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terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Favela-bairro de 15 minutos


La Vanguardia 03-01-2024
Ni guetos ni utopías: las ciudades de 15 minutos ya existen y son las capitales de provincia (lavanguardia.com)

Montagem: Àbeiradourbanismo
Em megalópoles tão populosas e desiguais como as brasileiras, creio que a 'cidade de 15 minutos' possível se resume a tal ou qual fragmento urbano, um deles existente há muitas décadas: falo do vínculo econômico-espacial estabelecido entre os residentes das favelas e dos bairros de classe média. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, trabalhadores residentes no Catete, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, São Conrado, Tijuca, Vila Isabel, Méier e um bom número de lugares suburbanos só precisam descer o morro para chegar ao local de trabalho - e ao comércio também. 

Mas a desigualdade é tanta que nesse tipo de favela não há lugar, nem trabalho próximo, para todos: enormes contingentes de trabalhadores têm de morar na periferia e se deslocar ao Centro, ou centros, de comércio e negócios em viagens de 1,5 horas!

O mundo - Brasil incluído - está cheio de cidades de 15 minutos. Mas em nossa sociedade, os grandes fluxos de riqueza não são gerados em cidades de 200 mil habitantes: 2 milhões é um patamar muito mais realista. E quanto mais populosa e desigual a cidade, mais periferia e menos 'proximidade' ela terá. 

Vale lembrar que, mesmo nos países ricos, o funcionamento normal da economia e o aumento da riqueza total têm gerado um acréscimo persistente da desigualdade desde os anos 1980, ao qual, aliás, eu atribuo a espiral de preços que faz do mercado imobiliário de 'alta renda' um negócio - literalmente, até há pouco - da China. O crescimento econômico que, em Lisboa por exemplo, manda os nacionais para a periferia para ocupar os centros com turistas estrangeiros e especialistas home-office, está, com toda certeza, na contramão da “revolução da proximidade”. Poderíamos abrir um concurso de exemplos desse fenômeno.

Sou adepto da revolução da proximidade. Mas, em minha opinião, ela supõe uma sociedade tendencialmente igualitária, movida por autômatos comandados por trabalhadores altamente qualificados, em que ninguém precise morar em aglomerações maiores do que, digamos, 500 mil habitantes.


2024-01-17

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Apontamentos: Glaeser 2021 e a "cidade de 15 minutos"

GLAESER Edward, “The 15-minute city is a dead end — cities must be places of opportunity for everyone”. Blogs LSE 08-05-2021
https://blogs.lse.ac.uk/covid19/2021/05/28/the-15-minute-city-is-a-dead-end-cities-must-be-places-of-opportunity-for-everyone/

Our discussions and spending on urban mobility has over-emphasised the mobility of the rich. But we have largely ignored the mobility of the poor at all — especially in the US. I am very worried that a focus on enabling upper-middle-income people to walk around in their nice little 15-minute neighbourhood precludes the far larger issue of how we make sure our cities once again become places of opportunity for everyone. Enormous inequalities in cities are only tolerable if cities fulfill their historic mission of turning poor people into rich people. I am only interested in urban planning concepts that fundamentally solve that problem, and the 15-minute city seems likely to make that problem even worse. (Edward Glaeser)

*

Diagrama da
"cidade de 15 minutos",
por Moreno et al.*

Compartilho sem pestanejar com o autor deste pequeno artigo a defesa de políticas urbanas compensatórias como o  subsídio aos transportes públicos pela “taxa de congestionamento de tráfego” e a cobertura de seus custos pela exploração estatal da renda do solo urbano no entorno das estações. E concordo que é um escárnio subsidiar os transportes dos ricos e deixar que os dos pobres se paguem por si mesmos.

Também a mim não convence a fórmula da “cidade de 15 minutos”, derivada de uma preocupação com a sustentabilidade urbanística que, embora louvável, é no mínimo parcial, e irreal, no que tange à composição da força de trabalho e, mais amplamente, ao papel e modus operandi das grandes metrópoles no processo de geração e distribuição da riqueza global.

Divirjo, porém, do autor - se o entendi corretamente - no postulado de que a “missão histórica” da cidade é propiciar, pela via das “oportunidades” que só a aglomeração em grande escala e a mobilidade generalizada podem criar, a ascensão social dos "pobres" em quantidade suficiente para tornar “tolerável” a permanência de suas “enormes desigualdades”.

Se a “missão histórica” das grandes metrópoles é, em nome das "oportunidades para os pobres", seguir sendo uma armadilha civilizacional concentradora de crescimento econômico e acumulação competitiva da riqueza, portanto também de deseconomias, desperdício, desemprego, precariedade, pobreza, moradia subnormal e degradação ambiental, deduzo que ela está esgotada e que precisamos rever nossos conceitos em favor de uma economia e uma urbanização autenticamente sociais e ambientalmente sustentáveis, portanto essencialmente planejadas.

A cidade democrática é, para mim, portanto, um problema totalmente em aberto, em que mesmo as melhores soluções e práticas atuais são meramente transitórias. 

A “função social da propriedade”, tão cara aos urbanistas, é um ótimo ponto de partida programático para o redesenho das cidades, desde que estabelecida em um marco constitucional que defina “função social” não como um requerimento acessório, somente afeto à “propriedade urbana” e dado por cumprido quando em conformidade com "as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor” (Art. 182 §2º da Constituição Federal brasileira de 1988), mas como o conteúdo do direito de propriedade em geral.

A criação de cidades de tipo realmente novo depende de uma radical inversão de conteúdo do direito de propriedade. É preciso que a “função social da propriedade” deixe de ser um conceito ambíguo e acessório do direito urbanístico, como no Brasil, e passe a ser a cláusula pétreapedra angular de todas as constituições democráticas do planeta. 

2021-08-28
______
*MORENO Carlos et al, “Introducing the “15-Minute City”: Sustainability, Resilience and Place Identity in Future Post-Pandemic Cities”. Smart Cities 2021, 4(1), 93-111.
https://www.mdpi.com/2624-6511/4/1/6/htm