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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Da terra eu vim, à terra retornei

Deu no NSC Total / Idosos
30-06-2020, por Joshua Brockman / NY Times
Planos de previdência para quem é corajoso
Imagem: Internet
Audrey Smith sabe como é plantar uma semente e esperar pelos frutos. Nascida em uma família de onze irmãos, ela cuidava da fazenda dos pais, em Texarkana, no Arkansas, e comia os vegetais que plantava.
Mas Smith não queria viver da terra. (..) Por isso, fez faculdade e se mudou para a Califórnia. (..)
Ao longo do caminho formou família, tornou-se agente imobiliária e começou a planejar a aposentadoria quando tinha 30 e poucos anos, investindo principalmente em imóveis. (..)
Nas últimas quatro décadas, criou portfólios de aposentadoria que incluem sete prédios com 15 apartamentos cada. (..)
A força do mercado imobiliário em Los Angeles ajudou a proteger o ganha-pão de Smith. (..)
Segundo Smith, historicamente o valor de suas propriedades de aluguel se manteve, devido à escassez de imóveis disponíveis para locação. (Continua)

2020-07-08


domingo, 23 de fevereiro de 2020

A pergunta que não quer calar

Valor Econômico 14-02-2020, por Chiara Quintão

Imóvel residencial vai ficar mais caro em SP, prevê Secovi 



Depois de registrar em 2019 seu melhor ano em lançamentos e vendas, o mercado paulistano de imóveis residenciais novos deve apresentar, em 2020, “relativa estabilidade de volumes”, conforme Basílio Jafet, presidente do Secovi-SP, o Sindicato da Habitação. Mas, diante da expectativa de alta de preços, o Valor Geral de Vendas (VGV) deverá crescer.

É esperada valorização de preços dos imóveis, segundo Jafet, em função de custos de produção mais elevados, como os de terrenos e de outorga onerosa (contrapartidas financeiras para que incorporadoras possam erguer empreendimentos além do potencial construtivo básico, até o limite do coeficiente de aproveitamento máximo). (..) [destaque do blog]

*

Perplexo com o depoimento do Dr Jafet, o blogueiro recorre uma vez mais ao Nero Wolfe da renda urbana - que não é outro senão o lendário investigador mexicano C Morales devidamente disfarçado. Sua indagação capital, aqui adaptada ao caso, há mais de uma década reverbera pelas vetustas paredes da Ciudad del Saber: 

        —  Se já havia quem lhes pagasse 100 antes da 'alta dos custos de produção', por que motivo estariam os incorporadores oferecendo os imóveis por 80?
                         
2020-02-23

terça-feira, 30 de junho de 2015

Papai Noel vai ao Jardim Oceânico

O Globo / Morar Bem 28-06-2015
(link não encontrado)
Uma nova estação
Imóveis no Jardim Oceânico, na Barra, são valorizados com a chegada do Metrô
(..)
A linha 4 do Metrô está prevista para começar a operar a partir de 2016. A estação do Jardim Oceânico ficará na Avenida Armando Lombardi, na altura do Shopping Barra Point, onde haverá também uma parada de BRT. As estações serão interligadas por escadas rolantes. A obra inclui a urbanização do entorno, com ciclovia e calçadas, explica o subprefeito da Barra e Jacarepaguá, Alex Costa.
— O metrô vai trazer mais desenvolvimento, mas não só pelo aspecto da mobilidade. A cultura do morador da Barra é a de usar o carro. Talvez, com o metrô chegando ali, esta cultura vá mudar - diz Costa, que completa:  A valorização dos imóveis da região começou assim que as obras foram anunciadas.
Sendo uma área diferenciada, com poucos terrenos para se construir e com o impacto das obras de transporte, a demanda é bem superior à oferta. Os especialistas do mercado concordam que essa valorização será contínua e gradativa, resultado das transformações passadas e melhorias futuras, mesmo com um mercado atualmente mais acomodado, em ano de crise. 
Hoje, o valor do metro quadrado para venda na região varia entre R$ 10 mil e R$ 14 mil. No restante da Barra, o preço médio é de R$ 10,462. O aluguel, segundo Brandão, está em torno de R$ 4.500 - considerando um imóvel de metragem média do sub-bairro, de 150 metros quadrados. 
 Houve valorização desde quando as Olimpíadas foram confirmadas. Não sei ainda se vai valorizar mais, pois o mercado está mais acomodado. A tendência é que ocorra uma migração para o Jardim Oceânico, especialmente com a facilidade do transporte público. Vai acontecer naturalmente  acredita Brandão. (Continua) 
2015-06-30

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A braços com as peculiaridades da mercadoria terra urbana

Originalmente publicado em 10-01-2012

A terra – como o ar, a água e o fogo – é um bem essencial à vida. Nem os Jetsons nem os guerreiros Jedi nem os caçadores de androides podem dela prescindir, mesmo passando boa parte de sua vida no ar ou no cosmo. 

