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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Porto Maravilha: Sem plano nem projeto - como não fazer uma Operação Urbana


O Globo 16-12-2024
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/12/16/novo-porto-do-rio-comeca-a-ter-moradores-mas-ainda-espera-por-comercio-e-servicos-como-e-viver-num-bairro-que-nasce.ghtml

Região já tem 14 empreendimentos residenciais, que somam 22 prédios e quase dez mil apartamentos; pelo menos mais quatro serão lançados em 2025
(..) Um dos primeiros a passar a morar com a esposa Bárbara no [condomínio residencial] Praia Formosa, há três meses, Grijó tem pressa.

— A gente está aguardando chegar shopping, banco, um grande supermercado, mais farmácias, lanchonetes e restaurantes melhores, uma padaria adequada, mais escolas e um novo posto de saúde, porque o que tem não vai dar conta — enumera o ex-gari e hoje operador de máquinas da Comlurb, que já varreu a Rua Geógrafo Milton Santos, onde vive hoje. (..)

(..) na sua rotina diária os recém-chegados contam, na Rua Santo Cristo, apenas com estabelecimentos modestos para atender quem vive nos velhos casarões do lugar: um supermercado, uma farmácia, bares e restaurantes pequenos, papelaria e oficina, entre outros. Encontram pelo menos uma igreja evangélica. Na praça que corta a via, há uma paróquia católica. E, no número 242, funciona há cerca de três anos a filial do Centro Educacional Santo Cristo, de Madureira, com 150 crianças, do berçário ao terceiro ano do ensino fundamental (..)

Para os meninos maiores, a única opção na redondeza é uma unidade pública municipal. O Ginásio Educacional Tecnológico Benjamin Constant atende 413 alunos do ensino fundamental I e II e de turmas de correção de fluxo. (..)

A educação dos gêmeos João Pedro e Maria Luz, de 9 meses, é uma preocupação, mas está longe de ser a única do casal Pedro Henrique Brandão e Kelly Cozini, que se mudou em setembro do Estácio para o Praia Formosa:

— Deveria ter um sinal de pedestres em frente ao condomínio, onde passam ônibus — reivindica a contadora Isabel. 

Pedro, que é empregado da Transpetro, acrescenta:

— Aqui está parecendo com a Cidade Nova, onde morei na adolescência. Não temos para onde ir, principalmente à noite e com criança pequena. Não tem uma pizzaria, um shopping. Mas estou na expectativa da chegada do Flamengo. (..)


Leia neste blog: No Porto Maravilha, a moradia é à bangu
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/07/no-porto-maravilha-moradia-e-bangu.html

2024-12-18

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

TCM-SP breca xepa de CEPACs!


O Estado de S Paulo 13-01-2022, por Circe Bonatelli
https://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/leilao-de-titulos-da-construcao-na-zona-sul-de-sp-pode-movimentar-r-348-mi/

clique na imagem para ampliar
Imagem e texto: O Estado de S Paulo
Leilão de títulos da construção na Zona Sul de SP pode movimentar R$ 348 mi

Observação #1. “Cepacs são títulos que permitem às construtoras erguerem prédios acima dos limites estabelecidos por lei em cada bairro” é uma definição recorrente, mas totalmente equivocada. Os Cepacs não permitem construir “acima dos limites estabelecidos por lei”, mas acima dos coeficientes básicos de aproveitamento dos terrenos, até os limites máximos permitidos pela lei.

Observação #2. Ofertar hoje a R$ 1.450,00 Cepacs que foram vendidos 10 anos atrás por R$ 1.282,00 é no mínimo estranho, para não dizer altamente suspeito. Uma rápida pesquisa de preços imobiliários na área urbana dessa OUC revela uma ordem de grandeza de R$ 10.000,00 / m2 privativo. Se estimarmos o componente terra em 40-45% nessa faixa de preço, temos R$ 4.250,00/m2, 50% do qual, proporção adequada para Cepacs, atinge um valor de R$ 2.150,00, quase igual aos R$ 2.175,00 exigidos pelo Tribunal de Contas do Município. Ponto para o TCM!

Observaçao #3. “Os leilões também atraem investidores, que depois podem vender os Cepacs no mercado secundário, em Bolsa” é uma verdade, cuja relevância costuma ser, no entanto, bastante exagerada. Os CEPACs circulam muito menos do que se imagina no mercado financeiro. Cito a mim mesmo:

“O fato de os CEPACs poderem ser transacionados na bolsa de valores lhes confere certa flexibilidade como ativos, mas não os transforma em ações, ou títulos de dívida pública de longo prazo, que podem valorizar-se e circular indefinidamente no mercado financeiro; não modifica a sua natureza essencial de certificados de direito sobre a renda da terra a ser extraída de empreendimentos imobiliários apenas possíveis no espaço e no tempo da Operação Urbana Consorciada que os emitiu para financiar-se. Nem o ímpeto da economia em geral nem a saúde de tal ou qual empresa: o preço dos CEPACs no mercado de títulos reflete, pura e simplesmente, a expectativa de valorização dos produtos imobiliários que poderão ser construídos no perímetro da OUC. Em outras palavras, o CEPAC é servo da terra, condenado a transformar-se em empreendimento imobiliário nos termos e prazos estipulados pela OUC. Além deles, perde todo o seu valor.” [*]

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"CEPACs, ainda  uma vez". À beira do urbanismo 05-12-2020 

2022-01-24

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Porto dos milagres

Deu na Folha de S Paulo
14-08-2021, por Júlia Barbon
Rio tenta ressuscitar zona portuária 5 anos após Olimpíadas

Montagem: Àbeiradourbanismo
Imagem original: Internet
(..) Mas há uma pedra no meio do caminho. O contrato de parceria público-privada que previa toda a manutenção e as reformas na região pela concessionária Porto Novo foi cancelado por falta de repasses da prefeitura, que agora tenta negociar a volta da empresa.

O modelo da concessão é baseado nos chamados Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), papéis que as construtoras têm que comprar quando querem construir na zona portuária. Era esse dinheiro que custearia as obras e a zeladoria ali. (..)

2021-08-18


sábado, 5 de dezembro de 2020

CEPACs, ainda uma vez

Imagem: à beiradourbanismo
CEPACs são títulos de direito de construir m2s de edificação, logo de produto imobiliário, adicionais ao Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) em quaisquer terrenos privados localizados dentro do perímetro de uma Operação Urbana Consorciada (OUC), no prazo estabelecido pela OUC. 

