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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Outorga Onerosa do Direito de Construir: por um novo marco metodológico

Reeditado em novembro de 2017

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Esta contribuição expõe, em linhas gerais, o método que considero adequado para a determinação dos valores de contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir, assim como para a crítica das fórmulas e valores praticados em nossas cidades.

Ela parte do princípio de que não se podem aplicar, com conhecimento de causa, políticas de recuperação da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária sem saber como funcionam os empreendimentos, quanta renda fundiária eles são capazes de gerar e quais limitações incidem sobre a sua recuperação - em natureza e alcance.

Não tenho a pretensão de resolver esses problemas, que excedem as minhas capacidades. Contudo, as possibilidades abertas pelo reconhecimento do caráter residual do valor da terra urbana, enriquecidas aqui e ali com noções extraídas da observação de fatos da indústria da incorporação, me animam a propor um método alternativo, bastante simplificado em sua operacionalidade, de aplicação da Outorga Onerosa.

Ele aparece, ao final do texto, em forma de uma pequena tabela progressiva - criada para uma cidade hipotética - de valores de contrapartida resultantes da aplicação de taxas de recuperação da renda do solo a empreendimentos de distintos preços de venda do m2 privativo médio.

Concluo com uma sugestão de como a Universidade pode colaborar com a urgente elevação do nosso grau de conhecimento sobre a indústria da incorporação imobiliária, assim ajudando, dentre tantas coisas relevantes para a política urbana, a simplificar e generalizar a aplicação da OODC nas cidades brasileiras.

Para mais informações eu recomendo a leitura das postagens contidas na página "Duas ou três coisas que acho que sei sobre a Outorga Onerosa", cujo link fica logo abaixo do cabeçalho deste blog.


Recapitulando

1
O “m2 construído” aqui considerado é a unidade de produto imobiliário, vale dizer o m2 privativo médio produzido no empreendimento - por oposição ao usualmente utilizado m2 de construção bruta, ao qual não se pode, por motivos óbvios, atribuir um preço de venda no mercado. Os termos “construído” e “excedente construtivo” são aqui sempre utilizados nesse sentido, assim como o "coeficiente de aproveitamento do terreno", que deve ser entendido como "líquido", isto é, referido à área privativa total do empreendimento.


2
O valor, apropriadamente dito “residual”, da fração de terreno que corresponde a cada m2 privativo médio produzido em um empreendimento imobiliário se obtém da subtração
Vr = Pv - Ct - Cc, sendo
  • Vr o valor residual  derivado do m2 privativo médio
  • Pv o preço de venda do m2 privativo médio
  • Ct o custo total do empreendimento por m2 privativo médio
  • Cc o custo, ou retorno, de capital por m2 privativo médio, representado pela Taxa Mínima de Atratividade do negócio aplicada ao Pv (Cc = TMA * Pv).
3
O Vr agregado (VR) é a renda total gerada num empreendimento imobiliário, portanto a máxima contrapartida conceitualmente admissível em uma política de recuperação da renda do solo para fins de financiamento urbano.

4
Toda porção do VR de um empreendimento não paga ao dono da terra por aquisição do terreno e não paga à municipalidade por concessão onerosa do direito de construir (Outorga Onerosa ou CEPACs) é lucro extraordinário do capital incorporador.


5
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Toda porção do VR de um empreendimento recuperada pela municipalidade a título de concessão onerosa do direito de construir (OODC e CEPACs) reduz, consequentemente, o montante do resíduo (renda) a ser repartido entre proprietários e incorporadores pela via do "preço de transação" do terreno objeto da incorporação.



6
Deduz-se daí:

(a) que a concessão onerosa do direito de construir (via OODC ou CEPACs) reduz o preço de transação dos terrenos e a sua representação geral, o valor de mercado;


(b) que a Outorga Onerosa do Direito de Construir afeta negativamente a margem de lucro esperada pelos incorporadores;


(c) que qualquer “fórmula de cálculo” do preço da OODC/CEPAC baseada no "valor de mercado" dos terrenos é inconsistente por "circularidade".


7
A variável independente de qualquer método de determinação do preço da OODC/CEPAC como instrumento de recuperação da renda do solo só pode ser o valor residual derivado do preço de venda do m2 privativo médio, aqui designado Vr.



