quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Patten 1978: Londres 1500-1700 - ocupações e economia


PATTEN J, English towns, 1500-1700. Folkestone [England]: Archon Books 1978.
https://archive.org/details/englishtowns15000000patt/page/22/mode/2up

Chapter 4, Town Occupations and Town Economies - London (pp. 182-189)
https://docs.google.com/document/d/14d9gtrmZ7ev6gv-wXiCILBj7sVgkimVSQmtkFRT28a8/edit?usp=sharing


Fonte: Financial Times

https://www.ft.com/content/51705e73-bfa2-43ee-b288-98d4773f3fae
(..) The sixteenth and seventeenth century was the period in which London permanently consolidated its position in the country, so that not even the growth experienced by the great centres of the industrial revolution like Birmingham or Manchester could ever come near it. It was also during the period that London rose from being merely the most important town in England to becoming one of the great European cities, on a par with Paris or Naples. (..)


(..) London was important for its essential marketing facilities, its refining and entrepot role, and specialized luxury manufactures that were unique to it, but also for the growth of a new mode of trade occupation, the shop and shopkeeper, and for the growth of a new strata of activity, the services and professions.

The increasingly specialized retail shop, slowly disentangling itself from craft and manufacturing activities, was a creation of sixteenth-century London. From there it was to spread to the rest of the country. There had been places that were earlier called shops, letting down boards and awnings from house fronts on which goods were displayed, as well as being the ‘workshops’ from which the term ‘shop’ is undoubtedly a contraction. In most sixteenth-century provincial towns such places operated as retail outlets, mostly on market day; for the rest of the time they were concerned with making and fabricating in the back regions. (..)

2025-01-22

domingo, 12 de janeiro de 2025

Bijuteria de mau gosto


G1 Globo Especial publicitário 30-12-2024
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/especial-publicitario/imobiliaria-skyline/noticia/2024/12/30/por-que-o-mercado-imobiliario-de-balneario-camboriu-nao-para-de-crescer.ghtml

Balneário Camboriú, a jóia do litoral catarinense, tem experimentado um crescimento exponencial em seu mercado imobiliário, transformando-se em um dos destinos mais cobiçados do Brasil para investimentos. Mas o que impulsiona esse crescimento contínuo?

Resposta: a própria fama, ou mais exatamente, a expectativa de valorização. Porque de resto, vamos combinar: é feia de dar dó.


2025-01-15

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Hobson 1894: Concentração e dispersão do comércio varejista


HOBSON A J (1894), The Evolution of Modern Capitalism. London: W. Scott; New York: C. Scribner, 1894. Seções IV §12 Specialisation in Districts and Towns e IV §13 Specialisation within the Town, pp. 110-116.
https://docs.google.com/document/d/1-s4lTV9f_KTNljo6i_hTBxe3btCl8j0sW1Auqkhz-wY/edit?usp=drive_link

Lord Street, Liverpool c. 1900

“(..) Effective competition in retail trade sometimes requires concentration, sometimes dispersion of business. But the most characteristic modern movement in retail trade is a combination of the centralising and dispersive tendencies, and is related to the enlargement of the business-unit which we found proceeding everywhere in industry. The large distributing company with a number of local branch agents, who call regularly at the house of the consumer for orders, is the most highly organised form of retail trade. In all the departments of regular and general consumption the movement is towards this constant house-to-house supply. The wealthier classes in towns have already learned to purchase all the more perishable forms of food and many other articles of house consumption in this way, while the growing facilities of postage and conveyance of goods enable them to purchase from a large central store by means of a price-list all other consumables into which the element of individual taste or caprice does not largely enter. This habit is spreading in the smaller towns among the middle classes, so that the small dispersed retail businesses are becoming more and more dependent upon the supply of the needs of the working classes, and of such articles of comfort and luxury as may appeal to the less regular and calculable tastes of the moneyed classes. Just as in towns we have a constant automatic supply of water and gas instead of an intermittent supply dependent on a number of individual acts of purchase, so it seems likely that all the routine wants of the consumer will be supplied. (..)”


2025-01-08

domingo, 5 de janeiro de 2025

O inferno (ou paraíso?) dos alugueis

Não tenho a pretensão de saber as causas desse grave problema. Mas para uma publicação da natureza, tamanho e prestígio da FT, a explicação apresentada é nada menos que risível: 

“(..) Rents have been rising sharply for the past two years as landlords passed on rising costs, amid a shortage of properties to rent and strong demand from tenants who could not afford higher mortgage payments. (..)”

Observando o gráfico abaixo, extraído da própria reportagem, a primeira pergunta que me ocorre é: o que é que Londres tem que as demais regiões não tem? Minha resposta: um imenso afluxo de estrangeiros endinheirados - a negócios, estudo, turismo - boa parte deles em caráter temporário. Uma bênção dos céus para as finanças do Reino, por sinal. O resto vem depois.

Clique na imagem para ampliar
2025-01-05

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Conjunto Nacional, São Paulo

 


Fonte: "Conjunto Nacional, o primeiro grande arranha-céu da região",  11-12-2019 por Luciana Cotrim 

https://serieavenidapaulista.com.br/2019/12/11/conjunto-nacional-o-primeiro-grande-arranha-ceu-da-regiao/ 


*
O Conjunto Nacional, em São Paulo-SP, foi idealizado no início dos anos 1950 pelo empresário de rede hoteleira José Tjurs. Projeto de David Libeskind com 120 mil m2.

CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico
Nome atribuído: Conjunto Nacional
Localização: Av. Paulista, nº 2073 – São Paulo-SP
Número do Processo: 42666/01
Resolução de Tombamento: Resolução 22, de 07/04/2005
Publicação do Diário Oficial: Poder Executivo, Seção I, 16/04/2005, p. 27
Livro do Tombo Histórico: Nº inscr. 348, p. 93, 22/09/2005

Descrição: Idealizado no início dos anos 1950 pelo empresário de rede hoteleira José Tjurs, o Conjunto Nacional, cujas obras se iniciaram em 1954, ocupa um quarteirão definido e acessível pelas ruas Padre João Manuel e Augusta, pela Alameda Santos e Avenida Paulista. O projeto do arquiteto David Libeskind contemplou, nos 120 mil m2 de área construída, um centro comercial, espaços para eventos culturais, centro de convenções, salão de festas e apartamentos residenciais. A configuração arquitetônica está estruturada em duas grandes lâminas uma delas no sentido vertical e a outra no sentido horizontal. A lâmina horizontal, inaugurado em 1958 e que ocupa toda a área do quarteirão, possui em seu interior quatro galerias que se cruzam formando uma praça, na qual tem-se acesso ao mezanino através de uma rampa helicoidal. Em 1962, a lâmina vertical foi concluída, contemplando os espaços destinados aos usos residenciais e a de prestação de serviços.
Fonte: Processo de Tombamento.

CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo
Nome atribuído: Conjunto Nacional
Localização: Av. Paulista, nº 2073 – São Paulo-SP
Resolução de tombamento: Resolução 06/15

Fonte:ipatrimonio
https://www.ipatrimonio.org/sao-paulo-conjunto-nacional

Foto: Francisco Anzola

2025-01-01

domingo, 22 de dezembro de 2024

Anais do urbanismo rodoviarista

Legenda da imagem (Google Translator):

“Na nossa opinião, a única forma de poupar os antigos centros das cidades holandesas da destruição causada pelas infraestruturas de trânsito é construir uma ampla circular em torno do centro antigo. Aqui está uma solução possível para Amsterdã. A condição é a demolição de grande parte dos edifícios do século XIX fora do anel viário e o bom funcionamento do transporte público (sem metrô...) de e para o anel viário.”

***


The Jokinen Plan comprises two reports, drawn up by the American traffic expert David A. Jokinen, on the urban planning of two Dutch cities: for The Hague in 1962, and for Amsterdam in 1967, both set out in a brochure.

(..) Jokinen assumed that, just like in the USA, most people would choose to live in the suburbs and drive to work, although public transport was also taken into account. A new central station would be built in the vicinity of the Weteringcircuit. Dutch Railways adopted the idea and, until the mid-1970s, argued for a major terminal station in De Pijp, dubbed Amsterdam Centrum-Zuid station, which would also connect to two branches of the North-South metro line. Jokinen advocated a system of monorails to connect parking garages on the edge of the city centre with the old city.

Jokinen's ideas arose from other concepts from the same period. His vision to build high towers in park-like environments was very similar to Le Corbusier's ideas for Paris (Plan Voisin). Jokinen's preference for the car resembled the way Robert Moses attempted to transform New York at the same time. In the view of Jokinen, the city centre would be affected somewhat, but not as badly as envisaged by Plan Kaasjager in 1954, which proposed filling in many city centre canals to create roads.[3]

Nevertheless, the plan met with fierce criticism and was mostly not adopted by the implementing agencies. Apart from a number of rather large viaducts on the Centrumring, and the fairly large-scale reprofiling of the Wibautstraat after the metro was built, the plan ultimately had hardly any consequences for the city.

WIKIPEDIA, “Jokinen Plan” https://en.wikipedia.org/wiki/Jokinen_Plan


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Porto Maravilha: Sem plano nem projeto - como não fazer uma Operação Urbana


O Globo 16-12-2024
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/12/16/novo-porto-do-rio-comeca-a-ter-moradores-mas-ainda-espera-por-comercio-e-servicos-como-e-viver-num-bairro-que-nasce.ghtml

Região já tem 14 empreendimentos residenciais, que somam 22 prédios e quase dez mil apartamentos; pelo menos mais quatro serão lançados em 2025
(..) Um dos primeiros a passar a morar com a esposa Bárbara no [condomínio residencial] Praia Formosa, há três meses, Grijó tem pressa.

— A gente está aguardando chegar shopping, banco, um grande supermercado, mais farmácias, lanchonetes e restaurantes melhores, uma padaria adequada, mais escolas e um novo posto de saúde, porque o que tem não vai dar conta — enumera o ex-gari e hoje operador de máquinas da Comlurb, que já varreu a Rua Geógrafo Milton Santos, onde vive hoje. (..)

(..) na sua rotina diária os recém-chegados contam, na Rua Santo Cristo, apenas com estabelecimentos modestos para atender quem vive nos velhos casarões do lugar: um supermercado, uma farmácia, bares e restaurantes pequenos, papelaria e oficina, entre outros. Encontram pelo menos uma igreja evangélica. Na praça que corta a via, há uma paróquia católica. E, no número 242, funciona há cerca de três anos a filial do Centro Educacional Santo Cristo, de Madureira, com 150 crianças, do berçário ao terceiro ano do ensino fundamental (..)

Para os meninos maiores, a única opção na redondeza é uma unidade pública municipal. O Ginásio Educacional Tecnológico Benjamin Constant atende 413 alunos do ensino fundamental I e II e de turmas de correção de fluxo. (..)