Sua finalidade é financiar as obras de infraestrutura e urbanização que elevarão o perímetro da Operação a um novo patamar de demanda, consequentemente de preços imobiliários.

Essa definição, formalmente correta, é no entanto insuficiente para explicá-los, pois omite o essencial. 

Além de acrescentar m2s de produto imobiliário (m2s privativos) aos seus empreendimentos, com o respectivo ganho industrial de escala, os CEPACs permitem aos incorporadores criar e vender as frações de terreno que lhes correspondem, ganhando em pura renda da terra. 

O CEPAC certifica, pois, 
no âmbito espacial e temporal de uma OUC, o direito de construir e vender 1m2 de produto imobiliário adicional ao coeficiente básico de aproveitamento do terreno e de criar e vender a fração de terreno que lhe corresponde, subsumida à fração ideal da unidade. Seu preço é, muito simplesmente, uma dada porção do preço estimado de venda dessa fração de terreno (solo-localização) ao adquirente do imóvel - razão pela qual figura, ao lado da Outorga Onerosa do Direito de Construir, no rol dos instrumentos urbanísticos de recuperação da renda da terra*

O fato de os CEPACs poderem ser transacionados na bolsa de valores lhes confere certa flexibilidade como ativos, mas não os transforma em ações, ou títulos de dívida pública de longo prazo, que podem valorizar-se e circular indefinidamente no mercado financeiro; não modifica a sua natureza essencial de certificados de direito sobre a renda da terra a ser extraída de empreendimentos imobiliários apenas possíveis no espaço e no tempo da Operação Urbana Consorciada que os emitiu para financiar-se. Nem o ímpeto da economia em geral nem a saúde de tal ou qual empresa: o preço dos CEPACs no mercado de títulos reflete, pura e simplesmente, a expectativa de valorização dos produtos imobiliários que poderão ser construídos no perímetro da OUC.

Em outras palavras, o CEPAC é servo da terra, condenado a transformar-se em empreendimento imobiliário nos termos e prazos estipulados pela OUC. Além deles, perde todo o seu valor. 

Por essa razão, investidores não compram direitos de edificabilidade (CEPACs) sem ter previamente adquirido terrenos onde eles poderão ser utilizados, por preços que levem em conta que parte da renda fundiária total a ser gerada nas incorporações deverá ser adiantada à municipalidade, pelo incorporador ou por seu financista, na compra de tais direitos.

Conclusão (1): o valor adiantado na compra de CEPACs é parte do preço da terra onde ele será utilizado.

Conclusão (2): adquirir CEPACs sem dispor de terrenos equivale a decolar em um avião sem ter contratado o pouso em nenhum dos aeroportos ao alcance de seus tanques de combustível.

Imagem: àbeiradourbanismo


___
CEPACs são uma modalidade de Outorga Onerosa do Direito de Construir apropriada à consecução dos objetivos de uma Operação Urbana Consorciada (OUC). O fato de o m2 adicional nas OUCs (CEPAC) ser muito mais caro que o m2 de Outorga Onerosa nos bairros mais valorizados da cidade não é difícil de entender.

Nas OUCs, a municipalidade precisa maximizar a receita para cobrir os custos das obras, sem as quais não existirá a nova fronteira imobiliária. O CEPAC aparece, pois, aos incorporadores, como investimento, pelo qual estão dispostos a pagar o mesmo que pagariam a um proprietário pelo terreno a incorporar: até 50% do resíduo. Ou seja, tendem a oferecer por 1 CEPAC até a metade do preço pelo qual estimam vender ao adquirente do imóvel a fração de terreno que ancora o m2 de produto imobiliário adicional. 

A Outorga Onerosa, aplicada pela municipalidade em áreas de renovação edilícia já providas de infraestrutura, serviços e amenidades e tradicionalmente exploradas sem nenhum ônus - uma espécie de território livre disponível à extração da máxima renda da terra por "direito natural" -, aparece ao incorporador como um imposto. Daí provém a sua tenaz resistência contra esse instituto, de que resulta a redução do preço do m2 adicional de construção, logo de produto imobiliário, a uma proporção muitas vezes irrisória do preço de venda da fração de terreno que o ancora.

2020-12-05


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

CEPACs da dúvida

SANTOS O A Jr, “Propriedade pública e função social: a destinação das terras da União na Operação Urbana Porto Maravilha”. Rev. Bras. Gestão Urbana vol.12, Epub Curitiba Ago 2020
HTTP://DX.DOI.ORG/10.1590/2175-3369.012.E20200062

*
Duas coisas me intrigam nos procedimentos e transações governamentais discutidos neste texto.
Primeiro, não vejo o menor sentido, numa OUC, em aplicaram-se CEPACs a terrenos públicos. Alguém já se perguntou por que motivo não se emitiram CEPACs em Puerto Madero? Que espécie de gestor público, podendo vender terrenos aos investidores por 100% do seu valor de mercado, opta por um mecanismo de captura parcial das mais-valias?  Sim, numa OUC com terrenos públicos e privados a venda de terrenos públicos pode ser feita por seu valor de mercado com CEPACs, a “moeda” da OUC. Mas por que ceder aos incorporadores a mais-valia correspondente ao Coeficiente Básico de aproveitamento do terreno? CEPACs para terrenos públicos só com CB = zero!    
Segundo, nas transferências onerosas de terrenos federais à SEDURP não há menção ao fato de que a Caixa Econômica Federal, ao arrematar o estoque total de CEPACs colocados à venda pela Prefeitura do Rio, adiantou-lhe uma parte substancial do preço de quaisquer terrenos, privados e públicos, edificáveis no perímetro da operação. Um terreno com valor de mercado atualizado igual a 100, cujos direitos de edificabilidade já foram alienados por 60, só vale, em tese, mais 40. É por isso que nenhum incorporador compra CEPACs sem já ter negociado com os proprietários os terrenos onde seus CEPACs irão “pousar”. Do contrário, corre o sério risco de ter de pagar duas vezes pelo mesmo direito de construir: a primeira à municipalidade, para adquirir CEPACs, a segunda aos titulares dos terrenos, para poder utilizá-los. 

2020-12-02

terça-feira, 12 de maio de 2020

Titanic Maravilha

Portos e Navios 11-05-2020
https://www.portosenavios.com.br/noticias/portos-e-logistica/maior-ppp-do-pais-fica-perto-de-um-colapso

Maior PPP do país perto do colapso
A concessão do Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) já firmada no Brasil e aposta bilionária para revitalizar a zona portuária do Rio de Janeiro, está ruindo.
Para financiar o projeto de recuperação urbana, a prefeitura emitiu 6,43 milhões de títulos de potencial construtivo (..) adquiridos por um fundo de investimento constituído e administrado pela Caixa, que fez desembolsos de R$ 5 bilhões em recursos do FGTS para remunerar a concessionária. (..)

