quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Percalços do rentismo socialista (2)

Deu no Público
21-10-2019, por Luísa Pinto
Rendas levam metade do rendimento das famílias na Grande Lisboa
A explosão de preços nas grandes cidades significa que o rendimento das famílias é inundado pelo esforço com o custo da habitação, que chega a taxas de 58% para comprar e de 67% para arrendar, na cidade de Lisboa. Ou de 46% na Área Metropolitana. Uma tendência que agrava os riscos de segregação habitacional.
O patamar dos 35% que é recomendado internacionalmente como limite máximo da taxa de esforço a que devem ser submetidas as famílias para pagarem a sua habitação é largamente ultrapassado, no caso do mercado de arrendamento, em 11 dos 18 concelhos que compõem a Área Metropolitana de Lisboa (AML). (Continua)
2019-10-30


segunda-feira, 28 de outubro de 2019

VIDEO: "O que vai acontecer aqui?"

Deu no Público
23-10-2019, por Mariana Durães
https://www.publico.pt/2019/10/23/p3/noticia/o-bullying-da-especulacao-imobiliaria-ocupou-lisboa-mas-ha-quem-o-queira-despejar-1890933
O “bullying imobiliário” ocupou Lisboa, mas há quem o queira despejar 
https://player.vimeo.com/video/357310878Clique no link para assistir ao documentário

Pelo direito a habitar Lisboa e contra os despejos, o colectivo Left Hand Rotation realizou um documentário que quer chamar os lisboetas para a luta. O que vai acontecer aqui? mostra como o “bullying da especulação imobiliária” está por toda a cidade. Mas este é o “momento-chave” para o despejar. E já há quem o esteja a fazer.

Eduardo Nicola recebeu uma carta a dizer “que o prédio Santos Lima ia ser vendido a duas imobiliárias”. Pouco tempo depois, encontrou um anúncio que dizia que esse mesmo prédio — onde morava — estava à venda por sete milhões de euros. Desde então, as 17 famílias que vivem neste edifício de Marvila dizem estar a ser “pressionadas” para sair: as portas dos apartamentos desocupados foram arrombadas, as paredes e o chão esburacados. “O prolongamento da Expo 98 está a chegar aqui e o metro quadrado tem muito valor”, explica o residente.
Esta é uma das realidades que o documentário O que vai acontecer aqui?, feito pelo colectivo espanhol Left Hand Rotation, em conjunto com as associações portuguesas Habita e Stop Despejos, mostra. (Continua)

2019-10-26


sábado, 26 de outubro de 2019

Linha da vida

Deu no The Economist 
10-10-2019, por The Economist
https://www.economist.com/united-states/2019/10/10/a-ride-along-chicagos-red-line
A ride along Chicago’s red line
Clique na imagem para ampliar
Life expectancy varies by 30 years from one end to the other
Several passengers in one carriage of an “L” train, rattling south on the underground line to Chicago metro station, are unmistakably bourgeois. A grey-haired woman squints at a book of 501 French verbs. Opposite, a bespectacled man reads a study of Arctic peoples. Some seats on, an artist doodles on his pad.
Many well-heeled occupants get off the Red line—a rail service running north-south for 23 miles—at Streeterville, a district where signs of prosperity abound. As an advertising gimmick, a luxury car adorns the L-station roof. At a farmers’ market, installed beside a contemporary art museum, shoppers browse for micro-greens, organic beef and gluten-free tamales. A violinist there explains she busks to save for college. Dollar bills fill her case.
Streeterville has another distinction. Public-health researchers suggest that a baby born here can expect to live for an average of 90 years, the highest life expectancy in Chicago. That is 30 years longer than an infant born in the most blighted parts of Englewood, farther south along the Red line. No city in America has a bigger gap.
Return to the train and much changes the farther south you ride. Passengers are younger, less ostentatiously set on self-improvement. A guard in a stab-vest, his hand on a canister of pepper spray, steps in. He confides that he is tracking a suspect. Reports of crime on the L system doubled from 2015 to last year; violent cases rose by 89%, to 447. This year is worse, he says, and “you can’t ask why any more.” (Continua)

2019-10-24


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Não tem urbanismo que dê jeito