A taxa de recuperação do resíduo
8
A contrapartida paga pelo incorporador a título de OODC, qualquer que seja o seu preço explícito e a fórmula de onde provenha, corresponde a uma fração do valor residual do terreno onde se ergue o empreendimento. Essa fração é o foco principal, senão exclusivo, da atenção do incorporador no que se refere à Outorga Onerosa do Direito de Construir. Portanto,
K = VR * Tr, sendo
  • K a contrapartida total
  • VR o valor residual do terreno
  • Tr a taxa de recuperação do resíduo ou renda da terra

9
Dado que a resíduo, ou renda total, gerada num empreendimento é o somatório do resíduo de cada m2 privativo médio produzido, este conceito pode ser alternativamente expresso da forma


K/m2 = Vr * Tr, sendo
  • K/m2 a contrapartida por m2 privativo médio produzido
  • Vr o resíduo do m2 privativo médio produzido
  • Tr a taxa de recuperação do resíduo ou renda da terra


10
As taxas de recuperação do resíduo resultantes das fórmulas de cálculo da Outorga Onerosa expressam o equilíbrio conjuntural entre a exigência social de que incorporadores e proprietários de terrenos incorporáveis colaborem no financiamento das cidades mediante a cessão de uma parte da renda do solo e a exigência privada de maximização da rentabilidade das incoporações mediante a apropriação da maior parcela possível dessa renda. Em cidades onde a coletividade carece de representação política interessada no potencial da renda da terra para o financiamento urbano, a Outorga Onerosa simplesmente não se aplica.

11
Passados dezesseis anos da promulgação do Estatuto da Cidade, o maior problema da Outorga Onerosa do Direito de Construir - e sua principal lacuna como instrumento de política urbana - são os parâmetros que hão de reger a estipulação dessa taxa, ou taxas, nas circunstâncias da economia política do país e da rentabilidade do mercado da incorporação em cada cidade. Enquanto esse problema não for enfrentado com franqueza por gestores e pesquisadores de políticas de financiamento urbano, a Outorga Onerosa do Direito de Construir não se tornará um instrumento consistente de financiamento urbano à escala nacional.


A inadequação das “fórmulas de cálculo”


12
A determinação do valor da contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir não supõe uma “fórmula”; ela é uma decisão de política urbana - com desdobramentos na política econômica - quanto à taxa de recuperação do resíduo (Tr) a ser adotada pela municipalidade em cada caso. A taxa de recuperação do resíduo Tr não se calcula, se arbitra - dentro de limites e com base em critérios que, com enormes e assumidas limitações, discutiremos adiante.

13
A imensa maioria das fórmulas de cálculo utilizadas nas cidades brasileiras são meros algoritmos que conduzem, pela via da experimentação algébrica, a taxa de recuperação do resíduo até patamares econômica e politicamente aceitáveis, em um dado momento e lugar, por incorporadores, governantes e coletividade.

14
A estrutura dessas fórmulas de cálculo provém do critério,  estabelecido no Estatuto da Cidade, de que a contrapartida seja cobrada como preço do direito ao m2 de construção excedente ao coeficiente básico de aproveitamento de terreno, ideia que tem sua origem no conceito francês de plafond de densité - embora flexibilizado pela possibilidade de adoção de coeficientes básicos variáveis em diferentes cidades e diferentes bairros (zonas) de uma mesma cidade. 

15 
Do plafond de densité francês provém, igualmente, o elogio do coeficiente básico Cb = 1, cujas virtudes podem ser, em nosso caso, bastante problemáticas. Por gerar elevados excedentes construtivos e respectivos excedentes de renda em regiões de renovação urbana de alta densidade, o Cb = 1 costuma ser, no Brasil, algebricamente adulterado para mais, e até muito mais, pelo uso da variável "valor venal do terreno" (que representa, no melhor dos casos, 50% do valor residual, podendo chegar a 25%) e dos "coeficientes de planejamento". Por outro lado, em regiões de altos preços por m2 privativo e baixa densidade de ocupação, justamente onde é mais cara a infraestrutura urbana, o Cb = 1 tem o constrangedor efeito de gerar contrapartidas muito pequenas ou até mesmo nulas! (Se Cmáx = 1.)  


