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quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Apontamentos: Haig 1926 - a hipótese do mínimo custo de atrito


HAIG R M, “Toward an Understanding of the Metropolis”. Quarterly Journal of Economics, Vol. 40 No. 3 (May, 1926), pp. 402-434, Oxford University Press
https://www.jstor.org/stable/1885172

Montagem: Àbeiradourbanismo
Este paper é um clássico da economia urbana, de enorme valor também para geógrafos e urbanistas. Publicado em 1926, ele é citado em nove de cada dez artigos sobre o desenvolvimento histórico dessa área do conhecimento como um dos pioneiros do estudo da relação entre a renda da terra e a organização do espaço urbano.

O que geralmente não se diz é que Haig, economista especializado em finanças públicas e política fiscal, analisa essa relação desde o ponto de vista do planejamento urbano, no contexto da política de descentralização urbana subjacente ao Plano Regional de Nova York e Arredores:

The interests at stake in decentralizing cities are sufficiently great to justify considerable effort to learn where, in a soundly-conceived economic plan, things "belong." The committee on the Regional Plan of New York decided to attack the problem in a realistic manner by making a series of studies of trends and tendencies in the location of the chief economic activities in the area.

Seu postulado da renda do solo urbano como “ônus que o proprietário de um terreno relativamente acessível pode impor [ao usuário] devido à economia de custos de transporte que a localização possibilita", obviamente baseada no modelo agrícola de Von Thunen, é o começo de uma elaboração teórica, jamais desenvolvida, derivada de sua minuciosa análise das mudanças ocorridas na composição do complexo de negócios do Centro da cidade de Nova York, incluindo um bom número de indústrias, entre os anos de 1900 e 1922.

E o mais interessante, Haig aborda a renda da terra desde o ponto de vista do planejamento urbano, isto é, da cidade como fenômeno intrinsecamente social e não como coleção de agentes individuais. Sua teoria do 'custo de atrito' (aluguel + transporte) é a base de uma hipótese sobre a moderna estrutura urbana que não resulta, como em Alonso, das preferências e decisões locacionais das firmas e famílias individualmente consideradas, mas de um princípio de economia social delas derivado: a ordem espacial urbana tende a ser determinada pela minimização dos custos de atrito: 

Of two cities, otherwise alike, the better planned, from the economic point of view, is the one in which the costs of friction are less. This will mean that the aggregate site rents are less or that the transportation system is superior - or both. It may be suggested as an hypothesis that the layout of a metropolis - the assignment of activities to areas - tends to be determined by a principle which may be termed the minimizing of the costs of friction.

Na interpretação de Richardson H W (1969):

Assim, em condições de concorrência e com perfeito conhecimento, o mercado da terra urbana, ao que se supõe, opera de modo que o valor agregado dos aluguéis dos terrenos existentes e dos custos de transporte para a cidade com um todo, são mínimos.

O link abaixo dá acesso a um extrato, ainda por traduzir, contendo as passagens que me parecem mais representativas desse esboço teórico. 

2023-09-27

quinta-feira, 13 de abril de 2023

A tarifa zero e o consumo das famílias

Última edição 18-08-2023

BBC News Brasil 13-04-2023
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy65e4qnjjpo

Montagem:Àbeiradourbanismo
Clique para ampliar
Como estudioso da organização espacial urbana, me chama a atenção nessa matéria a constatação de que as famílias, liberadas do gasto imediato com tarifas de transporte, tendem não só a deslocar-se mais como a consumir mais.

Fica, portanto, uma dúvida, que pesquisas futuras poderiam ajudar a esclarecer, a respeito da ideia bastante difundida entre adeptos - como eu mesmo - da recuperação da renda do solo, de que toda redução de gastos com transporte público será necessariamente anulada pelo aumento dos alugueis. Sua origem é assim resumida na Economia Regional de Richardson 1975: “A análise de Wingo [custos constantes de localização, 1961] mantém a hipótese de complementaridade entre os gastos de aluguel e os custos de transporte apresentados mais de três décadas antes por R. M. Haig, que, por sua vez, formulou um paralelo urbano ao modelo agrícola de Von Thunen [1826]”.