Sem demanda, como consequência do tombo no mercado imobiliário do Rio, não há liquidez para pagar a concessionária - uma sociedade entre Carioca Engenharia, Odebrecht e OAS. Na sexta-feira, a concessionária Porto Novo informou que deixará de operar os túneis Marcello Alencar e Rio 450 no dia 5 de junho, se não houver solução para sua falta de pagamento. (..) 

2020-05-12 


Leia também neste blog

“De volta ao Porto Maravilha”, 30-07-2018

“De volta ao Porto Maravilha (2)”, 03-09-2018 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

De volta ao Porto Maravilha (2)

Presença constante nos cadernos e jornais de negócios, mais recentemente até nos editoriais de O Globo, o Porto Maravilha acaba de fazer uma rara aparição num periódico popular.  

O mapa de potencial construtivo adicional 
por Subsetores é o que há de mais 
parecido com um plano urbanístico 
em todo o saite do Porto Maravilha 

Clique na imagem para ampliar
Refiro-me à matéria “Após retomada de parceria para manutenção do Porto, moradores contam como é morar na região”[1], publicada pelo Extra online no mesmíssimo dia (24-08) da assinatura de um acordo entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Caixa Econômica Federal para a “retomada da parceria público-privada (..) suspensa desde junho” por falta de recursos no caixa do FIIPM - Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha.

A reportagem, com timing de press release e convenientemente focada em entrevistas com moradores dos bairros populares da Portuária, revela o evidente interesse dos editores em promover as virtudes da região para potenciais adquirentes de moradias subsidiadas. Não por acaso: no ato da assinatura do acordo de “retomada da parceria”, foi anunciada pelo prefeito Crivella a construção de 5 mil unidades do Minha Casa Minha Vida.

Aleluia! A moradia subsidiada deveria ter sido, desde o começo, o prato principal da reurbanização da Portuária. Aliás, com um mínimo de visão estratégica e senso de oportunidade, a própria bolha especulativa do ciclo olímpico, que empurrou a curva de preços dos imóveis da Zona Sul na direção do Centro [2], teria tornado viável a construção de residências de mercado na região - desde que existisse, para elas, um projeto de urbanização credível.[3]

Representação esquemática do efeito da demanda extraordinária
por imóveis na Orla Oceânica durante o ciclo olímpico sobre 

os preços dos bairros do corredor Centro-Sul do Rio de Janeiro

Falou mais alto, no entanto, a arrogância dos fazedores de milagres imobiliários, como o ex-prefeito Eduardo Paes, que “não determinou um percentual de títulos reservados à habitação para não desvalorizar os CEPACs”[4] - concebidos e lançados para o mercado de torres comerciais, na teoria um m2 substancialmente mais valioso.

De todo modo, não há que ter ilusões. Com Paes ou sem Paes, o Porto Maravilha não tem até hoje um plano urbanístico propriamente dito e seu comando ainda é essencialmente o mesmo que presidiu à transferência do controle do maior projeto urbano da cidade do Rio de Janeiro à burocracia da Caixa Econômica Federal.

Segundo a imprensa, a própria Caixa defende a reestruturação do projeto, a ser “negociada no próximo governo”[5]. Sendo assim, ninguém sabe hoje que papel terá, afinal, a moradia no empreendimento, se os gestores pretendem projetar um setor residencial digno desse nome ou mesmo em que parte da Portuária serão construídas as 5 mil unidades do MCMV.

Salvo uma mudança radical, o mais provável é que os subsidiados, que estão sendo chamados de urgência para salvar a PPP, venham a ocupar algum lugar do Porto que não atrapalhe a Maravilha.

___
[1] “Caixa Econômica tenta solução financeira para salvar Porto Maravilha”. O Estado de S Paulo 22-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinicius Neder
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,caixa-economica-tenta-solucao-financeira-para-salvar-porto-maravilha,70002467473

[2] “Rio: maior alta de preços residenciais nos últimos 6 anos foi... no Centro da cidade!” À beira do urbanismo 18-08-2014, por Pedro Jorgensen Jr
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2014/08/no-rio-de-janeiro-alta-dos-precos.html

[3] Na dúvida, veja a apresentação “PORTO MARAVILHA - Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp)”, com 63 lâminas.

[4] Porto do Rio sem habitação: encenação governamental”, Blog da Sonia Rabello 15-07-2013, por Sonia Rabello http://www.rede18rj.provisorio.ws/habitacao-para-o-porto-do-rio-tico-e-teco-no-planejamento-governamental/

[5] “Caixa Econômica tenta solução financeira para salvar Porto Maravilha”. O Estado de S Paulo 22-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinicius Neder


2018-09-03


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Reestruturar o projeto ou criar um afinal?

Deu no Boletim ADEMI
30-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinícius Neder / Estadão 22-08
Caixa anuncia plano para salvar Porto Maravilha
A Caixa, a prefeitura do Rio e a concessionária Porto Novo anunciam hoje uma solução financeira para o Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) do País, com investimentos de R$ 10 bilhões. Segundo fontes que acompanham as negociações, a Caixa venderá ativos do fundo imobiliário criado para bancar o projeto, gerando recursos para fazer o sétimo pagamento anual da PPP, atrasado desde junho.
Grupo residencial Porto Vida, paralisado desde 2014 
Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo 
Fonte: Extra online
(..) Para não haver novos problemas, a Caixa defende a reestruturação do projeto, a ser negociada no próximo governo. Isso pode levar ao atraso das obras, pois a parcela de 2018 ficará abaixo do previsto. Pelo contrato, todas as obras deveriam estar prontas até 2020. Em nota, a Caixa diz que vem "proativamente" tentando construir uma solução conjunta para a continuidade da prestação dos serviços e reestruturação da operação.
As principais obras de infraestrutura do Porto Maravilha saíram do papel, mas a construção de um novo bairro carioca, com pontos turísticos, transporte por Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), edifícios comerciais de alto padrão, condomínios residenciais e shoppings, ainda está longe de se tornar realidade.
Como a recessão que afundou o mercado imobiliário, o desenvolvimento do novo bairro vai demorar mais que o previsto inicialmente, disseram agentes do setor. Lançamentos foram adiados e há investimentos malsucedidos, especialmente de empreendimentos anunciados nos anos de euforia com a economia do Rio de Janeiro - hoje afetado pela mais grave das crises fiscais estaduais.
Com o desenvolvimento mais lento, o Porto Maravilha tem hoje duas áreas distintas. Na metade mais distante do centro do Rio, limitada pela Avenida Francisco Bicalho, por onde passa o Canal do Mangue, ainda faltam obras de revitalização e há construções inacabadas, como o esqueleto do Porto Vida, projeto residencial cujas obras estão paradas. Ao lado, fica o edifício onde funcionaria um hotel Holliday Inn, que também não foi adiante.
Os dois empreendimentos são da Odebrecht Realizações, assim como o Porto Atlântico, considerado um "pepino", segundo uma fonte do mercado. O Estado apurou que a Odebrecht não conseguiu vender todos os andares do complexo de escritórios, lojas e hotel, instalado perto do Morro da Providência. O hotel, com as marcas Novotel e Ibis, está funcionando, parte dos escritórios está alugada, mas, na sexta-feira passada, o local parecia um edifício fantasma. A Odebrecht não quis comentar os investimentos. (Continua)