16
Fórmulas de cálculo da Outorga Onerosa baseadas em valores de referência outros que não o VR - p. ex. valor de mercado do terreno, valor venal para fins de IPTU, valor do Custo Unitário Básico da construção (!) - e em coeficientes ditos “sociais” e “de planejamento”, além, é claro, do próprio patamar de isenção Cb, não são mais do que intrincadas estruturas de descontos destinadas a trazer a recuperação da renda total gerada nos empreendimentos a taxas politicamente praticáveis. Não é errado buscar taxas de recuperação politicamente praticáveis; errado é ocultá-lo atrás da pseudo-ciência das fórmulas de cálculo.

17
O leitor interessado e paciente encontrará o estudo crítico dessas fórmulas neste mesmo blog, nas postagens "Contribución al estudio de la "Outorga Onerosa do Direito de Construir" (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálculo, de maio de 2007, "CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre", de julho de 2015 e "Outorga Onerosa: método de cálculo nos termos do Estatuto da Cidade", de abril de 2017.
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2015/07/cepac-e-outorga-primo-rico-prima-pobre.html
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2007/05/contribucion-al-estudio-de-la-outorga.html

Para uma discussão sobre o Cb = 1, ver
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2013/03/sobre-o-coeficiente-de-aproveitamento.html 


A taxa de recuperação do resíduo: hipóteses 

18
Conceitualmente, a recuperação da renda da terra na indústria da incorporação tem de se dar no intervalo de zero a 100 por cento do valor residual do terreno gerado em um empreendimento imobiliário. A contrapartida por Outorga Onerosa superior a 100% do resíduo implicaria um avanço sobre o retorno de capital esperado no empreendimento, isto é, sobre o lucro "normal", não o "extraordinário".

19
Contudo, se nenhuma renda couber ao proprietário do terreno (K = VR), este não cederá seu uso ao incorporador salvo mediante o pagamento de uma parte do retorno de capital - o que também inviabiliza o empreendimento num cenário de mercado.


20
Considero a máxima contrapartida teoricamente admissível como recuperação da renda da terra na indústria da incorporação - em um ambiente de mercado privado de solo urbano - aquela em que o dono da terra possa extrair do ativo, a depender de seu poder de negociação, uma renda equivalente à própria TMA. Tomando como base a TMA de 15% - costumeiramente citada em artigos e relatórios técnicos sobre o tema -, temos que


K máx = (1 - TMA) * VR = 85% VR


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Há, por outro lado, indicações de que, nas Operações Urbanas Consorciadas tipicamente residenciais, os investidores-incorporadores se dispõem a pagar por 1m2 de produto excedente (1 CEPAC) valor igual à metade do resíduo que ele geraria no momento da aquisição.


K/m2 excedente = ½ * Vr
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A divisão 50-50, entre a municipalidade e o incorporador, do valor residual da fração de terreno “criada” por cada CEPAC representa, para o incorporador, um ganho mínimo de 100% na revenda, ao comprador final da unidade imobiliária, da fração ideal de terreno correspondente.


23
Há que considerar, porém, como explicado nos textos anteriormente indicados, que o preço pago pelo m2 de edificabilidade excedente ao coeficiente básico (CEPAC ou OODC) é meramente nominal no que tange à economia do empreendimento. O seu preço real, que incide como custo por m2 produzido, é o montante total pago por CEPACs/OODC rateado pelo produto total do empreendimento. Por exemplo:


Numa Operação Urbana Consorciada residencial homogênea em que
  • o preço de venda do m2 privativo médio é Pv = R$ 6.000,00
  • o valor residual estimado é 30% do Pv (R$ 1.800,00)
  • o coeficiente máximo de aproveitamento dos terrenos é C = 4
  • o coeficiente básico é Cb = 1,


Os CEPACs adquiridos por R$ 900,00 (½ * Vr m2 exc) custam na realidade ao empreendedor, por m2 produzido

R$ 900,00 * ¾ = R$ 675,00 (37,5% Vr m2 priv méd)
24
A proporção 50-50 é encontrável, também, como máximo preço que se dispõe a pagar pelo terreno um incorporador em condições de escassez relativa e pouca assimetria de informação, típica de regiões urbanas estruturadas em processo de renovação edilícia: a metade do valor residual que espera apurar na incorporação.


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Deduzo que, num mercado de incorporação pouco regulado como o brasileiro, a máxima contrapartida economicamente praticável, que chamo de “preço de referência” da concessão onerosa do direito de construir, equivale a 50% do Vr por m2 produzido.



CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre

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Não é, no entanto, casual que taxas de recuperação próximas dessa proporção sejam praticadas nas OUCs (CEPACs), mas nem de longe na Outorga Onerosa. Sendo geralmente a OUC uma iniciativa pública associada à abertura de uma nova frente de negócios imobiliários - que não existiria sem as novas infraestruturas e melhorias urbanísticas cobertas pela receita de CEPACs -, o custo em CEPACs aparece ao incorporador como investimento, ao passo que o custo em OODC, geralmente aplicada em áreas de renovação edilícia já providas de infraestrutura, serviços e amenidades - tradicionalmente exploradas sem nenhum ônus! - aparece como imposto.


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Esta é a razão da gritante diferença de preço - seja nominal ($ por m2 excedente ao Cb) ou real (contrapartida por m2 produzido) -, assim como de opinião dos incorporadores sobre essas duas modalidades intrinsecamente iguais - no que tange à economia do empreendimento - de recuperação da renda da terra urbana.


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E é também a razão da imensa dificuldade que hão de ter os gestores urbanos para aproximar as taxas de recuperação do resíduo cobradas a título de Outorga Onerosa daquelas aplicadas nas OUCs pela via dos CEPACs. A cidade já infraestruturada e urbanizada é vista pela indústria da incorporação imobiliária como uma espécie de common disponível à exploração privada por "direito natural".




Um método alternativo


29
Nas grandes e médias cidades,
a oferta de de renda das famílias
pelas localizações mais bem providas
de serviços, amenidades e todo tipo
de vantagens tangíveis e intangíveis
faz com que o preço de venda do
m2 privativo nos novos
empreendimentos varie muito
mais que proporcionalmente ao
custo total de construção.
O modo mais idôneo de aplicar-se a Outorga Onerosa do Direito de Construir é o estabelecimento de taxas de recuperação do resíduo aplicáveis à totalidade dos m2 privativos médios produzidos nos empreendimentos, de maneira proporcional às diversas faixas de rentabilidade dos empreendimentos imobiliários. Assumo aqui a premissa de que a rentabilidade líquida total, isto é, a capacidade de gerar renda - independentemente de como ela será repartida entre proprietário e incorporador depois de descontada a contrapartida por Outorga Onerosa - é diretamente proporcional ao preço de venda do m2 privativo médio.
30
Não há nada que impeça os gestores urbanos brasileiros de aplicar, na cobrança da Outorga Onerosa tal como definida no Estatuto da Cidade, o coeficiente básico Cb = 0 (zero).


31
EXEMPLO: Numa cidade hipotética com preços de m2 privativos médios dos empreendimentos imobiliários de mercado variáveis entre R$ 4.000,00 e R$ 8.000,00, a municipalidade poderia estabelecer uma escala progressiva de taxas de recuperação do resíduo como no quadro abaixo. (Os valores de contrapartida se referem a terrenos de 1000m2 e coeficiente de aproveitamento de terrenos C = 2.)


Preço m2 priv
Resíduo estimado
Tr
K/m2
priv
K Total
R$ 4.000,00
15,0% = R$    600,00
Isento
-
-
R$ 5.000,00
19,0% = R$
950,00
2,5%
R$   23,75
R$  
47.500,oo
R$ 6.000,00
24,0% = R$ 1.440,00
5,0%
R$   72,00
R$ 144.000,00
R$ 7.000,00
30,0% = R$ 2.100,00
7,5%
R$ 157,50
R$ 315.000,00
R$ 8.000,00
37,0% = R$ 2.960,00
10%
R$ 296,00
R$ 592.000,00

A primeira faixa de aplicação da OODC, aqui representada pelo preço hipotético R$ 4.000,00, é aquela abaixo da qual não existe produção de mercado, ou, na realidade atual da incorporação brasileira, abaixo da qual só existe produção subsidiada pelo programa Minha Casa Minha Vida. Essa faixa seria, do ponto de vista da OODC, “isenta” ou sujeita a uma taxa simbólica.
A faixa de aplicação aqui representada pelo preço R$ 8.000,00 é aquela sujeita à taxa mais elevada politicamente praticável. As taxas intermediárias seriam fixadas segundo uma distribuição linear ou algum tipo de curva que se considerasse mais precisa do ponto de vista da progressividade.

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Aplicado a distintas situações práticas de tamanho de terreno e coeficientes de aproveitamento, o método aqui sugerido redundará em contrapartidas por m2 de terreno diretamente proporcionais à densidade edificada.

