de permanência”, como propõe a propósito desse relatório um comentário compartilhado no Facebook, era, até onde sei, a ideia dos urbanistas que criaram e dirigiram o programa Favela-Bairro.

Mas nesse caso a ideia não bastou. Componentes de "superestrutura" como regularização fundiária, por exemplo, não saíram do papel. Não sei nem se era viável, apesar dos consultores do BID o considerarem crítico para a patrimonialização do esperado aumento de preços e a formação de um mercado formal de imóveis. 

Para além do clássico problema da descontinuidade por mudanças de governo, programas compensatórios como o Favela-Bairro são diretamente afetados pelos ciclos econômicos e, o que é pior, podem ter seus efeitos positivos drasticamente reduzidos, ou até anulados, em épocas de crise como a que estamos vivendo.

Se a obsolescência se instala em áreas cada vez mais extensas da cidade formal, onde as poupanças privadas e as rendas de aluguel mal bastam para frear a deterioração dos imóveis, que dirá em comunidades pobres recém-urbanizadas que sequer chegaram perto de atingir o pretendido status de "bairros" – quaisquer que sejam as nuances com que os definamos por oposição a “favela”.

Para evitá-lo precisaríamos de 20 anos ininterruptos de Favela-Bairro em cada comunidade, com políticas sociais combinadas a obras públicas e, o que é fundamental, aumento significativo e sustentável do nível de rendimento das famílias.

2021-01-14