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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A renda da terra é a alma do negócio (rewind)

MARX K, “Renda dos Terrenos Destinados à Construção. Renda de Mineração. Preço da Terra” (Excerto). Em O Capital, Vol III Livro Terceiro, p. 238). São Paulo: Abril Cultural 1983 

The Final Plan for Tyburnia: What is Now the Hyde Park Estate
Paddington Map, k1266639 (Collage 30361), The London Archives: Main Print Collection
The London Metropolitan Archives
Montagem: Àbeiradourbanismo

(..) Que nas cidades em crescimento rápido, especialmente onde a construção é feita, como em Londres, em escala industrial, o objeto principal da especulação não é o imóvel, mas a renda fundiária, demos um exemplo no Livro Segundo, cap. XII, p. 215 e 216,* com as declarações de um grande especulador imobiliário londrino, Edward Capps, perante a Comissão Bancária de 1857. Ele afirma aí, nº 5435:

“Creio que um homem que queira progredir neste mundo dificilmente pode esperar progredir atendo-se a negócios sólidos (fair trade) (...) necessariamente ele precisa, além disso, construir com base na especulação, e isso em larga escala, pois o empresário só consegue muito pouco lucro dos próprios prédios; obtém seu lucro principal das rendas fundiárias acrescidas. Ele assume, digamos, um terreno pagando por ano 300 libras esterlinas; se, depois de um cuidadoso plano de construção, erige aí a classe certa de casas, é possível que obtenha delas 400 ou 450 libras esterlinas por ano, e seu lucro consistiria muito mais na renda fundiária acrescida de 100 ou 150 libras esterlinas por ano do que no lucro obtido com os prédios, o qual, em muitos casos, ele quase não leva em consideração”.

Não se deve esquecer que depois de expirar o contrato de arrendamento, em geral de 99 anos, a terra, com todas as construções que nela se encontram e com a renda fundiária, que nesse ínterim geralmente dobrou ou triplicou, retorna do especulador imobiliário ou de seus sucessores legais para o último proprietário da terra original. (..)
___

* (..) Nos estágios menos desenvolvidos da produção capitalista, empreendimentos que requerem longo período de trabalho, portanto grande gasto de capital por tempo mais longo, particularmente só podem ser executados em larga escala, ou não são realizados ao todo em base capitalista, como por exemplo estradas, canais etc., construídos à custa da comunidade ou do Estado (em tempos antigos feitos mormente por meio de trabalhos forçados no que tange à força de trabalho). Ou, então, aqueles produtos cuja feitura exige período mais longo de trabalho somente são fabricados com proporção mínima da fortuna do próprio capitalista. Por exemplo, na construção de casas, a pessoa para a qual a casa é construída paga parceladamente adiantamentos ao empreiteiro. De fato paga, portanto, a casa em parcelas, à medida que o processo de produção dela avança.

Na era capitalista desenvolvida, em que, por um lado, capitais enormes estão concentrados em mãos de indivíduos e, por outro, aparece, ao lado do capitalista individual, o capitalista associado (sociedades por ações) e, ao mesmo tempo, o sistema de crédito está desenvolvido, um empreiteiro capitalista só excepcionalmente constrói por encomenda para pessoas individuais. Seu negócio é construir séries de casas e bairros para o mercado, assim como o negócio de capitalistas individuais é construir estradas de ferro por contrato.

Como a produção capitalista revolucionou a construção de casas em Londres dão-nos conta as declarações de um empreiteiro de obras perante a Comissão Bancária de 1857. Em sua juventude, disse ele, casas eram geralmente construídas por encomenda, sendo o montante pago em prestações ao empreiteiro durante a construção, ao se completarem determinados estágios. Para especular só se construía pouco; os empreiteiros só entravam nisso principalmente para manter seus trabalhadores regularmente ocupados e, assim, reunidos. Nos últimos 40 anos tudo isso mudou. Por encomenda só se constrói muito pouco. Quem precisa de uma nova casa escolhe entre as construídas por especulação ou ainda em construção. O empreiteiro já não trabalha para o cliente, mas para o mercado; exatamente como qualquer outro industrial, é obrigado a ter mercadoria pronta no mercado. Enquanto antigamente um empreiteiro tinha talvez, ao mesmo tempo, para especulação, 3 ou 4 casas em construção, agora ele precisa comprar um terreno extenso (isto é, em termos do continente, arrendá-lo geralmente por 99 anos), edificar sobre ele 100 ou até 200 casas e, assim, meter-se num empreendimento que supera 20 a 50 vezes sua fortuna. Os fundos são arranjados mediante a tomada de hipotecas, e o dinheiro é posto à disposição do empreiteiro à medida que a construção das casas individuais progride. Se vem, então, uma crise que paralisa o pagamento das prestações do adiantamento, todo o empreendimento normalmente fracassa; no melhor dos casos, as casas ficam inacabadas até os tempos melhorarem; no pior, são postas em leilão e alienadas pela metade do preço. Sem construção especulativa, e isso em larga escala, nenhum empreiteiro pode ir em frente. O lucro obtido da própria construção é extremamente pequeno; seu ganho principal consiste na elevação da renda fundiária, na hábil escolha e exploração do terreno da construção. Por esse caminho da especulação, que antecipa a demanda de casas, foram construídas quase toda a Belgravia e Tyburnia e os inúmeros milhares de vilas ao redor de Londres. (Abreviado do Report from the Select Committee on Bank Acts. Parte Primeira, 1857. “Evidence”, perguntas 5413-5418, 5435-5436.)”