A educação dos gêmeos João Pedro e Maria Luz, de 9 meses, é uma preocupação, mas está longe de ser a única do casal Pedro Henrique Brandão e Kelly Cozini, que se mudou em setembro do Estácio para o Praia Formosa:

— Deveria ter um sinal de pedestres em frente ao condomínio, onde passam ônibus — reivindica a contadora Isabel. 

Pedro, que é empregado da Transpetro, acrescenta:

— Aqui está parecendo com a Cidade Nova, onde morei na adolescência. Não temos para onde ir, principalmente à noite e com criança pequena. Não tem uma pizzaria, um shopping. Mas estou na expectativa da chegada do Flamengo. (..)


Leia neste blog: No Porto Maravilha, a moradia é à bangu
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/07/no-porto-maravilha-moradia-e-bangu.html

2024-12-18

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Se a moda pega…


El País 11-12-2024
https://elpais.com/espana/catalunya/2024-12-11/el-sindicato-de-inquilinas-anuncia-las-dos-primeras-huelgas-de-alquiler-en-dos-edificios-en-cataluna.html
Vecinos de fincas de Salou y Sentmenat han comenzado o se disponen a dejar de pagar el alquiler a la propiedad y lo ingresarán en una cuenta común
Tres semanas después de [la masiva manifestación] que pidió en Barcelona una bajada del precio de los alquileres y que apuntaba a la convocatoria de una huelga de alquileres, el Sindicato de Inquilinas ha presentado este miércoles el caso de los dos primeros edificios de Cataluña que recurrirán a esta fórmula para mejorar la situación de sus inquilinos. Son dos inmuebles de Salou (Tarragona) y Sentmenat (Barcelona) que en origen eran [de protección, promovidos por la obra social de La Caixa y ahora gestionados por InmoCriteria], a quienes los inquilinos llevaron a los tribunales por supuestas cláusulas abusivas en sus contratos. En el caso de Salou, el edificio [acaba de ser comprado por la Generalitat. Los vecinos han comenzado o se disponen a protagonizar en marzo huelgas que consisten en dejar de pagar el alquiler a la propiedad, pero lo ingresarán en una cuenta común. El objetivo es presionar para mejorar sus condiciones. (..)"

2024-12-11

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Adensar o lote ou a cidade?


Sul Vinte Um 24-11-2024

"(..) A retórica do adensamento de Porto Alegre tem sido bastante difundida pelo governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) em meio ao debate sobre o novo Plano Diretor. A questão, entretanto, para o professor de Geografia da UFRGS, é que o tema causa confusão ao misturar quantidade e altura de prédios com o adensamento populacional. Ele acredita que a Prefeitura tem o conceito de que liberar construções mais altas causará adensamento, porém, a realidade tem mostrado que não é bem assim.

“Adensamento é a quantidade de população que vive numa determinada área. Todos os números estão mostrando que as áreas cada vez mais verticais da cidade não estão ficando mais adensadas. Elas foram mais adensadas no passado porque as famílias eram maiores, mais pessoas moravam naqueles bairros. Na prática, a relação é muito pequena entre a altura dos prédios e o adensamento”, explica, citando o conhecido caso de Barcelona, uma cidade sem prédios altos e com um dos maiores adensamentos do planeta. “Toda a discussão (em Porto Alegre) não trata de como as pessoas podem ocupar as unidades já construídas.” (..)"


2024-11-04

terça-feira, 26 de novembro de 2024

A renda da terra e a cidade feudal: notas

https://www.historictownstrust.uk/maps/medieval-london 


Editado em 03-12-204

Em sua célebre contribuição do ano de 1971 intitulada “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”, o geógrafo estadunidense J E Vance Jr (1925-1999) sustenta que o uso, nas cidades do baixo medievo, da renda fundiária urbana como fonte de rendimentos regulares de uma nova classe de proprietários é o marco distintivo do que chama de “morfogênese” da cidade capitalista. [1]

Tendo em vista uma análise desse texto a ser proximamente publicada neste blog, e tomando como premissa a especificidade dos modos de produção feudal e capitalista, as notas que se seguem esboçam algumas ideias sobre a extensão da renda feudal às cidades e sua relação com a indústria artesanal urbana. 
*

A sociedade feudal baseava-se na renda agrícola - em espécie ou tempo de trabalho nas terras do senhor e, mais tarde, também em dinheiro - imposta pela aristocracia guerreira sucessora do colonato romano e das comunidades tribais germânicas, à guisa de estabilidade e proteção, aos camponeses que ocupavam e cultivavam a terra com seus instrumentos de trabalho. A produção agrícola excedente às estritas necessidades dos servos rurais, apropriada pela nobiliarquia fundiária para seu próprio consumo, era a base da riqueza na sociedade feudal.

Em contraste, a sociedade capitalista, gestada durante séculos no seio da sociedade feudal europeia, baseia-se na produção generalizada de mercadorias por trabalhadores livres para vender, em troca de um salário, a sua força de trabalho aos proprietários das instalações, instrumentos e insumos da produção. A base da riqueza capitalista é o mais-trabalho assalariado, vale dizer o valor das mercadorias produzidas que exceda os custos totais de produção, incluídos os salários, apropriado pelos capitalistas como lucro.

Com o ressurgimento das cidades na Europa do século XII - para uns o resultado da riqueza gerada pelo comércio de longa distância, para outros da riqueza criada pelo lento, mas efetivo, desenvolvimento da agricultura feudal entre os séculos VI e XI, e para outros ainda uma combinação das duas coisas [2] -, a renda fundiária estendeu-se ao âmbito urbano [3], para o qual se transferira a produção de utensílios e ferramentas até então limitada aos castelos e monastérios. Com as cidades veio também a necessidade de alimentá-las, consequentemente a permissão, e até o incentivo em muitos casos, para que os camponeses vendessem parte da sua produção aos citadinos.