Deu no Jornal do Brasil online
16-10-2019, por Fernando Canzian / FolhaPress
https://www.jb.com.br/pais/2019/10/1018492-diferenca-de-rendimentos-entre-pobres-e-ricos-e-recorde--aponta-ibge.html
Diferença de rendimentos entre pobres e ricos é recorde, aponta IBGE
O rendimento médio mensal do 1% mais rico da população brasileira atingiu, em 2018, o equivalente a 33,8 vezes o ganho obtido pelos 50% mais pobres. No topo, o rendimento médio foi de R$ 27.744; na metade mais pobre, de R$ 820.
A diferença entre os rendimentos obtidos pelo 1% mais rico e dos 50% mais pobres no ano passado é recorde na série histórica da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) do IBGE, iniciada em 2012.
Paraisópolis, São Paulo
Foto: Tuca Vieira 
(..) os 10% da população com os maiores ganhos detinham, no ano passado, 43,1% da massa de rendimentos (R$ 119,6 bilhões). Na outra ponta, os 10% mais pobres ficavam com apenas 0,8% da massa (R$ 2,2 bilhões).
(..) Apesar da extrema concentração de renda mostrada na pesquisa, ela não revela outros aspectos da questão.
Como se trata de uma pesquisa domiciliar, a partir de um questionário, as pessoas mais ricas e com outras fontes de renda -sobretudo de aplicações financeiras e aluguéis- tendem a não mencionar esses ganhos quando abordadas.
Já o Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris e que agrega pesquisas domiciliares, contas nacionais (onde constam subsídios e incetivos a grupos) e declarações de imposto de renda, sustenta que a concentração de renda no Brasil é ainda maior: o 1% mais rico se apropria de 28,3% dos rendimentos brutos totais.
Na outra ponta, os 50% mais pobres ficam com apenas 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. (Continua)
2019-10-22


domingo, 20 de outubro de 2019

A celebração do Centenário

Deu no diário do Rio.com
18-10-2019, por Felipe Lucena
Engenheiros recomendam implosão do Hotel Glória
O histórico Hotel Glória passou por uma vistoria feita por engenheiros convidados pela Prefeitura do Rio e a constatação é que seria melhor implodir o imóvel a fazer uma reforma.(..)
Hotel Glória, inaugurado em agosto de 1920
Há mais de 10 anos, em 2008, após 86 anos de atividade e 50 anos como propriedade da família de Eduardo Tapajós, o hotel foi vendido ao empresário Eike Batista por R$ 80 milhões. Eike declarou, à época, que traria de volta o “charme dos anos 1920” e transformaria o estabelecimento em um 6 estrelas.
Em agosto de 2010, o BNDES anunciou um financiamento de R$ 146,5 milhões para a reforma do hotel, dentro da linha “ProCopa Turismo”, visando a Copa do Mundo de 2014. Em 2013, contudo, veio a bancarrota do Grupo EBX, de Eike Batista, e as obras foram paralisadas.
Todavia, logo após desfeito o primeiro negócio, o empresário cedeu o Hotel, para pagar dívidas, ao fundo soberano de Abu Dhabi, o Mubadala. O valor da transação não foi divulgado. Os novos donos do Hotel ainda não começaram as obras e o prédio segue em estado de abandono. (Continua) 
2019-10-19


sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Escócia ao relento

Deu no The Guardian 
02-10-2019, por Libby Brooks
https://www.theguardian.com/society/2019/oct/02/glasgow-council-facing-court-action-over-lack-of-housing-for-homeless-people 
Glasgow council facing court action over lack of housing for homeless people
Shelter Scotland is to launch a significant court action against Glasgow city council, with the charity claiming it has illegally denied temporary accommodation to homeless applicants thousands of times over the past two years.
In a legal action that could have consequences for local authorities across Scotland, the housing and homelessness charity is on Wednesday seeking a judicial review of the council’s actions after its own figures revealed that 3,365 applications for temporary accommodation had not been fulfilled in the year up to March 2019, compared with 3,055 over the previous 12 months.
In 2001 the Scottish parliament passed legislation that was considered groundbreaking at the time, requiring councils to provide a minimum of temporary accommodation, advice and assistance to all applicants assessed as being homeless. (Continua)

2019-10-10




quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Projeto urbano ou negócio imobiliário?