No exemplo acima, que podemos classificar como média densidade (S= 1.000m2 C=2), o empreendimento com m2 privativo vendido a R$ 8.000,00 / m2 privativo pagará, a título de Outorga Onerosa, R$ 592,00 / m2 de terreno. Expandindo a hipótese para exemplos característicos de regiões urbanas centrais e periféricas de renda média-alta, obtemos, num primeiro caso (S=2.000m2 C=4) uma contrapartida de R$ 1.184,00 / m2 de terreno, num segundo (S=4.000m2 C=1) uma contrapartida de R$ 296,00 / m2 de terreno.

Sendo do interesse da municipalidade desincentivar os extremos de densidade, multiplicadores poderão ser utilizados.

33
Dentre as vantagens de tal método podemos citar: a simplicidade, a progressividade, a transparência e a comparabilidade.

34
A opacidade do método indicado no Estatuto da Cidade e a obscuridade das fórmulas de cálculo em uso no Brasil são, provavelmente, poderosos obstáculos - ao lado da resistência dos incorporadores e da leniência dos governos - à aplicação consistente e generalizada da Outorga Onerosa do direito de Construir em todo o território nacional.


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As chaves para a adoção de um tal método são:


  • a estimativa do valor residual por faixa de preço de m2 privativo
  • o domínio, também no âmbito financeiro, da relação entre a taxa de recuperação e a rentabilidade dos empreendimentos


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Esses parâmetros poderiam ser desenvolvidos, com grande rigor técnico e em escala nacional, considerando-se as variações regionais e locais, por algum tipo de "Observatório da Incorporação Imobiliária" formado por programas universitários dedicados aos problemas de gestão urbana em associação com entidades de engenharia de avaliação.

2017-05-10


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Outorga Onerosa: a determinação da contrapartida nos termos do Estatuto da Cidade

Reeditado em novembro de 2017

I - O valor da contrapartida em função de V, Cs e Cb

Reza o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10 de julho de 2001):
SEÇÃO IX 
Da Outorga Onerosa do Direito de Construir 
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. 
§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.
§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. 
§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área. (..)

Admitindo-se, então, que

  • o máximo valor V exigível por contrapartida a um empreendimento imobiliário corresponde ao coeficiente de aproveitamento de terreno de serviço Cs,
  • a cada m2 construído corresponde igual quantidade de valor V
  • Cb é o coeficiente de aproveitamento isento de contrapartida por Outorga Onerosa,


deduz-se que

  • o excedente construtivo medido em coeficiente de aproveitamento é dado pela expressão [Cs - Cb]
  • a proporção do excedente construtivo sobre o total é dada pela expressão [1 - Cb/Cs]
  • o valor de contrapartida K que corresponde ao excedente construtivo [Cs - Cb] é dado pela expressão


K = V * (1 - Cb/Cs).


Ressalvada a precisão que se fará na parte III sobre o valor de referência V, este é o método correto de determinação do valor da contrapartida por OODC nos termos do Estatuto da Cidade, vale dizer K = f (V, Cs, Cb).

Pode-se traduzi-lo da seguinte maneira: Se V representa, digamos, o valor venal VV do terreno que ancora a totalidade da construção, a contrapartida K representa a porção do valor venal VV que corresponde ao excedente construtivo. Dito de outra forma, K é a valorização do terreno derivada do potencial construtivo excedente, relativamente ao valor de referência V.

Para se cobrar, a título de Outorga Onerosa, 10% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficiente de aproveitamento Cs=3, bastaria estipular Cb=2,7. Analogamente, para se cobrar 20% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficiente de aproveitamento Cs=1, bastaria estipular Cb=0,8.

A consistência do método se testa atribuindo à variável Cb os valores máximos e mínimos admissíveis:


  • Se Cb = 0 ⇒ K = V
  • Se Cb = Cs ⇒ K = 0

A contrapartida por OODC varia, de fato, necessariamente, entre zero e V.


II - Ajuste do método ao coeficiente básico Cb = 1

Com a adoção generalizada do Cb = 1 preconizado por um grande número de urbanistas de formação jurídica, o Cb perde o papel de “variável de ajuste” do valor da OODC.

Com Cb = 1, a contrapartida K tende a resultar, em regiões urbanas de alta densidade, em proporções demasiado elevadas do valor total V.