Contudo, se o ar é (ainda) livre e a água e a energia (assim, assim) serviços públicos de acesso geral mediante pagamento de tarifas, a terra urbana dotada de serviços é um bem privado pleno, que se negocia no mercado como se fossem automóveis, ou alfinetes, a preços sujeitos às condições e flutuações da oferta e da demanda. 

Isto não seria um grande problema se o preço desse bem essencial fosse, ao final, acessível, senão a todos pelo menos à grande maioria; digamos, para imaginar, por uma tarifa que pagasse os custos públicos de urbanização e fosse inversa e garantidamente proporcional aos gastos com transporte; ou fazendo parte da cesta  básica. Sabemos, porém, que não é assim.

Uma boa maneira de nos aproximarmos do vasto e espinhoso tema do mercado e preços do solo urbano  - que para o urbanista, ufa!, tem sempre uma próxima oportunidade - é tatear as peculiaridades da terra como mercadoria. 

Embora negociada como mercadoria comum, a terra tem características que a distinguem radicalmente da maioria dos produtos industriais, geralmente não essenciais, substituíveis, móveis (cada vez mais), perecíveis (a curto ou longo prazo), destrutíveis (desaparecem no consumo) e, por definição, reprodutíveis pelo trabalho humano.

A terra, ao contrário, é um bem natural, essencial, insubstituível, inamovível, imperecível, indestrutível (no sentido de que não desaparece no consumo econômico), infinitamente divisível no plano jurídico, mas não reprodutível pelo trabalho humano.

A provisão de solo natural com serviços públicos e equipamentos de uso coletivo é condição essencial de seu uso para fins urbanos. O solo só atende às necessidades da demanda quando adequadamente urbanizado e bem localizado em relação à oferta de equipamentos e serviços públicos, serviços privados e amenidades naturais. 

Além de “matéria-prima” dos bens de uso comum do público (ruas, avenidas, praças públicas), o solo é o insumo sine qua non, insubstituível, da indústria da construção civil, constituindo um tipo de demanda que dizemos “derivada” da demanda "primária" por produtos imobiliários prontos para uso – residências, escritórios, lojas, fábricas etc.

A demanda de solo não deixa de ser derivada pelo fato de grandes grupos em situação precária o tomarem para se instalar e construir, por fora dos mecanismos do mercado formal e ao arrepio das normas urbanísticas, as suas próprias moradias; tampouco pelo fato de, em ambientes onde predomina a autoconstrução, o único mercado visível ser o da própria terra. Ao contrário, tais fenômenos só fazem destacar a natureza especial da mercadoria solo urbano, cujo preço não cessa de subir mesmo com todos os preços industriais declinantes – implicando que o contigente populacional com renda abaixo do “limiar de endividamento bancário” só possa ter acesso à moradia "de mercado" com amplos subsídios do governo, dos quais uma parte considerável se converte, como se pode deduzir, em subsídios aos proprietários de terrenos.

De forma análoga, a demanda de solo não deixa de ser derivada pelo fato de algumas poucas famílias e empresas comprarem grandes extensões de terra barata na periferia ou interstícios urbanos para fins de “engorda”. Também isso faz destacar a peculiaridade da mercadoria solo: sendo imperecível, ela pode permanecer décadas a fio num patrimônio ou carteira imobiliária, sem qualquer uso, à espera de que a exasperação da concorrência entre os demandantes – que não cessam de se multiplicar – permita que ela seja negociada na oportunidade da máxima valorização.

O solo natural não é escasso, ainda que pareça sê-lo quando nos deparamos, atônitos, com certos oceanos de pobreza urbana que transmitem a idéia de superpopulação planetária.


Clique na figura para ampliar e aperte Esc para retornar

Escasso é o solo adequadamente urbanizado e bem localizado; escassa é a mercadoria solo urbano, que se apresenta como uma coleção de parcelas dotadas de serviços básicos, mais ou menos adequadas aos usos que lhes pretendam dar seus demandantes em função de sua localização relativa ao estoque de bens e serviços já instalados no território

Para a vasta maioria dos habitantes das cidades, porém, não importa tanto o acesso ao solo em si mesmo (terra urbanizada) quanto a um produto pronto para uso na melhor localização que seu dinheiro possa comprar – procura cuja satisfação é o objeto da indústria da incorporação imobiliária. 

O solo é irreprodutível, mas o contrário vale para as construções, que, no entanto, só vicejam no solo fertilizado pela provisão de urbanização e  serviços públicos. Agregados no território urbanizado, as construções e seus distintos usos geram o fenômeno relacional e 100% social da localização, uma síndrome de vantagens que torna certos terrenos, grupos de terrenos e áreas urbanizadas da cidade mais procurados do que outros, aumentando o seu valor.

