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domingo, 23 de junho de 2024

Política urbana ou pirataria rentista?


Metrópoles 15-06-2024
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/estadio-do-flamengo-percalcos-de-transferir-o-potencial-construtivo
Supervasco 19-06-2024
https://www.supervasco.com/noticias/imagens-do-projeto-de-reforma-de-sao-januario-aprovado-na-camara-394221.html


Montagem: Àbeiradourbanismo

É assim que a transferência do potencial construtivo, um instrumento de manejo de mais-valias fundiárias de grande utilidade em projetos de desenho urbano com acréscimo de espaço público - aplicado com sucesso, por exemplo, na implantação da 3a Perimetral de Porto Alegre -, está em vias de se tornar, no Rio de Janeiro, um maná especulativo de interesse dos grandes clubes de futebol e da incorporação imobiliária, com a bênção do prefeito Eduardo Paes e o Aprovo da Câmara dos Vereadores.

Adivinhem para onde vai o "potencial construtivo não utilizado" a ser transferido dos terrenos dos novos estádios localizados no bairro - que já foi aristocrático e industrial e agora poderá se tornar "futebolístico" - de São Cristóvão: para a Barra da Tijuca, a Meca imobiliária do Rio de Janeiro, ora bolas!

Cabe perguntar, aliás: como se calcula “o potencial construtivo não utilizado”? Seriam os campos de jogo cercados de arquibancadas classificados como ‘volumes não edificados’?

E como se não bastasse, os novos estádios de Flamengo e Vasco da Gama, que são as maiores torcidas do Rio de Janeiro (a do Flamengo é, de longe, a maior do Brasil), ficam a cerca de 1km um do outro e a menos de 2km… do Maracanã - que, ao custo de bilhões jamais amortizados, e sob o patrocínio do mesmíssimo prefeito Eduardo Paes, foi reconstruído duas vezes neste século: para os Jogos Pan Americanos de 2007 e para os Jogos Olímpicos de 2016!

Montagem: Àbeiradourbanismo
2024-06-23

Sobre os percalços do complexo desportivo do Maracanã no século XXI, leia:
“Julio Delamare e Célio de Barros: NÃO à destruição dos bens do patrimônio desportivo e educacional brasileiro”. À beira do urbanismo 01–04-2013.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2013/03/julio-delamare-e-celio-de-barros-nao.html

sábado, 3 de outubro de 2020

A ordem e a lei

NY Times 24-09-2020, por Michael Kimmelman
https://www.nytimes.com/2020/09/24/arts/design/times-square-grand-central-tour.html

Times Square, Grand Central and the Laws that Build the City

A virtual tour looks at the legal battles and innovations behind 42nd Street. Our critic chats with the Harvard professor Jerold S. Kayden


Building proposed by
Marcel Breuer over
Grand Central Terminal
Bettmann Archive/
Getty Images/NY Times
Artigo muito interessante, recheado de belas fotos e, principalmente, exemplos do que chamo “urbanismo negocial”, do qual Nova York é uma fonte inesgotável: compra-venda de espaço aéreo, manutenção privada de espaço público, uso público de espaço privado e exemplos clássicos de como funciona, por lá, a transferência de potencial construtivo, com suas evidentes contradições.

Em 1978 a Suprema Corte decidiu que a companhia proprietária da estação Grand Central não tinha direito constitucional ao valor especulativo derivado da hipotética construção de uma torre comercial sobre o terminal e, por extensão, que a cidade não contraía dívida com o proprietários de terrenos por reduzir seu valor de mercado por efeito da regulação do uso e da edificabilidade. Como no Brasil. Contudo, o mesmo juiz Brennan julgou que a empresa poderia transferir o potencial construtivo não utilizado a outros terrenos de sua propriedade nos arredores da estação. Ou seja, a cidade não contraía dívida, mas se esperava que compensasse o suposto prejuízo. [1]

Por outro lado, cumpre observar o que me parece ser uma visão distorcida, muito difundida aliás, do processo de construção das cidades, expressa logo no primeiro parágrafo:

Designers design buildings. Engineers engineer them. But the law is New York’s foundational architect and building block.”

E a indústria de bens e serviços urbanos? Se acomoda às regras do direito? Ou será substancialmente ao contrário? Acho que o autor não poderia ter escolhido cidade pior para ilustrar a sua tese.