Vale lembrar, no entanto, que a redução o poder de compra com o aumento da distância, e respectivo gasto de transporte, entre a residência e o comércio de varejo é uma premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de Walter Christaller, 1933: [1]

"(..) um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distancia, causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central."

Como já tive ocasião de sugerir em mais de uma postagem neste blog, [2] a compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores situados à menor distância-custo uns dos outros, não a renda da terra em si mesma, seria o fundamento da organização espacial urbana moderna. 

No papel de árbitro da competição espacial entre usos do solo socialmente necessários e espacialmente interdependentes, a renda da terra assegura que, no processo de formação da cidade capitalista, comércio, serviços e pequena indústria se estabeleçam no ponto mais acessível da rede urbana relativamente ao conjunto das famílias, e suas imediações, para beneficiar-se do mínimo dispêndio total com deslocamentos. Daí provém a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica da cidade capitalista e as categorias espaciais que hoje chamamos de centro [de negócios] e periferia [residencial], com suas respectivas diferenciações.

Famílias não buscam morar perto do Centro para pagar mais aluguel; pagam mais aluguel (por m2) para estar no lugar da cidade onde é mínimo o custo de deslocamento e máxima a oferta de mercadorias, serviços e empregos. Tampouco os varejistas se estabelecem no Centro para pagar mais aluguel: pagam mais aluguel para estar à menor distância possível do conjunto das famílias e aí se aglomeram, em mercados e arruamentos tão compactos quanto possível, para que nenhum consumidor “perca a viagem” e a força de trabalho seja a mais farta e barata possível. 

Sob este ângulo, a configuração radio-concêntrica da cidade moderna aparece como um dispositivo de economia social facilitador e acelerador da produção de riqueza sob a forma histórica do capital.

A ideia da vantagem locacional reciprocamente determinada de residentes e varejistas, sugerida por Hurd em 1903, [4] tem estado obscurecida pelo sucesso do modelo de William Alonso em representar a distribuição de firmas e famílias urbanas, sempre e por definição individualmente consideradas, ao redor do Centro segundo sua capacidade de ofertar renda pela terra-localização. [5] Permanece, no entanto, a questão: de onde vem o Centro? Por qual razão as firmas, cuja aglomeração constitui o próprio Centro, ofertariam as maiores rendas da cidade para estar o mais perto possível... de si mesmas? 
Tenho para mim que as declarações de Josué Ramos, prefeito de Vargem Grande Paulista, e Celso Haddad, Diretor da ETP de Maricá, reproduzidas na matéria da BBC Brasil, contêm ao menos parte da resposta:

"É uma questão muito maior do que a de mobilidade. Existe a questão social, a de geração de recursos, porque na hora que eu implantei a tarifa zero, aumentou o gasto no comércio, a arrecadação de ICMS, de ISS"

"Em 2022, foram R$ 160 milhões que as famílias deixaram de gastar com transporte, o que é injetado diretamente na economia da cidade"

______
[1] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf

[2] “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese” 08-03-2021

[3] “Apontamentos: HURD 1903 - crescimento urbano axial e central” 15-03-2023

[4] HURD R M, "Excerpts on axial and central growth", extraído de Principles of City Land Values, New York: Record and Guide 1903, por JORGENSEN P.
https://docs.google.com/document/d/15g10RjkDmqBxl9onF5OPYvHBRrmGiE1A6McoKzBeSeE/edit?usp=sharing

[5] ABRAMO P (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87

2023-04-13

sábado, 30 de janeiro de 2021

Apontamentos: Richardson 1969 e a estrutura espacial urbana

RICHARDSON Harry W (1969), "A estrutura espacial urbana" (Capítulo 6), Economia Regional. Zahar, Rio de Janeiro 1975, pp. 127-160.
https://docs.google.com/document/d/1tVEkaG0bwuKXIR8eAJT6eVB3ajvNioCtQAoLw97Py-w/edit?usp=sharing


O texto que aqui disponibilizo é um extrato do Capítulo 6 de RICHARDSON, 1969, Economia Regional, intitulado “A Estrutura Espacial Urbana”.

Embora construído desde uma perspectiva especializada, focada no progresso teórico dos modelos “de equilíbrio” e seus respectivos graus de “operacionalidade”, o capítulo fornece a qualquer estudioso do tema um ótimo sumário comentado dos princípios econômicos da organização espacial urbana. 