A vantagem de localização por excelência é a menor distância (ao local de trabalho, à escola, ao comércio, aos clientes e fornecedores etc.) medida em custo de transporte, tanto mais decisiva quanto mais modesto for o ganho do trabalhador e exígua a margem de lucro econômico da firma. A centralidade é o efeito generalizado do esforço permanente de todos os agentes econômicos para diminuir as distâncias. Mais precisamente, é a relação espacial que o custo da distância estabelece entre demandantes e ofertantes de produtos e serviços de uso ou consumo rotineiros, por força da concorrência das famílias e firmas pelas localizações reciprocamente mas vantajosas.

Os serviços urbanos, a construção em altura e o instituto jurídico da fração ideal de terreno se juntam para operar o moderno milagre da multiplicação dos pães: num pequeno pedaço de terra onde caberia um bem de uso para uma única família, ou empresa, a indústria da incorporação imobiliária pode não apenas levar ao mercado uma pilha de bens de uso similares, para 10, 20, 50 famílias, ou empresas, obtendo ganhos de escala, como vender a todas elas - o que pode ser sumamente lucrativo - a mesma vantagem de localização! “Venha para um endereço exclusivo”, “More pertinho de tudo”, “A segurança que sua família merece”, “Escritórios comunicados com o mundo” são alguns dos slogans preferidos para fazer aumentar, agora exponencialmente, o valor unitário da terra.

Com o indispensável apoio do instituto da fração ideal, o direito de propriedade do solo faculta ao titular de um terreno apurar, na venda de cada um dos novos bens de uso que nele vier a ser ancorado (mais comumente na forma de construção em altura) a parcela do valor extraído da competição entre os demandantes por aquela localização. 

Todo produto imobiliário é, pois, constituído de benfeitoria, que vale por suas qualidades intrínsecas, e terreno, ou fração ideal, que vale por suas qualidades extrínsecas - vale dizer, é um "produto-localização". A fração ideal, que ao contrário do terreno não tem nenhum valor de uso, desnuda a propriedade da terra urbana como puro direito exclusivo aos benefícios coletivamente construídos da urbanização e da localização. 

O valor econômico da terra privada é 100% criação coletiva, o que faz dela a candidata ideal a fonte de financiamento da urbanização e das infraestruturas por meio do IPTU, das contrapartidas ao direito de construir e das obrigações de urbanização – tema de alguma próxima postagem.

Mas se a divisibilidade jurídica do lote é infinita, não constituindo obstáculo à multiplicação dos produtos imobiliários nele ancorados, o mesmo não ocorre com o potencial de aproveitamento dos terrenos. Limitações técnicas, econômicas, culturais e biológicas exercem aqui o seu poder, o mesmo valendo para os padrões civilizacionais que se supõem refletidos na legislação edilícia, urbanística e ambiental. 

Além disso, a inamovibilidade e a longa durabilidade dos produtos imobiliários implicam que a construção de um edifício esgota a reprodutibilidade daquela localização específica, agora congelada em forma de estoque.

A tensão entre a não reprodutibilidade do solo, a limitada reprodutibilidade dos produtos-localização e a disputa dos demandantes pelas localizações mais vantajosas joga um papel decisivo na configuração física da cidade, na eficiência econômica de seus serviços básicos, na qualidade do meio ambiente e, finalmente, na geografia dos preços: tipicamente, os gradientes decrescentes de verticalização, adensamento e valor do solo a partir das localizações "centrais", quer sejam estas o centro econômico da cidade, subcentros ou quaisquer outros focos de interesse (praias, shoppings etc.).



Esse efeito está igualmente presente nas comunidades informais, onde a "liberdade urbanística" garante que as localizações mais acessíveis aos meios de transporte sejam as primeiras a se converter em comércios e se verticalizar.

A reprodutibilidade dos produtos-localização não nega a sua escassez constitutiva, meramente a “regula” na forma da distribuição espacial do adensamento: primeiro, porque é em si mesmo limitada; segundo, porque é prisioneira da radical irreprodutibilidade do solo; terceiro, porque é relativa à distribuição da capacidade de pagamento/endividamento dos diversos segmentos da demanda. 
 
A oferta de residências representada pelos impressionantes conjuntos de edifícios de apartamentos de Hong Kong pode ser, dependendo de sua localização, ínfima relativamente à demanda total. Copacabana constitui um imenso estoque de produtos imobiliários (a maioria semelhantes aos de muitos outros bairros menos “nobres” da cidade), praticamente inalterável por falta de terrenos e inacessível à imensa maioria dos habitantes do Rio de Janeiro: algumas dezenas de milhares de unidades localizadas à beira do oceano, a 5km do centro da cidade, será sempre uma oferta limitada numa metrópole de mais de 3 milhões de famílias. O mesmo vale para os escritórios de qualquer Avenida Central. O preço das localizações é a medida de sua crônica escassez relativa. 