Os produtos da indústria artesã, base da economia urbana feudal sem a qual a renda urbana não poderia existir, muito menos se enraizar, eram comercializados - à exceção, obviamente, das construções - em parte nas próprias oficinas-residências dos produtores, em parte nos mercados periódicos onde as famílias urbanas e rurais se abasteciam mutuamente - aquelas de produtos agrícolas indispensáveis à subsistência, estas de ferramentas, utensílios domésticos, vestimentas e artigos básicos ‘importados’, como o sal.

Por serem as catedrais os lugares mais frequentados das urbes feudais, seus pátios e áreas contíguas foram, inicialmente, os lugares preferenciais dos mercados periódicos. A centralidade urbana não era, contudo, claramente definida: como pontos de contato da cidade com o espaço rural à sua volta, e de recepção de peregrinos e mercadores, as portas das cidades, que mesmo na ausência de ameaças constantes não estavam lá por acidente, atraíam o assentamento intra-muros e extra-muros de armazéns, pousadas e tavernas, de algumas classes de artesãos e até de novos burgos.
[4] [5] [6] [7] [7a]

Mas o mesmo sistema feudal que, com os progressos na agricultura e o aumento da riqueza, fizera ressurgir as cidades, era também, por outro lado, um obstáculo virtualmente intransponível à ampliação dos mercados consumidores da produção urbana, uma vez que a imensa maioria da população continuava habitando os campos e cultivando-os de sol a sol em condições de pobreza quase absoluta.

Por isso, ainda que empregando certa quantidade de jornaleiros libertos ou evadidos da servidão rural, os artesãos urbanos cuidavam antes de tudo - e o fariam durante muito tempo mais - de proteger seus privilégios de mercado por intermédio de guildas autorizadas pelos potentados feudais ou pela própria coroa. O mesmo vale para os mercadores: sua riqueza, proveniente da discrepância, tão rentável quanto incerta, entre os preços de compra e venda de artigos estrangeiros apreciados pela nobreza, era comumente aplicada na aquisição de feudos [8], ou seja, no prolongamento da ordem senhorial.

À exceção de uma ínfima minoria de senhores, muitos deles clérigos católicos, e mercadores ricos residentes nas cidades, a renda do solo urbano, que a espelho da própria hierarquia feudal consistia em um obscuro sistema de 'sublocações' sucessivas [9], só podia provir dos módicos ganhos da produção artesanal, dos serviços pessoais, do incipiente comércio de varejo e dos parcos rendimentos de algum trabalho já assalariado - às expensas, portanto, do poder de consumo das famílias e da consequente acumulação de capitais porventura investidos na produção e no comércio.

A renda urbana contradizia, de fato, o fundamento da sociedade feudal, mas apenas na medida em que os artesãos, que formavam a espinha dorsal da economia urbana e por isso mesmo pagavam os maiores aluguéis [10], produziam, tal como os futuros capitalistas, não para consumo próprio ou do senhor feudal, mas para a troca no mercado - por outros utensílios, por artigos importados e, principalmente, por produtos agrícolas, com maior ou menor interveniência da moeda.

Contudo, renda urbana e produção para o mercado estavam a léguas de significar, a essa altura, capitalismo, modo de produção da riqueza que supõe o encontro, no mercado, de detentores de riquezas previamente acumuladas com trabalhadores livres da servidão rural, mas expropriados de suas terras e ferramentas, portanto compelidos a vender sua força de trabalho para continuar vivendo. E não só: capitalismo supõe também certa escala de produção, comércio e consumo, portanto a ampla circulação da moeda em âmbitos territoriais bem definidos, que viriam a ser os Estados nacionais, sem o quê a parte do lucro não consumida nem entesourada não se converte em reinvestimento continuado e consequente acumulação. 

O lugar dos artesãos e mercadores na sociedade feudal e seu papel na formação da cidade capitalista é assim resumido por Le Goff:

O nome que esses beneficiários dos privilégios urbanos vão usar de preferência, burgenses, apenas continuará designando uma parte da população das cidades, mas a palavra francesa que o traduz, borjois, batizará uma classe social, a burguesia, que triunfará no século XIX com o capitalismo e uma nova revolução urbana, a da cidade, nascida da revolução industrial. [11]

Não surpreende, pois, que da análise de escrituras de transações imobiliárias do século XIII nos burgos ingleses de Coventry, Worcester, Warwick e Stratford, bem como de registros de arrendamentos em Gloucester no ano de 1455, Hilton tenha concluído não haver nesse material indicações de um significativo acúmulo de propriedade fundiária urbana até o século XIII, e que a relativa concentração observada nos séculos XIV e XIV não se deu primordialmente em benefício de burgueses, mas de clérigos e instituições católicas. [12]

*

A próxima postagem desta série abordará os trabalhos de Hilton (1967) e Langton (1977) (ver Notas 9 e 10) sobre os registros de rendas urbanas em cidades das Midlands inglesas dos séculos XIII-XV, com foco nos problemas da organização sócio-espacial urbana.


