Demanda de Transporte e Centralidade:
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998
CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro
3.4 O estudo da absorção de viagens [regiões de viagens]
Para
apreciar a consistência dos conceitos de polarização
e absorção começamos por comparar
a relação ordenada das vinte principais RAs e municipíos em termos de polarização e absorção de viagens (Tabela
3.4a):
Tabela 3.4a
Absorção significa viagens polarizadas + viagens internas.
É natural que os núcleos polarizadores de viagens (externas) atraiam uma parte
substancial ou a maior parte das viagens oriundas de seu próprio entorno,
principalmente aquelas do setor de consumo (compras, lazer, saúde e serviços em
geral). Mesmo em se tratando de viagens motorizadas,
o que pode tornar indiferente a procura do próprio centro ou do centro da
região vizinha, é ainda de se esperar uma preponderância considerável da
relação fundamental pré-existente —e que se reforça com o tempo— entre o
morador e o seu “centro de bairro”.
Mas a absorção faz aparecer e elevar
hierarquicamente, em relação à classificação ordenada de RAs e Municípios de
maior polarização, a posição das
unidades espaciais grandes, populosas e diferenciadas, com traços mais ou menos
desenvolvidos de município autônomo:
Niterói, Jacarepaguá, Ilha do Governador, Nova Iguaçu. São unidades que,
independente da prepoderância natural de seu centro principal como atrator de
viagens internas, também se caracterizam por possuírem uma rede de
centralidades secundárias e micro-centralidades mais ou menos desenvolvida.
Jacaparepaguá,
por exemplo, é uma unidade espacial que não tem um centro típico de um
município, mas uma rede de meso- e
micro-centralidades distribuídas em alguns importantes entroncamentos de rotas
urbanas: Taquara, Freguesia, Tanque, Pechincha, Praça Seca. O mesmo pode ser
dito da Ilha do Governador. Niterói, antiga capital estadual, possui seu centro
econômico e administrativo e vários centros de bairro. Mesmo Madureira pode ser
descrita como uma rede muito compacta de centralidades principais e secundárias
onde se destaca o núcleo principal (estação) e o Largo do Campinho.
Regiões
muito populosas, e por isso grandes geradoras de viagens, mas desprovidas de
redes significativas de meso- e
micro-centralidades —como Bangu, São Gonçalo, Campo Grande, Santa Cruz,
Duque de Caxias— não assumem lugar de relevo na hierarquia da absorção de
viagens.
Parece
validar-se, portanto, a hipótese original sobre o conceito de absorção como revelador da atratividade difusa ou atratividade econômica espacialmente
distribuída. Prosseguimos a análise, então, apresentando a estrutura da
absorção de viagens nas diversos recortes da matriz geográfica.
3.4.1 Agregados
concêntricos
O exame da absorção
por agregados concêntricos (Anexo
4.3) visa especificar as
variações dos atributos das viagens absorvidas à medida que aumenta a distância
ao CBD (pólo principal) e se incorporam pólos formadores de uma rede de
centralidades mais abrangente e complexa .
Fazemos uso aqui de indicadores já mencionados
no capítulo Metodologia, que têm as seguintes hipóteses associadas:
·
Distribuição dos horários de chegada das viagens:
supõe-se que uma maior distribuição dos horários de chegada, medida como
proporções de viagens terminadas no pico e fora-de-pico (OFF-P, na tabela),
expressem maior diversidade e complexidade do sistema de atividades, com
variações resultantes das diferenciações do mercado de trabalho, de serviços e
de bens de consumo: formal-informal, secundário-terciário, comércio-serviços,
serviços às empresas-serviços às pessoas.
·
Distribuição dos motivos no destino: supõe-se que os
motivos de viagem declarados expressem diretamente a estrutura de atividades
existente nas áreas e sua respectiva atratividade. São apresentadas as
proporções em que as viagens se repartem pelos 7 motivos (todos menos
residência), e destacados os motivos por
“macro-setores econômicos”: motivo 1 = trabalho (produção) , motivo 2 = escola (reprodução), motivos 4 a 8 = aquisição de mercadorias e serviços = consumo. É apresentada uma
coluna de desvio-padrão da repartição
de motivos, que expressa as relações de equilíbrio/desequilíbrio funcional.
·
Distribuição dos modos de transporte: de um lado as
modalidades de transporte público
coletivo, de outro as de transporte
público individual e transporte privado, de qualquer natureza, como táxis,
ônibus fretado, ônibus escolar. Supõe-se (1) que essas categorias ajudam a
melhor caracerizar o processo de diferenciação dos transportes urbanos que se
opera hoje como resultado da mercantilização generalizada e complexificação da
vida urbana e (2) que tal diferenciação está relacionada com a renda do usuário
ao mesmo tempo que com a natureza do
sistema de atividades da região urbana.