Ao final, a ilimitada divisibilidade dos terrenos em frações ideais valorizadas pela urbanização e pela construção em altura é um milagre bastante - como se diz hoje em dia - assimétrico: satisfaz muito mais plenamente aos proprietários de terras - que são poucos e invocam-no para multiplicar as suas rendas - do que aos demandantes de valores de uso imobiliários - que são a imensa maioria e não podem morar, ou instalar seus negócios, onde querem, mas nos lugares urbanos que lhes “compete” segundo a sua capacidade de pagar aluguel ou endividar-se. 

A indestrutibilidade (salvo situações excepcionais) do solo também cumpre um importante papel em sua encarnação de mercadoria. O solo não desaparece no consumo econômico - seu “aproveitamento” -, apenas sai do mercado. Este fato, que pode não ser claro num dado momento e lugar, é muito importante na escala temporal das gerações. Como a cidade é um artefato multissecular em contínua construção, sempre haverá, em algum lugar, terrenos sujeitos a renovação edilícia. 

A derrubada das torres gêmeas de Nova York é um caso excepcional, mas sinistramente esclarecedor. Sepultados os mortos e retirado o entulho, o terreno reaparece, poucos anos depois de "consumido" numa imensa construção, como mercadoria nova, pronta para ser "reconsumida" em um novo empreendimento imobiliário de altíssima lucratividade.

Edifícios são duráveis, mas não são eternos. Se por um lado o aproveitamento do solo para um dado uso o retira do mercado e exclui todos os demais usos por uma longa temporada, a dinâmica urbana acaba, muitas vezes, por tornar rentável a demolição até de um bairro inteiro para o reaproveitamento da terra muito antes de encerrada a vida útil dos valores de uso que ela contém. Trata-se de um fenômeno cíclico, observável nas áreas mais valorizadas de qualquer média e grande cidade.

Em suma, o solo urbanizado e bem localizado é um bem irremediavelmente escasso, como também o são - em medida proporcional aos direitos de aproveitamento dos terrenos e ao tamanho da demanda - os produtos imobiliários (valor de uso + localização) que ele pode conter.



O significado essencial dessa conclusão é: aquele que detém a propriedade de um terreno, ou da fração ideal associada a um bem de uso sobre ele construído, está em condições de pôr esse terreno ou fração no mercado para ser arrematado pelo usuário (final ou intermediário-incorporador) que ofereça por ele a maior renda, na forma de preço de transação ou aluguel.
 
É por isso, leitor, que, quando você ouvir falar em desregulamentação do mercado imobiliário e flexibilização de normas urbanísticas para baixar o preço dos imóveis, desconfie! O mercado imobiliário é, em qualquer cenário, um grande leilão coletivo de bens escassos, um segmento da economia onde, a despeito do que possam dizer os incorporadores, a concorrência empresarial tem pouco ou nenhum efeito sobre o preço final do bem ao usuário ou comprador.

Tributo a Carlos Morales Schechinger
(Todos os conceitos e interpretações  aqui expostos são de inteira responsabilidade do autor do blog

2012-01-10

sábado, 22 de dezembro de 2012

A repartição da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária

Na postagem "Duas ou três coisas que sei dela (a Outorga Onerosa do Direito de Construir): a natureza residual do valor da terra" [1]
), abordei sucintamente o caráter residual do valor do solo urbano e a formação da renda na indústria da incorporação imobiliária. Para recuperar seus principais elementos e introduzir o tema da repartição da renda, lanço mão de uma citação do prof. Carlos Morales Schechinger [2]:

Um investidor do mercado imobiliário residencial parte do preço máximo que a demanda, vale dizer, as famílias, está disposta a pagar no mercado. Esse preço inclui o custo de construção da própria moradia, assim como da infraestrutura que lhe dá serviço. Esse custo inclui [também] o custo do capital investido na construção, a uma taxa pelo menos igual à taxa média de lucro que anima o investidor a construir moradias. O resíduo que permanecer depois de descontados todos os custos do preço pago pelas famílias será considerado pelo investidor lucro adicional, acima do lucro médio. Contudo, o investidor terá que dividir este sobrelucro com o proprietário do solo para que ele lhe ceda o seu uso. (...) A proporção com que o sobrelucro será dividido entre o agente da demanda e o proprietário do solo depende de muitos fatores, mas é muito alta a probabilidade de que o proprietário embolse a sua quase totalidade. A ampla concorrência entre os demandantes e a escassez da oferta de solo jogam a favor do proprietário da terra, que está em posição de escolher aquele dentre os demandantes que esteja disposto a ceder-lhe a totalidade do sobrelucro, isto é, a totalidade do resíduo. Desse modo, o sobrelucro se transforma naquilo que em Economia se conhece como renda da terra. (Original em espanhol; tradução livre do blogueiro).