Deu no El País Economía
26-09-2019, por Iñigo de Barrón
https://elpais.com/economia/2019/09/25/actualidad/1569446751_080261.html
El BBVA negocia ceder el control de la Operación Chamartín a Merlin Properties
Operação Chamartín, Madrid
El BBVA ultima los detalles de la cesión de los derechos de propiedad de Distrito Castellana Norte (DCN) a la inmobiliaria Merlin Properties en la mayor operación inmobiliaria de España y que también puede serlo de Europa, según fuentes cercanas a la operación y tal como adelanta Cinco Días.
Las dos partes llevan semanas negociando los detalles del acuerdo sobre este proyecto, conocido como la Operación Chamartín, entre los que se encuentra que el BBVA pasará a tener un porcentaje muy pequeño del capital de la empresa resultante, alrededor del 2%. No obstante, el banco ha impuesto los detalles del desarrollo del proyecto, según fuentes cercanas a la operación. Hasta ahora, el BBVA controla el 75% del capital de DCN y la constructora San José el 25% restante. El proyecto, del que tres cuartas partes se destinarán a usos públicos, tendrá viviendas, oficinas, locales comerciales, equipamientos y zonas verdes. Está desarrollado en 45.000 folios y 1.200 planos, lo que da una idea de la magnitud del proyecto.
Según las fuentes consultadas, el BBVA supervisará el desarrollo de la operación hasta el final, que puede llegar dentro de 25 años por la complejidad del proyecto. En el desarrollo previsto no pasa por realizar operaciones especulativas, siguiendo el modelo de Canary Wharf de Londres, el gran complejo de negocios. (Continua)

2019-10-12


segunda-feira, 14 de outubro de 2019

NY Underwater

Deu no Le Monde
24-09-2019, por Arnaud Leparmentier
https://www.lemonde.fr/planete/article/2019/09/24/new-york-veut-construire-des-barrages-contre-l-atlantique_6012906_3244.html
New York veut construire des barrages contre l’Atlantique
La métropole américaine, largement conquise sur les eaux, est particulièrement exposée aux effets du réchauffement climatique et à la montée des océans.
Près de sept ans après Sandy, l’ouragan qui ravagea la ville de New York, des sacs de sable sont entassés au sud de Manhattan, entre l’East Village et le pont de Brooklyn. Un barrage contre l’Atlantique comme on en aurait érigé il y a plusieurs siècles. « Six années d’études et vous arrivez avec des sacs de sable ? Vraiment ? », s’est moqué dans le New York Times le riverain Marco Pasanella.
(..) New York a choisi de parer au plus pressé en se préparant aux ouragans, dont la violence risque d’augmenter. Le danger, c’est la montée subite des eaux, la submersion, lorsque le cyclone survole la ville, aspirant la mer de plusieurs mètres et créant une gigantesque marée. (Continua)

2019-10-14


sábado, 12 de outubro de 2019

Nicho de mercado

Deu no IBRAFI Notícias
04-10-2019, por Pedro Madeira / O Globo
Com imóveis cada vez menores, cresce aluguel de espaços para guardar itens pessoais fora de casa
Montagem À beira do urbanismo
Não é difícil ver em seriados e filmes americanos pessoas que armazenam objetos pessoais em espaços alugados por empresas. Com apartamentos cada vez menores, esse tipo de negócio, chamado self storage  (armazenamento pessoal, em tradução livre) começa a crescer em grandes cidades brasileiras como o Rio de Janeiro . É como alugar um quartinho da bagunça fora de casa.
A capital fluminense já tem 28 unidades desse tipo em funcionamento, com cerca de sete mil boxes disponíveis, segundo dados da Associação Brasileira de Self Storage (Asbrass). O tamanho dos espaços variam entre 1 e 100 metros quadrados. Na última década, o segmento cresceu 5% ao ano e acumulou R$ 500 milhões em investimentos, segundo a entidade.
Segundo projeção da Asbrass, o mercado deve dobrar no Rio em dez anos. Um impulso para esse tipo de negócio no Rio foi a entrada em vigor, este ano, do Código de Obras da prefeitura, que passou a permitir construções de apartamentos com apenas 25 metros quadrados na cidade. (..)
— As pessoas consomem cada vez mais e moram em áreas cada vez menores. O self storage  está chegando perto das áreas residenciais e serve como um complemento da residência. (..) — disse Rafael Cohen, presidente Asbrass.

2019-10-05


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A função antissocial da propriedade?