Leia, neste blog

“Do PL da vereadora Rabello ao monopólio da CEF: notas sobre a OUC do Porto do Rio” (23-10-2011)
“Fica-se a perguntar como foi que se colocou à venda todo o lote de CEPACs com base num plano tão precário. Será que basta o "mapa de potencial construtivo"? Dado que a CEF não botaria, eu imagino, essa montanha de dinheiro num plano esquemático, eu creio que um plano urbanístico completo deva existir em algum lugar. Mas onde está?”
2018-08-30

segunda-feira, 30 de julho de 2018

De volta ao Porto Maravilha

A recente decisão da Caixa Econômica Federal de instalar sua nova sede no Rio de Janeiro numa torre corporativa da Rua do Passeio, Cinelândia, e não em algum edifício já disponível no Porto Maravilha - sua criatura adotiva desde a aquisição, em nome do Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha (FIIPM/FGTS), da totalidade dos direitos de construção no perímetro da Operação Urbana Consorciada - é a insólita culminação de uma longa série de desacertos no planejamento e gestão dessa intervenção urbana municipal, lançada pelas autoridades, como tantas outras em nossa época, sob o signo altissonante da “parceria público-privada”, aqui incluída a interveniência generosa e decisiva do governo federal.

Foto Jerri Cardoso (28/06/18) / Diário do Porto
Matéria publicada na Folha de São Paulo e reproduzida no Bem Paraná em 23 de julho assegura que a Caixa atendeu, desse modo, a uma reivindicação de seus próprios funcionários, que “se queixavam da falta de serviços no Porto, [da] dificuldade de acesso e [d]a possível insegurança na área.” [1]

Sou levado a concluir que, dois anos depois de inaugurado, com pompas olímpicas e romarias cidadãs, como novo pólo turístico e cultural internacional e futuro centro empresarial da metrópole, o Porto Maravilha é reconhecido por seu investidor monopolista como uma região urbana que não tem serviços, não tem transporte, não tem segurança; vale dizer, não é cidade. E continuará não sendo pelos próximos 15 anos, a julgar pelo prazo do contrato de aluguel da CEF-Rio com o novo senhorio!

Qual poderia ser um indício mais claro da metástase galopante, quem sabe do iminente desmanche dessa intervenção urbana na forma como a conhecemos?

Já nas últimas semanas, a ansiedade dos paladinos do Porto Maravilha com o encalhe dos certificados de potencial construtivo (CEPACs) que deveriam financiá-lo - expressa por O Globo em 28 de maio e 4 de julho, clamando pela continuidade do projeto [2] - dera lugar a uma constrangedora lavagem pública de roupa suja entre a Caixa Econômica, a prefeitura do Rio, a Companhia de Desenvolvimento do Porto e a concessionária Porto Novo (sociedade de empreiteiras responsável para execução das obras de infraestrutura e dos serviços urbanos na região) decorrente da suspensão dos repasses do FIIPM-CEF por falta de recursos.

De repente, toda a formidável engrenagem institucional criada para a revitalização do Porto se revela tão frágil quanto um castelo de areia e tão inútil quanto um avião sem asas: com a imundície já tomando conta das ruas, a prefeitura foi simplesmente obrigada a reassumir suas tradicionais obrigações com a manutenção daquela parte da cidade [3], mobilizando a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Transportes, a Companhia de Engenharia de Tráfego, a Rioluz, a Fundação Parques e Jardins e a Comlurb - que, aliás, já vinha executando o serviço de coleta de lixo e limpeza urbana como contratada da concessionária; a intermediação era paga, como tudo mais, com dinheiro do FIIPM-CEF à conta da venda futura dos CEPACs.

Contudo, os problemas do Porto Maravilha não são de ontem - nem de anteontem. Os mesmos jornais que situam a suspensão dos repasses em janeiro de 2017 garantem que o FIIPM já está insolvente há pelo menos dois anos, o que nos faz recuar a junho de 2016. Não espanta. Em dezembro de 2015, o jornal Extra trazia um relatório publicado no DO da União dando conta da revenda aos investidores-incorporadores privados, até aquela data, de ridículos 8,79% do total de CEPACs adquiridos pelo FIIPM-CEF à prefeitura do Rio de Janeiro, como resultado do “declínio do mercado imobiliário”. [4] A essa altura, a marolinha já virara um tsunami.

Com a situação praticamente inalterada, é de se supor que, passados sete anos, o FGTS continua credor dos R$ 3,5 bilhões investidos em 2011 na compra da totalidade dos direitos de construção válidos para os 500 hectares do Porto Maravilha, acrescidos de outros R$ 4,5 bilhões em obrigações de infraestrutura e 15 anos de serviços urbanos previstos no leilão, sem contar a indispensável aquisição de terrenos (por preços que eu suponho descontados do custo dos próprios CEPACS) sem os quais possuir CEPACS é como voar num Boeing cujo pouso depende de negociar com os aeroportos disponíveis a taxa de serviço. Abordaremos essas questões numa próxima postagem.

Pergunto: como aceitar, em tais circunstâncias - sobre as quais pairam ainda graves acusações de manipulação política e pagamento de propinas em benefício das empreiteiras envolvidas -, que os poderes constituídos (ainda de pé!!!) não se sintam na obrigação de vir a público prestar contas desse imbróglio? De assumir a responsabilidade pela aplicação de recursos do FGTS, às vésperas de uma recessão econômica anunciada, em um pacotaço de direitos de edificabilidade que hoje ninguém quer comprar? De abrir um debate amplo e transparente, para variar, sobre as opções escolhidas, a situação atual e o futuro do projeto?