·
Viagens de base não-domiciliar (BND). Supõe-se que a elevação da taxa BND seja
indicador de uma jornada de atividades urbanas economicamente relevantes que
demanda mais de uma viagem e, por
conseguinte, indicador de elementos combinados da economia de serviços:
trabalho sem local fixo, trabalho/consumo, trabalho/escola, tempo livre etc.
Tabela e Gráficos 3.4b
Os Gráficos
3.4b mostram uma sensibilidade relativa para os indicadores formulados.
Eles permitem identificar uma diferença clara das tendências de taxas e
indicadores, entre o “Centro expandido” e as demais regiões circundantes. As
curvas de variação de motivos de viagem começam
a se estabilizar a partir do “Anel
Urbano 1” no sentido de uma variação constante do núcleo para a periferia. O
mesmo sucede com o percentual de viagens por modo individual/coletivo privado e
viagens fora-de-pico. A taxa viagem/área mostra o CBD como região
qualitativamente distinta.
Note-se, no entanto,
uma singular inflexão na curva de viagens de base não- domiciliar (BND)
ocorrida no “Anel Urbano 1”. Este pode ser um indicador chave dos movimentos
que caracterizam uma região urbana específica, que não é Centro (% viagens a
trabalho > % viagens a consumo) mas que mantém certas caracerísticas
centrais na forma de um contínuum urbanizado
multifuncional, com forte concentração residencial associada aos serviços às
pessoas e às empresas (Gráficos 3.4c)
Gráfico 3.4c
As tendências identificadas sugerem a
caracterização do Anel Urbano 1 como região de transição, onde acaba a “cidade
central” multifuncional e começa a cidade predominantemente residencial com
seus pólos característicos de comércio e serviços pessoais. Este tema será mais
detalhadamente estudados na seção Retenção
de viagens, com o exame dos “corredores urbanos”.
3.4.2 Áreas
de Planejamento (APs)
Observamos que a absorção de viagens todos os motivos apresenta-se como quantitativamente equivalente nas APs 1,
2 e 3. Qualitativamente, no entanto, essa movimentação se apresenta bastante
diferenciada (Tabela 3.4d).
Tabela 3.4d
Tomando mais uma vez como critério de
especialização a distância percentual de cada uma das três classes de motivos
para a atratividade geral da zona (percentual do total de viagens), mas agora
em termos macro-setores econômicos do sistema de atividades urbanas, temos que
as viagens absorvidas pela AP-1 se
destacam no “setor” trabalho (27,9 %
/ 21,8 % = 1,28), as da AP-3 no “setor” consumo
(26,6 % / 22,2 % = 1,20 ) e as da
AP-2 no equilíbrio trabalho-consumo (18,5
% e 19,5 % / 19,9 % = 0,93 e 0,98 respectivamente). A absorção é diferenciada
quanto à estrutura econômica.
Por outro lado, as “Áreas de Planejamento” são
unidades espaciais baseadas no atributo de composição técnica ou “padrão” do
espaço urbanizado. Sendo áreas de tamanho
muito diverso, tal equivalência representa uma grande desproporção na densidade de movimentação no sistema de
circulação. A absorção é diferenciada
quanto ao rendimento dos sistemas.
Finalmente, as APs 1, 2 e 3 constituem regiões
urbanas de configuração histórico-geográfica radicalmente distintas: o núcleo
metropolitano e seu entorno (AP-1), uma região de urbanização linear densa, com
pólos em sequência e alta concentração da renda (AP-2), e uma região de
urbanização difusa, com pólos dispersos em 3 corredores radiais ferroviários
com fraca concentração de renda (AP-3). A absorção é diferenciada quanto à configuração das redes.
Se consideramos os meios de circulação não em
termos de “linhas” ou “vias”, mas de “redes de acessibilidade ao território”,
temos aqui três tipos diferentes de estrutura espacial que podem ser
assimiladas a diferentes “níveis” ou “estágios” de desenvolvimento no processo
de formação do espaço econômico da cidade: a “rede de conexões da região suburbana” conduz tantas viagens da
jornada econômica diária, e isto sem
contar o movimento de passsagem, quanto a “rede tronco-ramificada de acesso ao centro” e quanto a(s) “rede(s)
tronco-linear(es) da zona urbana multifuncional” (Eng. Novo-Ipanema) (Figura
3.4e)
Figura 3.4e
A figura central, que representa a “rede
tronco-ramificada de acesso ao centro”, exprime a absorção concentrada da AP-1,
verdadeira polarização devido à forte
nucleação espacial da AP onde está concentrada a oferta de trabalho na metrópole, cujo declínio é lento e, em
todo caso, relativo.