2024-11-26

______
NOTAS

[1] “The main argument of this paper (..) is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city. (..) The introduction of capitalism transformed the meaning of urban land. In place of land occupation primarily for the pursuit of a trade there came the viewing of land as property, most significant for its continuing economic return. Ownership was divorced from use and a class of capitalists arose that had little to do directly either with the productive and trading activities of the town or with the conduct of its government.” [VANCE Jr J E (1971), "Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47,101-20.
https://www.jstor.org/stable/143040

[2] Para Le Goff, "The towns were born not only out of the reawakening of trade, but also out of the growth of agriculture in the west, which was beginning to supply urban centres with a better supply of food and manpower." [LE GOFF J, Medieval Civilisation, p. 73–74]

[3] "O centro das cidades é por vezes tortuoso. É um dédalo de ruelas. Essa desordem provém da marca feudal muitas vezes impressa no solo urbano. Os limites dos feudos e das censives, espaço sobre o qual o senhor cobra um imposto em dinheiro, o censo, explicam-no frequentemente." [LE GOFF J, O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes 1992, pp. 29-4.

[4] "(..) la puerta produjo, sin normas especiales de distribución en zonas, los barrios económicos de la ciudad; y como no había solamente una puerta, la naturaleza misma del tráfico procedente de diferentes regiones tendió a descentralizar y diferenciar las zonas comerciales.” [MUMFORD L (1961), La Ciudad en la Historia, Capítulo X. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, pp. 503-24]

[5] Para muitas cidades medievais, com efeito, é um problema alcançar a unidade a partir da multiplicidade dos núcleos que a princípio se justapuseram ou, em todo caso, da freqüente dualidade que opõe uma cidade antiga, a cité, cidade episcopal, senhorial, com grande proporção de eclesiásticos, a uma nova aglomeração nascida do artesanato e do comércio, o burgo. [LE GOFF J, op. cit.] [Itálico PJ]
 
[6] “Clear locational controls are apparent in another trade, that of the blacksmiths for they were mainly engaged in shoeing horses and clearly positioned adjacent to the main town gates where journeys started and finished.” [CARTER H, An introduction to urban historical geography - "Chapter 8 The Internal Structure of the City: the central area". London: E. Arnold 1983]
https://archive.org/details/introductiontour0000cart

[7] (..) A cidade medieval é policêntrica. (..) O que estrutura a cidade é um certo número de lugares e monumentos que determinam até certo ponto o ordenamento das casas e das ruas e, sobretudo, a circulação. (..) Três elementos inscrevem na planta das cidades alsacianas um traço particularmente importante: o castelo senhorial, as igrejas e os mercados. Estes dois últimos elementos, aliás, estão às vezes associados (..). [LE GOFF J, op. cit]

[7a] “En efecte, és detectable, en nombroses ciutats medievals, l'existhncia d'un centre "doble" que, de fet, hereta, en molts casos, el ben conegut esquema de formació histórica "ciutat-burg": per una banda, un nucli polític, administratiu i religiós, entorn al qual s'acostuma a trobar l'area de residencia dels privilegiats (clergues, noblesa urbanitzada, oligarquies urbanes ennoblides...); per l'altra, un centre comercial i actiu, nucleat sovint entorn a l'antic burgus format a redós del primer mercat fora muralles, que inclou tant el comerq diari que abasteix la ciutat i la seva area d'influencia, com les activitats mercantils orientades cap a les transaccions a llarga distancia.”[ESPUCHE A G e GUÀRDIA M B , “"Transició” y ciutat: les transformacions de l’estructura del espai”. Manuscrits: revista d’història moderna, [en línia], 1987, Núm. 4, p. 143-70
https://raco.cat/index.php/Manuscrits/article/view/23116

[8] “Braudel suggests that families rarely remained in trade for more than three generations before buying their way into the old ruling class”. [HARMAN C, “From feudalism to capitalism". International Socialism Winter 1989, pp. 35–87]

[9] "Thomas Payn, a Warwick burgess who bore the ephemeral title of ‘mayor’, held a dozen burgages for low rents from the Earl of Warwick and from a number of ecclesiastical landlords, as well as three of which he was principal landlord. His rent income from his sublettings was nearly four times as great as the rent he had to pay out." [HILTON R H 1967,  "Some problems of urban real property in the middle ages”. In Socialism, capitalism and economic growth; essays presented to Maurice Dobb. Cambridge: Cambridge University Press, 1967

[10] “£1 was the most common tenement rent and, as the averages show, tenements were generally let at considerably higher rents than cottages. Higher still, as one would expect, were the rents of tenements with shops, inns and bakeries and the principal tenement, whilst the shops without dwelling places were the cheapest buildings to rent, an index of their small sizes and flimsiness.” [LANGTON J, “Late Medieval Gloucester: Some Data from a Rental of 1455”. Transactions of the Institute of British Geographers Vol. 2, No. 3, Change in the Town (1977), pp. 259-277. The Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers)
https://www.jstor.org/stable/621831

[11] LE GOFF J, op. cit.

[12] HILTON RH 1967, op. cit.

sábado, 23 de novembro de 2024

Subsídio é bom e eu gosto!


