Foto: Daniel Aguiar |
“Não tem uma vez q eu pegue metro em Iraja q eu não fique olhando fixamente pra essa belíssima arquitetura de 6 andares com o penúltimo em madeira.”
Sem dúvida que é um ótimo exemplo, a merecer de quem a estuda um comentário sobre a arquitetura da construção informal.
Mas o que chama de imediato a minha atenção, embora não
surpreenda, é justamente o fato das construções nas imediações da estação do
Metrô serem todas, salvo melhor juízo, informais. Nada contra, mas me traz
de volta a um tema antigo: a decisão governamental de construir a Linha 2 em
superfície, protegida por muros de concreto de grande altura. Mesmo com
estações elevadas, ela não contribuiu em nada, quando muito muito pouco, para
impulsionar o desenvolvimento urbano, e com ele um modesto incremento que fosse
dos rendimentos de negócios e famílias em áreas inteiras da Área de
Planejamento 3, a grande Zona Norte do Rio de Janeiro estruturada pelos ramais
ferroviários, com mais de 2 milhões de habitantes.
Uma ferrovia urbana é um objeto feito para durar um século. A muralha que dividiu em duas a AP-3 numa época em que a imensa maior parte dos deslocamentos urbanos já eram feitos por ônibus e automóveis é um considerável obstáculo ao desenvolvimento urbano de toda a região, capaz de neutralizar, quem sabe, boa parte das vantagens econômicas e urbanísticas derivadas da própria operação do Metrô.
Não se trata, é certo, de um caso
isolado e não desconheço que o hardware urbano da segunda metade do século XX foi
globalmente tratado como custo necessário do desenvolvimento econômico. Incontáveis projetos
de transporte, principalmente elevados rodoviários, destruíram lugares urbanos para servir outros, em muitos países e
várias escalas urbanas.
Mas há projetos e projetos. No Rio de Janeiro, o elevado da
Perimetral foi demolido para a construção do Porto Maravilha com fanfarras olímpicas
e augúrios de “renascimento das boas práticas urbanísticas”, mas não o viaduto Paulo
de Frontin (imaginem!) tampouco o elevado da Rua Bela. Em alguns casos, como o
viaduto sobre o Canal do Mangue e o Mergulhão de Niterói, seria de exigir ao
menos um pouco mais de apuro projetual e cuidado urbanístico. Sem falar que,
para economizar no curto prazo em desapropriações que respondem por boa parte de
seu custo total, grandes projetos de transporte como o Metrô Linha 1 e a Linha
Amarela, em vez de criar lotes lindeiros estruturados que teriam enorme valor
de venda no médio e longo prazos, legaram à cidade colchas de retalhos urbanos
virtualmente inadministráveis.
Considero o projeto da Linha 2 uma tragédia urbanística que pode
ter causado, também, fabulosas deseconomias urbanas. Para se ter uma ideia do
problema, basta entrar no Google Maps e aproximar a imagem ao longo da linha e
ao redor das estações: o que se vê é o pesadelo de quantos urbanólogos, desde
Richard Hurd em 1903, tenham alertado para os efeitos contraditórios do sistema
ferroviário de superfície, origem da acessibilidade suburbana em boa parte do mundo, sobre a
qualidade do ambiente e o valor das propriedades em urbanizações de alta densidade.
Em 40 anos, o corredor rodo-metroviário da Avenida Automóvel
Clube / Metrô Linha 2 não gerou um único sub-centro digno de nota, apesar de
seccionado por grandes avenidas históricas que interligam os dois grandes
ramais ferroviários radiais da cidade: Leopoldina (Penha, Olaria, Bonsucesso) e Central
(Deodoro, Madureira, Engenho de Dentro, Meier).
Curiosamente, nunca vi nem ouvi falar de estudo algum,
governamental ou acadêmico, que fizesse uma apreciação dos efeitos da Linha 2
sobre a geografia, a economia e o ambiente urbano da AP-3.
Fosse professor de urbanismo, eu incentivaria os alunos a estudar
a fundo este caso. Ele me lembra um comentário que me soprou o ilustre
planejador espanhol Ezquiaga, convidado a um seminário que organizamos, em
parceria com o prof. Pedro Abramo, da UFRJ, na Secretaria Municipal de
Urbanismo quando lá exerci a função de Coordenador Técnico: "Seria
altamente educativo publicarmos uma enciclopédia dos nossos grandes fracassos
urbanísticos". A Linha 2 do Metrô do Rio seria verbete obrigatório.
Talvez um dia eu mesmo escreva, neste blog, um artigo sobre
o assunto.