Deu no Le Monde 
11-09-2019, por Rafaele Rivais 
https://www.lemonde.fr/argent/article/2019/09/11/la-cour-de-cassation-affirme-le-caractere-absolu-du-droit-de-propriete_5508899_1657007.html
La Cour de cassation affirme le «caractère absolu» du droit de propriété
(..) En juillet 2014, une centaine de personnes appartenant à la communauté rom s’installent sur un terrain privé, à Montpellier (Hérault).
Montagem À beira do urbanismo
Imagens originais Internet
(..) Le 20 octobre 2015, l’une des propriétaires, Sarah G., saisit en référé le tribunal de grande instance (TGI) de Montpellier, afin qu’il ordonne l’expulsion du campement. Elle affirme que l’occupation de son terrain constitue un « trouble manifestement illicite » au regard de son « droit de propriété ». Elle explique qu’elle ne peut plus la louer à des sociétés, ce qui la prive de revenus, et que son fils, à la tête d’une entreprise de dépollution, ne peut l’utiliser, comme il le voudrait, pour y installer une activité de démantèlement de bateaux.
(..) Trois occupants font appel, en référé. La cour d'appel de Montpellier, qui statue le 19 octobre 2017, les déboute en ces termes: « Le droit de propriété a un caractère absolu, conduisant à ce que toute occupation sans droit ni titre du bien d’autrui soit considérée comme un trouble manifestement illicite permettant aux propriétaires d’obtenir en référé (…) l’expulsion des occupants, sans qu’il soit imposé auxdits propriétaires de démontrer l’existence d’un préjudice autre que celui résidant dans l’occupation sans droit ni titre du bien d’autrui, et sans que puisse leur être opposée la légitimité du but poursuivi d’atteindre l’objectif de valeur constitutionnelle de disposer d’un logement décent. » (Continua) 
2019-10-10


quarta-feira, 9 de outubro de 2019

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Cota de habitação social sub judice nos EUA

Deu no CityLab
03-10-2019, por Kriston Capps 
https://www.citylab.com/equity/2019/10/supreme-court-inclusionary-zoning-constitutional-takings-clause/596863/

Will the Supreme Court Strike Down Inclusionary Zoning?
(..) Back in 2000, two Marin County property owners, Dartmond and Esther Cherk, looked to split their undeveloped land into two single-family-zoned lots. As developers, they were liable to preserve some part of the property for affordable housing or pay into a low-income housing production fund. The fee was nearly $40,000; the Cherks sued.
The Marin County case may test the constitutionality of inclusionary zoning, a tool that local jurisdictions rely on to expand the supply of affordable housing, especially in tight housing markets.
(..) Housing advocates and industry associations are filing briefs on both sides of the case, which could have ramifications for hundreds of jurisdictions across more than two dozen states where local ordinances require new residential developments to include affordable housing units. 
Opponents of inclusionary zoning—in this case the plaintiffs and their backers from the Pacific Legal Foundation, a nonprofit that defends property right and economic liberty—argue that these ordinances violate the takings clause, a provision of the Fifth Amendment that says that “private property [shall not] be taken for public use, without just compensation.” (Continua)

2019-10-08


domingo, 6 de outubro de 2019

Boa notícia, para variar

Deu no Estado de Minas
03-10-2019, por Fred Bottrel e Gustavo Werneck
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2019/10/03/interna_gerais,1090108/video-360-por-dentro-da-igreja-da-pampulha-restaurada.shtml
Vídeo 360: por dentro da Igreja da Pampulha restaurada


Fechada desde 2016, a Igreja da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer, foi restaurada e reaberta ao público. A Igrejinha de São Francisco de Assis abre suas portas ao público nesta sexta-feira (4/10) (Continua)


2019-09-06

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Xepa olímpica

Deu n’O Globo RIO 03-10-2019, por Maíra Rubim
Parque dos Atletas é cedido à iniciativa privada

Montagem: À beira do urbabnismo
Imagem original.: Internet

2019-10-03


quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O Buraco do Lume, o Terminal Garagem e o sumiço do solo público no coração do Rio

Praça Mário Lago
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Decidido a não ficar para trás na disputa com seus pares pelo título de governante mais infame do Brasil, o prefeito Crivella, que recém assombrou o mundo com o envio de uma equipe de fiscais à Bienal do Livro para recolher um gibi que trazia na capa um beijo gay, acaba de mandar à Câmara Municipal do Rio de Janeiro um Projeto de Lei Complementar que concede ao pretenso proprietário de um pedaço da Praça Mário Lago, núcleo geográfico e simbólico do Centro da cidade, o direito de lá erguer um arranha-céu comercial.

