sexta-feira, 30 de março de 2012

"Recuperação de Mais-Valias Fundiárias Urbanas no Brasil: Questões e Oportunidades" (Furtado & Jorgensen, fev 2006)



À beira do urbanismo divulga paper de Fernanda Furtado e Pedro Jorgensen (2006, 60pp), publicado em Brazil: Inputs for a Strategy for Cities – Vol. II Background Papers - Report 35749-BR - Document of the World Bank.

Acesse a íntegra do documento clicando em


Os leitores encontrarão, a qualquer momento, um link gráfico para o texto completo na seção Trabalhos em Parceria, coluna da esquerda, abaixo.

Seguem um excerto do “Sumário Executivo” e a a seção “Organização do Documento”

O presente trabalho tem por objetivo discutir as bases teóricas e o estado da arte das políticas públicas de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas no Brasil, estimar a capacidade contributiva que podem ter essas políticas tanto para o financiamento de projetos de infra-estrutura básica nas grandes cidades brasileiras como para a implementação de programas de acesso à terra urbanizada pela população de baixa-renda, e sugerir caminhos para suas aplicações mais eficazes.
No Brasil, como em quase toda a América Latina, a recuperação de mais-valias fundiárias para a cobertura de custos públicos de urbanização – projetos, atividades, serviços – constitui uma prática antiga, porém essencialmente fragmentária. A despeito de importantes avanços recentes, certos aspectos do tema permanecem até hoje bastante obscuros. À parte os instrumentos tributários diretamente relacionados com a recuperação de custos de obras públicas, a apropriação pública regular e consistente das valorizações fundiárias envolvidas nas operações urbanas e mesmo no imposto sobre a propriedade é uma prática quase inexistente na administração pública. Exceção feita à Colômbia – por razões que discutiremos adiante – essas práticas não apenas não evoluíram no sentido de formar um corpo de teoria e doutrina em gestão urbana como parecem ter de certa forma involuído no interregno desenvolvimentista ocorrido entre a era dos grandes projetos de “modernização” dos centros urbanos da primeira metade do século XX e sua reedição nos “grandes projetos de revitalização de centros urbanos” da virada do milênio.
Se por um lado o interesse público pela recuperação da valorização fundiária tem óbvia relação com a debilidade crônica dos impostos sobre a propriedade imobiliária nas cidades latino-americanas, por outro são claras as indicações de que seus fatores reguladores são os afluxos de investimentos e empréstimos externos às economias nacionais e as flutuações do sistema de distribuição da receita tributária nacional. Os anos 1950-1980, de fartura de empréstimos externos para projetos de desenvolvimento, “apagaram as pegadas” da promissora história da recuperação de mais-valias fundiárias no Brasil na primeira metade do século XX, mesma época em que, por outro lado, a interrupção do fluxo de recursos externos motivada pela crise a respeito do Canal do Panamá criou as circunstâncias propícias para que a Colômbia viesse a se tornar a indisputável referência teórica e prática latino-americana em recuperação de mais-valias fundiárias, especialmente aquelas destinadas ao financiamento de projetos de infra-estrutura básica – foco do presente estudo. Finalmente, é o ambiente de forte aperto fiscal e restrições ao endividamento do início do século XXI, associado aos processos de descentralização administrativa e aumento da autonomia municipal, que convoca o tema a retomar a sua proeminência, na América Latina como no Brasil.  
(...) 
O Capítulo 1 discute as bases históricas e teóricas da recuperação de mais-valias fundiárias urbanas aplicadas à América Latina e ao Brasil, ao lado de alguns instrumentos complementares aplicáveis ao caso brasileiro. 
O Capítulo 2 discute a experiência latino-americana e brasileira com a recuperação da valorização do solo urbano, na forma de um referencial cronológico e um mapeamento das principais experiências. 
O Capítulo 3 examina estimativas do déficit de infra-estrutura básica no Brasil, foco mais evidente de eventuais políticas de recuperação de mais-valias fundiárias, e discute as bases para uma ampliação da abrangência do tema, abordando as diversas modalidades de recuperação de mais-valias fundiárias e seus principais formatos de gestão. 
O Capítulo 4 discute problemas do mercado de terras no Brasil: o papel da terra e da propriedade imobiliária, a sua tributação, a escassez relativa de terra servida e os problemas da auto-sustentabilidade na provisão de infra-estrutura básica. 
O Capítulo 5 avalia o tema da recuperação de mais-valias fundiárias e em especial da recuperação de custos de investimentos públicos em infra-estrutura urbana, à luz das experiências de regularização de assentamentos informais e da produção de lotes urbanizados. 
Nas Considerações Finais, são retomadas as principais questões discutidas para indicar componentes necessários de uma política fundiária e para recomendar algumas linhas de ação pública, tendo como orientação básica a mobilização e a aplicação de recursos oriundos da valorização fundiária urbana em projetos de provisão de infra-estrutura urbana.