A figura da esquerda é a imagem típica da “rede
de conexões da AP-3”: as viagens absorvidas se distribuem em uma trama urbana
de subcentros mais ou menos especializados em comércio e serviços e seus espaços intersticiais, cujo processo de
integração e consolidação ficou retardado, no caso do Rio de Janeiro, pelos
saltos qualitativos operados no processo de crescimento da cidade no decorrer
deste século: primeiro em direção ao litoral imediato (Copacabana, Iapanema), depois em direção ao “novo litoral” (Barra da
Tijuca) .
A figura da direita é representativa da “rede
tronco-linear da AP-2”: a absorção de viagens se dá por um feixe de troncos lineares de alta densidade, cuja
formação é em geral determinada pela superposição de rotas periferia-centro na
aproximação deste último, e que no Rio de Janeiro é poderosamente reforçada
pela linearidade histórico-geográfica das zonas de alta renda e atividades
diversificadas (relação litoral X montanhas). O Metrô do Rio consolida a
ligação centro-sul (próximo) e centro-norte (próximo) em um “eixo central de
serviços” já na época em que capitais imobiliários e infraestruturas públicas
começam a se transferir aceleradamente para a Barra da Tijuca. Este tema será retomado nas conclusões.
3.4.3 Regiões
concêntricas
A análise das “regiões concêntricas” (Anexo 4.3) aponta, evidentemente, para
a apreciação da importância dos corredores
transversais na estrutura de movimentação da metrópole.
Foi sugerido, na Metodologia, que os corredores transversais não resultam da mesma
lei de formação dos corredores radiais (a menor distância ao centro implicando
menores custos para famílias e empresas), mas são um seu subproduto: as
economias de aglomeração geradas pela proximidade, superposição ou
interpenetração de eixos radiados originais. A consolidação dos corredores
transversais decorre e acompanha a especialização dos subcentros, a qual por
sua vez depende da diversificação da economia urbana. É esta consolidação dos
corredores transversais que dá forma à “cidade central”.
A “cidade central multifuncional” contém
portanto dentro de si, já desenvolvida, a tendência histórico-econômica da
radioconcentridade do espaço urbano. Ela tem o aspecto de uma mancha mais ou
menos homogênea de centros, centróides e espaços intersticiais (com poucos
vazios) dispostos em torno do núcleo principal. Esta rede pode por outro lado (e tende cada vez mais a) ser
sobreposta, interpenetrada e “disputada” por redes secundárias estruturadas em
torno de centro urbano vizinho ou de algum novo grande subcentro em formação,
dando à metrópole contemporânea um aspecto de “arquipélago”, uma teia difusa de
centros e centróides onde a hierarquia
se dissolve, ou melhor, se multiplicam.
Tabela 3.4f
A Tabela
3.4f mostra que cerca de 55% das viagens a trabalho e quase 50% das viagens a consumo são absorvidas, no Rio de Janeiro, dentro do espaço
circunscrito pelo “Anel Urbano 1” (Leblon-Ramos) e que os destinos de todas
essas viagens se repartem meio-a-meio entre o centro expandido (anel
Caju-Botafogo) e o citado “Anel Urbano 1”. Isto significa, dadas as
condicionantes geográficas do Rio de Janeiro, que uma parcela considerável do
trânsito diário de passageiros no CBD, é
de trabalhadores que se dirigem dos Aneis 2, 3 e 4 aos mercados de trabalho
do Centro expandido (Botafogo) e do Anel
1 (Copabana, Ipanema, Lagoa), bairros de alto índice de atividade de comércio e
serviços de alcance municipal e metropolitano.
3.4.4 Regiões
radiais
As regiões radiais (Anexo 4.4) são unidades formuladas como adaptação das macrozonas
definidas no estudo Estrutura Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(FUNDREM 1984) às regiões concêntricas aqui sugeridas. Em especial, estão
excluídas das regiões radiais as RAs que fazem parte do Centro Expandido
(Botafogo, São Cristóvão, Rio Comprido, Portuária).
Por outro lado, é preciso levar em conta que o
conceito de absorção aplicado a
regiões radiadas lineares nos conduz à idéia de redes do tipo feixe de troncos lineares unindo uma (ou
mais) sequência de pólos.
A análise da absorção relativa de viagens
motorizadas nas regiões radiais do
município do Rio de Janeiro (Tabela
3.4g) exibe uma clara supremacia, e uma equivalência interna como regiões
de destino, entre as três regiões do setor oeste-noroeste: Litoral,
Tijuca-Jacarepaguá e Linha-Tronco. Ao mesmo tempo, revela de modo bastante
claro o esvaziamento (estagnação) dos setores estruturados historicamente em
torno da E.F. Rio D’Ouro (atual Metrô-Linha 2) e, mais recentemente, da E.F.
Leopoldina.
Tabela 3.4g