Torna-se necessário, então, introduzir um "fator de ajuste" Fa para conduzir K a valores econômica e politicamente praticáveis:


K = V * (1 - Cb/Cs) * Fa,


sendo este o método pelo qual se há de estipular o valor da OODC, nos termos do Estatuto da Cidade, quando o Cb não é a variável determinante da proporção de V a ser paga como contrapartida.

Para se cobrar, então, a título de Outorga Onerosa, 15% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficientes de aproveitamento Cs=4 e Cb=1 (excedente construído = 0,75 * Cs) seria neecessário estipular um fator de ajuste Fa=0,2.


K = V * (1 - 1/4) * 0,2 = V *0,15


O fator de ajuste Fa pode ser interpretado como multiplicador do patamar de isenção Cb, como desconto sobre o valor da terra V ou como uma combinação de ambos.


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III - crítica do método do EC

Valor de mercado vs. valor residual

O Estatuto da Cidade não estabelece relação entre a Outorga Onerosa do Direito de Construir e a recuperação da renda da terra para fins de financiamento urbano.

A contrapartida surge como um “preço”, arbitrariamente estabelecido, do m2 de construção excedente ao coeficiente básico de aproveitamento do terreno.

Dá-se, no entanto, que a contrapartida total a ser paga deve necessariamente provir da economia do empreendimento e a ela se adequar. Decorre daí que ela não pode ser superior ao valor residual do terreno a incorporar.

O valor residual VR, lucro do empreendimento excedente à Taxa Mínima de Atratividade (TMA) considerada pelo incorporador, ou à soma custo de capital + lucro econômico mínimo admissível, é o máximo preço que este poderia, teoricamente, pagar pelo terreno ao seu proprietário. Num ambiente hipotético em que se considere a recuperação integral da renda da terra, VR é também o máximo valor conceitualmente admissível da contrapartida por OODC.

Algumas fórmulas de cálculo da OODC estabelecem como valor de referência da contrapartida V o “valor de mercado” do terreno objeto da incorporação. Embora a totalidade do valor de mercado seja “renda da terra”, ou “resíduo” do valor de venda dos produtos que ela abriga, a recíproca não é verdadeira: o valor de mercado não representa a totalidade da renda ou resíduo.

O valor de mercado VM é o preço provável da compra-venda do terreno para incorporação, o que equivale a uma parcela do valor residual total - sendo 50% uma proporção razoável em regiões de intensa renovação urbana, onde o comprador precisa comprar tanto quanto o vendedor precisa vender; dito de outra forma, onde se dá alguma concorrência entre compradores e vendedores de terrenos.

Outras fórmulas utilizam o valor venal estabelecido na Planta de Valores, utilizada para fins do Imposto Predial e Territorial Urbano. Por motivos que não cabem discutir aqui, o VV é um valor de mercado cronicamente defasado, que especialistas admitem equivaler, em muitos casos, a algo como 50% do valor de mercado, isto é, 1/4 do resíduo total VR.

A renda total é o "valor residual" VR, aquele pelo qual o incorporador revende o terreno, em forma de frações ideais, aos adquirentes de unidades imobiliárias, e cuja apropriação, na maior proporção possível, constitui a alma do seu negócio: a parte do valor residual do terreno não paga ao ex-proprietário como preço de transação e não recuperada pela coletividade como Outorga Onerosa do Direito de Construir, instituto que materializa a "obrigação de urbanizar", se converte em lucro extraordinário do incorporador.

Portanto atenção: ao recair sobre o resíduo, o ônus da Outorga Onerosa reduz o montante a ser repartido entre o incorporador e o proprietário do terreno a incorporar, consequentemente o preço de transação e daí o próprio valor de mercado VM dos terrenos incorporáveis. Moral da história: é o valor de mercado VM que depende do valor da OODC, não o contrário. Toda "fórmula" de OODC que adota VM como variável independente é viciosa por "circularidade".

Sendo assim, a nossa fórmula geral passa a ser




K = VR * (1 - Cb/Cs) * Fa




Construção bruta vs. produto imobiliário

O valor residual de um terreno resulta da subtração dos custos totais, incluído o de capital, ao Valor Geral de Vendas da combinação mais rentável de produtos imobiliários que ele pode receber. O VGV é o somatório dos preços de todos as unidades imobiliárias colocadas à venda - mais exatamente produzidas, dado que unidades podem ser cedidas em pagamento ao proprietário do terreno - e o "m2 privativo médio” a unidade de produto imobiliário ao redor da qual gravita toda a economia do empreendimento.