2020-10-06
____
NOTA

[1] Sobre isso, eu sustento a minha antiga posição: a transferência de potencial construtivo deve ser uma prerrogativa exclusiva da municipalidade, destinada à cobertura de custos de intervenções públicas - tipicamente a desapropriação de terrenos necessários a obras e equipamentos. Por isso não a chamo "transferência do direito de construir", fórmula com a qual o Estatuto da Cidade abre a porta para a privatização dos próprios direitos de uso e edificabilidade, que dessa forma acabariam por tornar-se ilimitados, como se não bastasse a garantia constitucional de apropriação privada de seu efeito econômico: a renda da terra.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Transferência do Direito de Construir: Questões e conflitos na aplicação do instrumento do Estatuto da Cidade



Por Isabela Bacellar Brandão Guimarães  (Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) 

À beira do urbanismo traz aos leitores o trabalho desenvolvido pela arquiteta e urbanista Isabela Guimarães - sob orientação da Prof. Vera Rezende e co-orientação da Prof. Fernanda Furtado - como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense - Niterói, 2007.
 

O tema da Transferência do Direito de Construir, que à primeira vista parece simples, desdobra-se em uma complexidade que o atinge em suas diversas facetas, seja no campo regulatório, de aplicação, de gestão e de controle do instrumento, bem como nas bases conceituais do instrumento. O principal propósito do presente trabalho é verificar quais as implicações das diversas formas de aplicação, de gestão e de regulamentação da Transferência do Direito de Construir nas práticas de algumas administrações municipais brasileiras – Porto Alegre, Curitiba, Goiânia e Salvador. Busca-se analisar os conflitos provenientes da interação e da regulamentação não coordenada da TDC com outros instrumentos urbanísticos, em especial a Outorga Onerosa do Direito de Construir e a relação entre os fins instituídos para a Transferência do Direito de Construir no Estatuto da Cidade e institutos jurídicos relacionados ao planejamento urbano, como o Tombamento, a Desapropriação e a Usucapião.
Isabela Bacellar Brandão Guimarães, setembro de 2014.

