Demanda de Transporte e Centralidade:
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998
CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro
3.6 Conclusões
3.6.1 Interpretação
da estrutura urbana como função da análise de distribuição de viagens
Macro-estrutura. O resultado comparado das macro-estruturas de movimentação
extraídas das matrizes O-D de viagens PIT-METRÔ 1979 e PTM
1995 indicam a ocorrência de mudanças
importantes na geografia urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro:
·
a redução do peso relativo das
viagens internas ao município do Rio em favor (a) do aumento significativo das
viagens internas das macrorregiões consolidadas do Leste e da Baixada e (b) de
um aumento moderado do intercâmbio de
viagens entre o município “central” e as regiões urbanas do entorno
metropolitano.
·
a estabilização do intercâmbio
de viagens entre o Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense e a elevação do
intercâmbio entre o Rio e o Leste, com prováveis mudanças na composição
sócio-econômica do intercâmbio (motorização, renda familiar etc.)
Meso-estrutura. A comparação da hierarquia de intercâmbio entre Regiões
Administrativas e Municípios, para viagens 24 horas, todos os modos e motivos,
indicam possíveis alterações significativas na distribuição da centralidade no
território metropolitano (Mapa 3.6a):
·
a estabilização do poder
polarizador do CBD, com elevação de seu peso relativo no mapa de distribuição de viagens polarizadas
·
a redistribuição quantitativa e
qualitativa da polarização de viagens entre os subcentros novos e tradicionais
·
o declínio de Copacabana e
Madureira como subcentros polarizadores de viagens metropolitanas em favor de
Botafogo e Tijuca, respectivamente novos 2º e 3º pólos, e o surgimento da Barra
da Tijuca como novo pólo dinâmico e qualitativamente diferenciado de atração de
viagens
·
o consequente aumento
significativo do poder polarizador da região
central, ou centro expandido,
sobretudo em termos de viagens a trabalho, que inclui Botafogo e, com certeza,
parte da região da Tijuca. Este aumento pode ser claramente atribuído à
operação da Linha 1 do Metrô, que se configura como tronco linear, ou corredor
central, de apoio aos negócios e prestação serviços às empresas.
·
o “reposicionamento” de
Madureira como principal pólo de compras e de estruturação regional, em torno
do qual se constitui uma nova “região” ao norte da cidade, abrangendo Bangu,
Irajá, Penha, Anchieta e Pavuna. Madureira aparece como “elemento comum” das
“regiões de planejamento” da cidade: AP-3, AP4 e AP-5.
·
a tendência à estabilização e
especialização dos principais pólos da zona norte (suburbana) como centros
de comércio e serviços diretos ao
consumidor: Madureira, Méier e Bonsucesso.
·
o declínio dos núcleos
secundários da zona suburbana como pólos de viagens subregionais, especialmente
na zona da Leopoldina e Rio D’Ouro: Penha, Irajá, Inhaúma
O centro
expandido. A análise da polarização de viagens e
seu significado demonstra claramente que o “centro expandido” já atinge a
região da Tijuca. embora ainda não tendo atingido a faixa Vconsumo/Vtrabalho
< 1, esta região parece caminhar nessa direção como resultado não apenas da existência do Metrô mas da enorme
diferenciação qualitativa que este representa para as economias de aglomeração
na economia de serviços. É bastante possível que uma separação da zona de tráfego 15 (Tijuca) em duas, formando a zona Praça da Bandeira, mostrasse a chegada do centro expandido até a Praça
Afonso Pena ou mesmo até a Rua São Franisco Xavier (Lgo da 2a. Feira). Neste
espaço situam-se, por exemplo, alguns novos e importantes edifícios
administrativos de grandes empresas (Petrobrás, Golden Cross) que formam, junto
com o CEFET e as Faculdades Veiga de Almeida, uma das mais novas micro-centralidades da área central. Pelo
outro lado, o “centro expandido” claramente atinge a Glória, Russel, Flamengo e
faixa litorânea de Botafogo.
A
cidade-central multifuncional. A análise
regionalizada das viagens produtivas absorvidas no território mostra:
·
uma notável concentração, no
território compreendido pelo centro
expandido e o anel urbano 1, de
50% dos destinos de viagens metropolitanas todos os motivos e 58 % para o
motivo trabalho, repartindo as primeiras por igual e estas na proporção de 34
para 24.