Acesse a íntegra deste documento pelo link
https://drive.google.com/file/d/0B2g7hqWHFxtsNlRaLU9VV2dRX28/view?usp=sharing


2012-03-30


quarta-feira, 28 de março de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

Claudia Acosta comenta o artigo de Antônio Veríssimo


Nossa colega de teoria e prática de políticas do solo Claudia Acosta, de Bogotá, residindo atualmente em São Paulo, enviou-nos um e-mail em que comenta o artigo de Antonio Veríssimo (abaixo) sobre o sistema de ordenamento urbanístico colombiano:


Caros amigos,
Tive impressões contraditórias do artigo de Veríssimo sobre Medellín e Bogotá. A proposta em relação aos conteúdos da Colômbia é muito sedutora (obrigada por isso), se bem seria importante mencionar que alguns instrumentos têm mais de uma função (como os planes parciales, que são de planejamento mas têm que incorporar diretrizes de gestão e componentes de financiamento - como a repartição de cargas e benefícios - dentro do próprio documento). Mas, no geral está muito bem proposto para o leitor. 
Agora, a parte que realmente considero inexata é o link feito entre migração, violência e favelas, não porque não se vinculem, mas porque este vínculo não é tão linear como aparece nem é o centro do fenômeno dos assentamentos informais e menos ainda da transição rural-urbana e seu ritmo. Estamos cheios de favelas desde o México até o Brasil... com ou sem épocas violentas.
Na região como um todo, a migração rápida foi um fato, que teve, e ainda tem, ritmos diferenciados . Por exemplo, a América Central ainda está na transição rural-urbana em alguns países, como a Guatemala (ainda com uma guerra muito pesada nos 70'80's).  E, no Brasil, a taxa de crescimento urbano foi inferior à de outros países da região nos 80-90's, mas nos 2000' foi superior ao resto.
Em definitivo, o importante para as nossas reflexões sobre a ocupação precária e a falta de serviços urbanos é o fenômeno mesmo do acesso ao solo para quem dele precisa (seja quem chega do campo, com ou sem violência – cada vez menos, pois a região está terminando a transição rural-urbana -, seja quem já nasceu na cidade, mas não tem oportunidades de ocupação formal) e como reagem nossos mercados e instituições. Nesse contexto, é interessante a experiência da Colômbia (como se aborda esta situação, com que instrumentos, quais as alternativas) para o Brasil, pois temos muito mais em comum entre nós – cultura, desigualdade e nível de urbanização – do que com outras realidades, como EEUU e Europa, no que respeita ao exercício do urbanismo.
Claudia Acosta. 
Advogada, professora e investigadora, Mestre em Urbanismo e Consultora da ONU-Habitat na América Latina

segunda-feira, 12 de março de 2012

Porque fomos a Medellín e Bogotá


Antônio Augusto Veríssimo

Arquiteto Urbanista, MsC em Planejamento Urbano e Regional. 