Infomoney / Estadão conteúdo 23-11-2023
https://www.infomoney.com.br/consumo/incorporadoras-do-minha-casa-minha-vida-vivem-fase-de-ouro-e-lucro-somado-sobe-143/

"As incorporadoras que atuam no Minha Casa Minha Vida (MCMV) apresentaram resultados bastante positivos no terceiro trimestre, confirmando o melhor momento do programa habitacional desde a sua criação, há 15 anos. (..) O aumento do lucro em um ritmo maior que o da receita se deve à diluição das despesas administrativas e comerciais, com melhora das margens de lucro. A margem bruta média do setor atingiu 34,7% alta de 2,8 pontos porcentuais. E a margem líquida chegou a 9%, avanço de 4 pontos porcentuais. O levantamento foi realizado pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) com os números das cinco incorporadoras do segmento econômico com ações listadas na bolsa de valores: Cury, Direcional, MRV, Plano & Plano e Tenda. (..)
Montagem: Àbeiradourbanismo

2024-11-23

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Apontamentos: M Abreu e a transição urbana no Brasil


ABREU Maurício*, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62
(*) Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


Concordo inteiramente com Abreu que o período 1870-1930 é aquele em que “os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras”. Nelas surgiram, de fato, “relações de trabalho de tipo assalariado capitaneadas pela produção industrial e pelo setor de serviços urbanos” e “um mercado urbano de terras” coroado pela “promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário”. 

Por uma coincidência que nada tem de casual, foi este o exato intervalo temporal que deduzi, das leituras de Strohaecker sobre Porto Alegre [1], de Queiroz Ribeiro e Lima Barreto (!)  sobre o Rio de Janeiro [2] [3] e de outras mais sobre São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte, como sendo o do nascimento das metrópoles capitalistas brasileiras

Essa concordância, aliás, ocorre-me agora, é um bom motivo para escrever um comentário sobre o problema da periodização na história urbana brasileira.

Deixando de lado por ora - para focar no meu campo de investigação - o seu ótimo resumo do desenvolvimento do urbanismo e das políticas urbanas brasileiras nesse período, observo um aspecto do texto de Abreu em que não coincido, ao menos em parte: a assimilação do novo mercado de lotes suburbanos a um processo de “desconcentração urbana” [4]. 

É certo que “as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço”. Por isso mesmo, me parece, a “desconcentração” é apenas relativa. Ao nascente espraiamento suburbano dessa época corresponde o início de uma radical transformação das cidades herdadas do período colonial, para se tornarem centros das metrópoles radiadas com aumentos brutais das densidades edificadas exigidos pelos negócios em geral e, principalmente, pelas grandes firmas comerciais e bancárias.

Como muito bem observou o economista e avaliador Richard Hurd em sua única obra Principles of City Land Values, publicada em 1903, a expansão da cidade do século XX é, ao mesmo tempo, periférica e central.

A ‘revolução da centralidade’, unindo num só movimento reciprocamente determinado o adensamento do núcleo central de negócios e o espraiamento residencial suburbano, com a relativa compactação do pericentro residencial e a proliferação de subcentros, é, a meu juízo, o fenômeno geográfico / urbanístico que melhor define o advento da cidade capitalista por oposição às urbanizações precedentes. 

2024-11-10

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NOTAS

[1] STROHAECKER T M, “Atuação do Público e do Privado na Estruturação do Mercado de Terras de Porto Alegre (1890-1950)”. Scripta Nova - Revista Electrónica de Geografía Y Ciencias Sociales / Universidade de Barcelona, Vol. IX, núm. 194 (13), 1 de agosto de 2005.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-13.htm

[2] QUEIROZ RIBEIRO L C, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, p. 32. Observatório das Metrópoles, 2015. Embora essa referência temporal permeie boa parte do texto, o Capítulo 5, especificamente, intitula-se “Transformações do parque imobiliário - 1870-1930”.

[3] LIMA BARRETO A H, Lima Barreto Completo I: Sátiras e Romances Completos. Edição do Kindle. 

[4] "Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. [ABREU M, “Cidade brasileira: 1870-1930”] [Destaque PJ]
https://pt.scribd.com/document/162723437/62

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Langton 1975: padrões residenciais urbanos na Inglaterra 1670-1750


LANGTON John, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27.
https://www.jstor.org/stable/621607


ABSTRACT

Newcastle 1745
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The models of pre-nineteenth-century cities formulated by Sjoberg and Vance are compared. The two writers postulated different kinds of social ecology because they based their deductions about spatial patterns upon different social structures, and this difference, in turn, resulted from their use of different economic variables as sociological determinants. An analysis of the hearth tax returns for three British cities, and of data produced by linking these returns with the admissions list of freemen in Newcastle, shows that neither of their models replicates what happened in these cities. In Newcastle, a merchant oligarchy existed, dominating a particular residential-cum-economic area, and the gild organization of crafts was reflected in the spatial zoning of occupational groups. Although some parts of Newcastle were occupationally mixed, this probably did not represent the emergence of ‘class zoning’.


In the literature of urban geography, little space is devoted to pre-nineteenth cities. When the subject is discussed it is usually treated with a bland lack of controversy: textbooks, and monographs and papers on historical and modern cities are alike in their exclusive and uncritical presentation of Sjoberg’s generalizations about what he termed the ‘pre-industrial city”1. The reasons for this situation are not, of course, hard to find. Until recently, this was the only set of generalizations available, and the continents in which much of the recent work in urban social geography has been done have no great fund of pre-nineteenth-century urban experience. The current preoccupation of urban social geographers with techniques of analysis which require large arrays of data, and with theories which link urbanism with industrialization or modernization, and thus define the pre-nineteenth-century city out of consideration, also contribute to this end. Moreover, the ease with which the processes which destroyed the ‘pre-industrial city’ can be thought of as synonymous with those which created the modern city has contributed to the development of the concept of ‘ecological transition’, and this fusion seems only to have bolstered the confidence of urban geographers in Sjoberg’s monolithic ideas about the nature of cities before the transition occurred.2 The result is a general agreement that urban society was segregated by wealth or status, with the rich and powerful living near to the centre and the poor and powerless on the periphery of cities before industrialization, or modernization. Afterwards, class-based segregation became manifest, and the social geography of cities, in terms of this two gross categories, was reversed. (..)