·
uma concentração também extraordinária
de viagens absorvidas nas três regiões radiais do setor oeste-noroeste:
Litorânea, Tijuca-Jacarepaguá e Central do Brasil, que repartem a destinação de
33% do total de viagens em cotas quase equivalentes, com ligeira supremacia da
região litorânea.
·
que o “Anel Urbano 1” é uma região de
transição entre a área central (CBD + Anel Botafogo-Caju) e as áreas ainda em
processo de expansão (Anel Urbano 2:
Barra, Jacarepaguá, Ilha do Governador). É uma região de urbanização
consolidada que abriga uma mescla
dinâmica de atividades urbanas —escola, consumo e principalmente trabalho ) mas que possui ainda vazios
intersticiais e áreas de baixa acessibilidade, fragamentação espacial decorrente
da própria inadequação dos sistemas de transpores, principalmente na área de
influência da Leopoldina, Auxiliar e Av. Brasil, historicamente ligadas à
produção fabril.
·
a manutenção da posição de Madureira
como ponto nodal de transição entre a área de urbanização consolidada e as
áreas de expansão a oeste (periferia) e
sudoeste (semiperiferia) —Barra e Jacarepaguá. Madureira pertence, pois,
simultaneamente a mais de uma rede espacial: a “cidade central multifuncional”,
a semiperiferia e a periferia urbana do Rio de Janeiro.
A semi-periferia. O Rio
de Janeiro tem hoje uma semi-periferia (Barra, Jacarepaguá e Ilha do
Governador) constituída de regiões de níveis de renda alta e média, cujos
habitantes formam um mercado efetivo de transportes diversificados e usam o
veículo particular em seus deslocamentos. Por todos esses critérios,
Niterói poderia ser incluída nesse
âmbito no que se refere à sua relação com o Rio de Janeiro.
As regiões periféricas
experimentam o processo de aumento da
desigualdade geral mas que é também um processo de diferenciação interna,
expresso pela formação de um mercado de viagens internas à Baixada
Fluminense e Região Leste (Niterói-São
Gonçalo)
Os
corredores urbanos de serviços. A análise dos
atributos sócio-econômicos das viagens retidas nas regiões lineares confirma a
existência de relações diferenciadas e
específicas entre os “corredores de transporte” e “corredores urbanos”. Há
evidências de correlação entre viagens
não baseadas no domicílio e estabelecimento de atividades de serviços a empresas no corredor urbano.
A distribuição de horários de chegada da viagem a trabalho também indica a
presença de trabalho qualificado por conta própria, trabalho informal e
prestação de serviços a empresas e pessoais.
Os Mapas 3.6a, 4a, 4b, 4c, 4d retratam
imagens correlacionadas de regiões regiões geográficas municipais segundo a centralidade e as redes
de acessibilidade territorial baseadas
na classificação dos corredores
urbanos.
3.6.2 Algumas
indicações sobre a rede básica de transportes da cidade
Nesta seção são esboçadas algumas idéias sobre o
sistema de transportes do Rio de Janeiro decorrentes das premissas e conclusões
expostas.
A perspectiva teórica deste trabalho em termos
de estratégia de planejamento de transportes para metrópoles de países
intermediários é a da “cidade compacta”. Esta estratégia implica, na cidade do
Rio de Janeiro, uma revisão das características geo-econômicas das redes de
transporte.
·
o recurso massivo aos Veículos
Leves sobre Pneus (“VLP”s) como recurso estratégico para a recuperação do
atraso histórico na implantação de redes integradas de transporte de massa no
Rio de Janeiro, tendo em vista os fatores custo, flexilidade, domínio da
tecnologia, compartilhamento físico e econômico da via pública já existente
etc. O VLP é a tecnologia de transição entre o trilho e o ônibus porta-a-porta.
·
a consolidação de uma rede de
troncos lineares da “cidade central multifuncional”, aquela formada pelo contínuum de tecido urbanizado de alta
densidade que vai do Centro até algum ponto do “anel urbano 1” (Leblon-Ramos).
