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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Tarifa zero – de nota em nota*


Estado de S Paulo 16-12-2023
https://www.estadao.com.br/sao-paulo/tarifa-zero-no-onibus-vale-a-pena-o-passe-livre-no-transporte-publico/

Montagem: Àbeiradourbanismo
No debate sobre a tarifa zero, eu parto do caráter socialmente determinado da estrutura espacial urbana na economia de mercado.

Os comércios se aglomeram da forma mais compacta possível no ponto mais acessível da rede urbana porque as famílias, gastando o mínimo possível com deslocamentos (menor distância e menos viagens perdidas), podem comprar mais com o que sobra do aluguel! Mas ao passo que as vantagens econômicas da localização relativa dos negócios e das famílias são recíprocas e, no melhor dos casos, repartidas entre os dois grupos - não esqueçamos que os negócios em geral têm a vantagem adicional nada desprezível da máxima disponibilidade e menor custo da força de trabalho -, ao final a maior parte, quando não a totalidade, do custo do deslocamento recai sobre as famílias, pelo simples fato de que, como são elas que têm de se deslocar, assume-se que os deslocamentos são assunto do seu exclusivo interesse. Elas que paguem o transporte, os negócios não têm nada com isso!

O problema da cobertura da tarifa zero nos transportes é que as possíveis rubricas, ou fontes de recursos - impostos municipais, impostos estaduais, transferências federais, publicidade etc, - afetam desigualmente os distintos segmentos da população e da própria administração pública, gerando inevitáveis disputas. No fundo, trata-se de um debate de tipo tributário: qual parcela do custo de mobilização das famílias para o trabalho e o consumo será paga pelas próprias famílias, qual será paga, e como, pelos distintos ramos de negócios - a começar, quero crer, pelos rentistas.

Em suma, é um problema de economia política.

Nas grandes metrópoles, os sistemas de transporte urbano são inapelavelmente deficitários pela simples razão de que a tarifa que cobre os custos de implantação e operação já não cabe, faz muito tempo, no bolso da imensa maioria dos usuários. A circulação é a mãe de todas as deseconomias metropolitanas e o subsídio coletivo à mobilização - e ao custo! - da força de trabalho a primeira lei do transporte urbano.

A matéria do Estadão não me deixa mentir: hoje, em São Paulo, só nos transportes por ônibus 

“a maior parte da tarifa já é paga pela Prefeitura. (..) Até novembro, foram pagos R$ 5,3 bilhões em subsídios às companhias de transporte coletivo".

A ideia, insistentemente difundida pela própria imprensa, de que a privatização reduz o déficit dos grandes sistemas de transportes é um embuste: os privados não arcam com os custos de implantação e aquisição de material rodante e a fragmentação do sistema gera desarranjos em cadeia - crises de rentabilidade, renegociações, integração física, operacional e tarifária entre distintas concessões, contestações judiciais, desistências - que tendem a torná-lo ainda mais caro a longo prazo.

E aqui chegamos ao problema crucial: em países, como o nosso, em que as conquistas do Estado do bem-estar são, para dizer o mínimo, precárias - com a honrosa e intrigante exceção do SUS, há poucos dias saudado por ninguém menos que Bill Gates como um exemplo para todos os países do mundo - os transportes metropolitanos têm constituído, nos últimos 30 anos, um maná lucrativo pela via das concessões, um vasto mercado de oportunidades de gestão monopolista de pedaços das redes e seus componentes - a operação, de preferência - às expensas do conjunto.

Muito me espantaria se no Brasil, onde, não faz muito tempo, aprovamos a privatização do saneamento básico, passássemos a estatizar, para operação direta ou contratada, os transportes urbanos com tarifa zero para a população trabalhadora. 
_____

* Esta postagem contém um apanhado de ideias formuladas em minhas pesquisas sobre a estrutura urbana e passagens de postagens anteriores sobre a “tarifa zero”, acessíveis pelos marcadores do blog.

2023-12-20

quinta-feira, 13 de abril de 2023

A tarifa zero e o consumo das famílias

Última edição 18-08-2023

BBC News Brasil 13-04-2023
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy65e4qnjjpo

Montagem:Àbeiradourbanismo
Clique para ampliar
Como estudioso da organização espacial urbana, me chama a atenção nessa matéria a constatação de que as famílias, liberadas do gasto imediato com tarifas de transporte, tendem não só a deslocar-se mais como a consumir mais.

