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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Síndrome de Detroit


Bloomberg 12-02-2023
https://www.bloomberg.com/graphics/2023-manhattan-work-from-home

Montagem: Àbeiradourbanismo
No auge da epidemia de Covid-19, uma enxurrada de artigos vaticinou, para bem e para mal, uma inflexão no processo de crescimento e adensamento das grandes metrópoles. De minha parte, achei precipitada tal previsão, com base em juízos regularmente emitidos pelas agências de desenvolvimento econômico sobre o papel insubstituível das grandes concentrações urbanas na criação da riqueza planetária.

Este é o segundo artigo com que me deparo em poucos dias [1] anunciando o retorno dos trabalhadores aos escritórios centrais – sem falar do fenômeno, também regularmente registrado neste blog, da persistente proliferação de microapartamentos nos grandes centros urbanos e suas imediações.

É fato, no entanto, que o aumento significativo do trabalho “híbrido” gerado, ou talvez mais exatamente, acelerado pela pandemia se soma ao processo, já em curso há algum tempo, de obsolescência econômico-tecnológica de uma parte considerável do estoque de imóveis comerciais urbanos, pondo em movimento uma cadeia de distúrbios urbanísticos a que costumamos nos referir como perda de “vitalidade” urbana, mas que são também distúrbios econômicos, com sérias implicações para as cadeias de negócios centrais e as finanças e serviços públicos municipais. “A cidade está num momento muito difícil, e pode levar a uma decadência da vida urbana”, alertou Nabil Bonduki numa entrevista concedida à Veja S Paulo em junho do ano passado.[2]

O exemplo mais emblemático de crise urbana legada pelas mudanças de paradigma nas grandes cadeias produtivas é, quero crer, o de Detroit, oportunamente citado por Bonduki em sua entrevista. Não ouso sugerir que as grandes metrópoles do século XXI passarão por crises semelhantes, mas penso que o caso merece ser estudado... com lupa! Salta aos olhos a contradição entre a durabilidade e a rigidez do capital cristalizado em edificações e infraestruturas urbanas e a fugacidade das relações espaciais envolvidas nos processos informatizados de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Significa que, mantidas as bases atuais do desenvolvimento econômico, uma parcela crescente do parque edificado comercial das grandes cidades se tornará, cada vez mais rapidamente, obsoleta.

Retornando à pandemia, ela é uma conveniente cortina de fumaça usada, muitas vezes, para obscurecer o papel da competição econômica “normal” na geração das vastas deseconomias urbanas de nosso tempo.

Matérias como esta não falam de uma catástrofe iminente, mas refletem as preocupações dos urbanistas com a vitalidade dos centros urbanos e, com toda certeza, as apreensões dos proprietários de imóveis comerciais com a saúde de seu capital. Não surpreende que, num artigo aqui compartilhado há poucos dias, o construtor entrevistado tenha respondido à pergunta do título - "O que é preciso para transformar mais escritórios em habitação?" - com uma sugestão que lhe soa perfeitamente natural: subsídio público. Simples não?

___ 

[1] "Junto com a reabertura da economia, a valorização das áreas mais centrais das cidades também volta a acontecer. Se durante a pandemia a busca era por espaços maiores, saindo das capitais, em 2022 o movimento é inverso. Muitas pessoas voltam a querer morar em regiões que têm acessibilidade maior a serviços, polos de emprego, centros de ensino, e com isso, há a valorização do aluguel", explica Oike. (..)”. “O que explica alta do aluguel residencial acima da inflação e o que esperar em 2023”.BBC News Brasil 04-02-2023, por Giulia Granchi. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64455893

[2] “Corremos um sério risco de esvaziar a vida urbana”, avalia Nabil Bonduki”. Veja São Paulo 23-06-2022, por Clayton Freitas. https://vejasp.abril.com.br/cidades/corremos-um-serio-risco-de-esvaziar-a-vida-urbana-avalia-nabil-bonduki/