Coordenador de Planejamento e Projetos da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

Apresentação

O presente ensaio foi escrito tendo como motivação uma viagem técnica realizada às cidades colombianas de Medellin e Bogotá por uma equipe composta por integrantes da SMH - Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IAB RJ - Instituto de Arquitetos do Brasil/Departamento do Rio de Janeiro, motivada pelos trabalhos de implementação do Plano Municipal de Integração de Assentamentos Informais – Morar Carioca, no ambito do Convênio estabelecido entre a SMH e o IAB-RJ.[1]

O objetivo desta viagem foi o de conhecer de perto os resultados das recentes realizações dessas cidades no campo das intervenções em melhorias nos meios de transportes, equipamentos urbanos e intervenções em habitação social e melhoramento de bairros que hoje servem como referência para muitas cidades latino-americanas.

Os relatos recentes sobre essas experiências tendem a valorizar sobremaneira o papel de alguns lideres políticos empreendedores - sem dúvida de fundamental importância – mais trazem pouca informação sobre as bases históricas, sociais, institucionais e legais em que se apoiam essas conquistas, nem tão recentes. Sendo assim, o intuito do texto que segue é revelar um pouco de informação sobre os processos sociais, políticos e institucionais que fizeram da Colômbia um dos países detentores de uma das mais avançadas legislações urbanas da América Latina.

Introdução

Pode parecer estranho que nós brasileiros, que historicamente sempre estivemos vinculados em temas urbanísticos aos modelos europeus e norte- americanos, estejamos agora buscando em cidades colombianas exemplos de atuações exemplares em políticas e intervenções urbanas[2].

Mas sobre esta situação que pode parecer inusitada, vale a pena ouvir o que disse  Antanas Mokus - prefeito eleito por duas vezes da cidade de Bogotá- em evento realizado naquela cidade em 2003.

“A situação do Estado em Colômbia é particularmente curiosa: de uma parte, não alcançamos cumprir por completo as funções hobbesianas e, no entanto, de outra parte, estamos avançados no cumprimento de uma agenda que em muitos países somente chegou a cumprir-se, historicamente com bastante posteridade.” (SIVICKAS,2003)

Antanas Mokus nos fala da situação peculiar de seu país, onde o governo central não conseguiu ainda exercer efetivo controle militar sobre grande parte do seu território, dominado por grupos guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes; mas onde as administrações municipais parecem possuir condições efetivas para conduzir um processo de reforma urbana baseado em poderosos instrumentos legais para o planejamento,  gestão e financiamento do  desenvolvimento urbano.

A Colômbia possui hoje um arcabouço legal que é fruto de mais de quatro décadas de debates sobre reforma urbana. Essa reforma foi motivada pela necessidade de dar solução para problemas resultantes de um processo de crescimento acelerado e desordenado que foi exacerbado pela situação de conflito permanente que assola o interior do país e que provocou em diversas épocas um êxodo acentuado de trabalhadores do campo para as grandes cidades.

No período de 1948 a 1958 o país vivenciou uma guerra civil que motivou morte de mais de 180 mil pessoas e que teve como resultado a formação dos grupos guerrilheiros FARC e ELN. Estes grupos, somados a outros de paramilitares e narcotraficantes, dominam grandes áreas do interior e promovem conflitos entre si ou com o exercito nacional que acabam por provocar a expulsão de milhares de famílias que buscam nas grandes cidades condições de segurança e sobrevivência.

O gráfico abaixo ilustra a evolução das taxas geométricas de crescimento populacional no período de 1912 até 2005. Pode-se observar que as principais cidades colombianas, Bogotá, Medellin, Cali e Barranquilla, no período de 1938 a 1973, cresceram a taxas entre 4% e 8% ao ano, muito superiores, por exemplo, à cidade do Rio de Janeiro que experimentou, no mesmo período, taxa máxima de crescimento um pouco superior a 3% a.a.

Figura 1 Taxas geométricas de crescimento da população

        
Fonte: Wikipedia.

Este intenso, permanente e desorganizado afluxo de pessoas dos campos para as cidades, resultou na formação de grandes assentamentos periféricos sem infraestrutura adequada. Como consequência houve a ocupação de áreas de risco, sujeitas nos casos de Bogotá e Medellin ao fenômeno dos corrimentos de solo e a fortes processos erosivos, característicos dessas duas cidades.