O “fechamento” de uma rede compacta de
trilhos e “VLPs”, longitudinais e transversais, do CBD até pelo menos o
primeiro anel urbano, pode potencializar o rendimento dos equipamentos e
capitais (grandes e pequenos) vinculados à expansão da “economia urbana de
serviços”;
·
a integração da rede de troncos
lineares da “cidade central multifuncional" através de pelo menos uma
ligação transversal de peso (Tijuca-Ilha ou Tijuca-Bonsucesso), que poderia ser
de tipo Metrô ou VLP;
·
conexão da rede de troncos
lineares da “cidade central multifuncional" com as regiões concêntricas
subsequentes (Barra-Ilha e Av. Brasil) por meio de pelo menos uma ligação
troncal direta de longo alcance, que pode ser a
construção de um “eixo vertebrador”, ou “charneira”, norte-sul, um Metrô
linear Copacabana-Madureira ou Deodoro capaz de sustentar a vitalidade dos
centros de comércio e serviços mais tradicionais, apoiar a soldadura do
primeiro anel urbano com o segundo e atacar a barreira econômica e psico-social
norte-sul.
·
qualificação emergencial (com
VLPs diretos e semi-diretos e trens suburbanos de qualidade) das grandes rotas
de movimentação centro-periferia (rede tronco-alimentadora periférica de acesso
ao Centro/CBD), visando melhorar imediatamente as condições de transporte, a
qualidade e as oportunidades de vida da população “pendular”, com efeitos
adicionais sobre a produtividade do trabalho no Centro e a consolidação da
articulação linear das micro-centralidades do eixo “Ramal de Santa Cruz”.
·
implantação de “VLP” estrutural transversal no segundo
anel de bairros (Penha-Barra) complementado por ônibus comuns nas rotas
apoiadas no próprio corredor e nas rotas transversais lineares da AP-3
(Leopoldina-Central) visando tanto a integração suburbana e metropolitana como
a incorporação gradual do território suburbano à “cidade central
multifuncional”. A Ilha do Governador é, claramente, um extremo de importantes
rotas que poderiam cortar transversalmente todo espaço da AP-3, beneficiando-se
de uma base viária potencialmente ampla: Ilha-Bonsucesso-Tijuca,
Ilha-Bonsucesso-Méier, Ilha-Inhaúma-Madureira, Ilha- Madureira-Sulacap-Bangu
·
qualificação de redes regionais
diferenciadas de transporte segundo as necessidades típicas do sistema de
atividades econômicas locais: rede de conexões da AP-3, AP-4 e AP-5, circuitos
circulares especiais na região do Méier-Engenho Novo e Jacarepeguá, redes
alimentadoras na periferia municipal e metropolitana
Corredores
urbanos radiais para a consolidação da cidade-central. A consolidação da cidade
central sugere a implantação de sistemas qualificados (VLPs) nos principais
“corredores de serviços”, como Centro-Leblon e Centro-Vila Isabel- Méier e
outros.
·
Centro-Leblon, via Aterro e vias
estruturais de Copacabana, Ipanema e Leblon, como já previsto no Plano
Rio-2000. É pouco provável que este sistema seja tornado irrelevante pelo
Metrô-Copacabana dada a quantidade da demanda, a disponibilidade de espaço
viário e a própria característica operacional do sistema Sul-Centro como “feixe
linear” de meios de transporte “direto” (via Aterro), “semi-direto” (via
Beira-Mar) e “interior” (via Botafogo, Flamengo e Flamengo). O traçado do Metrô
parece operar em substituição/competição com o sistema “interior”.
·
Centro-Lagoa-Barra. Para este corredor
urbano já foram formuladas mais de uma proposta de sistema de alta qualidade,
todos baseados em tecnologias de ponta. A dificuldade do corredor consiste na
aparente insuficiência de espaço viário para acomodar soluções mais baratas do
tipo VLP.
·
Centro-Tijuca. Corredor urbano do Metrô,
cuja não expansão até a Rua Uruguai é incompatível com a dinâmica econômica do
corredor linear e com a geografia urbana (início do corredor urbano Tijuca-Vila
Isabel-Maria da Graça-Bonsucesso). A expansão até a Usina também propiciaria
ótimas condições de integração da demanda Centro-Itanhangá-Barra.
·
Centro-Vila Isabel-Méier. Corredor
urbano de alta densidade de movimentação e alocação de serviços, dispõe de uma das
melhores reservas de espaço viário da cidade, em quantidade e qualidade, para a
implantação eficiente de um sistema de
VLP —as ruas Barão de Mesquita e Barão do Bom Retiro, seus eixos históricos de
estruturação , com 30m de largura e servidões de recuo apenas parcialmente
liberadas.