Que coincidência! O terreno em questão, imortalizado na crônica carioca como Buraco do Lume, acaba de ser arrematado em leilão por um “investidor anônimo”, pela quantia nada módica de 8,4 milhões de reais, [1] a uma empresa associada à Bradesco Seguros, que por sua vez o adquiriu como parte da massa falida do extinto Banco do Estado do Rio de Janeiro - BANERJ.

Como ninguém gasta tanto dinheiro na compra de um terreno sem a expectativa de recuperá-lo com um bom lucro,[2] é óbvio que o “investidor anônimo” deve estar seguro de que conseguirá a aprovação do projeto legislativo do prefeito para viabilizar a construção. Ou quem sabe, considerando o péssimo estado da economia e a superoferta de espaço comercial no Centro da cidade, especule com a desapropriação do terreno por interesse público - avaliada não com base na lei vigente desde 1986, que só permite o uso da área para a instalação de equipamentos culturais, mas pela nova lei, que restabelece os generosos parâmetros de edificabilidade e uso vigentes 30 anos atrás! Em tempos de vale-tudo, tudo vale. 

Para um histórico amplamente documentado e ilustrado desse imbróglio jurídico- administrativo, recomendo ao leitor os artigos “Buraco do Lume”, do geógrafo Brasiliano Vito Fico, e a resenha “Mais sobre o buraco do lume – antecedentes importantes”, publicados no blog Urbe Carioca nos dias 11 e 20 de setembro [3]. Eu o resumiria da seguinte maneira:

  • Em junho de 1970 a área pública delimitada pelas ruas São José, Quitanda e Av Nilo Peçanha é desafetada do uso comum e incorporada como bem dominical ao patrimônio do Banco do Estado da Guanabara – BEG.
    Detalhe do "PA 8903",
    de agosto de 1970,
    que prevê a criação
    do Lote 1 da Quadra A
    Clique na imagem para ampliar
  • Em agosto de 1970 o parcelamento e a edificabilidade da área são regulados pelo instrumento normativo (incorretamente batizado) “Projeto de Alinhamento 8903” [4]: é previsto um lote de 2.500m2, com 70.000m2 edificáveis e frentes para as ruas São José, Quitanda e Av Nilo Peçanha; e um triângulo remanescente “a ser doado ao Estado para implantação de praça pública”.
  • Em fins de 1970 o terreno correspondente ao Lote 1 da Quadra A do “PA 8903” é vendido pelo BEG ao Grupo Empresarial Lume. Associado ao grupo Halles, o LUME começa a construir aí o seu edifício-sede.
  • Em 1974 a nova praça é urbanizada, com lago e passarelas, com o nome de Melvin Jones, fundador do Lions Club International. 
  • Em 1975 o Halles sofre intervenção federal e é comprado pelo próprio BEG. Em 1976 o Grupo Lume, em situação falimentar, também é alvo de intervenção do Banco Central. Abre-se uma longa e obscura questão judicial. O terreno, escavado para a construção das fundações e garagens do edifício, converte-se numa pocilga batizada pela população como “Buraco do Lume”.
  • Em abril de 1979 o Buraco é aterrado pelo prefeito “biônico” Israel Klabin, sem desapropriação, e passa a ser usado pelo povo como extensão da Praça Melvin Jones. 
  • Em 1986, por decreto do prefeito Saturnino Braga, o uso e edificabilidade do terreno são radicalmente alterados, permitindo-se somente usos culturais (cinema, teatro, biblioteca e livraria) e edificação com altura máxima de 17,00m, sobre pilotis. 
  • Em fins da década de 1990 a praça Melvin Jones é rebatizada Mário Lago, em homenagem ao advogado, poeta, radialista, compositor e ator carioca.
  • Em 2009 a praça Mario Lago é reurbanizada, adquirindo as características atuais.
  • Em 2013, com a compra dos ativos do BANERJ (ex-BEG), o terreno passa ao controle do Bradesco.
  • Em setembro 2019 o terreno é arrematado por R$ 8,4 milhões, em leilão ocorrido na capital paulista.