Transferência do Direito de Construir: Questões e conflitos na aplicação do instrumento do Estatuto da Cidade
Introdução
Não se pode negar que o crescimento dos centros urbanos tem se dado de forma desordenada. O poder público, através do planejamento urbano, busca enfrentar os atuais problemas urbanos dos municípios brasileiros, como o crescente processo de favelização, o agravamento da questão ambiental, a violência urbana, o tráfego caótico de veículos, a enorme distância entre as classes sociais, o saneamento urbano insuficiente, dentre inúmeros outros problemas.
Como resolver, então, a ‘crise urbana’ das cidades brasileiras? A solução não é simples e não se resume a uma só resposta. Ademais, não consiste em atos isolados, mas em processos contínuos que exigem a colaboração de todos os atores envolvidos – poder público, sociedade, empresários, entidades de classe, organizações não-governamentais, etc. Nesse cenário, o poder público atua como o coordenador das ações dos demais atores e dos interesses coletivos e individuais.
A atuação da administração municipal concretiza-se em procedimentos de planejamento urbano, composto por fases de elaboração, regulamentação, aplicação do plano, gerenciamento e fiscalização. As decisões quanto a esses procedimentos traduzem-se pelo conjunto da regulamentação urbanística municipal – Leis Orgânicas, Planos Diretores, Leis de Uso e Ocupação do Solo, Códigos de Edificação, demais leis e decretos municipais.
No nível nacional, o Estatuto da Cidade – Lei Federal nº 10257, de 10 de julho de 2001 - vem disciplinar as propostas de reforma urbana no país, prenunciadas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao regulamentar os artigos 182 e 183, que tratam da política urbana nacional. 
A aplicabilidade local de determinados instrumentos de regulamentação urbana previstos no novo estatuto consolidou a importância do Poder Público Municipal conferida pela Constituição Federal, concretizando o dever de aplicação local das regras de direito   
urbanístico através de seus Planos Diretores, os quais devem atender às Diretrizes Gerais contidas no Estatuto da Cidade.
Regulamentados pelo Estatuto da Cidade em linhas gerais, os instrumentos de política urbana devem ser desenvolvidos e regulamentados mais especificamente pelas administrações municipais de forma a adequá-los às suas realidades locais, dentro dos limites estabelecidos em lei. Esses instrumentos são os meios para a operacionalização da política urbana municipal.
Os instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade, dentre eles a Transferência do Direito de Construir (TDC), objeto do presente trabalho, carecem de contornos mais nítidos para que sua utilização atinja, eficazmente, aos propósitos urbanísticos, sociais e ambientais.
A TDC é prevista para o objetivo de viabilizar a preservação de imóveis ou áreas de importante valor histórico, cultural, arqueológico e ambiental, além da hipótese de transferência para casos de regularização fundiária, programas de habitação de interesse social e implantação de infra-estrutura urbana e equipamentos comunitários. É instrumento de regulação pública do exercício do direito de construir, que pode ser utilizado pelo Poder Público municipal para condicionar o uso e edificação de um imóvel urbano às necessidades sociais e ambientais da cidade.
A previsão do instrumento no Estatuto da Cidade está contemplada no art. 35, a seguir:
Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de: I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. § 1o. A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput. § 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir.
A deliberação lei federal que confere ao Poder Municipal o estabelecimento das condições relativas à aplicação da TDC possibilita a existência de ampla diversidade de aplicação, de gestão e de regulamentação do instrumento pelos municípios. Esta multiplicidade de formatos pode ocasionar dificuldades de adequação do instrumento, como tem sido verificado por pesquisas no campo urbanístico.
Aplicado isoladamente, o instrumento em análise apresenta lacunas na regulamentação e problemas na sua aplicabilidade, bem como nos mecanismos de gestão e de controle.  Ressalta-se a problemática da utilização simultânea e não coordenada da TDC e de outros instrumentos urbanísticos, em especial a Outorga Onerosa do Direito de Construir, além de pontos críticos na sua interação com outros institutos jurídicos relacionados com as questões urbanas e sobretudo com os fins estabelecidos para a TDC, tais como o Tombamento, a Desapropriação e a Usucapião Urbana.
Pode-se considerar, como hipótese, que as dificuldades de conceituação e de regulamentação do instrumento acabam por colaborar para conseqüências indesejáveis em sua operacionalização (aplicabilidade e gestão).
Em razão dessas dificuldades, o formato do instrumento, em seus diversos aspectos, ainda não pode ser considerado plenamente consolidado pelas práticas das administrações municipais brasileiras.
Observando-se a evolução que a TDC adquiriu na experiência de alguns Municípios, o que se percebe, de fato, é a necessidade de uma maior reflexão teórica em busca da otimização desse mecanismo, em busca de uma melhor vertente de sua regulamentação e conseqüente aplicação.
Verifica-se, portanto, a necessidade de se elucidar algumas questões fundamentais a respeito do tema, para o aprimoramento das formas de gestão da terra. O primeiro passo para isso seria então a identificação e sistematização dos principais problemas a serem enfrentados, tarefa à qual se dedica este trabalho. A correção de problemas de aplicabilidade e gestão representa uma das prioridades das administrações locais, que buscam, com a revisão de seus Planos Diretores para a adequação ao Estatuto da Cidade, superar estas dificuldades.
No caso da TDC, é notável uma relativa escassez de estudos aprofundados acerca da sua aplicação por municípios brasileiros, principalmente quando comparada ao instrumento Solo Criado/Outorga Onerosa do Direito de Construir, discutido no Brasil há mais de trinta anos.  Em geral,  encontram-se trabalhos que tratam o tema da TDC em linhas gerais e relatos pontuais de algumas experiências municipais, não havendo pesquisas sistematizadas voltadas às experiências municipais quanto aos aspectos mais críticos da aplicabilidade do instrumento.
O tema, que à primeira vista parece simples, desdobra-se em uma complexidade que o atinge em suas diversas facetas, seja no campo regulatório, de aplicação, de gestão e de controle do instrumento. As discussões de fundo sobre a TDC baseiam-se na argüição da titularidade do direito de construir, traduzida no direito aos índices construtivos concedidos pelo poder público aos proprietários de terrenos urbanos.
Percebe-se que as várias questões relacionadas com a TDC ainda permanecem sem consenso, o que acaba por contribuir para a maior complexidade e dificuldade da aplicação do instrumento. Considera-se esta pesquisa um primeiro passo para a construção de um melhor entendimento sobre o tema.
As experiências municipais constituem a base para atingir os objetivos desta pesquisa, cujo enfoque principal é dado às dificuldades encontradas pelas administrações públicas quanto à aplicação, à gestão e à regulamentação da TDC. 
Busca-se, nesse sentido, sistematizar e analisar algumas questões fundamentais para  uma melhor elaboração e/ou adaptação da regulamentação do instrumento, uma vez que se têm verificado diversos problemas quanto à operacionalização da TDC como instrumento de planejamento urbano.
Este trabalho tem o propósito de contribuir para a realização de melhores práticas de planejamento urbano e para a consolidação do formato de aplicação e gestão da TDC, através da investigação de experiências municipais e do aprofundamento da algumas questões críticas fundamentais, que poderiam indicar alguns caminhos para a utilização do instrumento pelas municipalidades. 
De forma mais específica, busca-se discutir a relação entre as finalidades da TDC definidas pelo Estatuto da Cidade, da maneira como vem sendo utilizado pelas municipalidades brasileiras, e sua interação com outros institutos jurídicos ligados às questões urbanas, já mencionados.
(Continua)

