quarta-feira, 13 de junho de 2007

Capítulo 3: Estudo de caso - A análise da distribuição espacial de viagens urbanas na cidade do Rio de Janeiro - Parte 4


Demanda de Transporte e Centralidade: 
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro 

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998


CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro



3.4    O estudo da absorção de viagens [regiões de viagens]




Para apreciar a consistência dos conceitos de polarização e absorção começamos por comparar a relação ordenada das vinte principais RAs e municipíos em termos de polarização e absorção de viagens (Tabela 3.4a):
                            
                             Tabela 3.4a



Absorção significa viagens polarizadas + viagens internas. É natural que os núcleos polarizadores de viagens (externas) atraiam uma parte substancial ou a maior parte das viagens oriundas de seu próprio entorno, principalmente aquelas do setor de consumo (compras, lazer, saúde e serviços em geral). Mesmo em se tratando de viagens motorizadas, o que pode tornar indiferente a procura do próprio centro ou do centro da região vizinha, é ainda de se esperar uma preponderância considerável da relação fundamental pré-existente —e que se reforça com o tempo— entre o morador e o seu “centro de bairro”.

Mas a absorção faz aparecer e elevar hierarquicamente, em relação à classificação ordenada de RAs e Municípios de maior polarização, a posição das unidades espaciais grandes, populosas e diferenciadas, com traços mais ou menos desenvolvidos de município autônomo:  Niterói, Jacarepaguá, Ilha do Governador, Nova Iguaçu. São unidades que, independente da prepoderância natural de seu centro principal como atrator de viagens internas, também se caracterizam por possuírem uma rede de centralidades secundárias e micro-centralidades mais ou menos desenvolvida.

Jacaparepaguá, por exemplo, é uma unidade espacial que não tem um centro típico de um município, mas uma rede de  meso- e micro-centralidades distribuídas em alguns importantes entroncamentos de rotas urbanas: Taquara, Freguesia, Tanque, Pechincha, Praça Seca. O mesmo pode ser dito da Ilha do Governador. Niterói, antiga capital estadual, possui seu centro econômico e administrativo e vários centros de bairro. Mesmo Madureira pode ser descrita como uma rede muito compacta de centralidades principais e secundárias onde se destaca o núcleo principal (estação) e o Largo do Campinho.

Regiões muito populosas, e por isso grandes geradoras de viagens, mas desprovidas de redes significativas de meso- e  micro-centralidades —como Bangu, São Gonçalo, Campo Grande, Santa Cruz, Duque de Caxias— não assumem lugar de relevo na hierarquia da absorção de viagens.

Parece validar-se, portanto, a hipótese original sobre o conceito de absorção como revelador da atratividade difusa ou atratividade econômica espacialmente distribuída. Prosseguimos a análise, então, apresentando a estrutura da absorção de viagens nas diversos recortes da matriz  geográfica.

3.4.1   Agregados concêntricos

O exame da absorção por agregados concêntricos (Anexo 4.3) visa especificar as variações dos atributos das viagens absorvidas à medida que aumenta a distância ao CBD (pólo principal) e se incorporam pólos formadores de uma rede de centralidades mais abrangente e complexa .

Fazemos uso aqui de indicadores já mencionados no capítulo Metodologia, que têm as seguintes hipóteses associadas: 

·      Distribuição dos horários de chegada das viagens: supõe-se que uma maior distribuição dos horários de chegada, medida como proporções de viagens terminadas no pico e fora-de-pico (OFF-P, na tabela), expressem maior diversidade e complexidade do sistema de atividades, com variações resultantes das diferenciações do mercado de trabalho, de serviços e de bens de consumo: formal-informal, secundário-terciário, comércio-serviços, serviços às empresas-serviços às pessoas.

·      Distribuição dos motivos no destino: supõe-se que os motivos de viagem declarados expressem diretamente a estrutura de atividades existente nas áreas e sua respectiva atratividade. São apresentadas as proporções em que as viagens se repartem pelos 7 motivos (todos menos residência), e destacados os motivos por  “macro-setores econômicos”: motivo 1 = trabalho (produção) , motivo 2 = escola (reprodução), motivos 4 a 8 = aquisição de mercadorias e serviços = consumo. É apresentada uma coluna de desvio-padrão da repartição de motivos, que expressa as relações de equilíbrio/desequilíbrio funcional.

·      Distribuição dos modos de transporte: de um lado as modalidades de transporte público coletivo, de outro as de transporte público individual e transporte privado, de qualquer natureza, como táxis, ônibus fretado, ônibus escolar. Supõe-se (1) que essas categorias ajudam a melhor caracerizar o processo de diferenciação dos transportes urbanos que se opera hoje como resultado da mercantilização generalizada e complexificação da vida urbana e (2) que tal diferenciação está relacionada com a renda do usuário ao mesmo tempo que com a natureza do sistema de atividades da região urbana.