*
Esta postagem não me saiu como planejada. Era para ser mero preâmbulo, curto e sóbrio, de uma série de comentários que pretendo aqui publicar nas próximas semanas sobre aspectos dessa Operação Consorciada relacionados não à política em geral (que hoje envolve obrigatoriamente a esfera policial), mas à política urbana e ao urbanismo subjacentes - e bota subjacentes nisso!

Ainda que os fatos sigam conspirando em sentido contrário, tentarei me ater a esse plano.

Antes, porém, faço questão de recordar os termos, que considero absolutamente atuais e pertinentes, de uma postagem publicada neste blog há cinco anos, por ocasião do anúncio da Operação Urbana Consorciada Centro de Niterói, empreendimento natimorto que, já em plena crise recessiva, flertou com a possibilidade de reproduzir o milagre, aqui esboçado, da mobilização das empreiteiras com pródigos adiantamentos da Caixa Econômica Federal lastreados em CEPACs de retorno duvidoso:
Em todas as grandes cidades do mundo paira, acima dos governos, uma compacta e intrincada rede mundial de concessionárias, empreiteiras, imobiliárias e proprietários de grandes eventos, além, é claro, de financeiras e bancos privados.
Como deixa claro a crise turca, é cada vez mais frágil e precária a barreira que hoje separa as reivindicações elementares das populações urbanas dos grandes cataclismos políticos. A culpa não é, decerto, do blogueiro furibundo. Mais provavelmente, é do papel crítico que tem, na economia contemporânea, a exploração privada cada vez mais predatória dos bens públicos, dos serviços essenciais e não essenciais e da renda da terra urbana; e, consequentemente, da influência que costumam adquirir seus principais beneficiários diretos e indiretos no governo das grandes cidades.
É por isso que, em se tratando das grandes operações urbanas contemporâneas, cada caso está longe de ser um caso. Ao contrário, cada caso é, em princípio, o mesmo caso. E cabe ao réu provar que é inocente.
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https://oglobo.globo.com/opiniao/o-porto-maravilha-tem-que-continuar-22719405

2018-07-30


quinta-feira, 5 de julho de 2018

Com os burros n'água

Ademi na imprensa / O Globo 05-07-2018, por Luiz Ernesto Magalhães 

Porto sem fundo 
Montagem à beira do urbanismo
Imagens originais Internet
Idealizado como uma Parceria Público-Privada (PPP) que viabilizaria uma revolução urbana sem o uso de recursos públicos, o projeto Porto Maravilha já custou R$ 280,5 milhões à prefeitura desde junho de 2016. E os gastos vão aumentar. Com a saída, na semana passada, da concessionária que cuidava da área de um milhão de metros quadrados - o equivalente aos bairros de Copacabana e Leme -, o município teve que assumir os serviços de limpeza, operação de trânsito, iluminação pública e manutenção de vias, uma despesa que pode chegar a R$ 140 milhões por ano, de acordo com o previsto no contrato de concessão.

O projeto está à deriva porque o Fundo Imobiliário administrado pela Caixa Econômica Federal, que deveria financiar as obras de infraestrutura e a manutenção, encontra-se insolvente há dois anos. Por isso, deixou de repassar recursos à Concessionária Porto Novo. A prefeitura já teve que injetar dinheiro na PPP em dois momentos. No início de 2017, o município pagou R$ 62,5 milhões, a fundo perdido, para ressarcir despesas com conservação. Depois, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (Cdurp), ligada à prefeitura, comprou R$ 218 milhões em cotas do fundo, tornando-se "sócia" do negócio. Agora, o sistema de financiamento voltou a naufragar, e a concessionária deixou o projeto. (..).

2018-07-05

Veja mais sobre o Porto Maravilha no "Dossiê Porto do Rio", coluna à esquerda, e nos marcadores "Porto do Rio" e "Porto Maravilha", coluna à direita.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Devagar quase parando


Deu na Exame 27-02-2018, por Adriana Belisário, da Agência Pública

Porto Maravilha corre o risco de parar em 2018
Prefeitura diz que serviços na região podem ser suspensos por falta de dinheiro
A crise econômica atracou nos últimos anos no cais do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro (RJ). Às vésperas de completar nove de seus 30 anos de vida, a operação ficou refém do seu gigantismo e enfrenta dificuldades para pagar o consórcio formado pela Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que faz obras e serviços como limpeza de ruas e coleta de lixo na região.
Projetos licenciados no Porto Maravilha
Clique na imagem para ampliar
Bruno Fonseca/Agência Pública
Em entrevista exclusiva, Antônio Carlos Mendes Barbosa, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), admite a possibilidade do projeto ficar sem caixa este ano.
(..) Para Mendes Barbosa, tudo vai depender do Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha, controlado pela Caixa Econômica Federal (CEF). “Quem comprou os terrenos e/ou Cepacs têm o compromisso de dar liquidez”, diz ele, referindo-se à obrigação de a CEF garantir recursos. “Tenho conversado tanto com gestores quanto com cotistas do fundo sobre isso”, completa.
O combustível para mover as engrenagens do Porto Maravilha é a venda dos Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepacs) pelo fundo da CEF, que comprou todos os títulos da prefeitura, em lote único, em 2011 por R$ 3,5 bilhões. A compra usou recursos dos trabalhadores (FGTS), com a expectativa de revendê-los mais caros no mercado para empreendedores interessados em aumentar a quantidade de andares de seus imóveis na região.
Segundo o fluxo planejado, os Cepacs pagariam as empreiteiras, que se tornaram responsáveis não só por obras como também por serviços que no resto da cidade são realizados pela prefeitura, como a coleta de lixo. O problema é que foram poucos os compradores, e os Cepacs estão encalhados.
Não há novos projetos licenciados com consumo de Cepacs no Porto Maravilha desde meados de 2015. (Continua)


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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Vêm aí os PETROCEPACs

Deu n’O Globo online Rio
11-10-2017, por Gustavo Schmitt
  
Crivella diz que vai a Dubai buscar investidores para revitalizar Vargem Grande e Vargem Pequena
Montagem:abeiradourbanismo.blogspot.com.bt
Imagens originais: Internet
(..) O prefeito disse que a ideia é lançar uma parceria público-privada (PPP) para dar andamento aos estudos da região, nos mesmos moldes do Porto Maravilha, no Centro do Rio, e da Avenida Água Espraiada (hoje intitulada Avenida Roberto Marinho) na capital paulista.
Crivella estima que os Cepacs teriam potencial de gerar até R$ 40 bilhões de Valor Geral de Venda (VGV) para os empreendimentos.
O prefeito disse que o potencial construtivo das Vargens dobraria, mas não soube informar como isso poderia acontecer na prática, nem mesmo se o aumento seria de gabarito, na verticalização das construções e nem se precisaria de autorização do legislativo.  (Continua)

2017-10-12


quarta-feira, 10 de maio de 2017

Outorga Onerosa do Direito de Construir: por um novo marco metodológico

Reeditado em novembro de 2017

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Esta contribuição expõe, em linhas gerais, o método que considero adequado para a determinação dos valores de contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir, assim como para a crítica das fórmulas e valores praticados em nossas cidades.