Acesse  a íntegra da dissertação pelo link  



2014-09-19

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Porto Alegre: Financiando obras viárias com renda do solo privado

Lincoln Institute of Land Policy
2013, por Néia Corrêa Uzon, arquiteta, Diretora do Escritório de Aquisições Especiais da Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre 1997-2003

Transferência do Direito de Construir: A Experiência de Porto Alegre, Brasil 
A experiência aqui relatada, de aquisições de imóveis para a execução da 3ª Avenida Perimetral de Porto Alegre, utilizando em larga escala o instrumento da Transferência do Direito de Construir, comprovou, na prática, a excelência do instrumento. A operação consiste em pagar a desapropriação de um lote, ou parte dele, apenas com a “permissão de levar seu potencial construtivo para outro local”, baseado na premissa de que o valor do bem é dado principalmente pela sua capacidade de receber edificação, aliado à sua localização na cidade.
Desenho esquemático das vias perimetrais
de Porto Alegre. (*) A 4a Perimetral não
tem previsão de implantação.
A operação, embora sugerida pelo corpo técnico da Prefeitura, inseriu-se perfeitamente nos planos do governo municipal, pois veio ao encontro das políticas já adotadas pela administração da cidade. Desde 1989, a administração vinha adotando uma política de controle do uso do solo, recuperação de mais valias urbanas, inversão das prioridades históricas no atendimento dos serviços municipais, utilização dos instrumentos de regulação em poder do governo municipal para promover a redução da concentração dos benefícios financeiros e de valorização imobiliária, historicamente nas mãos dos mais abastados. 
(..) A base legal da operação foi dada por lei municipal pioneira no Brasil, embora a estrutura legal que sustenta a organização do País como uma República Federativa já autorizasse os municípios a legislar  sobre a matéria: afinal, a Constituição da República, em seu artigo 18, estabelece a autonomia político-administrativa dos entes da federação.
Com essa operação, a Municipalidade diminuiu sensivelmente o desembolso financeiro. O total de aquisições, sem desembolso em moeda corrente, alcançou a cifra de R$ 25.893.288,993 - equivalentes na época a US$ 10,8 milhões, aproximadamente. Este desempenho viabilizou a contrapartida junto ao organismo financiador da obra – Banco Interamericano de Desenvolvimento – o que permitiu, através de negociações posteriores, a ampliação do objeto contratado inicialmente, com a inclusão da execução de outras obras importantes para o desenvolvimento da cidade. Por sua vez, os proprietários afetados receberam um recurso que, nesse caso específico, atingiu valores superiores aos de seus terrenos no mercado imobiliário.
A execução da 3ª Perimetral envolveu a tentativa de convencimento para adesão à proposta de Transferência do Direito de Construir de aproximadamente 6 mil proprietários.
Para reduzir o impacto da intervenção, foi criada uma estrutura administrativa própria que foi capaz de reduzir os tempos de efetivação dos contratos de compra e venda e proporcionar atendimento diferenciado ao público-alvo, baseado em técnicas de negociação. Foi uma experiência única, onde não se detectou prejudicados. Iniciou-se, a partir dela, um mercado de compra e venda de direito de construir que pode vir a auxiliar o desenvolvimento de outros instrumentos de recuperação de mais valia, como o Solo Criado – atualmente chamado pela legislação federal de Outorga Onerosa de Direito de Construir. A formulação acabou por atrair o interesse do próprio Banco Interamericano de Desenvolvimento (o banco, inicialmente, duvidara de sua aplicabilidade ao projeto), que passou a recomendar a outras cidades brasileiras e latinoamericanas que conhecessem a experiência de Porto Alegre. (Continua)
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(*) https://portoimagem.wordpress.com/2015/01/18/comeca-construcao-do-duo-concept-na-1a-perimetral/

Acesse o trabalho completo clicando


2014-02-15

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Transmilênios e recuperação da valorização do solo urbano


Dentre as muitas aplicações da recuperação (pública) da valorização do solo urbano, uma das mais relevantes para as cidades brasileiras e latino-americanas é, sem dúvida, a aquisição de solo para a implantação de sistemas de transporte público de superfície.

O transporte urbano é um dos muitos caminhos que podem levar um urbanista ao tema da recuperação da valorização imobiliária. No meu caso, influiu decisivamente a convicção de que, devido à limitada capacidade de endividamento público no país, a construção de verdadeiras redes integradas de transporte urbano em nossas grandes cidades só poderia se dar mediante uma combinação equilibrada de segmentos básicos de Metrô no coração da cidade e corredores de alta densidade, trens urbanos modernizados, BRTs nos corredores radiais de expansão urbana e avenidas de ligação dos subcentros e ônibus “alimentadores” nas pontas da rede. Vale dizer, os BRTs podem ser a chave da integração de todo o sistema.