O “m2 construído” não é a unidade mais adequada para estudo, cálculos e determinação da contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir como instrumento de recuperação da renda do solo pela razão elementar de que ele não tem preço de venda nem resíduo.

O uso do VR (ou Vr/m2) como unidade de valor da Outorga Onerosa recomenda que conceitos como “m2 construído” e “excedente construtivo” sejam computados com base em m2 privativos médios e que o "coeficiente de aproveitamento do terreno" seja entendido como "líquido", isto é, referido à área privativa total do empreendimento.


O coeficiente básico Cb

O Estatuto da Cidade estabelece o coeficiente básico de aproveitamento do terreno como "patamar de isenção" da cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir.

O conceito de coeficiente básico provém do instituto francês do plafond de densité (Cb = 1), cuja razão de ser e trajetória não cabem no escopo desta discussão. 

O Cb é um mecanismo de regulação do valor da contrapartida por OODC esculpido na linguagem técnica do próprio urbanismo: quanto mais próximo o Cb do coeficiente de serviço Cs, menor o excedente construtivo e, portanto, menor a contrapartida a ser paga pelo empreendedor.

Com a adoção do "coeficiente básico único e unitário" em um grande número de cidades brasileiras, o Cb perde a função de variável reguladora do valor da contrapartida com a agravante de gerar, via de regra, "excedentes de renda" impensáveis para o status atual da indústria da incorporação: numa zona urbana de alta densidade onde o coeficiente máximo de serviço é Cs = 5, o excedente ao Cb =1 determina contrapartidas equivalentes a 4/5 do valor de referência V! Esse efeito indesejado é, então, compensado pela adoção de reguladores alternativos que atendem pelos nomes de "redutor", "fator social", "fator de planejamento" etc.

Não nos iludamos: quaisquer que sejam as virtudes do Cb =1, elas são algebricamente violadas sempre que o método de cálculo da contrapartida adota um valor de referência V < VR e/ou introduz um fator de ajuste que faça aumentar o valor de Cb, seja dito “social” ou “de planejamento”.

Além disso, o valor real da OODC - para o empreendedor como para a coletividade - não é o “preço do m2 excedente”, mas quanta OODC o empreendimento paga, ao final, por m2 privativo produzido. Se um empreendimento de 1000m2 construídos/ produzidos pagou, a título de outorga onerosa, R$ 300,00 por cada um de 400m2 declarados “excedentes”, num total de R$ 120.000,00, terá pago R$ 120,00 por m2 construído/ produzido; igual valor teria pago se lhe fosse cobrado, a título de outorga onerosa, R$ 200,00 por cada um de 600m2 declarados “excedentes” ou R$ 120.000,00 por 1 único m2 declarado "excedente".

Em suma, as "fórmulas de cálculo" da Outorga Onerosa se converteram em uma babel metodológica que dificulta enormemente, se é que não impede, a "transferência de tecnologia" das cidades que arrecadam razoavelmente para aquelas que arrecadam pouco ou nunca o fizeram.

O modo mais simples e transparente de aplicar-se a Outorga Onerosa do Direito de Construir é a imposição da contrapartida à totalidade dos m2 privativos produzidos no empreendimento. Iguala-se, assim, o valor da contrapartida ao custo do empreendedor. Nos termos do Estatuto da Cidade, isto significa, em todos os casos, considerar Cb = 0. Daí,


K = Vr * 1 * Fa


A taxa de recuperação do resíduo

Com Cb = 0, o "fator de ajuste" se converte em "taxa de recuperação do resíduo", mais exatamente do “valor residual da fração de terreno que corresponde a cada m2 privativo médio produzido”.


K = Vr * Tr


A Tr não se pode calcular: respeitada a relação entre rentabilidade do empreendimento e progressividade da contrapartida, ela há de ser a maior possível considerados os limites teóricos e práticos, econômicos e políticos, da recuperação da renda da terra na indústria da incorporação.

E são esses limites - não as "fórmulas de cálculo"! - o aspecto crítico a que nós, gestores urbanos adeptos do instrumento da Outorga Onerosa precisamos, urgentemente, dedicar os nossos melhores esforços.



2017-04-30


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Outorga Onerosa do Direito de Construir: por um novo marco metodológico
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