Ela parte do princípio de que não se podem aplicar, com conhecimento de causa, políticas de recuperação da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária sem saber como funcionam os empreendimentos, quanta renda fundiária eles são capazes de gerar e quais limitações incidem sobre a sua recuperação - em natureza e alcance.

Não tenho a pretensão de resolver esses problemas, que excedem as minhas capacidades. Contudo, as possibilidades abertas pelo reconhecimento do caráter residual do valor da terra urbana, enriquecidas aqui e ali com noções extraídas da observação de fatos da indústria da incorporação, me animam a propor um método alternativo, bastante simplificado em sua operacionalidade, de aplicação da Outorga Onerosa.

Ele aparece, ao final do texto, em forma de uma pequena tabela progressiva - criada para uma cidade hipotética - de valores de contrapartida resultantes da aplicação de taxas de recuperação da renda do solo a empreendimentos de distintos preços de venda do m2 privativo médio.

Concluo com uma sugestão de como a Universidade pode colaborar com a urgente elevação do nosso grau de conhecimento sobre a indústria da incorporação imobiliária, assim ajudando, dentre tantas coisas relevantes para a política urbana, a simplificar e generalizar a aplicação da OODC nas cidades brasileiras.

Para mais informações eu recomendo a leitura das postagens contidas na página "Duas ou três coisas que acho que sei sobre a Outorga Onerosa", cujo link fica logo abaixo do cabeçalho deste blog.


Recapitulando

1
O “m2 construído” aqui considerado é a unidade de produto imobiliário, vale dizer o m2 privativo médio produzido no empreendimento - por oposição ao usualmente utilizado m2 de construção bruta, ao qual não se pode, por motivos óbvios, atribuir um preço de venda no mercado. Os termos “construído” e “excedente construtivo” são aqui sempre utilizados nesse sentido, assim como o "coeficiente de aproveitamento do terreno", que deve ser entendido como "líquido", isto é, referido à área privativa total do empreendimento.


2
O valor, apropriadamente dito “residual”, da fração de terreno que corresponde a cada m2 privativo médio produzido em um empreendimento imobiliário se obtém da subtração
Vr = Pv - Ct - Cc, sendo
  • Vr o valor residual  derivado do m2 privativo médio
  • Pv o preço de venda do m2 privativo médio
  • Ct o custo total do empreendimento por m2 privativo médio
  • Cc o custo, ou retorno, de capital por m2 privativo médio, representado pela Taxa Mínima de Atratividade do negócio aplicada ao Pv (Cc = TMA * Pv).
3
O Vr agregado (VR) é a renda total gerada num empreendimento imobiliário, portanto a máxima contrapartida conceitualmente admissível em uma política de recuperação da renda do solo para fins de financiamento urbano.

4
Toda porção do VR de um empreendimento não paga ao dono da terra por aquisição do terreno e não paga à municipalidade por concessão onerosa do direito de construir (Outorga Onerosa ou CEPACs) é lucro extraordinário do capital incorporador.


5
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Toda porção do VR de um empreendimento recuperada pela municipalidade a título de concessão onerosa do direito de construir (OODC e CEPACs) reduz, consequentemente, o montante do resíduo (renda) a ser repartido entre proprietários e incorporadores pela via do "preço de transação" do terreno objeto da incorporação.



6
Deduz-se daí:

(a) que a concessão onerosa do direito de construir (via OODC ou CEPACs) reduz o preço de transação dos terrenos e a sua representação geral, o valor de mercado;


(b) que a Outorga Onerosa do Direito de Construir afeta negativamente a margem de lucro esperada pelos incorporadores;


(c) que qualquer “fórmula de cálculo” do preço da OODC/CEPAC baseada no "valor de mercado" dos terrenos é inconsistente por "circularidade".


7
A variável independente de qualquer método de determinação do preço da OODC/CEPAC como instrumento de recuperação da renda do solo só pode ser o valor residual derivado do preço de venda do m2 privativo médio, aqui designado Vr.



A taxa de recuperação do resíduo
8
A contrapartida paga pelo incorporador a título de OODC, qualquer que seja o seu preço explícito e a fórmula de onde provenha, corresponde a uma fração do valor residual do terreno onde se ergue o empreendimento. Essa fração é o foco principal, senão exclusivo, da atenção do incorporador no que se refere à Outorga Onerosa do Direito de Construir. Portanto,
K = VR * Tr, sendo
  • K a contrapartida total
  • VR o valor residual do terreno
  • Tr a taxa de recuperação do resíduo ou renda da terra

9
Dado que a resíduo, ou renda total, gerada num empreendimento é o somatório do resíduo de cada m2 privativo médio produzido, este conceito pode ser alternativamente expresso da forma


K/m2 = Vr * Tr, sendo
  • K/m2 a contrapartida por m2 privativo médio produzido
  • Vr o resíduo do m2 privativo médio produzido
  • Tr a taxa de recuperação do resíduo ou renda da terra


10
As taxas de recuperação do resíduo resultantes das fórmulas de cálculo da Outorga Onerosa expressam o equilíbrio conjuntural entre a exigência social de que incorporadores e proprietários de terrenos incorporáveis colaborem no financiamento das cidades mediante a cessão de uma parte da renda do solo e a exigência privada de maximização da rentabilidade das incoporações mediante a apropriação da maior parcela possível dessa renda. Em cidades onde a coletividade carece de representação política interessada no potencial da renda da terra para o financiamento urbano, a Outorga Onerosa simplesmente não se aplica.