No entender de Sonia Rabello, especialista em Direito Urbanístico, o registro do “Buraco do Lume” como propriedade privada é um anacronismo cartorial, uma formalidade
“ab-rogada pela usucapião pública da praça lá localizada na integralidade do terreno desde o seu aterramento nos anos 80 pelo prefeito Klabin, em função do abandono e desídia do antigo proprietário; praça esta, desde então, de uso comum do povo, e oficialmente designada como logradouro público”.[5]
Sou da mesma opinião. E peço a atenção do leitor para duas ou três observações sobre este que é, para mim, um capítulo dramático da história do espaço público no Centro do Rio.


Morro do Castelo, início do século. A
linha vermelha indica a posição aproximada 
da área pública legada ao centro 
moderno pelo desmonte.
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O terreno em questão é a penúltima fração ainda disponível para uso comum de uma generosa área pública legada pelo desmonte do Morro do Castelo, em 1922, ali onde a vertente norte confrontava o velho centro comercial, mais exatamente a Rua S. José.

O espaço se estendia do Largo da Carioca à Igreja de S. José, (diríamos hoje entre o Metrô da Carioca e Praça XV), tendo de um lado o velho centro comercial ao norte da rua São José e de outro o novo setor de escritórios ao sul da Erasmo Braga / Nilo Peçanha, nascido do desmonte do Morro e batizado Esplanada do Castelo. Em si mesmo um movimentado corredor de passagem de pedestres, sobretudo devido à Estação das Barcas da Baía de Guanabara, servia como um vazio de transição, ou charneira, entre o entramado colonial/imperial das ruas da Assembléia, Ouvidor, Rosário e Alfandega e a urbe proto-moderna do Castelo, implantada segundo as regras do Plano Agache.

Centro do Rio. As áreas claras mostram o espaço público legado pela demolição do Morro do Castelo. O triângulo corresponde à atual Praça Mário Lago, incluindo o Buraco do Lume, e o retângulo a área atualmente ocupada pelo Terminal Garagem Menezes Cortes - antigo Terminal Erasmo Braga (Praça Presidente Antonio José de Almeida) 
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Vista aérea da área pública ocupada pelo Terminal Erasmo Braga em 1964. O espaço é delimitado lateralmente pelas ruas São José (esq) e Erasmo Braga (dir). Ao fundo, o Edifício Estácio de Sá (1954-6) a Igreja de São José e a Assembléia Legislativa. Mais além, a Estação das Barcas e a Baía de Guanabara.
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Indícios razoavelmente claros da situação fundiária desse "common" estendido estão dados no documento municipal de 1956 intitulado “Projeto de Ampliação da Estação Central de Ônibus (Terminal Erasmo Braga) - PA 6739". Nele, a área já ocupada pelo terminal aparece como logradouro público, não superposto a nenhum lote privado. Cabe mencionar que, numa imagem da década de 1950 disponível na Internet, o terminal aparece referido como "Praça Presidente Antonio José de Almeida". Já o prolongamento do terminal sobre a área da atual Praça Mario Lago, afunilando em direção à Avenida Rio Branco, mostra o atingimento de alguns móveis remanescentes no lado ímpar da Rua São José, a serem, neste caso, desapropriados.


Projeto de Ampliação da Estação Central de Ônibus” ("PA 6739")
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Este dado parece corroborar a opinião de Decourt, expressa no saite Foi um RIO que passou
“Com a demolição do morro e os planos urbanísticos para a Esplanada do Castelo, a pequena área atrás do lado ímpar da Rua de São José entre a Rua da Quitanda e Ajuda, renomeada à época de Rua Chile, foi confusa, principalmente pois os terrenos de alguns sobrados avançavam sobre as fraldas do morro. Essa indecisão provocou uma curiosa situação, enquanto novas avenidas eram abertas como a Erasmo Braga, Graça Aranha, Nilo Peçanha, o trecho da São José permanecia ali, inclusive com grandes pedaços do Morro do Castelo (..) em plenos anos 50.” [6]
Detalhe do PAA 8264, de 08-65, que
"modifica o 7817 quanto ao estacionamento
na confluência da Av Nilo Peçanha
com a Rua São José".