Fica, portanto, uma dúvida, que pesquisas futuras poderiam ajudar a esclarecer, a respeito da ideia bastante difundida entre adeptos - como eu mesmo - da recuperação da renda do solo, de que toda redução de gastos com transporte público será necessariamente anulada pelo aumento dos alugueis. Sua origem é assim resumida na Economia Regional de Richardson 1975: “A análise de Wingo [custos constantes de localização, 1961] mantém a hipótese de complementaridade entre os gastos de aluguel e os custos de transporte apresentados mais de três décadas antes por R. M. Haig, que, por sua vez, formulou um paralelo urbano ao modelo agrícola de Von Thunen [1826]”.

Vale lembrar, no entanto, que a redução o poder de compra com o aumento da distância, e respectivo gasto de transporte, entre a residência e o comércio de varejo é uma premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de Walter Christaller, 1933: [1]

"(..) um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distancia, causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central."

Como já tive ocasião de sugerir em mais de uma postagem neste blog, [2] a compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores situados à menor distância-custo uns dos outros, não a renda da terra em si mesma, seria o fundamento da organização espacial urbana moderna. 

No papel de árbitro da competição espacial entre usos do solo socialmente necessários e espacialmente interdependentes, a renda da terra assegura que, no processo de formação da cidade capitalista, comércio, serviços e pequena indústria se estabeleçam no ponto mais acessível da rede urbana relativamente ao conjunto das famílias, e suas imediações, para beneficiar-se do mínimo dispêndio total com deslocamentos. Daí provém a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica da cidade capitalista e as categorias espaciais que hoje chamamos de centro [de negócios] e periferia [residencial], com suas respectivas diferenciações.

Famílias não buscam morar perto do Centro para pagar mais aluguel; pagam mais aluguel (por m2) para estar no lugar da cidade onde é mínimo o custo de deslocamento e máxima a oferta de mercadorias, serviços e empregos. Tampouco os varejistas se estabelecem no Centro para pagar mais aluguel: pagam mais aluguel para estar à menor distância possível do conjunto das famílias e aí se aglomeram, em mercados e arruamentos tão compactos quanto possível, para que nenhum consumidor “perca a viagem” e a força de trabalho seja a mais farta e barata possível. 

Sob este ângulo, a configuração radio-concêntrica da cidade moderna aparece como um dispositivo de economia social facilitador e acelerador da produção de riqueza sob a forma histórica do capital.

A ideia da vantagem locacional reciprocamente determinada de residentes e varejistas, sugerida por Hurd em 1903, [4] tem estado obscurecida pelo sucesso do modelo de William Alonso em representar a distribuição de firmas e famílias urbanas, sempre e por definição individualmente consideradas, ao redor do Centro segundo sua capacidade de ofertar renda pela terra-localização. [5] Permanece, no entanto, a questão: de onde vem o Centro? Por qual razão as firmas, cuja aglomeração constitui o próprio Centro, ofertariam as maiores rendas da cidade para estar o mais perto possível... de si mesmas? 
Tenho para mim que as declarações de Josué Ramos, prefeito de Vargem Grande Paulista, e Celso Haddad, Diretor da ETP de Maricá, reproduzidas na matéria da BBC Brasil, contêm ao menos parte da resposta:

"É uma questão muito maior do que a de mobilidade. Existe a questão social, a de geração de recursos, porque na hora que eu implantei a tarifa zero, aumentou o gasto no comércio, a arrecadação de ICMS, de ISS"

"Em 2022, foram R$ 160 milhões que as famílias deixaram de gastar com transporte, o que é injetado diretamente na economia da cidade"

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[1] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf

[2] “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese” 08-03-2021

[3] “Apontamentos: HURD 1903 - crescimento urbano axial e central” 15-03-2023

[4] HURD R M, "Excerpts on axial and central growth", extraído de Principles of City Land Values, New York: Record and Guide 1903, por JORGENSEN P.
https://docs.google.com/document/d/15g10RjkDmqBxl9onF5OPYvHBRrmGiE1A6McoKzBeSeE/edit?usp=sharing

[5] ABRAMO P (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87

2023-04-13

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Tarifa zero - uma nota

Deu no UOL Internacional
15-07-2021, por Peter Yeung
O exemplo das cidades que passaram a oferecer transporte público gratuito

Sempre que vem à tona o debate sobra a tarifa zero no transporte público urbano, ouve-se a advertência de que o transporte nunca é gratuito: alguém tem de pagar seus custos.

Em minha opinião, “alguém ter de pagar” é um não-problema. Vale igualmente para a educação e a saúde gratuitas. E nunca vi ninguém - trabalhador, burocrata ou empresário - alert
ar que a segurança interna (polícia) e externa (Forças Armadas), também públicas e gratuitas, têm de ser paga por alguém. No fim das contas, os serviços públicos são todos pagos pelo “fundo comum”, para o qual aliás, como explicam muitos estudiosos da estrutura tributária, são os capitalistas os que proporcionalmente menos contribuem.