Mas o que é BRT?, há de se perguntar o leitor. BRT (Bus Rapid Transit) é a sigla que, na comunidade internacional da engenharia de transportes (fortemente dominada pela nomenclatura anglo-saxã) designa o sistema que Curitiba lançou há mais de 40 anos e Bogotá recém popularizou na América Latina com o nome de Transmilênio. Para uma visão abrangente das imensas vantagens do BRT, recomendo ao leitor clicar no link abaixo (“BRT-Artigo”) e ler a versão integral de matéria sobre o tema publicada n’O Globo de 26 de julho último, de autoria do engenheiro Ronaldo Balassiano, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da COPPE-UFRJ e incansável divulgador desse sistema.*
 

BRTs demandam avenidas capazes de acomodá-los adequadamente, em termos operacionais e urbanísticos. Foi, portanto, na busca de um método para resolver a crônica estagnação do sistema urbanístico de servidões de recuo para alargamento a longo prazo da grandes avenidas do Rio de Janeiro, em especial nas zonas norte e suburbana da cidade, que cheguei ao mundo fascinante, e até então insuspeitado para mim, da recuperação da valorização da terra.

O método em questão é aquele que prefiro chamar de Transferência (onerosa) de Potencial Construtivo (TPC)**. Em 2002, a equipe da Gerência de Operações Urbanas da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro ensaiou a sua aplicação no “Corredor Barão de Mesquita” (Centro-Pça. da Bandeira-Grajaú-Méier, ver Figura), estruturador histórico de uma sub-região urbana com mais de 360 mil residentes. 

A Transferência (onerosa) de Potencial Construtivo não implica a criação de potencial construtivo adicional. É mero manejo espacial do estoque vigente dentro de um perímetro de projeto, dos lotes afetados para outras localizações, conforme legislação específica. A TPC generaliza, via mercado imobiliário, o antigo princípio urbanístico da permuta das áreas afetadas por projetos viários pelo direito de aplicação privada do potencial construtivo correspondente no próprio lote. Com características próprias, este princípio tem sido aplicado na cidade de Porto Alegre desde a década de 1970, culminando na recente implantação da III Perimetral.*** 

A TPC não recupera para a municipalidade a valorização histórica do solo, mas promove a permuta, dentro de um horizonte temporal razoável, do acréscimo de renda fundiária que acompanha o aumento do lucro imobiliário nos empreendimentos adquirentes de potencial construtivo excedente – sem o qual não haveria, evidentemente, interesse dos promotores em sua aquisição – pelo solo de origem do potencial, necessário à implantação do projeto público. Mediante transações bilaterais ou leilões do estoque de potencial das áreas afetadas, a TPC “conduz” o mercado a realizar um objetivo público pré-fixado. Por isso, poderia talvez ser mais exatamente definida como instrumento de “otimização social” da valorização do solo. 

No financiamento de sistemas de transporte de superfície que demandam desapropriações, esse mecanismo deve ser visto como não alternativo, mas complementar à tradicional (embora raramente aplicada no Brasil) Contribuição de Melhoria, hoje em uso, por exemplo, na expansão do Metrô de Buenos Aires. Numa próxima postagem sobre o tema, tentarei mostrar, com poucos números e mapas, a urgência de os setores públicos competentes do Rio de Janeiro estudarem a aplicação da Transferência de Potencial Construtivo para a implantação de um BRT (Transmilênio, ou outro nome da preferência dos cariocas) no chamado Corredor “T-5” (Penha-Madureira-Barra da Tijuca).

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NOTAS
http://www.pet.coppe.ufrj.br/professores/ronaldo/index.html  
** Por oposição a Transferência do “Direito de Construir” (TDC), que, como discutirei em outra postagem, é hoje um instrumento que legitima o pagamento de compensações públicas - indevidas - a proprietários de imóveis urbanos afetados por limitações ao direito de construir que absolutamente NÂO lhes retiram a possibilidade de aproveitamento econômico.
*** Aos interessados, recomendo a leitura da Tese de Mestrado da Arq. Isabela Bacellar Guimarães (UFF, 2007), Transferência do Direito de Construir: questões e conflitos na aplicação do instrumento do Estatuto da Cidade, que contém um excelente depoimento da Arq. Néia Nuzon, da Secretaria Municipal de Fazenda de Porto Alegre.




2007-10-09