segunda-feira, 30 de julho de 2018

De volta ao Porto Maravilha

A recente decisão da Caixa Econômica Federal de instalar sua nova sede no Rio de Janeiro numa torre corporativa da Rua do Passeio, Cinelândia, e não em algum edifício já disponível no Porto Maravilha - sua criatura adotiva desde a aquisição, em nome do Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha (FIIPM/FGTS), da totalidade dos direitos de construção no perímetro da Operação Urbana Consorciada - é a insólita culminação de uma longa série de desacertos no planejamento e gestão dessa intervenção urbana municipal, lançada pelas autoridades, como tantas outras em nossa época, sob o signo altissonante da “parceria público-privada”, aqui incluída a interveniência generosa e decisiva do governo federal.

Foto Jerri Cardoso (28/06/18) / Diário do Porto
Matéria publicada na Folha de São Paulo e reproduzida no Bem Paraná em 23 de julho assegura que a Caixa atendeu, desse modo, a uma reivindicação de seus próprios funcionários, que “se queixavam da falta de serviços no Porto, [da] dificuldade de acesso e [d]a possível insegurança na área.” [1]

Sou levado a concluir que, dois anos depois de inaugurado, com pompas olímpicas e romarias cidadãs, como novo pólo turístico e cultural internacional e futuro centro empresarial da metrópole, o Porto Maravilha é reconhecido por seu investidor monopolista como uma região urbana que não tem serviços, não tem transporte, não tem segurança; vale dizer, não é cidade. E continuará não sendo pelos próximos 15 anos, a julgar pelo prazo do contrato de aluguel da CEF-Rio com o novo senhorio!

Qual poderia ser um indício mais claro da metástase galopante, quem sabe do iminente desmanche dessa intervenção urbana na forma como a conhecemos?

Já nas últimas semanas, a ansiedade dos paladinos do Porto Maravilha com o encalhe dos certificados de potencial construtivo (CEPACs) que deveriam financiá-lo - expressa por O Globo em 28 de maio e 4 de julho, clamando pela continuidade do projeto [2] - dera lugar a uma constrangedora lavagem pública de roupa suja entre a Caixa Econômica, a prefeitura do Rio, a Companhia de Desenvolvimento do Porto e a concessionária Porto Novo (sociedade de empreiteiras responsável para execução das obras de infraestrutura e dos serviços urbanos na região) decorrente da suspensão dos repasses do FIIPM-CEF por falta de recursos.

De repente, toda a formidável engrenagem institucional criada para a revitalização do Porto se revela tão frágil quanto um castelo de areia e tão inútil quanto um avião sem asas: com a imundície já tomando conta das ruas, a prefeitura foi simplesmente obrigada a reassumir suas tradicionais obrigações com a manutenção daquela parte da cidade [3], mobilizando a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Transportes, a Companhia de Engenharia de Tráfego, a Rioluz, a Fundação Parques e Jardins e a Comlurb - que, aliás, já vinha executando o serviço de coleta de lixo e limpeza urbana como contratada da concessionária; a intermediação era paga, como tudo mais, com dinheiro do FIIPM-CEF à conta da venda futura dos CEPACs.

Contudo, os problemas do Porto Maravilha não são de ontem - nem de anteontem. Os mesmos jornais que situam a suspensão dos repasses em janeiro de 2017 garantem que o FIIPM já está insolvente há pelo menos dois anos, o que nos faz recuar a junho de 2016. Não espanta. Em dezembro de 2015, o jornal Extra trazia um relatório publicado no DO da União dando conta da revenda aos investidores-incorporadores privados, até aquela data, de ridículos 8,79% do total de CEPACs adquiridos pelo FIIPM-CEF à prefeitura do Rio de Janeiro, como resultado do “declínio do mercado imobiliário”. [4] A essa altura, a marolinha já virara um tsunami.

Com a situação praticamente inalterada, é de se supor que, passados sete anos, o FGTS continua credor dos R$ 3,5 bilhões investidos em 2011 na compra da totalidade dos direitos de construção válidos para os 500 hectares do Porto Maravilha, acrescidos de outros R$ 4,5 bilhões em obrigações de infraestrutura e 15 anos de serviços urbanos previstos no leilão, sem contar a indispensável aquisição de terrenos (por preços que eu suponho descontados do custo dos próprios CEPACS) sem os quais possuir CEPACS é como voar num Boeing cujo pouso depende de negociar com os aeroportos disponíveis a taxa de serviço. Abordaremos essas questões numa próxima postagem.

Pergunto: como aceitar, em tais circunstâncias - sobre as quais pairam ainda graves acusações de manipulação política e pagamento de propinas em benefício das empreiteiras envolvidas -, que os poderes constituídos (ainda de pé!!!) não se sintam na obrigação de vir a público prestar contas desse imbróglio? De assumir a responsabilidade pela aplicação de recursos do FGTS, às vésperas de uma recessão econômica anunciada, em um pacotaço de direitos de edificabilidade que hoje ninguém quer comprar? De abrir um debate amplo e transparente, para variar, sobre as opções escolhidas, a situação atual e o futuro do projeto?

*
Esta postagem não me saiu como planejada. Era para ser mero preâmbulo, curto e sóbrio, de uma série de comentários que pretendo aqui publicar nas próximas semanas sobre aspectos dessa Operação Consorciada relacionados não à política em geral (que hoje envolve obrigatoriamente a esfera policial), mas à política urbana e ao urbanismo subjacentes - e bota subjacentes nisso!