·      Viagens de base não-domiciliar (BND). Supõe-se que a elevação da taxa BND seja indicador de uma jornada de atividades urbanas economicamente relevantes que demanda mais de uma viagem e, por conseguinte, indicador de elementos combinados da economia de serviços: trabalho sem local fixo, trabalho/consumo, trabalho/escola, tempo livre etc.


                            Tabela e Gráficos 3.4b
 



Os Gráficos 3.4b mostram uma sensibilidade relativa para os indicadores formulados. Eles permitem identificar uma diferença clara das tendências de taxas e indicadores, entre o “Centro expandido” e as demais regiões circundantes. As curvas de variação de motivos de viagem começam a se estabilizar a partir do “Anel Urbano 1” no sentido de uma variação constante do núcleo para a periferia. O mesmo sucede com o percentual de viagens por modo individual/coletivo privado e viagens fora-de-pico. A taxa viagem/área mostra o CBD como região qualitativamente distinta.



Note-se, no entanto, uma singular inflexão na curva de viagens de base não- domiciliar (BND) ocorrida no “Anel Urbano 1”. Este pode ser um indicador chave dos movimentos que caracterizam uma região urbana específica, que não é Centro (% viagens a trabalho > % viagens a consumo) mas que mantém certas caracerísticas centrais na forma de um contínuum urbanizado multifuncional, com forte concentração residencial associada aos serviços às pessoas e às empresas (Gráficos 3.4c)



                            Gráfico 3.4c





As tendências identificadas sugerem a caracterização do Anel Urbano 1 como região de transição, onde acaba a “cidade central” multifuncional e começa a cidade predominantemente residencial com seus pólos característicos de comércio e serviços pessoais. Este tema será mais detalhadamente estudados na seção Retenção de viagens, com o exame dos “corredores urbanos”.




3.4.2   Áreas de Planejamento (APs)




Observamos que a absorção de viagens todos os motivos apresenta-se como quantitativamente equivalente nas APs 1, 2 e 3. Qualitativamente, no entanto, essa movimentação se apresenta bastante diferenciada (Tabela 3.4d).


                                Tabela 3.4d



Tomando mais uma vez como critério de especialização a distância percentual de cada uma das três classes de motivos para a atratividade geral da zona (percentual do total de viagens), mas agora em termos macro-setores econômicos do sistema de atividades urbanas, temos que as viagens absorvidas pela  AP-1 se destacam no “setor” trabalho (27,9 % / 21,8 % = 1,28), as da AP-3 no “setor” consumo (26,6 % / 22,2 % = 1,20 ) e  as da AP-2 no equilíbrio trabalho-consumo (18,5 % e 19,5 % / 19,9 % = 0,93 e 0,98 respectivamente). A absorção é diferenciada quanto à estrutura econômica.



Por outro lado, as “Áreas de Planejamento” são unidades espaciais baseadas no atributo de composição técnica ou “padrão” do espaço urbanizado. Sendo áreas de tamanho muito diverso, tal equivalência representa uma grande desproporção na densidade de movimentação no sistema de circulação. A absorção  é diferenciada quanto ao rendimento dos sistemas.



Finalmente, as APs 1, 2 e 3 constituem regiões urbanas de configuração histórico-geográfica radicalmente distintas: o núcleo metropolitano e seu entorno (AP-1), uma região de urbanização linear densa, com pólos em sequência e alta concentração da renda (AP-2), e uma região de urbanização difusa, com pólos dispersos em 3 corredores radiais ferroviários com fraca concentração de renda (AP-3). A absorção é diferenciada quanto à configuração das redes.



Se consideramos os meios de circulação não em termos de “linhas” ou “vias”, mas de “redes de acessibilidade ao território”, temos aqui três tipos diferentes de estrutura espacial que podem ser assimiladas a diferentes “níveis” ou “estágios” de desenvolvimento no processo de formação do espaço econômico da cidade: a “rede de conexões da região suburbana” conduz tantas viagens da jornada econômica diária, e isto sem contar o movimento de passsagem, quanto a “rede tronco-ramificada de acesso ao centro e quanto a(s) “rede(s) tronco-linear(es) da zona urbana multifuncional” (Eng. Novo-Ipanema) (Figura 3.4e)


                             Figura 3.4e

  
A figura central, que representa a “rede tronco-ramificada de acesso ao centro”, exprime a absorção concentrada da AP-1, verdadeira polarização devido à forte nucleação espacial da AP onde está concentrada a oferta de trabalho  na metrópole, cujo declínio é lento e, em todo caso, relativo.

