terça-feira, 18 de maio de 2021

15 minutos de prudência

Deu no CityLab 14-05-2021, por Richard Florida

The Death and Life of the Central Business District
Offices are not going back to the way they were pre-pandemic, and neither are the downtown neighborhoods that house them.

"(..) far from killing them off,
the shift to remote work will
ultimately change their form
and function in more subtle
ways. Given their strategic
locations at the very center
of major metro areas, Central
Business Districts are perfectly
positioned to be remade as
more vibrant neighborhoods
where people can live and
play as well as work — a
leading-edge example of what
many urbanists are now calling
15-minute neighborhoods. And
with conscious and intentional
action on the part of urban
leaders and assistance from the
federal government, these CBDs
can be rebuilt in ways that are
more inclusive and affordable.
(...)"

Foto: Alexander Spatari/Moment/CityLab
Sugiro cautela com esse tipo de análise. A concentração do crescimento urbano nas grandes metrópoles nacionais não é uma opção cultural, mas uma imposição da competição econômica global - que continuará tão ou mais encarniçada do que antes.

Muitos artigos publicados na imprensa têm mostrado que a maioria dos home-officers que fugiram da pandemia não foram para o campo, nem para cidades médias, mas para a periferia de suas próprias metrópoles, ao alcance do seu "CBD", que assim estaria ampliando, não diminuindo, o âmbito territorial da sua atratividade.

De resto, a localização de start-ups comerciais e financeiras em novas centralidades dotadas de parques residenciais e hoteleiros destinados à sua população mais ou menos flutuante já vinha acontecendo em alguma medida em todas as grandes metrópoles. Ou não terá sido a combinação finança + turismo + hotelaria + residência de alta rotatividade o programa da quase totalidade dos Grandes Projetos Urbanos dos anos 1980-2010?

A ideia, muito difundida entre urbanistas, de que a ausência de diversidade nas zonas centrais das grandes metrópoles resulta de legislações inspiradas no princípio modernista da separação de usos é bastante discutível.

A formação dos CBDs, culminação de um longo processo de especialização econômico-espacial iniciado com a migração residencial das famílias dedicadas ao comércio, dos sobrados centrais recém-valorizados para localizações circundantes à cidade proto-capitalista [1] [2], decorre, antes de mais nada, dos imensos benefícios proporcionados às empresas pela aglomeração central, a incluir, de um lado, o acesso físico imediato a uma vasta cadeia de prestadores de todo tipo de serviços e, de outro, a máxima disponibilidade de mão de obra ao mínimo custo de transporte.*

A mescla de atividades nessas áreas só poderia ser garantida, ela sim, por legislações, ou planos, que a impusessem como critério de interesse público às expensas do que, em economia da localização, se chama “o maior e melhor uso” (MMU) do solo - como é o caso, no Brasil, das Áreas de Especial Interesse Urbanístico (AEIUs) e Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (APACs), muitas delas situadas nos próprios centros  urbanos ou em suas imediações.

“CityCenterDC is a mixed-use
development consisting of two
condominium buildings, two
rental apartment buildings, two
office buildings, a luxury hotel,
and public park in downtown
Washington, D.C. 
It encompasses 2,000,000 
square feet (190,000m2) and
covers more than five city blocks.
Salvo por tipologias de interesse direto das próprias empresas, como parece ser o caso de certos conjuntos de unidades de pequeno tamanho e alta rotatividade destinadas a trabalhadores qualificados mais ou menos temporários, jovens em sua maioria, a residência no CBD, que demanda a proximidade de todo tipo de equipamentos públicos e firmas “sub-MMU”, é, por definição, antagônica às vantagens econômicas privadas da aglomeração central.

Os grandes proprietários de escritórios e terrenos em localizações centrais hipervalorizadas (CBDs) não se renderão, portanto, tão facilmente. E eles podem esperar. Se a recuperação econômica acontecer, ainda que lentamente, os escritórios acabarão sendo ocupados mesmo que parte dos trabalhadores permaneçam em home-office – que, aliás, tende a ser apenas parcial. Pode haver um período relativamente longo de altas taxas de vacância e alguma baixa de preços e alugueis. Mas a conversão desses edifícios para habitação pela via do mercado é muito cara para tornar-se lucrativa e a opção de produzir moradia nova nessas localizações só atende a uma parcela bastante específica e relativamente restrita da demanda.

O que me parece provável, por outro lado, é que toda essa crise, que traz consigo o aumento da pobreza e da insegurança laboral, esteja acelerando processos de deterioração e abandono progressivo de edifícios comerciais "sub-prime" - pela antiguidade, localização ou ambos - dos grandes centros. E nesse caso, como sabemos, ou as prefeituras intervêm a tempo para transformá-los em habitação decente com preços / alugueis subsidiados, se necessário, ou eles acabarão sendo ocupados como habitação precária.

2021-05-18

* Nova redação 04-11-2023:

“(..) imensos benefícios proporcionados às empresas pela aglomeração central, a incluir (1) as vendas turbinadas pela mínima distância agregada ao conjunto das famílias, (2) a máxima disponibilidade de mão de obra ao mínimo custo de transporte – consequentemente menor preço da força de trabalho – e (3) acesso imediato a uma vasta cadeia de prestadores de todo tipo de serviços.”

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NOTAS

[1] "The physical evolution of a large city from a small one results not only from increased population and added industries, but also from continual specialization in business and differentiation in social grades. The first step is the separation between business and dwellings, the original buildings used for business below and dwelling above being replaced by separate business and residence buildings." [HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903, p 75.]
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up

[2] "Observamos que as freguesias que compunham o centro histórico da cidade continuam a perder população, fruto da tendência verificada desde o fim do século XIX desta parte da cidade especializar-se como zona comercial [QUEIROZ RIBEIRO, Luiz Cesar. Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. 2015, p. 180.]"
https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2020/07/Livro-Dos-Corti%C3%A7os-aos-Condom%C3%ADnos-Fechados_2edicao.pdf