As leis de Reforma Urbana de 1989 e 1997

Após quase quatro décadas de tentativas frustradas, finalmente foi aprovada em 1989 a denominada Lei 9ª, a Lei de Reforma Urbana da Colômbia. Esta lei introduziu no ordenamento legal colombiano uma série de novos e poderosos instrumentos para a gestão do solo urbano. Com a promulgação de uma nova Constituição em 1991, houve a  necessidade  de adequação às novas normas estabelecidas na Constituição; na Lei Orgânica do Plano de Desenvolvimento; na Lei Organica das Áreas Metropolitanas; e a lei que criou o Sistema nacional Ambiental. Por este motivo foi aprovada em 1997 a Lei 388. Esta nova Lei, além das adequações aos novos diplomas legais, tratou de aprimorar e tornar mais efetivas as possibilidades de aplicação dos instrumentos criados. Como afirmou um líder empresarial do ramo da construção civil, antigo opositor e agora entusiasta da lei de reforma urbana, finalmente se tinha uma “lei com dentes” e com instrumentos fáceis de aplicar. (BORRERO, 2003)

Principais instrumentos da Lei de Reforma Urbana

Podemos dividir de forma simplificada os instrumentos legais criados a partir da lei de reforma urbana em três categorias: instrumentos de planejamento, gestão e financiamento do desenvolvimento urbano.

Na primeira categoria, planejamento, encontramos dentre outros os seguintes instrumentos que merecem destaque:

Planos de Ordenamento Territorial (POT): são os instrumentos básicos para o desenvolvimento do processo de ordenamento do território municipal. Definem-se com um conjunto de objetivos, diretrizes, políticas, estratégias, metas, programas, atuações e normas adotadas para orientar e administrar o desenvolvimento físico do território e utilização do solo. Estes planos de ordenamento recebem distintas denominações de acordo com o porte dos municípios. Denominam-se Planos de Ordenamento Territorial quando se aplicam a municípios com população superior a 100 mil habitantes; Planos Básicos de Ordenamento Territorial quando se destinam a municípios com população entre 100 mil e 30 mil habitantes e Esquemas de Ordenamento Territorial quando elaborados para municípios com população inferior a 30 mil habitantes.

Em todos os casos, os planos devem conter obrigatoriamente três componentes: um geral, constituido pelos objetivos, estratégias e conteudos estruturais de longo prazo; um urbano, constituido pelas políticas, ações, programas, normas para direcionar e administrar o desenvolvimento físico urbano; e por fim, um componente rural, constituido pelas políticas, ações, programas e normas para orientar e garantir a adequada interação entre os assentamentos rurais e a sede urbana do município, assim como a conveniente utilização do solo.

Os Planos de Ordenamento geram Programas de Execução que definem, com carater obrigatório, as atuações sobre o território previstas no POT. Os programas de execução definem os programas e projetos de infraestrutura de transporte e serviços públicos que serão executados em prazos estabelecidos pelas administrações municipais; identificam os terrenos necessários para atender as demandas por habitação social e os assentamentos a serem urbanizados, definindo os instrumentos para a sua execução, seja por entidades públicas ou privadas.
Na segunda categoria temos os seguintes instrumentos de gestão:

Declaratória de perímetros de urbanização e edificação prioritários: a declaração de urbanização e edificação prioritária é parte integrante dos programas de execução. Esta determina em que prazo devem ser cumpridas as determinações do programa de execução estabelecido para a área delimitada. Caso essas determinações não sejam cumpridas, ficam os terrenos sujeitos a processos de alienação compulsória mediante o processo de leilão público. O particular que adquira esses terrenos se compromete a cumprir imediatamente o definido no programa de execução, não o fazendo, fica sujeito a processo específico de desapropriação que impede qualquer tipo de ganho especulativo.