·
Centro-Vila Isabel-Jacarepaguá - Via Av
Pres Vargas e 28 de Setembro. Corredor urbano superposto ao tronco linear
Centro-Vila Isabel-Méier, de viabilização relativamente simples com o uso da
pista central da Av. Pres. Vargas (com condições melhoradas pela construção do
“Mergulhão” da Candelária), Radial Oeste e 28 de Setembro/Visc. de Santa
Isabel. Poderia ter início na Praça XV ou funcionar como continuação de um dos
troncos lineares oriundos da Zona Sul (via Aterro ou Praia do Flamengo).
·
Centro-Méier-Madureira-Deodoro. Como já
dito, corredor que ferroviário construiu e consolidou os principais subcentros
suburbanos. Sugere-se a sua re-consolidação
através da troncalização linear com o Metrô-Copacabana.
·
Centro-Madureira-Bangu (Av
Suburbana/Intendente Magalhães). Corredor urbano histórico, estruturador de
tradicionais centros de bairro, é fragmentado pela precariedade da comunicação
com o Centro, participando do empobrecimento crônico da região interior da
AP-3. É uma importante reserva urbana de espaço viário superficial, estratégica
para a consolidação da cidade-central por meio de VLPs. As servidões de recuo
(PAAs) da R São Luiz Gonzaga propiciariam o acesso qualificado ao Cpo de São
Cristóvão e Caju e Gamboa; as da R Sen Bernardo Monteiro e Visconde de Niterói
conduzem à Av. Francisco Bicalho, daí podendo atingir também a Gamboa e Pça
Mauá.
·
Centro-Ramos.
O
corredor urbano Centro-Ramos apresenta um dos problemas de mais difícil
resolução na cidade, devido ao processo combinado de desvalorização
territorial progressiva e decadência do
sistema ferroviário de transporte. É provável que, dadas os atuais níveis de
demanda do sistema da Leopldina e os custos de sua recuperação, a alternativa
de transporte urbano mais produtiva econômica e socialmente seria a
substituição integral do sistema de trilhos por uma via exclusiva (via urbana
urbanisticamente aberta e operacionalmente segregada em terras de propriedade
da operadora) para VLPs diretos e semi-diretos que, ultrapassando São
Cristóvão, alcançassem o Centro pela
região portuária mediante complemento das infraestruturas inacabadas sobre
a Francisco bicalho.
Corredores
urbanos circunferenciais para consolidação da cidade central
·
Consolidação de um anel viário
que envolva todo o centro expandido
—São Cristóvão (Viaduto da Mangueira-Benfica-AV. Brasil), Praça de Bandeira e
Engenho Velho através da duplicação e operação em duplo sentido da Rua São
Francisco Xavier, com respectivos sistemas de transporte integrados à rede geral (estações
metroferroviárias SFXavier e S Cristóvão, em operação combinada com anel
semelhante, mais interno, Rio Comprido-R Campos Sales-R Ibituruna-Quinta da Boa
Vista-Lgo da Cancela.
·
A análise da estrutura
demonstra de maneira clara que o caráter exclusivamente rodoviário da Linha
Amarela, a exemplo da Ponte Rio-Niterói, sequer prevendo a reserva de faixa
exclusiva para a operação de transportes coletivos —que por seu turno exigiriam
um outro tipo de projeto urbanístico, com estações de fácil acesso integradas à
malha urbana— representa, mais do que a recusa de atendimento de uma demanda
claramente caracterizada, a perda de uma extraordinária oportunidade de
intervenção urbanística que elevasse o valor e o rendimento do espaço
urbanizado da AP-3. Obras de adaptação operacional e urbanística poderiam ser
feitas para que a Linha Amarela desse suporte
à instalação de linhas de VLP Barra-Ilha.
·
A proposta, atualmente em
discussão, de construção de uma ligação metroviária Barra-Centro via
Uruguai/Saens Peña poderia ser o inicío de uma operação audaciosa de construção
de uma ligação metroviária Barra-Aeroporto Internacional-Ilha do Governador via
Tijuca, Engenho Novo ou Méier e
Bonsucesso, simultaneamente radial e circunferencial, que interceptasse no Anel
Urbano 1 todos os corredores cêntricos e centro-periféricos (Leopoldina,
Suburbana, Central, Centro-Jacarepaguá, Centro--Vila Isabel-Méier e até Av.
Brasil).