A figura da esquerda é a imagem típica da “rede de conexões da AP-3”: as viagens absorvidas se distribuem em uma trama urbana de subcentros mais ou menos especializados em comércio e serviços e seus espaços intersticiais, cujo processo de integração e consolidação ficou retardado, no caso do Rio de Janeiro, pelos saltos qualitativos operados no processo de crescimento da cidade no decorrer deste século: primeiro em direção ao litoral imediato (Copacabana, Iapanema),  depois em direção ao “novo litoral” (Barra da Tijuca) .

A figura da direita é representativa da “rede tronco-linear da AP-2”: a absorção de viagens se dá por um feixe de  troncos lineares de alta densidade, cuja formação é em geral determinada pela superposição de rotas periferia-centro na aproximação deste último, e que no Rio de Janeiro é poderosamente reforçada pela linearidade histórico-geográfica das zonas de alta renda e atividades diversificadas (relação litoral X montanhas). O Metrô do Rio consolida a ligação centro-sul (próximo) e centro-norte (próximo) em um “eixo central de serviços” já na época em que capitais imobiliários e infraestruturas públicas começam a se transferir aceleradamente para a Barra da Tijuca.  Este tema será retomado nas conclusões.

3.4.3   Regiões concêntricas

A análise das “regiões concêntricas” (Anexo 4.3) aponta, evidentemente, para a apreciação da importância dos corredores transversais na estrutura de movimentação da metrópole.

Foi sugerido, na Metodologia, que os corredores transversais não resultam da mesma lei de formação dos corredores radiais (a menor distância ao centro implicando menores custos para famílias e empresas), mas são um seu subproduto: as economias de aglomeração geradas pela proximidade, superposição ou interpenetração de eixos radiados originais. A consolidação dos corredores transversais decorre e acompanha a especialização dos subcentros, a qual por sua vez depende da diversificação da economia urbana. É esta consolidação dos corredores transversais que dá forma à “cidade central”.

A “cidade central multifuncional” contém portanto dentro de si, já desenvolvida, a tendência histórico-econômica da radioconcentridade do espaço urbano. Ela tem o aspecto de uma mancha mais ou menos homogênea de centros, centróides e espaços intersticiais (com poucos vazios) dispostos em torno do núcleo principal. Esta rede pode  por outro lado (e tende cada vez mais a) ser sobreposta, interpenetrada e “disputada” por redes secundárias estruturadas em torno de centro urbano vizinho ou de algum novo grande subcentro em formação, dando à metrópole contemporânea um aspecto de “arquipélago”, uma teia difusa de centros e  centróides onde a hierarquia se dissolve, ou melhor, se multiplicam.


                                  Tabela 3.4f 


A Tabela 3.4f mostra que cerca de 55% das viagens a trabalho e quase 50% das viagens a consumo são absorvidas, no Rio de Janeiro, dentro do espaço circunscrito pelo “Anel Urbano 1” (Leblon-Ramos) e que os destinos de todas essas viagens se repartem meio-a-meio entre o centro expandido (anel Caju-Botafogo) e o citado “Anel Urbano 1”. Isto significa, dadas as condicionantes geográficas do Rio de Janeiro, que uma parcela considerável do trânsito diário de passageiros no CBD,  é de trabalhadores que se dirigem dos Aneis 2, 3 e 4 aos mercados de trabalho do  Centro expandido (Botafogo) e do Anel 1 (Copabana, Ipanema, Lagoa), bairros de alto índice de atividade de comércio e serviços de alcance municipal e metropolitano.

3.4.4   Regiões radiais

As regiões radiais (Anexo 4.4) são unidades formuladas como adaptação das macrozonas definidas no estudo Estrutura Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM 1984) às regiões concêntricas aqui sugeridas. Em especial, estão excluídas das regiões radiais as RAs que fazem parte do Centro Expandido (Botafogo, São Cristóvão, Rio Comprido, Portuária).

Por outro lado, é preciso levar em conta que o conceito de absorção aplicado a regiões radiadas lineares nos conduz à idéia de redes do tipo feixe de troncos lineares unindo uma (ou mais) sequência de pólos.

A análise da absorção relativa de viagens motorizadas nas regiões radiais do município do Rio de Janeiro (Tabela 3.4g) exibe uma clara supremacia, e uma equivalência interna como regiões de destino, entre as três regiões do setor oeste-noroeste: Litoral, Tijuca-Jacarepaguá e Linha-Tronco. Ao mesmo tempo, revela de modo bastante claro o esvaziamento (estagnação) dos setores estruturados historicamente em torno da E.F. Rio D’Ouro (atual Metrô-Linha 2) e, mais recentemente, da E.F. Leopoldina.


                             Tabela 3.4g