Planos Parciais: são os instrumentos mediante os quais se desenvolvem e complementam as disposições dos planos de ordenamento para áreas determinadas do território municipal. Um plano parcial inclui a delimitação e caracterização da área de operação urbana; a definição precisa dos objetivos e as diretrizes urbanísticas específicas que orientam a correspondente operação; os instrumentos de manejo do solo, captação de mais-valias, divisão de encargos e benefícios, procedimentos de gestão, avaliação financeira as obras de urbanização, junto com o programa de financiamento. Os planos parciais podem ser propostos pela municipalidade, por comunidades organizadas ou por particulares, desde que de acordo com os parâmetros estabelecidos no Plano de Ordenamento Territorial.

Atuação urbanística pública: correspondem a ações de parcelamento, urbanização e edificações. Cada uma dessas atuações  compreende procedimentos de gestão e formas de execução que são orientadas pelo componente urbano do POT. Estas atuações podem ser desenvolvidas por proprietários individuais de forma isolada; por grupos de proprietários associados voluntariamente ou de maneira compulsória; por meio de Unidades de Atuação Urbanística – UAU; diretamente por entidades públicas ou mediante formas mistas de associação entre setor público e setor privado. No caso das UAU a urbanização de uma unidade implica a gestão associada dos proprietários dos terrenos que conformam a superfície da área de projeto, mediante sistemas de reajuste de terras ou integração imobiliária, ou cooperação segundo a determinação do correspondente plano parcial.

A execução de uma UAU se inicia uma vez que se definem as bases para a atuação, mediante o voto favorável dos proprietários que representem cinquenta e um por cento da área comprometida. Os imoveis dos proprietários restantes são objeto de processos de alienação voluntária ou desapropriação a serem promovidos pelas administrações municipais que passam a fazer parte da associação gestora da UA.

Sempre que a urbanização de uma UA requeira uma nova definição do parcelamento do solo para uma melhor configuração da gleba, ou quando esta seja necessária para garantir uma justa distribuição dos encargos e benefícios; a execução da UAU se realizará mediante o mecanismo de reajuste de terras  ou integração imobiliária prevista na lei.

Na terceira categoria temos os instrumentos de financiamento ou de partilha dos custos e benefícios da urbanização.

Participação em mais valias: são fatos geradores da participação em mais valias a incorporação de solo rural ao perímetro urbano; o estabelecimento ou modificação de zoneamento; ou aumento dos potenciais de edificabilidade que resultem em usos mais rentáveis para o solo.

A lei de reforma urbana autoriza os municípios a estabelecer uma taxa de participação em mais valias entre 30% e 50% sendo esta variação função de parámetros estabelecidos pela lei. O produto arrecadado pelos municípios com a participação em mais valias, se destinam: a compra de terras ou imóveis para o desenvolvimento de planos ou projetos de habitação de interesse social; construção ou melhoramento de infraestrutura viaria, de serviços públicos domiciliares, áreas de recreação, parques e áreas verde, recuperação e expansão dos espaços de uso público; financiamento de infra estrutura viária e de sistema de transportes de massa; programas de renovação urbana; pagamento de indenizações por ações de aquisição voluntária ou desapropriação de imóveis para programas de renovação urbana; fomento à criação cultural e conservação de patrimonio cultural do município.

Os princípios em que se fundamentam as normas de ordenamento territorial na Colômbia

Da função social da propriedade: a Constituição de 1991 consagrou no ordenamento jurídico colombiano o princípio da função social da propriedade, já presente em constituições anteriores[3], e adicionou a este o da função ecologica da propridade[4]. Estes são princípios fundamentais do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental que consagram o conceito de que o direito de propriedade implica obrigações e deveres e é assegurado desde que a propriedade cumpra uma função que harmonize o interesse individual de seu proprietário com o interesse coletivo expresso em norma legal.

A propósito de questionamento feito à Corte Constitucional com relação a aplicação destes princípios, vale conhecer um fragmento da Sentença C-006/93 emitida pelo Magistrado Eduardo Cifuentes.

“Como parte integrante do conteudo do aludido direito à propriedade privada se deven incluir, ao lado das faculdades dominiais, os deveres e obrigações estabelecidos na lei, que traduzem os valores, interesses e finalidades sociais que o titular deve cumprir como premissa da atribuição do correspondente direito e de seu exercício.  Neste pespectiva, o interesse social e o interesse individual, sob o módulo da função social, contribuem a conferir conteudo e alcance ao direito de propriedade”.