Transporte público gratuito não é uma panaceia; não há razão para supor que ele esteja livre dos defeitos encontráveis nos demais serviços públicos e gratuitos de nosso país. Mas, a exemplo da educação e da saúde, pode ser benéfico para a economia em geral e para os trabalhadores em particular, com ganhos imediatos em poder de consumo e mediatos em vantagens derivadas do acréscimo de mobilidade. O problema é como evitar que esses ganhos venham a ser capturados (1) pelo capital em geral pela via do ajuste paulatino dos salários à redução do custo da força de trabalho, e (2) pela propriedade imobiliária sob a forma de aumentos de alugueis e preços dos terrenos, principalmente nas periferias urbanas, onde reside a imensa maior parte da população trabalhadora.

Transporte e aluguel são custos interrelacionados, tanto mais intimamente quanto menor é o nível de rendimento do usuário. O exame da relação entre localização, rendimento familiar e aluguel mostra que, quanto mais periférica a localização, consequentemente maior o custo real do deslocamento aos principais centros de emprego, mais barato o solo/localização - ainda que não a moradia, porque maior é a parte proporcional do rendimento familiar destinado ao aluguel.

Contudo, é quase impossível imaginar como uma política pública tão abrangente e complexa, envolvendo numa única equação os transportes e a renda da terra, possa funcionar em megalópoles cujas periferias vivem imersas na informalidade, vale dizer à margem de uma parte não desprezível das regulações e controles estatais, e cujos sistemas de transportes se encontram muitas vezes, como hoje no Rio de Janeiro, retalhados em pedaços semi-independentes para fins de exploração privada. 

A política de "tarifa zero" esbarra, pois, antes de tudo, num obstáculo bastante prosaico: o fato de que a exploração dos serviços públicos constitui, sobretudo nos países de médio e baixo PIB per capita, onde são pouco enraizadas as conquistas do Estado do bem-estar, uma saída de emergência para capitais em crise crônica de oportunidades de valorização. Muito me espantaria se no Brasil, onde acabamos de aprovar a lei da privatização do saneamento, passássemos a estatizar, para operação direta ou contratada, os transportes urbanos.


2021-07-25

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Paulo Sandroni explica as virtudes da Tarifa Zero


Na coluna Blogs Favoritos de à beira do urbanismo, embaixo à direita, o leitor encontra um link imperdível para um artigo do economista Paulo Sandroni, publicado em seu blog em 18 de maio de 2013, sobre o grande assunto do momento : a Tarifa Zero nos transportes públicos.

Para instigar o leitor, segue um extrato com os parágrafos de abertura:

Durante o mandato de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo (1989-1992) o Executivo enviou uma proposta de Tarifa Zero à Câmara de Vereadores. A ideia foi do Lucio Gregori então Secretario de Transportes coadjuvado pelo Jairo Varoli então Presidente do CET. Como Presidente da CMTC, empresa pública encarregada da operação e gestão do serviço de ônibus em São Paulo encampei imediatamente a proposta por reconhecer as enormes vantagens não apenas sociais, mas também econômicas e políticas que ela significava. Levamos a proposta à Luzia Erundina que imediatamente deu luz verde para que transformássemos a ideia em um projeto de lei a ser rapidamente encaminhado á Câmara de Vereadores. Percebendo o impacto do projeto e especialmente seus alcances políticos, a oposição que no momento mantinha maioria na Câmara de Vereadores rejeitou a proposta, e a tarifa zero não pode ser colocada em prática.

A logica da proposta era seguinte. O transporte seria gratuito e as empresas privadas que atuavam no setor seriam pagas pelo custo dos serviços prestados. Como acontece, por exemplo, com o serviço de limpeza pública. Os recursos para o financiamento sairiam de um forte aumento do IPTU incidente sobre as famílias mais ricas, e um aumento moderado sobre as famílias de classe média. O IPTU das familias mais pobres não sofreira alteração. A classe média seria compensada, pois os membros da família que não possuissem carro – seus filhos, ou mesmo empregadas domésticas – não pagariam pelo transporte público.

A frota de ônibus aumentaria cerca de 50%. Os 10 mil ônibus então em circulação seriam acrescidos de mais 5 mil para fazer frente ao aumento da demanda. Este aumento teria origem nas pessoas que não podendo pagar a tarifa percorriam longos trajetos a pé no circuito casa-trabalho-casa, ou por aqueles que usando outros meios de transporte (carros p. ex.) passariam a andar de ônibus.

O transporte seria desta forma democratizado – todos que desejassem teriam acesso a ele gratuitamente – tivessem ou não recursos para custear seus deslocamentos. (...)
  Leia a íntegra do artigo em  http://sandroni.com.br/?p=457