quarta-feira, 26 de maio de 2021

Diga que irá Irajá Irajá

Foto: Daniel Aguiar
Esta belíssima foto foi postada no Facebook, em 7 de maio, por Daniel Aguiar, da comunidade Vicente de Carvalho da Depressão. Diz o autor:

“Não tem uma vez q eu pegue metro em Iraja q eu não fique olhando fixamente pra essa belíssima arquitetura de 6 andares com o penúltimo em madeira.”

Sem dúvida que é um ótimo exemplo, a merecer de quem a estuda um comentário sobre a arquitetura da construção informal.  

Mas o que chama de imediato a minha atenção, embora não surpreenda, é justamente o fato das construções nas imediações da estação do Metrô serem todas, salvo melhor juízo, informais. Nada contra, mas me traz de volta a um tema antigo: a decisão governamental de construir a Linha 2 em superfície, protegida por muros de concreto de grande altura. Mesmo com estações elevadas, ela não contribuiu em nada, quando muito muito pouco, para impulsionar o desenvolvimento urbano, e com ele um modesto incremento que fosse dos rendimentos de negócios e famílias em áreas inteiras da Área de Planejamento 3, a grande Zona Norte do Rio de Janeiro estruturada pelos ramais ferroviários, com mais de 2 milhões de habitantes.

Uma ferrovia urbana é um objeto feito para durar um século. A muralha que dividiu em duas a AP-3 numa época em que a imensa maior parte dos deslocamentos urbanos já eram feitos por ônibus e automóveis é um considerável obstáculo ao desenvolvimento urbano de toda a região, capaz de neutralizar, quem sabe, boa parte das vantagens econômicas e urbanísticas derivadas da própria operação do Metrô. 

Não se trata, é certo, de um caso isolado e não desconheço que o hardware urbano da segunda metade do século XX foi globalmente tratado como custo necessário do desenvolvimento econômico. Incontáveis projetos de transporte, principalmente elevados rodoviários, destruíram lugares urbanos para servir outros, em muitos países e várias escalas urbanas.

Mas há projetos e projetos. No Rio de Janeiro, o elevado da Perimetral foi demolido para a construção do Porto Maravilha com fanfarras olímpicas e augúrios de “renascimento das boas práticas urbanísticas”, mas não o viaduto Paulo de Frontin (imaginem!) tampouco o elevado da Rua Bela. Em alguns casos, como o viaduto sobre o Canal do Mangue e o Mergulhão de Niterói, seria de exigir ao menos um pouco mais de apuro projetual e cuidado urbanístico. Sem falar que, para economizar no curto prazo em desapropriações que respondem por boa parte de seu custo total, grandes projetos de transporte como o Metrô Linha 1 e a Linha Amarela, em vez de criar lotes lindeiros estruturados que teriam enorme valor de venda no médio e longo prazos, legaram à cidade colchas de retalhos urbanos virtualmente inadministráveis.

Considero o projeto da Linha 2 uma tragédia urbanística que pode ter causado, também, fabulosas deseconomias urbanas. Para se ter uma ideia do problema, basta entrar no Google Maps e aproximar a imagem ao longo da linha e ao redor das estações: o que se vê é o pesadelo de quantos urbanólogos, desde Richard Hurd em 1903, tenham alertado para os efeitos contraditórios do sistema ferroviário de superfície, origem da acessibilidade suburbana em boa parte do mundo, sobre a qualidade do ambiente e o valor das propriedades em urbanizações de alta densidade.

Em 40 anos, o corredor rodo-metroviário da Avenida Automóvel Clube / Metrô Linha 2 não gerou um único sub-centro digno de nota, apesar de seccionado por grandes avenidas históricas que interligam os dois grandes ramais ferroviários radiais da cidade: Leopoldina (Penha, Olaria, Bonsucesso) e Central (Deodoro, Madureira, Engenho de Dentro, Meier).

Curiosamente, nunca vi nem ouvi falar de estudo algum, governamental ou acadêmico, que fizesse uma apreciação dos efeitos da Linha 2 sobre a geografia, a economia e o ambiente urbano da AP-3. 

Fosse professor de urbanismo, eu incentivaria os alunos a estudar a fundo este caso. Ele me lembra um comentário que me soprou o ilustre planejador espanhol Ezquiaga, convidado a um seminário que organizamos, em parceria com o prof. Pedro Abramo, da UFRJ, na Secretaria Municipal de Urbanismo quando lá exerci a função de Coordenador Técnico: "Seria altamente educativo publicarmos uma enciclopédia dos nossos grandes fracassos urbanísticos". A Linha 2 do Metrô do Rio seria verbete obrigatório.

Talvez um dia eu mesmo escreva, neste blog, um artigo sobre o assunto.  

2021-05-26