Da prevalencia do interesse geral sobre o particular: resultante dos expostos anteriormente, este princípio embasa a formulação de um conjunto de instrumentos legais que condicionam o exercício da propriedade aos parâmetros limitadores estabelecidos nos POT e seus instrumentos correlatos.

Da distribuição equitativa de obrigações e benefícios. Este princípio fundamenta os intrumentos mais inovadores e audaciosos da nova legislação colombiana, que tem a ver com o financiamento do desenvolvimento urbano a partir das rendas extraordinárias geradas, ou mais valias, pela sua própria dinámica. Este inovação apoia-se, no entanto, em práticas já consolidadas, a exemplo da cobrança da Contribuição de Melhorias que surgiu na legislação colombiana ainda nos anos vinte e que é de uso corrente nas administrações municipais daquele país. Sua finalidade é financiar obras públicas a partir das contribuições provenientes dos beneficiados diretos dessas intervenções. É instrumento que goza de grande legitimidade porque cobra de quem se beneficia diretamente das melhorias produzidas por certos investimentos públicos. Esta contribuição possui, no entanto, limitações legais, já que não pode cobrar senão um montante no máximo igual ao valor investido pelo poder público. Portanto, não estabelece equivalência entre a valorização experimentada pelo solo ou imóvel beneficiado e o montante investido pela coletividade (GONZÁLES, 2003).

Para se ter uma idéia da importância da Contribuição de Melhorias para as administrações locais colombianas, nos últimos 10 anos apenas Prefeitura de Bogotá arrecadou mais de U$ 1 Bilhão que financiaram, ou ainda estão financiando, um conjunto importante de obras naquela metrópole. Outras oito cidades menores também arrecadaram recursos de mesma monta com este instrumento no mesmo período. (BORRENO, 2010)

Um exemplo é a cidade de Manizales, de 400 mil habitantes, que nos últimos três anos investiu U$24,6 milhões em obras rodoviárias e projetos de desenvolvimento urbano com recursos captados por meio da Contribuição de Melhorias.(BORRERO,2010)

A  despeito da sua importância para a arrecadação municipal e da sua aceitação social[5], reconhece-se que a Contribuição de Melhorias não alcança capturar a totalidade dos incrementos de preço adicionados ao solo pelas ações do estado, e outras ações coletivas que são independentes dos investimentos realizados pelo proprietário. Apoiados no principio legal de que a auferição de uma renda motivada por causas externas a ação do proprietário caracteriza um ganho imerecido, portanto passivel legal e eticamente de ser reivindicado pela coletividade por meio de sua representação legal, o poder público,  é que o legislador impõe a legislação colombiana a figura da participação em mais valias, o mais efetivo instrumentos para a captura de rendas extraordinarias geradas por fatores externos a propriedade.

Instrumentos de captura de rendas extraordinarias não são novidades nas legislações de diversos países do mundo, entre eles Estados Unidos, Canada,  paises europeus e latino americanos, entre eles o Brasil. (SMOLKA,2003) Porém, nenhum nos parece tão explicito e transparente quanto o caso colombiano. Um exemplo disso é o fato de que este instrumento sofreu profundas contestações dos empreendedores privados (construtores e incorporadores) que inicialmente se aliaram aos proprietários de terras na contestação da lei de reforma urbana. A partir de uma experiência prática ocorrida na cidade de Cali, perceberam que os instrumentos aplicados, induziam a entrada de solo a baixo custo no mercado, favorecendo a atividade da construção civil. A partir de então, passaram a ser defensores da lei de reforma urbana e de seus instrumentos. (BORRERO, 2003)


Conclusões

O presente texto não tem a pretensão de esgotar todos os aspectos da lei de reforma urbana da Colômbia que possui uma série de outros instrumentos que se assemelham aos já existentes em nossa legislação urbana; destaquei aqueles que me pareceram mais inovadores e distintos da experiência brasileira. Ressalto, por exemplo, a importancia dada ao plano, ao fisico territorial, a gestão, e aos meios de obtenção dos recursos financeiros para a implementação das ações planejadas.