11
Passados dezesseis anos da promulgação do Estatuto da Cidade, o maior problema da Outorga Onerosa do Direito de Construir - e sua principal lacuna como instrumento de política urbana - são os parâmetros que hão de reger a estipulação dessa taxa, ou taxas, nas circunstâncias da economia política do país e da rentabilidade do mercado da incorporação em cada cidade. Enquanto esse problema não for enfrentado com franqueza por gestores e pesquisadores de políticas de financiamento urbano, a Outorga Onerosa do Direito de Construir não se tornará um instrumento consistente de financiamento urbano à escala nacional.


A inadequação das “fórmulas de cálculo”


12
A determinação do valor da contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir não supõe uma “fórmula”; ela é uma decisão de política urbana - com desdobramentos na política econômica - quanto à taxa de recuperação do resíduo (Tr) a ser adotada pela municipalidade em cada caso. A taxa de recuperação do resíduo Tr não se calcula, se arbitra - dentro de limites e com base em critérios que, com enormes e assumidas limitações, discutiremos adiante.

13
A imensa maioria das fórmulas de cálculo utilizadas nas cidades brasileiras são meros algoritmos que conduzem, pela via da experimentação algébrica, a taxa de recuperação do resíduo até patamares econômica e politicamente aceitáveis, em um dado momento e lugar, por incorporadores, governantes e coletividade.

14
A estrutura dessas fórmulas de cálculo provém do critério,  estabelecido no Estatuto da Cidade, de que a contrapartida seja cobrada como preço do direito ao m2 de construção excedente ao coeficiente básico de aproveitamento de terreno, ideia que tem sua origem no conceito francês de plafond de densité - embora flexibilizado pela possibilidade de adoção de coeficientes básicos variáveis em diferentes cidades e diferentes bairros (zonas) de uma mesma cidade. 

15 
Do plafond de densité francês provém, igualmente, o elogio do coeficiente básico Cb = 1, cujas virtudes podem ser, em nosso caso, bastante problemáticas. Por gerar elevados excedentes construtivos e respectivos excedentes de renda em regiões de renovação urbana de alta densidade, o Cb = 1 costuma ser, no Brasil, algebricamente adulterado para mais, e até muito mais, pelo uso da variável "valor venal do terreno" (que representa, no melhor dos casos, 50% do valor residual, podendo chegar a 25%) e dos "coeficientes de planejamento". Por outro lado, em regiões de altos preços por m2 privativo e baixa densidade de ocupação, justamente onde é mais cara a infraestrutura urbana, o Cb = 1 tem o constrangedor efeito de gerar contrapartidas muito pequenas ou até mesmo nulas! (Se Cmáx = 1.)  


16
Fórmulas de cálculo da Outorga Onerosa baseadas em valores de referência outros que não o VR - p. ex. valor de mercado do terreno, valor venal para fins de IPTU, valor do Custo Unitário Básico da construção (!) - e em coeficientes ditos “sociais” e “de planejamento”, além, é claro, do próprio patamar de isenção Cb, não são mais do que intrincadas estruturas de descontos destinadas a trazer a recuperação da renda total gerada nos empreendimentos a taxas politicamente praticáveis. Não é errado buscar taxas de recuperação politicamente praticáveis; errado é ocultá-lo atrás da pseudo-ciência das fórmulas de cálculo.

17
O leitor interessado e paciente encontrará o estudo crítico dessas fórmulas neste mesmo blog, nas postagens "Contribución al estudio de la "Outorga Onerosa do Direito de Construir" (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálculo, de maio de 2007, "CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre", de julho de 2015 e "Outorga Onerosa: método de cálculo nos termos do Estatuto da Cidade", de abril de 2017.
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2015/07/cepac-e-outorga-primo-rico-prima-pobre.html
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2007/05/contribucion-al-estudio-de-la-outorga.html

Para uma discussão sobre o Cb = 1, ver
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2013/03/sobre-o-coeficiente-de-aproveitamento.html 


A taxa de recuperação do resíduo: hipóteses 

18
Conceitualmente, a recuperação da renda da terra na indústria da incorporação tem de se dar no intervalo de zero a 100 por cento do valor residual do terreno gerado em um empreendimento imobiliário. A contrapartida por Outorga Onerosa superior a 100% do resíduo implicaria um avanço sobre o retorno de capital esperado no empreendimento, isto é, sobre o lucro "normal", não o "extraordinário".

19
Contudo, se nenhuma renda couber ao proprietário do terreno (K = VR), este não cederá seu uso ao incorporador salvo mediante o pagamento de uma parte do retorno de capital - o que também inviabiliza o empreendimento num cenário de mercado.


20
Considero a máxima contrapartida teoricamente admissível como recuperação da renda da terra na indústria da incorporação - em um ambiente de mercado privado de solo urbano - aquela em que o dono da terra possa extrair do ativo, a depender de seu poder de negociação, uma renda equivalente à própria TMA. Tomando como base a TMA de 15% - costumeiramente citada em artigos e relatórios técnicos sobre o tema -, temos que


K máx = (1 - TMA) * VR = 85% VR


21
Há, por outro lado, indicações de que, nas Operações Urbanas Consorciadas tipicamente residenciais, os investidores-incorporadores se dispõem a pagar por 1m2 de produto excedente (1 CEPAC) valor igual à metade do resíduo que ele geraria no momento da aquisição.


K/m2 excedente = ½ * Vr
22
A divisão 50-50, entre a municipalidade e o incorporador, do valor residual da fração de terreno “criada” por cada CEPAC representa, para o incorporador, um ganho mínimo de 100% na revenda, ao comprador final da unidade imobiliária, da fração ideal de terreno correspondente.


23
Há que considerar, porém, como explicado nos textos anteriormente indicados, que o preço pago pelo m2 de edificabilidade excedente ao coeficiente básico (CEPAC ou OODC) é meramente nominal no que tange à economia do empreendimento. O seu preço real, que incide como custo por m2 produzido, é o montante total pago por CEPACs/OODC rateado pelo produto total do empreendimento. Por exemplo:


Numa Operação Urbana Consorciada residencial homogênea em que
  • o preço de venda do m2 privativo médio é Pv = R$ 6.000,00
  • o valor residual estimado é 30% do Pv (R$ 1.800,00)
  • o coeficiente máximo de aproveitamento dos terrenos é C = 4
  • o coeficiente básico é Cb = 1,


Os CEPACs adquiridos por R$ 900,00 (½ * Vr m2 exc) custam na realidade ao empreendedor, por m2 produzido

R$ 900,00 * ¾ = R$ 675,00 (37,5% Vr m2 priv méd)
24
A proporção 50-50 é encontrável, também, como máximo preço que se dispõe a pagar pelo terreno um incorporador em condições de escassez relativa e pouca assimetria de informação, típica de regiões urbanas estruturadas em processo de renovação edilícia: a metade do valor residual que espera apurar na incorporação.