Clique na imagem para ampliar
O status de logradouro público dessa área aparece inalterado no PAA/PAL 7817/23522, de novembro de 1961, referido a lotes no Largo da Carioca. O mesmo vale para o PAA 8264, de agosto de 1965, assinado pelo governador Carlos Lacerda e pelo Secretário de Viação e Obras Marcos Tamoio, que não mais destina o largo definido pelas ruas S José, Quitanda e Av. Nilo Peçanha à "ampliação do terminal de ônibus", mas à implantação de uma "praça ajardinada com estacionamento subterrâneo". Pela primeira vez não figuram lotes remanescentes no lado ímpar da Rua São José, permitindo supor que já haviam sido desapropriados. Na prática, até a sua desafetação do uso comum e incorporação ao patrimônio do BEG, em 1970, o largo foi utilizado para o estacionamento de veículos. 
Imagens aéreas do corredor Carioca-1o. de Março
antes e depois da construção
do Terminal-Garagem Menezes Cortes.

Em fins da década de 1960, porém, num desvario crucial para a história do urbanismo no Centro do Rio, o governo da cidade-estado decide erguer, no lugar do velho terminal urbano, o Edifício Menezes Cortes. Híbrido de terminal metropolitano, galeria comercial e edifício-garagem, o nefando caixote de concreto e alvenaria inaugurado em 1973 deveria absorver os "frescões" com destino ao Centro do Rio e o caótico estacionamento de automóveis incentivado e permitido nas ruas circundantes pelas mesmas autoridades que o mandaram construir. [6]  

Era o auge do rodoviarismo burocrático-militar que legou à cidade o recém-demolido Elevado da Perimetral e seus congêneres das ruas Paulo de Frontin (Rio Comprido) e Bela (São Cristóvão), ainda hoje plenamente operacionais por estarem os respectivos bairros fora da órbita dos Grandes Projetos Urbanos da virada do século XXI.

Não bastasse a agressão urbanística, a gestão do Terminal Garagem seguiu uma estranha trajetória. Segundo o saite Mobilidade Fluminense, a TGMC S.A., criada em 1998,
"deixou de ser propriedade do Estado após um leilão de privatização realizado no mesmo ano. (..) O único ativo da TGMC S.A. é também o prédio onde funciona a empresa, no Centro do Rio de Janeiro. O complexo, distribuído em 16 andares, possui cerca de 100.000 m² e abrange a operação de 235 lojas comerciais, no térreo e na sobreloja, além de cerca de 3.500 vagas de estacionamento. A base do prédio, onde funciona o Terminal Rodoviário, é alugada à CODERTE, estatal vinculada à Secretaria de Transportes do Governo do Rio de Janeiro.” [7]
Foi assim que, salvo alguma ressalva ainda não divulgada nos termos da privatização, uma imensa praça pública situada no coração da cidade, adjudicada ao uso da Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais, se converteu em propriedade privada a cujo titular a própria CODERTE deve pagar aluguel. 

Dando um salto no tempo, não foi fortuita a aprovação pelo prefeito Saturnino Braga, em setembro de 1986, da norma urbanística que até hoje regula o uso do Lote 1 da Quadra A do PAA/PAL  9369/31660 - Buraco do Lume: o Rio voltara a ser município [8] e as liberdades civis recém-conquistadas à ditadura militar, dentre as quais a escolha do prefeito pelo voto direto, abriam amplo espaço ao movimento de preservação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, que no Rio de Janeiro gerou, dentre os outras iniciativas, o Corredor Cultural e as APACs da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (projeto SAGAS) e da Cruz Vermelha, todos na região central da cidade.

Praça Melvin Jones, 1974
Por sua localização estratégica, a Praça Mário Lago ganhou, ao longo dos anos, status de espaço público insubstituível. Tornou-se palco de manifestações políticas e culturais, reconhecido e consolidado pela arquitetura de sua mais recente urbanização: em lugar das passarelas sobre espelho d’água da praça Melvin Jones, onde “seguir circulando” era o uso implicitamente determinado, temos hoje um singelo anfiteatro público, símbolo e cenário das liberdades cidadãs. 
Praça Mário Lago, atualmente

A reincorporação ao uso comum - tráfego intenso de pedestres, feiras de produtos artesanais e comércio ambulante, descanso e contemplação dos trabalhadores do Centro da cidade - da parte da praça que lhe foi tomada pelo governo da Guanabara e vendida a um notório especulador, que a abandonou, acabou, curiosamente, convertendo o epíteto “buraco do Lume” em codinome popular e afetivo de todo o conjunto.