Acesse o artigo na íntegra pelo link (inscrição gratuita requerida)
https://www.jstor.org/stable/621607 

2024-11-06

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

M Abreu: A cidade brasileira 1870-1930

ABREU Maurício*, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62
(*) Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


(..)

Mercantilização: a formação de um mercado urbano de terras

Imagem: http://www.mauricioabreu.com.br/

Foi entre 1870-1930 que os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras. A nível da produção de mercadorias, foi nessa fase que as relações sociais de base capitalista se difundiram, substituindo aquelas que vigoraram em tempos anteriores. A escravidão  urbana, já em decadência em meados do século XIX, esgotou-se rapidamente. O trabalho familiar ainda mostrou algum crescimento. Mas foram as relações de trabalho de tipo assalariado, capitaneadas pela  produção industrial e pelo setor de serviços urbanos, aquelas que mais se expandiram nas cidades, tornando-as cada vez mais diferentes do campo, onde relações pretéritas de produção e de trabalho  ainda mantiveram-se predominantes. 

Foi nas cidades, e nesse período, que se verificou também uma outra faceta do enraizamento acelerado do capitalismo moderno. Trata-se da emergência de um mercado urbano de terras, que se estruturou primeiramente nas cidades que sofriam forte pressão imigratória (notadamente Rio de Janeiro e São Paulo), difundindo-se depois pelo restante das áreas urbanas. Transações com terras e moradias tiveram lugar no Brasil desde o século XVI. O que ocorreu de novo no final do século XIX - e nas grandes cidades - foi que ambas transformaram-se rapidamente em ativo  financeiro. Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. E algo mais ocorreu. O retalhamento deixou de ser produto da ação isolada de um proprietário fundiário que dividia sua chácara em poucos lotes urbanos. Surgiu a promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário. 

Como resultado, grandes loteamentos surgiram na paisagem urbana, tanto para a burguesia em ascensão quanto para o proletariado em formação. Diferenciaram-se uns dos outros por sua localização no tecido urbano, já que as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço. Diferenciaram-se também pelo produto oferecido, que passou a variar da alta qualidade dos bairros criados para os mais abastados, inspirados no modelo howardiano da cidade-jardim e grandemente beneficiados pelo Estado com infraestrutura, ao nada urbanístico oferecido nos loteamentos proletários. Agravou-se a partir daí o processo de acesso diferencial dos grupos sociais às benesses urbanas, o que exigiu que os mais mais pobres passassem a lutar cada vez mais para obter do poder público os benefícios que este, não raro antecipadamente, concedia aos bairros mais ricos. 

A estruturação do mercado capitalista da habitação não se limitou, entretanto, à grande promoção fundiária, ainda que tenha sido essa a direção preferencial tomada pelo grande capital imobiliário até 1930. O rápido crescimento demográfico ofereceu também condições para o surgimento de um capital imobiliário mais modesto, em alguns lugares associado ao capital industrial, que produziu boa parte do estoque de habitações construído nessa época, simbolizado por vilas, avenidas e correres de casas. 

Crise e superação do pensamento sobre as cidades: do higienismo ao sanitarismo
(..)

Acesse o texto integral pelo link
https://pt.scribd.com/document/162723437/62

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Jericoacoara tem dono?


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Este é, para mim, um daqueles casos judiciais insanos - como o do Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro - que desnuda a propriedade privada da terra como resquício dos tempos feudais. 

Embora não seja capaz de demonstrá-lo, intuo a moderna propriedade privada da terra como uma espécie de fusão de todos os direitos econômicos feudais, que eram essencialmente renda em produtos agrícolas e suas projeções sobre os demais aspectos da vida, urbana inclusive, num único direito feudal assimilável à forma-mercadoria, portanto, às novas relações sociais de produção, mais tarde inserido como cláusula pétrea em todas as Constituições democráticas do planeta capitalista no pacote do direito de propriedade em geral.

Mesmo supondo-se que, numa época em que o capital usava fraldas e era ainda pouco produtivo, consequentemente muito escasso, a renda da terra possa ter desempenhado - como coletora de excedentes às necessidades de sobrevivência não das famílias trabalhadoras individualmente consideradas, mas do exército de reserva como um todo - certo papel na aceleração do ciclo da produção social, fato é que esse tempo já se foi há muito e a renda da terra, urbana principalmente, é hoje, como todos os preços excedentes aos preços de produção (petróleo, produtos de grife, patentes em geral, além das edificações), mero parasita da riqueza socialmente produzida, meio de lavagem de dinheiro sujo, com certeza, mas também do dinheiro limpo, vale dizer do oceano de títulos de dívida pública e privada que constitui boa parte das grandes fortunas do século XXI. 

Não por acaso, o mercado imobiliário urbano, consequentemente a renda da terra urbana, foi o olho do furacão especulativo que produziu a debacle financeira de 2007-8, provavelmente o acontecimento mais prenhe de significados do século XXI.

2024-10-25

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Obsolescência sui generis


Diário do Rio 28-09-2024
https://diariodorio.com/nem-os-mais-novos-escapam-construtora-derruba-predio-moderno-para-erguer-espigao-de-luxo-em-ipanema

Este exemplo mostra como a hipervalorização de certas localizações pode 'explodir' o efeito característico dos ciclos de obsolescência e renovação urbana dos bairros mais valorizados das cidades, que me ocorre chamar de obsolescência não-catastrófica’, ou relativa, de uma edificação por oposição às situações em que as receitas de aluguel das antigas moradias e comércios não cobrem o custos de manutenção do conjunto.