O capítulo é concluído com uma resenha dos modelos clássicos da sociologia e geografia urbana de Chicago, que, embora me pareça turvada pelo viés economicista e a-histórico do autor, não deixa de ser uma relevante abordagem da época heróica dessa área do conhecimento urbanístico. Como diz o próprio Richardson no parágrafo de abertura:

“Não se pode esperar que os economistas forneçam todas as respostas a um problema que, na realidade, exige uma análise interdisciplinar.”

Por motivos de ordem prática, excluí todos os parágrafos e passagens contendo equações, gráficos e respectivas análises. O termo [sic] assinala passagens pouco compreensíveis e erros de revisão do original. As notas faltantes na série correspondem às partes omitidas deste extrato. 

*

Capítulo 6
A estrutura espacial urbana

Neste capítulo estamos interessados na teoria econômica das estruturas espaciais urbanas. Assim, temos que examinar como a organização espacial das cidades e vilas é determinada pelas forças econômicas. Sua influência é mostrada mais claramente no conflito entre a minimização dos custos e o desejo de acessibilidade. É preciso considerar, entretanto, que para uma compreensão completa da estrutura das cidades modernas devemos relaxar as hipóteses de mercado livre e tomar explicitamente em conta o planejamento urbano e as decisões do poder público. Não se pode esperar que os economistas forneçam todas as respostas a um problema que, na realidade, exige uma análise interdisciplinar.

1 A hipótese de minimização dos custos de atrito

Dos diversos princípios sugeridos no sentido de dar ordem e regularidade à estrutura espacial urbana, a minimização dos custos de atrito é um dos que vem sendo sustentado há mais tempo e, provavelmente, o que recebeu a maior atenção. Sua primeira formulação definitiva foi feita por R. M. Haig na década de 1920, mas entre seus seguidores encontramos também Dorau e Hinman, Ely e Werhwein, Ratcliff e, mais recentemente e sob forma bastante modificada, Guttemberg. [1] O elemento básico da teoria é que a organização da cidade reflete as tentativas de moradores e firmas para evitar o "atrito espacial". Os custos de transportes são o componente óbvio dos custos de atrito. O transporte é um meio de superar o atrito espacial, e, quanto mais eficiente a rede de transporte, tanto menores serão os custos de transporte e tanto menor será o atrito. Entretanto, o aluguel também se inclui nos custos de atrito. Isso ocorre porque, ao proporcionar acessibilidade, está proporcionando redução dos custos de transportes. Haig, aqui, retoma uma concepção bem mais antiga formulada por R. M. Hurd no início do século e implícita na análise de Von Thünen quando este antecipou a extensão de seu modelo agrário a um contexto urbano. [2] Hurd sugeriu que o valor da terra depende da proximidade, ao passo que Von Thünen afirmava que o aluguel aumentava nas proximidades do centro da cidade porque a maior conveniência dessa localização economizava mão-de-obra e tempo. Assim, o “custo de atrito” se compõe de custos de transporte e aluguéis pagos (considerados como custos negativos de transporte). A contribuição de Haig consistiu em relacionar esses dois elementos. Entretanto, a soma dos dois itens não é considerada como uma constante. [3] Pelo contrário, ele varia de acordo com o local em questão. Teoricamente, o local ótimo para uma atividade qualquer é o que oferece o grau desejado de acessibilidade ao menor custo possível de atrito. Ao que se afirma, o traçado da cidade é determinado por esse princípio. Assim, em condições de concorrência e com perfeito conhecimento, o mercado da terra urbana, ao que se supõe, opera de modo que o valor agregado dos aluguéis dos terrenos existentes e dos custos de transporte para a cidade com um todo, são mínimos. Formulações posteriores sugerem que entre os custos a serem minimizados também se inclui a desutilidade de viajar. Essa sofisticação torna a hipótese mais realista, mas a debilita do ponto de vista de sua capacidade operacional, em grande parte devido aos problemas decorrentes da dificuldade de atribuição de um valor monetário à desutilidade. 
(Continua)

Acesse a íntegra desse extrato pelo link