Ainda que os fatos sigam conspirando em sentido contrário, tentarei me ater a esse plano.

Antes, porém, faço questão de recordar os termos, que considero absolutamente atuais e pertinentes, de uma postagem publicada neste blog há cinco anos, por ocasião do anúncio da Operação Urbana Consorciada Centro de Niterói, empreendimento natimorto que, já em plena crise recessiva, flertou com a possibilidade de reproduzir o milagre, aqui esboçado, da mobilização das empreiteiras com pródigos adiantamentos da Caixa Econômica Federal lastreados em CEPACs de retorno duvidoso:
Em todas as grandes cidades do mundo paira, acima dos governos, uma compacta e intrincada rede mundial de concessionárias, empreiteiras, imobiliárias e proprietários de grandes eventos, além, é claro, de financeiras e bancos privados.
Como deixa claro a crise turca, é cada vez mais frágil e precária a barreira que hoje separa as reivindicações elementares das populações urbanas dos grandes cataclismos políticos. A culpa não é, decerto, do blogueiro furibundo. Mais provavelmente, é do papel crítico que tem, na economia contemporânea, a exploração privada cada vez mais predatória dos bens públicos, dos serviços essenciais e não essenciais e da renda da terra urbana; e, consequentemente, da influência que costumam adquirir seus principais beneficiários diretos e indiretos no governo das grandes cidades.
É por isso que, em se tratando das grandes operações urbanas contemporâneas, cada caso está longe de ser um caso. Ao contrário, cada caso é, em princípio, o mesmo caso. E cabe ao réu provar que é inocente.
___
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-porto-maravilha-tem-que-continuar-22719405

2018-07-30


terça-feira, 24 de julho de 2018

Mico Maravilha

Deu no Bem Paraná online
23-07-2018, por Folhapress
Caixa escolhe nova sede no RJ na Cinelândia e ignora revitalização do porto
A Caixa Econômica Federal escolheu a sua nova sede no Rio de Janeiro atendendo a pedido de funcionários, mas ignorando o projeto de revitalização da zona portuária, na qual já investiu mais de R$ 5 bilhões do FGTS.
Foto: Marcelo Sayão/ EFE
Fonte: Internet*
A decisão contrariou membros da Prefeitura do Rio de Janeiro. Eles esperavam que a Caixa escolhesse o Aqwa Corporate, da Tishman Speyer, que fica na região portuária. A ida dos cerca de 2.000 funcionários para o local ajudaria a movimentar a região, que sofre com a falta de projetos imobiliários.
A decisão da Caixa vai ao encontro, contudo, do pleito de funcionários do banco. Eles se queixavam da falta de serviços no porto, dificuldade de acesso e a possível insegurança na área.
Os valores do negócio não foram anunciados. No mercado especulava-se que a oferta de ambos os imóveis eram semelhantes, de cerca de R$ 2 milhões mensais. A Caixa vai deixar sua sede na avenida Almirante Barroso onde atualmente paga R$ 4,2 milhões mensais a um fundo gerido pelo BTG Pactual.
O contrato firmado com a BR Propetiers é de 15 anos. (Continua)

https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/album/2014/09/22/mico-leao-dourado-resiste-a-extincao.htm#fotoNav=8

Veja mais sobre o Porto Maravilha no "Dossiê Porto do Rio", coluna à esquerda, e nos marcadores "Porto do Rio" e "Porto Maravilha", coluna à direita.

2018-07-24


quinta-feira, 5 de julho de 2018

Com os burros n'água

Deu no Ademi na imprensa
05-07-2018, por Luiz Ernesto Magalhães / O Globo 02-07-2018

Porto sem fundo 
Montagem à beira do urbanismo
Imagens originais Internet
Idealizado como uma Parceria Público-Privada (PPP) que viabilizaria uma revolução urbana sem o uso de recursos públicos, o projeto Porto Maravilha já custou R$ 280,5 milhões à prefeitura desde junho de 2016. E os gastos vão aumentar. Com a saída, na semana passada, da concessionária que cuidava da área de um milhão de metros quadrados - o equivalente aos bairros de Copacabana e Leme -, o município teve que assumir os serviços de limpeza, operação de trânsito, iluminação pública e manutenção de vias, uma despesa que pode chegar a R$ 140 milhões por ano, de acordo com o previsto no contrato de concessão.

O projeto está à deriva porque o Fundo Imobiliário administrado pela Caixa Econômica Federal, que deveria financiar as obras de infraestrutura e a manutenção, encontra-se insolvente há dois anos. Por isso, deixou de repassar recursos à Concessionária Porto Novo. A prefeitura já teve que injetar dinheiro na PPP em dois momentos. No início de 2017, o município pagou R$ 62,5 milhões, a fundo perdido, para ressarcir despesas com conservação. Depois, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (Cdurp), ligada à prefeitura, comprou R$ 218 milhões em cotas do fundo, tornando-se "sócia" do negócio. Agora, o sistema de financiamento voltou a naufragar, e a concessionária deixou o projeto. (Continua)

Veja mais sobre o Porto Maravilha no "Dossiê Porto do Rio", coluna à esquerda, e nos marcadores "Porto do Rio" e "Porto Maravilha", coluna à direita.

2018-07-05