25
Deduzo que, num mercado de incorporação pouco regulado como o brasileiro, a máxima contrapartida economicamente praticável, que chamo de “preço de referência” da concessão onerosa do direito de construir, equivale a 50% do Vr por m2 produzido.



CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre

26
Não é, no entanto, casual que taxas de recuperação próximas dessa proporção sejam praticadas nas OUCs (CEPACs), mas nem de longe na Outorga Onerosa. Sendo geralmente a OUC uma iniciativa pública associada à abertura de uma nova frente de negócios imobiliários - que não existiria sem as novas infraestruturas e melhorias urbanísticas cobertas pela receita de CEPACs -, o custo em CEPACs aparece ao incorporador como investimento, ao passo que o custo em OODC, geralmente aplicada em áreas de renovação edilícia já providas de infraestrutura, serviços e amenidades - tradicionalmente exploradas sem nenhum ônus! - aparece como imposto.


27
Esta é a razão da gritante diferença de preço - seja nominal ($ por m2 excedente ao Cb) ou real (contrapartida por m2 produzido) -, assim como de opinião dos incorporadores sobre essas duas modalidades intrinsecamente iguais - no que tange à economia do empreendimento - de recuperação da renda da terra urbana.


28
E é também a razão da imensa dificuldade que hão de ter os gestores urbanos para aproximar as taxas de recuperação do resíduo cobradas a título de Outorga Onerosa daquelas aplicadas nas OUCs pela via dos CEPACs. A cidade já infraestruturada e urbanizada é vista pela indústria da incorporação imobiliária como uma espécie de common disponível à exploração privada por "direito natural".




Um método alternativo


29
Nas grandes e médias cidades,
a oferta de de renda das famílias
pelas localizações mais bem providas
de serviços, amenidades e todo tipo
de vantagens tangíveis e intangíveis
faz com que o preço de venda do
m2 privativo nos novos
empreendimentos varie muito
mais que proporcionalmente ao
custo total de construção.
O modo mais idôneo de aplicar-se a Outorga Onerosa do Direito de Construir é o estabelecimento de taxas de recuperação do resíduo aplicáveis à totalidade dos m2 privativos médios produzidos nos empreendimentos, de maneira proporcional às diversas faixas de rentabilidade dos empreendimentos imobiliários. Assumo aqui a premissa de que a rentabilidade líquida total, isto é, a capacidade de gerar renda - independentemente de como ela será repartida entre proprietário e incorporador depois de descontada a contrapartida por Outorga Onerosa - é diretamente proporcional ao preço de venda do m2 privativo médio.
30
Não há nada que impeça os gestores urbanos brasileiros de aplicar, na cobrança da Outorga Onerosa tal como definida no Estatuto da Cidade, o coeficiente básico Cb = 0 (zero).


31
EXEMPLO: Numa cidade hipotética com preços de m2 privativos médios dos empreendimentos imobiliários de mercado variáveis entre R$ 4.000,00 e R$ 8.000,00, a municipalidade poderia estabelecer uma escala progressiva de taxas de recuperação do resíduo como no quadro abaixo. (Os valores de contrapartida se referem a terrenos de 1000m2 e coeficiente de aproveitamento de terrenos C = 2.)


Preço m2 priv
Resíduo estimado
Tr
K/m2
priv
K Total
R$ 4.000,00
15,0% = R$    600,00
Isento
-
-
R$ 5.000,00
19,0% = R$
950,00
2,5%
R$   23,75
R$  
47.500,oo
R$ 6.000,00
24,0% = R$ 1.440,00
5,0%
R$   72,00
R$ 144.000,00
R$ 7.000,00
30,0% = R$ 2.100,00
7,5%
R$ 157,50
R$ 315.000,00
R$ 8.000,00
37,0% = R$ 2.960,00
10%
R$ 296,00
R$ 592.000,00

A primeira faixa de aplicação da OODC, aqui representada pelo preço hipotético R$ 4.000,00, é aquela abaixo da qual não existe produção de mercado, ou, na realidade atual da incorporação brasileira, abaixo da qual só existe produção subsidiada pelo programa Minha Casa Minha Vida. Essa faixa seria, do ponto de vista da OODC, “isenta” ou sujeita a uma taxa simbólica.
A faixa de aplicação aqui representada pelo preço R$ 8.000,00 é aquela sujeita à taxa mais elevada politicamente praticável. As taxas intermediárias seriam fixadas segundo uma distribuição linear ou algum tipo de curva que se considerasse mais precisa do ponto de vista da progressividade.

32
Aplicado a distintas situações práticas de tamanho de terreno e coeficientes de aproveitamento, o método aqui sugerido redundará em contrapartidas por m2 de terreno diretamente proporcionais à densidade edificada.

No exemplo acima, que podemos classificar como média densidade (S= 1.000m2 C=2), o empreendimento com m2 privativo vendido a R$ 8.000,00 / m2 privativo pagará, a título de Outorga Onerosa, R$ 592,00 / m2 de terreno. Expandindo a hipótese para exemplos característicos de regiões urbanas centrais e periféricas de renda média-alta, obtemos, num primeiro caso (S=2.000m2 C=4) uma contrapartida de R$ 1.184,00 / m2 de terreno, num segundo (S=4.000m2 C=1) uma contrapartida de R$ 296,00 / m2 de terreno.

Sendo do interesse da municipalidade desincentivar os extremos de densidade, multiplicadores poderão ser utilizados.

33
Dentre as vantagens de tal método podemos citar: a simplicidade, a progressividade, a transparência e a comparabilidade.

34
A opacidade do método indicado no Estatuto da Cidade e a obscuridade das fórmulas de cálculo em uso no Brasil são, provavelmente, poderosos obstáculos - ao lado da resistência dos incorporadores e da leniência dos governos - à aplicação consistente e generalizada da Outorga Onerosa do direito de Construir em todo o território nacional.


35
As chaves para a adoção de um tal método são:


  • a estimativa do valor residual por faixa de preço de m2 privativo
  • o domínio, também no âmbito financeiro, da relação entre a taxa de recuperação e a rentabilidade dos empreendimentos


36
Esses parâmetros poderiam ser desenvolvidos, com grande rigor técnico e em escala nacional, considerando-se as variações regionais e locais, por algum tipo de "Observatório da Incorporação Imobiliária" formado por programas universitários dedicados aos problemas de gestão urbana em associação com entidades de engenharia de avaliação.

2017-05-10