2025-01-26

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Harvey 1982: A teoria da renda


"A Teoria da Renda" (extraído de HARVEY D (1982), Os Limites do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013).
https://docs.google.com/document/d/1l7E4r2KnREkd-RlrAmeOe4l5VsaI6_t_lnx9X0cRCVY/edit?usp=sharing

A teoria da renda, é justo dizer, perturbou profundamente Marx. Ele procurou realizar “uma análise científica da renda fundiária e da forma econômica específica da propriedade da terra tendo por base o modo de produção capitalista” em sua “forma pura, isenta de todas as irrelevâncias distorcidas e confusas”[1]. Mas seus escritos sobre o assunto, todos publicados postumamente, são em sua maioria pensamentos incipientes escritos no processo da descoberta. Como tais, eles frequentemente parecem contraditórios. As formulações nas Teorias do mais-valor diferem substancialmente das poucas passagens aprimoradas n’O capital, ao passo que sua análise nesta última obra, embora extensiva e com frequência penetrante, é prejudicada por algumas dificuldades que não cedem facilmente à mágica do seu toque. O resultado é uma boa quantidade de confusão e uma controvérsia imensa e continuada entre aquelas poucas almas audazes que tentaram abrir caminho pelo campo minado de seus escritos sobre o assunto[2].

A renda, na análise final, é simplesmente um pagamento feito aos proprietários pelo direito de usar a terra e seus pertences (os recursos nela incorporados, os prédios nela construídos etc.). A terra, concebida nesse sentido muito amplo, evidentemente tem tanto valor de uso quanto valor de troca. Então, será que ela tem também um valor? Se tem, como a existência desse valor pode ser conciliado com as teorias do valor que se baseiam no tempo de trabalho incorporado (como a de Ricardo) ou, no caso de Marx, no tempo de trabalho socialmente necessário?

As melhoras incorporadas na terra são, certamente, resultado do trabalho humano. Casas, lojas, fábricas, estradas e assim por diante podem ser produzidas como mercadorias e, por isso, tratadas como valores no curso da circulação mediante o ambiente construído (ver capítulo 8). Um componente da renda pode então ser tratado como um caso especial de juros sobre o capital fixo ou sobre o fundo de consumo. A parte da renda que gera o problema é o simples pagamento da terra bruta, independente das melhorias a ela incorporadas. Marx se refere a esse componente como renda fundiária. A seguir, a menos que de outro modo especificado, trataremos a renda fundiária como renda e assumiremos que o juro sobre as melhorias é explicado de outra forma.

Evidentemente, Marx insiste que os pagamentos de aluguel não são feitos à terra e que as rendas não crescem do solo. Pagamentos desse tipo são feitos aos proprietários e seriam impossíveis sem a troca geral de mercadorias, a plena monetização da economia e todas as armadilhas legais e jurídicas da propriedade privada na terra. Mas ele também está consciente de que essa base legal nada decide e que toda a explicação da renda tem de tornar compatível um pagamento feito ostensivamente à terra com uma teoria do valor que se concentra no trabalho. (..)


Acesse a íntegra deste capítulo pelo link
https://docs.google.com/document/d/1l7E4r2KnREkd-RlrAmeOe4l5VsaI6_t_lnx9X0cRCVY/edit?usp=sharing

2024-05-01

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Lei e desordem

Deu no Evening Standard
05-07-2021, por Sophia Sleigh

City will crumble if workers don’t start going back to the office, expert warns

Foto: Getty Images / Evening Standard

Com todo o respeito ao recém-falecido mestre, todos esses alertas sobre a iminência de uma catástrofe urbanística e econômica derivada de algo tão razoável, e até certo ponto previsível, como a maré do trabalho remoto sempre me trazem à mente o postulado, que me parece insustentável, de Flavio Villaça sobre a relação entre anarquia na produção e desenvolvimento urbano, à página 77 de sua obra magna Espaço Intra-Urbano no Brasil:

Não é possível associar aqui a aglomeração urbana à desordem da concorrência que Marx diz existir na sociedade. Numa visão social mais ampla, as cidades são uma força produtiva e, como tal, trabalham segundo uma lei, uma lógica, e não em desordem. [*]

Ora, as "leis / lógicas" da produção capitalista e a “desordem / anarquia” que ela promove na economia com um todo não se excluem absolutamente: são um antagonismo gerado pelas forças motrizes do mesmo processo, como na relação entre concorrência e monopólio e, em outro plano, entre liberdade individual e controle social. A contradição entre o planejamento rigoroso no âmbito da empresa privada e a competição predatória no da sociedade, ambos voltados à obtenção do máximo lucro sobre o capital investido, tem um lugar nada menos que central n'O Capital de K Marx.

A convicção de que as grandes metróp0les são imprescindíveis à riqueza das nações tornou-se tão avassaladora em nossa época que tendemos a esquecer o caráter tsunâmico de suas deseconomias e a escassez, virtualmente insolúvel para a imensa maioria dos cidadãos trabalhadores, de seu bem mais precioso: a terra urbanizada e adequadamente localizada.

Sim, a reprodução das cidades modernas está sujeita a certas leis da economia e da sociologia, mas nem por isso deixa de ser anárquica - errática do ponto de vista das necessidades do presente, temerária quanto às possibilidades do futuro e mais ou menos alheia, a depender do país e das circunstâncias, aos ideais de apuro estético, justiça social e sustentabilidade ambiental de urbanistas-planejadores, reformadores e legisladores. Não há, aliás, nenhum motivo para que o desenvolvimento das cidades em geral seja menos anárquico do que o das próprias economias nacionais e mundial.

Mesmo que não venha a realizar-se, o espectro da súbita desvalorização e obsolescência dos hipercentros financeiros, alguns recém-construídos sob a rubrica dos Grandes Projetos Urbanos, é um augúrio de que a tragédia de Detroit pode não ter sido "um raio em céu azul". 

___

[*] VILLAÇA Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: FAPESP 2001, p. 77


2021-07-05