Nesta passagem, Morales descreve a estrutura geral de um empreendimento imobiliário do ponto de vista da formação da renda do solo [3] ou, mais exatamente, do ponto de vista dos agentes privados que disputam entre si a apropriação da maior parte possível dessa renda, vale dizer, o proprietário do terreno  e o incorporador. 
Recapitulemos, com o auxílio da figura abaixo, o seu conteúdo: 

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· O "máximo preço que a demanda, vale dizer, as famílias, está disposta a pagar" se traduz, para o empreendedor, no Valor Geral de Vendas (VGV), que é a soma total do valor de venda de todas as unidades residenciais produzidas. O VGV corresponde, também, ao produto do total de m2 privativos à venda pelo seu preço médio.
· O "custo da construção" é o somatório de todos os valores despendidos na concretização do empreendimento (salvo o preço do terreno), vale dizer, a obra física (incluindo a remuneração do construtor), a administração, a publicidade, a comercialização etc. 
· O “custo do capital investido na construção” (não confundir com a remuneração do construtor, que é parte dos custos totais de construção) é a remuneração do capital de investimento,  “pelo menos igual à taxa média de lucro que anima o investidor a construir moradias”. Essa remuneração pode ser representada pela Taxa Mínima de Atratividade (TMA), definida como a menor taxa de retorno aceitável para um investidor que se proponha a correr o risco associado a um ativo ou projeto.
·  O “resíduo que permanecer depois de descontados todos os custos do preço pago pelas famílias será considerado pelo investidor um lucro adicional, acima do lucro médio” (...) “aquilo que em economia se conhece como renda da terra. Contudo, o investidor terá que dividir este sobrelucro com o proprietário do solo para que ele lhe ceda o seu uso". Salvo situações excepcionais  relacionadas a inovações mercadológicas como a promoção de um novo "lugar urbano", ou um novo tipo de produto imobiliário, todo lucro imobiliário excedente ao TMA consiste, pois, em renda da terra. A proporção em que o valor residual do terreno é apropriado pelo incorporador é a chave da lucratividade do negócio da incorporação imobiliária. 

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Importa, aqui, lembrar que esse “sobrelucro” não provém do investimento produtivo em habitações, mas do privilégio singular que tem o detentor, ou detentores, do título de propriedade, de exigir, para ceder a terra ao uso requerido (residencial, no caso), o maior preço que possa ser extraído do orçamento das famílias demandantes. Dado que este preço depende não dos atributos da terra em si mesma, mas da sua localização, deduz-se que o “sobrelucro” da incorporação imobiliária é pura apropriação privada de externalidades produzidas pelo capital social total previamente investido em “cidade”, todo ele alicerçado pelo provimento público de infraestruturas, equipamentos  e serviços.

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Tipicamente, em localizações de elevada demanda como as zonas mais valorizadas das grandes metrópoles, o proprietário do terreno, em geral perfeitamente informado de sua “capacidade de gerar renda”,  está a cavaleiro para exigir do incorporador a “totalidade do resíduo” de que fala Morales. Por essa razão, nesse tipo de empreendimento os valores envolvidos são vultosos, mas a rentabilidade do incorporador relativamente baixa (A).  Situação oposta é a de lugares periféricos semi-urbanos onde exista muita terra vacante, alguma opção de transporte atraente, pouca informação por parte dos proprietários de terrenos e uma “nova demanda” de renda média desinteressada das localizações mais centrais, porém ávida por adquirir a casa própria com financiamentos a longuíssimo prazo (tipicamente, as áreas de influência dos novos anéis rodoviários metropolitanos). Neste caso, o incorporador pode adquirir o terreno a um preço muito abaixo da sua capacidade de gerar renda, restando-lhe um considerável “sobrelucro”. Estes são empreendimentos de alta rentabilidade. (B)

O esquema aqui apresentado é uma versão simplificada e adaptada do método de avaliação de terrenos denominado "residual dedutivo", muito utilizado pela indústria da incorporação imobiliária residencial em mercados dinâmicos, onde mais claramente se manifestam os efeitos da equalização da capacidade  de pagamento da demanda e da padronização dos custos de construção e comercialização. O esquema  não substitui a aplicação do modelo completo para fins de avaliação de um terreno, mas propicia estimativas razoáveis da viabilidade e margens de "sobrelucro" do empreendimento, cuja variável dependente passa a ser, precisamente, o preço de aquisição do terreno. 