Os conceitos relativos a funcão social e ecológica da propriedade; da separação do direito de propriedade do direito de construir; da ilegitimidade da auferição de rendas estraordinárias (mais valias); da distribuição equitativa de custos e benefícios da urbanização e da prevalencia do interesse social sobre o particular, estão muito claros e presentes em toda a formulação da lei e seus derivados.

Nós também avançamos muito em termos de legislação e instrumentos de gestão urbana, mas observando a experiência colombiana, me parece que ainda há espaço para avançar mais e conquistar cidades melhores e mais democráticas. Onde grandes eventos e investimentos em desenvolvimento urbano não sejam apenas mais uma oportunidade de auferição de rendas extraordinárias para segmentos restritos do mercado fundiário e imobiliário, mas sim de geração de riqueza coletiva a ser reinvestida na oferta de mais e melhor cidade para todos os cidadãos.

A despeito da existência em nossa legislação de instrumentos eficientes para a gestão do solo urbano, muito poucas são as cidades que se dispuseram a utliza-los, e mesmo assim de forma limitada. Alguns dos exemplos mais conhecidos são as cidades de São Paulo, com suas operações urbanas e  venda das CEPACs e a Cidade de Niterói com a apliação da outorga oneroza do direito de construir.(SALANDIA,2011)

A Cidade do Rio de Janeiro, a despeito de contar com instrumentos inovadores desde a aprovação do Plano Diretor de 1992[6], apenas em 2010 se dispôs a utilizar o recurso da venda das CEPACs para viabilizar investimentos na área restrita de renovação do Porto. Por não aplicar os instrumentos disponíveis na legislação, deixa de  aproveitar a oportunidade criada com o boom imobiliário resultante do anúncio das obras e das realizações vinculadas aos grandes eventos que ocorrerão na cidade. A sua adequada utilização poderia estar gerando para os cofres públicos municipais um volume fabuloso de recursos próprios que a desobrigaria, pelo menos em parte, da rotineira e desgastante busca de recursos junto aos organismos de financiamento federais e internacionais.

Bibliografia

BORRERO, Oscar. Evolução da posição dos gremios imobiliários e construtores ante as leis de reforma urbana. In Reforma Urbana e Desenvolvimento Territorial. Bogotá: LILP, 2003.

________. Betterment levy in Colombia. Relevance, Procedures, and Social Acceptability. In Land Lines, LILP, April 2011.

Constituição Política de Colômbia 1991.

GONZALES, Samuel Jaramillo. Notas sobre o mecanismo de participação em mais valias. In ibiden.

ISAZA, Fabio Giraldo. A lei de desenvolvimento territorial – Lei 388/97 in ibiden.

Lei 388 de 1997.

SALANDIA, Luis Fernando Valverde, A experiencia da Outorga Onerosa do Direito de Construir no município de Niteró, RJ.

SIVICKAS, Antanas Mokus. Palavras de Antanas Mockus Sivickas, in MALDONADO, María Mercedes (Org.) Reforma Urbana e Desenvolvimento Territorial.Bogotá: LILP, 2003.

SMOLKA, Martim O. A experiência e o debate colombiano no contexto da américa latina. In ibinden.

Wikipedia.


[1] Desta visita técnica participaram, além deste autor, os arquitetos Pedro da Luz Moreira e Ricardo Villar.

[3] O princípio da função social da propriedade foi introduzido na Constituição colombiana por inspiração de Leon Duguit, pensador frances, quando da elaboração da Reforma Constitucional de 1936. (ISAZA, 2003)
[4] Ver artigo 58 da Constituição Política de Colômbia 1991.
[5] Pesquisa realizada na cidade de Manizales indicou que a cobrança e aplicação dos recursos da contribuição melhorias naquela cidade contam com o apoio de mais de 90% do pagantes/beneficiados. (in BORRERO, 2010)
[6] A exemplo do Solo Criado e do Imposto Progressivo