[3] “What would it take to turn more offices into housing”? NY Times 27-12-2022, por Emma Goldberg. https://www.nytimes.com/2022/12/27/business/what-would-it-take-to-turn-more-offices-into-housing.html

2023-02-15

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Pedra cantada

Deu no InfoMoney
27-12-2021, por Giovanna Sutto
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/demanda-por-compra-de-imoveis-no-interior-esfria-mas-precos-seguem-em-alta/


Demanda por compra de imóveis no interior esfria, mas preços seguem em alta

Imagem: Internet
"(..) Ano passado muito se discutiu o fenômeno do êxodo urbano, com famílias procurando casas no interior para terem mais espaço e qualidade de vida. Porém, é unanimidade entre os especialistas que esse processo foi pontual.

Segundo Alberto Ajzental, coordenador do curso em Desenvolvimento de Negócios Imobiliário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a demanda é sinal claro disso. “É um fenômeno que acontece com uma fatia pequena da população, entre outros pontos porque é caro e também porque não são todas as profissões que permitem o trabalho remoto”, avalia.

“Nunca foi um processo universal. Além disso, muita gente comprou terreno e ainda não construiu porque está na dúvida do que faz agora: vai conseguir passar mais tempo na casa? será apenas para veraneio? vale o investimento? Fica fácil ir e voltar? Quanto mais longe de São Paulo, mais difícil adotar o trabalho híbrido e mais provável reverter a decisão e voltar para a cidade com centro urbano, deixando o imóvel no interior para feriados e fim de ano”, diz o professor. (..)"


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Sobre o tema, leia neste blog

[1] “Revoada seletiva”, À beira do urbanismo 01-05-2021 https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/03/interiorizacao-metropolitana.html

[2] “Interiorização metropolitana”, À beira do urbanismo 12-05-2021
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/02/revoada-seletiva.html

[3] “15 minutos de prudência”, À beira do urbanismo 18-05-2021.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/05/15-minutos-de-circunspeccao.html

[4] “Interiorização à francesa”, À beira do urbanismo 19-06-2021 https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/06/interiorizacao-metropolitana-francesa.html

2022-01-04 


terça-feira, 18 de maio de 2021

15 minutos de prudência

Deu no CityLab 14-05-2021, por Richard Florida

The Death and Life of the Central Business District
Offices are not going back to the way they were pre-pandemic, and neither are the downtown neighborhoods that house them.

"(..) far from killing them off,
the shift to remote work will
ultimately change their form
and function in more subtle
ways. Given their strategic
locations at the very center
of major metro areas, Central
Business Districts are perfectly
positioned to be remade as
more vibrant neighborhoods
where people can live and
play as well as work — a
leading-edge example of what
many urbanists are now calling
15-minute neighborhoods. And
with conscious and intentional
action on the part of urban
leaders and assistance from the
federal government, these CBDs
can be rebuilt in ways that are
more inclusive and affordable.
(...)"

Foto: Alexander Spatari/Moment/CityLab
Sugiro cautela com esse tipo de análise. A concentração do crescimento urbano nas grandes metrópoles nacionais não é uma opção cultural, mas uma imposição da competição econômica global - que continuará tão ou mais encarniçada do que antes.

Muitos artigos publicados na imprensa têm mostrado que a maioria dos home-officers que fugiram da pandemia não foram para o campo, nem para cidades médias, mas para a periferia de suas próprias metrópoles, ao alcance do seu "CBD", que assim estaria ampliando, não diminuindo, o âmbito territorial da sua atratividade.

De resto, a localização de start-ups comerciais e financeiras em novas centralidades dotadas de parques residenciais e hoteleiros destinados à sua população mais ou menos flutuante já vinha acontecendo em alguma medida em todas as grandes metrópoles. Ou não terá sido a combinação finança + turismo + hotelaria + residência de alta rotatividade o programa da quase totalidade dos Grandes Projetos Urbanos dos anos 1980-2010?

A ideia, muito difundida entre urbanistas, de que a ausência de diversidade nas zonas centrais das grandes metrópoles resulta de legislações inspiradas no princípio modernista da separação de usos é bastante discutível.