Em um mercado imobiliário estável, vale dizer, em que são previsíveis os custos industriais e financeiros e conhecidos, para cada área urbana, o perfil da demanda e as características do produto a ser ofertado, o  incorporador, partindo do VGV, deduz sucessivamente o fator (%) de custo total estimado para aquele tipo de empreendimento e a TMA (%) requerida. O resíduo dessa operação é a sua estimativa inicial  quanto ao máximo preço admissível para a aquisição de um  terreno disponível. Uma vez ajustado esse valor por meio da avaliação técnica e do estudo do fluxo financeiro, processa-se a negociação que levará à repartição final do resíduo entre o proprietário e o incorporador . 

Os encargos públicos sobre a renda da terra

O maior interesse desse artigo na questão da repartição do “sobrelucro” (renda da terra) é, no entanto, a entrada em cena de um terceiro interessado: a municipalidade. Por ser a renda da terra pura externalidade socialmente criada, justifica-se plenamente que parte dela, ou até a sua totalidade em alguns casos, seja recuperada pelo município para financiar as infraestruturas e serviços básicos lhe dão o indispensável suporte material.

Esta é a origem e a razão de ser do instituto da Outorga Onerosa do Direito de Construir. 

O beneficiário da  renda fundiária propiciada pelos serviços e equipamentos urbanos disponíveis - quer seja o proprietário original, o incorporador adquirente ou ambos, de acordo com o preço de transação pactuado - deve pagar pela concessão da licença para edificar-se acima do “coeficiente de aproveitamento básico” do terreno, em geral o coeficiente  1 - que representa, convencionalmente, o seu aproveitamento para uso das famílias que ele pode abrigar.

A Outorga Onerosa do Direito de Construir é uma das modalidades monetárias dentre uma coleção de encargos que o município pode (e deve!) impor à propriedade para devolver à coletividade  ao menos uma parte do valor da terra com vistas ao financiamento da sua fonte geradora: os serviços públicos urbanos. A modalidade não monetária típica desses encargos são as obrigações de urbanização, sacramentadas, por exemplo, na legislação de parcelamento do solo: construção de vias públicas, infraestrutura, equipamentos de serviços urbanos e cessão gratuita dos lotes a eles destinados.   

Retornando ao esquema inicial, a introdução de um encargo público sobre o aproveitamento do solo - e consequente intensificação do uso das infraestruturas e equipamentos - implica, como se pode intuir, em uma nova dedução do VGV do empreendimento. Sendo este o máximo que pode pagar a demanda e dados, portanto, o custo total do empreendimento e o TMA, o encargo público terá de ser coberto,  obrigatoriamente, pela rendaEssa dedução exerce uma importante função no mercado, qual seja a de reduzir o máximo preço admissível de transação do terreno. O valor residual se desdobra, assim, em valor residual antes (VR) e depois (Vr) da dedução do encargo de urbanização. Tornaremos ao assunto na próxima postagem desta série.

Clique na imagem para ampliar 


Uma importante aplicação desse modelo básico da incorporação imobiliária é permitir ao município estimar,  com base na dinâmica do mercado, o montante da renda da fundiária gerada. 

De posse dos mesmos parâmetros básicos utilizados  pelos incorporadores, a começar dos preços de venda do m2 privativo praticados, os departamentos técnicos de urbanismo das prefeituras podem não apenas fixar, com razoável conhecimento de causa, o preço da Outorga Onerosa (na forma de uma dada proporção do VGV, ou o que dá no mesmo, do preço de venda do m2 privativo) [4] como estimar, para fins do orçamento anual, a ordem de grandeza da renda que se poderá recuperar, com esse instrumento, em cada região da cidade. 

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Na próxima postagem sobre este tema desenvolveremos, com base nessa mesma metodologia, os temas da valorização de um terreno urbano em função do seu coeficiente de aproveitamento e do valor da contrapartida a ser cobrada na Outorga Onerosa do Direito de Construir. 

Este capítulo se encerra com uma observação de que o leigo em temas de gestão do solo talvez não se tenha dado conta: dado o caráter residual do valor da terra, nenhum encargo público imputado à incorporação imobiliária (taxas, Outorga Onerosa do Direito de Construir, melhorias e equipamentos urbanos, doação de solo etc.) poderá encarecer o  produto do empreendimento. Justamente por ser o preço do produto-localização já o máximo que o incorporador é capaz de extrair da competição entre os demandantes, todo encargo público sobre o empreendimento terá de ser pago por quem já detém, ou irá deter, o direito de propriedade do solo: o proprietário, o incorporador ou ambos. 