Em Icaraí, Niterói, como em Botafogo e Tijuca e tantos outros  bairros do Rio de Janeiro, inúmeras esquinas que já foram os lugares mais movimentados e valorizados do bairro, tornando-se por isso núcleos de comércio e serviços locais, conservam antigas edificações de 3 ou 4 pavimentos e uso misto encravadas entre novos condomínios residenciais de 10-15 pavimentos pelo simples fato de não ser economicamente viável demoli-los para renovação. A imagem abaixo é o edifício na esquina das Ruas 5 de Julho e Santa Rosa, no bairro Jardim Icaraí, Niterói.


Curioso é a matéria dizer que os preços dos terrenos em Ipanema são "exorbitantes", mas não os principescos 4o mil reais por metro quadrado de área privativa que os demandantes estariam dispostos a pagar na aquisição dos novos apartamentos. 

Como se 'uma coisa fosse uma coisa e outra coisa outra coisa'.

A propósito, vale citar uma passagem do livro Economía Urbana y Plusvalía del Suelo, do economista e avaliador colombiano Oscar Borrero:

(..) el precio del suelo urbano es un residuo del negocio de la construcción. El suelo no tiene un valor autónomo. Es un VALOR RESIDUAL del negocio. Los avaluadores aplican un método que denominam TÉCNICA RESIDUAL para obtener el posible valor de un lote urbano a partir de lo que allí se permite desarrollar, su precio de venta y los costes de construcción incluyendo la utilidad del promotor.* (Destaques do autor)

2024-10-26
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* BORRERO OCHOA Oscar, Economía Urbana y Plusvalía del Suelo. Bogotá, Bhandar Editores Ltda., 2018, p. 98 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Turismo de 15 minutos


La Vanguardia 29-08-2024
https://www.lavanguardia.com/local/barcelona/20240829/9897677/barcelona-supera-tres-millones-pernoctaciones-mes.html



Um dos mais dramáticos capítulos do conflito economias vs. deseconomias nas grandes cidades europeias. 

As receitas do turismo de que nem a Espanha nem a Catalunha estão dispostas a abrir mão custam à população barcelonesa, por conta dos "apartamentos turísticos", os aluguéis médios mais caros de toda a Espanha.

Em consequência, suburbaniza-se, mais do que já é suburbanizada, a população trabalhadora e elitiza-se, mais do que já é elitizado, o acesso à “cidade de 15 minutos”.

2024-10-09

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Rio de Janeiro: Adeus aos PEUs?


Engenharia em Revista 30-09-2024
https://portalclubedeengenharia.org.br/artigo/plano-diretor-revoga-planos-de-estruturacao-urbana-dos-bairros-cariocas/

O Plano Diretor de Urbanismo de uma metrópole de mais de 6 milhões de habitantes, ocupando um território de 1.200 km2, profundamente diverso em todos os sentidos da palavra, não pode existir sem, pelo menos, uma dupla dimensão espacial: municipal e local - para não falar da metropolitana.

A revogação dos Planos de Estruturação Urbana (PEUS)
é uma insanidade, só compreensível no marco da ofensiva que vem sendo empreendida, em todas as grandes cidades brasileiras, pela indústria imobiliária, muitas vezes encoberta por generalidades sobre o adensamento urbano e a cidade de 15 minutos, em prol de sua máxima liberdade de ação, vale dizer da mínima regulação, ou até mesmo da não regulação urbanística.

Sinal inequívoco, creio, da generalização do “vale tudo por dinheiro” que estamos vivendo - haja vista a proliferação irrefreável dos negócios de apostas - e que, no urbanismo, se expressa como total liberdade na competição pela rentabilidade dos investimentos imobiliários. O objetivo é, nos nichos urbanos de valorização imobiliária, construir o máximo em cada terreno para extrair do empreendimento algum lucro de escala e o máximo em renda fundiária.

Como vamos sair desse buraco eu não sei, mas me ocorre que os Planos Diretores e os PEUS, assim como a “função social da propriedade" e seus derivados (outorga onerosa, IPTU progressivo etc), que lhe dão suporte, se tornaram institutos respeitados e amplamente aceitos como resultado do movimento social que desembocou na Assembleia Constituinte de 1988. Vale a pena lembrar. 

2024-10-02

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Mercado mundial, associação internacional


Wall Street Journal 21-08-2024
https://www.wsj.com/real-estate/luxury-homes/lisbon-golden-visa-fedca2a3

A principal característica do mercado imobiliário é a sua natureza não-competitiva, que se manifesta como preempção dos imóveis mais bem localizados, segundo o uso e a tipologia requerida, pelas maiores ofertas de preço (renda) de venda ou aluguel.

Uma vez aberto o mercado português aos demandantes de toda a Europa e, logo, do mundo inteiro, a primazia cabe aos endinheirados estrangeiros, sejam ou não moradores permanentes, e nacionais, incluídos os proprietários locais, em número cada vez menor, que podem tê-los como clientes. 

O peso do mercado imobiliário globalizado na formação e concentração da riqueza planetária torna a função social da propriedade, tão cara a nós, urbanistas, uma perspectiva cada vez mais problemática. 

Urge por isso a criação, por iniciativa dos movimentos diretamente envolvidos, que são muitos e bastante combativos em seus âmbitos locais, de uma Associação Internacional da Moradia Social.

2024-09-25