A tentativa governamental de devolução do Buraco do Lume ao uso privado para construção de um arranha-céu pode ser vista como o capítulo mais recente do consistente processo de privatização e edificação do grande espaço central legado pelo desmonte do Morro do Castelo.

Não há de ser casual a apresentação do Projeto de Lei Complementar 128/2019 pelo executivo municipal quase que simultaneamente à compra do terreno em leilão por um “investidor anônimo”, uma combinação de eventos aliás perfeitamente ajustada a um ambiente político conducente, nos planos federal, estadual e municipal, sob a conveniente cobertura da "liberdade econômica", à guerra de rapina por oportunidades de ganho rápido, fácil e de legitimidade duvidosa à custa do patrimônio coletivo.

Diz a Constituição que o uso da propriedade urbana se sujeita à sua função social, conforme estabeleça o Plano Diretor. O Plano Diretor do Rio de Janeiro não dispõe, que eu saiba, sobre o uso do Buraco do Lume. Na dúvida, diz o prefeito Crivella que o terreno cumprirá sua função social se foram restabelecidos os parâmetros vigentes entre 1970 e 1986, não por acaso quando governavam os militares e seus prepostos.

Eu, como a professora Rabello e, com toda certeza, uma legião de urbanistas cariocas, penso que a função social do Buraco do Lume está dada, há mais de 30 anos, pelo uso comum do povo. Resta saber se a Câmara Municipal confirmará tal opinião e se é essa a visão dos magistrados que vierem a julgar o caso se ele for parar na esfera judicial. 

Veremos.

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NOTAS
[*] “Buraco do Lume, no Centro, por virar novo espigão”. O Globo 10-09-2019, por Luiz Ernesto Magalhães
https://oglobo.globo.com/rio/buraco-do-lume-no-centro-pode-virar-um-novo-espigao-23937138

[2] Segundo O Globo de 11-09/ L E Magalhães, “o mercado imobiliário estima que o terreno tem potencial para gerar cerca de R$ 800 milhões com a venda de lajes comerciais”. Vale dizer, o “anônimo” teria arrematado o Buraco do Lume por valor equivalente a 10% do VGV.

[3] “Buraco do Lume”. Urbe Carioca (blog) 11-09-2019, por Brasiliano Vito Fico

“Mais sobre o buraco do lume – antecedentes importantes”. Urbe Carioca (blog), por Urbe Carioca http://urbecarioca.com.br/2019/09/mais-sobre-o-buraco-do-lume-antecedentes-importantes.html

[4] O documento, na tradição da “legislação desenhada” praticada durante muitos anos no Rio de Janeiro, deveria ser chamado “Projeto de Urbanização” e ter um número específico associado à sigla "PAL" (Projeto Aprovado de Loteamento). Projetos de Alinhamento somente afetam terras privadas ao uso comum do povo (logradouro público), criando “servidões de recuo” não edificáveis, passíveis de desapropriação futura ou permuta pelo potencial construtivo; não podem regular o parcelamento, o uso e a edificabilidade do solo. O erro foi corrigido na edição de seu substituto, o PAA/PAL 9.369/31.660, chamado “Projeto de Urbanização da Quadra Compreendida (..)”. Por outro lado, este mesmo PAA/PAL 9.369/31.660 exibe uma contradição nunca esclarecida com seu antecessor, relativa à área do Lote 1 da Quadra A (o “Buraco do Lume”), agora substancialmente ampliado com a incorporação das áreas de esquina da Rua da Quitanda com a Rua S José e a Av Nilo Peçanha. 

[5] “Buraco do Lume: qual o seu negócio? Para quem?”. Blog Sonia Rabello 13-09-2019, por Sonia Rabello

[8] Em 1975 o governo militar do general Ernesto Geisel promoveu a fusão da cidade-estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, que tinha Niterói por capital. A Guanabara tornou-se Município do Rio de Janeiro, capital do novo estado do Rio de Janeiro. Até 1986 os prefeitos da capital foram nomeados pelo governador e por isso chamados popularmente de “biônicos”. Saturnino Braga foi o primeiro prefeito eleito da redemocratização.



2019-10-02