Quando incorporadores e proprietários dizem que os encargos sobre a renda fazem subir o preço dos produtos, deve-se ler que eles reduzem as expectativas de ganhos do proprietário e do incorporador. Para os estudiosos e gestores de políticas urbanas de recuperação de renda, urge, portanto, investigar a distância que separa as expectativas de ganho privado da viabilidade econômica dos empreendimentos.
_____
NOTAS


[2] Morales Schechinger, Carlos, "Algunas peculiaridades del mercado de suelo urbano", texto preparado para o curso Educación a Distancia - Mercados de Suelo en Ciudades Latinoamericanas - março de 2005

[3] O ponto de vista dos pequenos e médios empreendedores imobiliários considera, geralmente, apenas a forma geral do lucro, vale dizer,  a diferença entre a receita total e o custo total, incluindo o preço do terreno encontrado no mercado.

[4] Embora redutível ao mesmíssimo princípio aqui apresentado, mas muito mais problemático, como procurei demonstrar no artigo "Contribución al estudio de la "Outorga Onerosa do Direito de Construir" (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálculo", de maio de 2007, o procedimento  mais comumente utilizado no Brasil  é o chamado "método do terreno virtual". Abordaremos o tema em uma ou duas postagens subsequentes, neste mesmo blog.


2012-12-22


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Vila do Pan – o retorno II

Por Antônio Augusto Veríssimo, Arq. 

Em 13 de dezembro de 2011, publiquei neste blog um artigo intitulado “Vila do Pan – o retorno”. Esse artigo foi motivado por matéria publicada no jornal O GLOBO de 10 de dezembro daquele ano, em que se anunciava a obra de estabilização do solo que, segundo a matéria, poria fim ao impasse na Vila do Pan, provocado pelos frequentes recalques verificados nas ruas que cercam aquele empreendimento. Na oportunidade, questionei se efetivamente tais obras representariam o fim do problema ou apenas mais um exemplo do tipo de “legado” que nos havia deixado o evento dos jogos Panamericanos.

Passado quase um ano, vejo no mesmo O GLOBO que ainda não chegamos ao anunciado fim do citado impasse. Matéria publicada hoje, dia 17 de novembro de 2012, anuncia que a “Prefeitura gastará R$ 33 milhões para recuperar ruas que afundaram” informando ainda que o “orçamento original era de R$ 4,1 milhões”, ou seja, que as “reformas da Vila do Pan custarão oito vezes mais” que o planejado.

De forma extremamente simplista, atribui-se o problema a um eventual rompimento de “acordo” entre o prefeito da época e a empresa construtora da Vila. No entanto, as origens desta questão são mais complexas; foi o que procurei demonstrar no artigo que À beira do urbanismo reapresenta abaixo. 




Vila do Pan – o retorno

Matéria publicada no dia 10 de dezembro, no Jornal O GLOBO, informa que a realização de obra de estabilização do solo de rua, que poderia comprometer a imagem olímpica, põe fim a impasse na Vila do Pan. Será?

                A Vila do Pan está construída na Subzona A-39 que está compreendida entre o Canal do Anil e a Av. Alvorada, sendo limitada ao sul pela Lagoa do Camorim e ao norte pela Via 7 do PA 8997. Esta subzona é constituída por duas áreas: uma denominada “Área A” abrangida pelo PA 9822 e pelo PAL 35457, limitada ao norte pela Via 7 do PA 8997, ao sul pela Via Parque Projetada C, e ao leste, pela Avenida Canal do Anil e a Oeste pela Avenida Alvorada; e outra, denominada “Área B” entre a Avenida Parque Projetada C do PA 9822 e a Lagoa do Camorim, limitada a leste pela Avenida Canal do Anil e a oste pela Avenida Alvorada.
            No mapa a seguir pode-se visualizar graficamente a descrição realizada acima da Subzona A-39 e na imagem seguinte a sua sobreposição sobre uma foto aérea onde se pode conferi a localização da Vila do Pan na Área B da desta Subzona.


