Demanda de Transporte e Centralidade:
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998
CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro
3.1 Viagens MNDD:
repartição modal e estrutura de motivos
O universo das viagens MNDD (motorizadas, não
destinadas ao domicílio) consideradas na pesquisa contém 6320 fichas, 38,5% do
total de 16.383.
A Tabela
3.1a compara as proporções de viagens destinadas às diversas Zonas de
Tráfego obtidas, na matriz O-D PTM 95, para os recortes “24 horas”, “hora mais carregada AM” e “dia útil” e,
finalmente, para as viagens MNDD extraídas diretamente da Pesquisa Domiciliar.
Tabela 3.1a
Fonte: PTM-95
Os resultados obtidos são, em geral, coerentes,
uma vez que
·
a
matriz 24 horas todos os motivos “devolve”
às zonas residenciais todas as viagens geradas ao exterior ao longo do dia (em
outras palavras, o motivo retorno à casa aparece
como fator de atratividade);
·
a
matriz 24 horas “abate” violentamente, pelas mesmas razões, a atratividade do
CBD, reduzindo-a à metade da atratividade de pico;
·
na
matriz pico hora mais carregada, a
atratividade do CBD é agudizada em relação à
matriz MNDD devido ao “desconto” da movimentação fora-de-pico, no centro
e nos bairros;
·
a
matriz O-D que fornece resultados quantitativos mais próximos ao da pesquisa
MNDD é, naturalmente, a de pico da manhã, uma vez que esta contém a imensa
maioria de viagens produtivas a trabalho, além de boa parte das viagens a
escola, compras e serviços de todo tipo. Existem, no entanto, sutis variações
quanto à posição dos núcleos como atratores de viagens, associadas às viagens
fora-de-pico. Essas viagens, quantitativamente pouco ou nada relevantes para o
dimensionamento da oferta de meios de transporte, estão por outro lado
diretamente relacionadas aos processos, em curso, de transformação do mercado
de trabalho, de consumo e de serviços e suas respectivas localizações.
A Tabela
3.1b apresenta a distribuição modal do universo de viagens MNDD pesquisadas.
Tabela 3.1b
Destaca-se neste quadro, naturalmente, a proporção espantosamente baixa de viagens nos modos ferroviário e metroviário em uma cidade onde a rede de trilhos tem uma configuração geográfica extremamente favorável ao deslocamento de pessoas, seja no centro ampliado da cidade, nas áreas tradicionais de urbanização consolidada da zona norte, na periferia municipal e na região metropolitana.
As curvas de distribuição temporal e de motivos das viagens MNDD estão representados na Tabela e Gráfico 3.1c e no Gráfico 3.1d.
Tabela e gráfico 3.1c
Gráfico 3.1d
Para propiciar uma estimativa da diferença de
estrutura temporal e motivacional de viagens MNDD entre unidades urbanas
dotadas de diferentes sistemas de atividades (estruturas produtivas, renda
etc.), apresentamos os dados obtidos para Rio de Janeiro, Niterói e Nova Iguaçu
na Tabela e Gráfico 3.1e.
Tabela e Gráfico 3.1e
Observa-se que a configuração do pico é
praticamente a mesma nos gráficos de distribuição temporal RMRJ e Rio de
Janeiro, por sua vez marcadamente semelhantes à de Niterói. Já em Nova
Iguaçu, a configuração da curva apresenta um pico muito mais acentuado e
significativa redução das viagens fora-de-pico. Essa diferença de configuração
significa uma predominância muito acentuada das viagens casa-trabalho
(provavelmente associadas aos setores tradicionais do comércio e manufatura) em
Nova Iguaçu, evidenciando uma estrutura de atividades fracamente afetada pelo
setor de serviços. Niterói, ao contrário, apresenta uma estrutura de
distribuição temporal significativamente afetada pela redução relativa das
viagens casa-trabalho e aumento das viagens fora-de-pico.
O conjunto de Gráficos 3.1f apresenta a distribuição temporal comparada de
motivos de viagem para Nova Iguaçu e Rio de Janeiro (as viagens nos extremos da
jornada foram retiradas por estatisticamente não-significantes).
Os Gráficos
3.1f sugerem que o que caracteriza o desenvolvimento da economia de
serviços em uma unidade urbana não é a predominância da escola e consumo nos
horários de vale (caso de Nova Iguaçu), mas sobretudo o alongamento do pico de viagens e a combinação de motivos trabalho-escola-consumo em todas as faixas
horárias.
3.1.1 A
distribuição espaço-temporal de destinos de viagens MNDD motivo trabalho
A análise da estrutura de localização de origens
e destinos em função da variação do horário
de chegada da viagem é um elemento básico e fundamental para a compreensão
não apenas da localização do emprego, mas da composição social da centralidade
(Tabela 3.1g).
Tabela 3.1g
As unidades da Tabela 3.1g deste quadro são as zonas
de tráfego. É marcante a
mudança, ao longo da jornada de trabalho, da relação regiões periféricas <=> regiões
fabris em favor da relação bairros
residenciais centrais <=> bairros de serviços centrais. Esta tendência sugere uma confirmação
inequívoca da existência de um marcado processo de estratificação social da
economia de serviços: o trabalhador da zona periférica da cidade trabalha no
setor manufatureiro e, povavelmente, no comércio tradicional; o trabalhador
residente na zona sul da cidade, onde a renda é mais alta e provavelmente
também a qualificação, trabalha em seu
próprio âmbito sócio-espacial, onde se concentram os serviços de todo tipo.
Estudamos, finalmente, a variação da proporção
de viagens a trabalho destinadas aos principais núcleos segundo o horário de
chegada em unidades selecionadas (Tabela
3.1h)
a Tabela
3.1h se refere a Regiões Administrativas e Municípios. Observa-se marcada
concentração de chegada entre 6:00 e 8:00 hs em Ramos, São Cristóvão e Ilha do Governador —certamente motivadas
por suas instalações fabris e portuárias. No horário 8:00 a 10:00 hs, a concentração se desloca para Copacabana,
Centro e Botafogo, tendo essas duas últimas regiões uma variação muito similar de horários de chegada no
período matinal.
Existe, por outro lado, uma marcada dispersão
dos horários de chegada ao trabalho em Niterói, Madureira e, principalmente,
Tijuca, onde quase 15% das viagens declaradas chegam entre 10:00 e 12:00 hs.
Considerando que a Tijuca é uma região fortemente residencial e muito próxima
ao CBD (Central Business District),
temos um exemplo provável de multifuncionalidade urbana que supomos ligada à
expansão cêntrica do setor de prestação de serviços, tanto pessoais como às
empresas.
O Centro (CBD) é a única unidade em que não se
verifica a tendência de elevação das viagens a trabalho após o periodo de vale.