A formação dos CBDs, culminação de um longo processo de especialização econômico-espacial iniciado com a migração residencial das famílias dedicadas ao comércio, dos sobrados centrais recém-valorizados para localizações circundantes à cidade proto-capitalista [1] [2], decorre, antes de mais nada, dos imensos benefícios proporcionados às empresas pela aglomeração central, a incluir, de um lado, o acesso físico imediato a uma vasta cadeia de prestadores de todo tipo de serviços e, de outro, a máxima disponibilidade de mão de obra ao mínimo custo de transporte.*

A mescla de atividades nessas áreas só poderia ser garantida, ela sim, por legislações, ou planos, que a impusessem como critério de interesse público às expensas do que, em economia da localização, se chama “o maior e melhor uso” (MMU) do solo - como é o caso, no Brasil, das Áreas de Especial Interesse Urbanístico (AEIUs) e Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (APACs), muitas delas situadas nos próprios centros  urbanos ou em suas imediações.

“CityCenterDC is a mixed-use
development consisting of two
condominium buildings, two
rental apartment buildings, two
office buildings, a luxury hotel,
and public park in downtown
Washington, D.C. 
It encompasses 2,000,000 
square feet (190,000m2) and
covers more than five city blocks.
Salvo por tipologias de interesse direto das próprias empresas, como parece ser o caso de certos conjuntos de unidades de pequeno tamanho e alta rotatividade destinadas a trabalhadores qualificados mais ou menos temporários, jovens em sua maioria, a residência no CBD, que demanda a proximidade de todo tipo de equipamentos públicos e firmas “sub-MMU”, é, por definição, antagônica às vantagens econômicas privadas da aglomeração central.

Os grandes proprietários de escritórios e terrenos em localizações centrais hipervalorizadas (CBDs) não se renderão, portanto, tão facilmente. E eles podem esperar. Se a recuperação econômica acontecer, ainda que lentamente, os escritórios acabarão sendo ocupados mesmo que parte dos trabalhadores permaneçam em home-office – que, aliás, tende a ser apenas parcial. Pode haver um período relativamente longo de altas taxas de vacância e alguma baixa de preços e alugueis. Mas a conversão desses edifícios para habitação pela via do mercado é muito cara para tornar-se lucrativa e a opção de produzir moradia nova nessas localizações só atende a uma parcela bastante específica e relativamente restrita da demanda.

O que me parece provável, por outro lado, é que toda essa crise, que traz consigo o aumento da pobreza e da insegurança laboral, esteja acelerando processos de deterioração e abandono progressivo de edifícios comerciais "sub-prime" - pela antiguidade, localização ou ambos - dos grandes centros. E nesse caso, como sabemos, ou as prefeituras intervêm a tempo para transformá-los em habitação decente com preços / alugueis subsidiados, se necessário, ou eles acabarão sendo ocupados como habitação precária.

2021-05-18

* Nova redação 04-11-2023:

“(..) imensos benefícios proporcionados às empresas pela aglomeração central, a incluir (1) as vendas turbinadas pela mínima distância agregada ao conjunto das famílias, (2) a máxima disponibilidade de mão de obra ao mínimo custo de transporte – consequentemente menor preço da força de trabalho – e (3) acesso imediato a uma vasta cadeia de prestadores de todo tipo de serviços.”

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NOTAS

[1] "The physical evolution of a large city from a small one results not only from increased population and added industries, but also from continual specialization in business and differentiation in social grades. The first step is the separation between business and dwellings, the original buildings used for business below and dwelling above being replaced by separate business and residence buildings." [HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903, p 75.]
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up

[2] "Observamos que as freguesias que compunham o centro histórico da cidade continuam a perder população, fruto da tendência verificada desde o fim do século XIX desta parte da cidade especializar-se como zona comercial [QUEIROZ RIBEIRO, Luiz Cesar. Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. 2015, p. 180.]"
https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2020/07/Livro-Dos-Corti%C3%A7os-aos-Condom%C3%ADnos-Fechados_2edicao.pdf