Mapa 1- ZE 5 Subzona A-39 do Decreto 3.046/81

Figura 1 – Localização da Vila do Pan em relação à Subzona A-39
                A Legislação vigente para a Área B da Subzona A-39, definida no Decreto 3.046/81, estipulava que o lote mínimo permitido naquele local era de 3 mil metros quadrados com uma testata mínima de 40 metros. Nestes lotes poderiam ser construída, apenas, uma unidade habitacional com, apenas, um pavimento por lote. Estas unidades habitacionais não poderiam ocupar mais do que dez por cento do terreno. O uso comercial somente era admitido em lotes com frente para a Avenida Alvorada, limitada a sua altura a dois pavimentos, sendo admitida uma ocupação do terreno de, no máximo, vinte por cento, além de estarem afastadas 10 metros da Avenida e 4 metros das demais edificações.
            Como pode ser observado, tais parâmetros urbanísticos restritivos induziam a uma ocupação de pouca densidade e pouca carga. A legislação estabelecida para o local levou em consideração as frageis condições de resistência do solo naquela região e, por isso, não incentivava a sua ocupação intensiva.
                Não obstante serem previamente conhecidas as precárias condições daquele solo, a partir do ano de 2002 foram aprovadas uma série de leis e editados decretos que alteraram profundamente os parâmetros urbanísticos e edilícios para o local.
                Em 27 de setembro de 2002 foi aprovada a Lei Complementar  N.º 59 que definiu usos para os lotes 1 a 41 da Q.4 do PAL 18 328  em função dos Jogos Panamericanos de 2007.
                Em 22 de novembro de 2002 foram aprovadas as Lei Complementares N.º 60 e 61 que alterou parâmetros edilícios e dispositivo da LC N.º 59/2002.
                Em 11 de dezembro de 2003, foi editado o Decreto N.º 23811 que alterou parâmetros edilícios;
                Em 08 de janeiro de 2004, foi editado o Decreto N.º 23900 que alterou parâmetros edilícios.
                As alterações realizadas na legislação para o local atribuiram aos lotes ali existentes um potencial de edificabilidade muitas vezes superior àquele vigente na legislação de 1981. Isto quer dizer que, se um proprietário de um lote com 3 mil metros quadrados poderia construir anteriormente apenas uma edificação unifamiliar com 300 metros quadrados, a partir da edição das novas normas poderia edificar, no mesmo lote, 24 apartamentos com  300 m² cada ou 72 apartamentos com 100 m2 cada.
                Comparando-se os potenciais construtivos permitidos pela legislação antes e depois de 2002/2004, pode-se concluir que o valor no mercado desses lotes multiplicou-se muitas vezes neste curto período, aumentando significativamente o patrimonio econômico dos seus proprietários.
                Não bastasse o intenso incremento do potencial construtivo que se reflete - por consequencia - em um intenso aumento do valor dos lotes no mercado, resolveu também a Prefeitura investir na colocação da infraestrura necessária para a construção dessas edificações, obrigação que deveria ser assumida, legal e lógicamente, pelo empreendedor, já que o preço de venda dos imóveis, comercializados livremente no mercado, já incorpora este tipo de investimento.
                Não fossem suficientes as benesses concedidas ao empreendedor pela Prefeitura, por meio das alterações nos parâmetros legais e pela sua desoneração na execução da infraestrutura, resolveu também o Governo Federal conceder uma linha de financiamento privilegiada para a comercialização das unidades, utilizando-se os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador o FAT, com condições muito mais favoraveis de financiamento que aquelas disponíveis no mercado na ocasião.


                 No quadro abaixo pode-se comparar as taxas de juros oferecidas pelo mercado com aquela concedida para a comercialização dos imóveis da Vila do Pan.

                Tendo em vista os generosos benefícios concedidos ao empreendedor - cumulativamente - pelos governos municipal e federal, seria plenamente justificavel, e esperado, que o responsável pelas edificações alí construídas disponibilizasse em contrapartida os imóveis para a utilização pelos atletas e delegações durante o decorrer dos jogos Pan e Para Panamericanos. Porém não foi isso que aconteceu. Apesar de todas as benesses concedidas, resolveu o Governo Federal, adicionamente, pagar ao empreendedor, antecipadamente, ou seja, antes das edificações estarem concluídas, o valor de 25 milhões de reais a título de “aluguel” para a utilização futura das unidades durante os jogos[1].
                Mais uma vez ainda seria possível justificar tanto aporte de recursos públicos a um empreendimento privado se, ao fim do dia, tais unidades, produzidas substancialmente com recursos advindos dos impostos arrecadados da população, fossem finalmente destinadas a um uso social, ou seja, estivessem a serviço da redução do défict habitacional da cidade. Mas não foi isso que aconteceu. A despeito dos volumosos subsídios públicos incorporados ao valor de venda[2], estes imóveis foram comercializados livremente no mercado, sem nenhuma restrição, havendo casos, como amplamente divulgado, de um mesmo comprador ter adquirido mais de uma unidade no empreendimento[3].           
            Não bastasse, como visto, os volumosos recursos públicos investidos em um empreendimento privado, que sequer teve muito trabalho e despesa para ser comercializado, já que a grife de Vila do PAN já lhe garantia uma intensa exposição midiática; restou ainda para o contribuinte municipal arcar com os custos[4] dos reparos dos danos - mais do que previsiveis - causados à infraestrutura pela já conhecida instabilidade do solo no local.
            Mais um caso típico de parceria público privada, onde os lucros se privatizam e os prejuizos são socializados.

Rio, 10 de dezembro de 2011
Antônio Augusto Veríssimo
Arquiteto.