O nascimento das metrópoles

Urbanização capitalista no Brasil 1870-1930

Esta página reúne, sob a rubrica "Urbanização capitalista no Brasil - o nascimento das metrópoles", um conjunto de artigos já publicados em À beira do urbanismo. 


Porto Alegre cidade radiocêntrica
Publicado neste blog em 09-04-2019

A Terceira Perimetral de Porto Alegre é assunto obrigatório para o estudioso brasileiro da Transferência do Direito de Construir, tema ao qual dediquei dois ou três artigos num passado que já me parece remoto. Não tenciono retomá-lo. Ao leitor interessado, recomendo o artigo “Transferência do Direito de Construir: A Experiência de Porto Alegre, Brasil”, de Néia Uzon, arquiteta responsável por esse componente do Projeto. [1]

Interessa-me hoje a ilustre avenida pelo fato de supor a existência de outras duas, a Primeira e a Segunda, e de prenunciar o advento de uma Quarta - Perimetrais, bem entendido -, que a Metroplan lançou como projeto em 2014 [2] mas segue dependendo, ao que parece, de recursos federais. Esta postagem aborda as perimetrais porto-alegrenses sob o prisma da geografia e da história urbanas.

Washington DC Capital Beltway
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A “via perimetral” está diretamente relacionada à expansão urbana baseada na íntima relação dos mercados de imóveis e automóveis, aspecto distintivo das sociedades economicamente desenvolvidas e semidesenvolvidas do século XX. De um modo geral, vias e sistemas de transporte perimetrais resultam (a) do aumento das trocas espaciais entre subcentros não colineares (corradiais), próprios das redes urbanas complexas, e (b) da otimização espontânea ou planejada do movimento periferia-centro por meio da sua redistribuição espacial segundo as capacidades dos sistemas radiais.

Metrô de Pequim
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Quase todas as grandes metrópoles do mundo são hoje servidas por grandes vias perimetrais, às vezes dispostas em anéis concêntricos mais ou menos completos. Em algumas megacidades, até o sistema de Metrô conta com a sua linha distribuidora perimetral - duas, no caso de Pequim.
 
As perimetrais de Porto Alegre

A particularidade das Perimetrais de Porto Alegre é o fato de não serem sistemas periféricos metropolitanos nem, em sua maior parte, vias expressas construídas sobre o tecido urbano, mas artérias intra-urbanas formadas com base em arruamentos de orientação circunferencial pré-existentes, consolidadas pari passu com os ciclos de expansão e crise da mobilidade automotiva. A construção de cada uma guarda relação particular com o estágio do ciclo de valorização do solo nas regiões urbanas servidas: promoção, sustentação, declínio, recuperação.

Seus perfis de projeto parecem tanto mais claramente adaptativos da rede de ruas da cidade quanto mais nos afastamos da década de 1970, época da construção do segmento norte da I Perimetral, o mais rodoviarista e urbanisticamente inepto do conjunto, não por acaso situado na franja do Centro urbano voltada ao corredor metropolitano principal e bairros proletários adjacentes, onde se misturam comércio popular, atividades portuárias, galpões, garagens e indústrias, terminais rodoferroviários e antigas zonas residenciais na fase declinante de seus ciclos de valorização.

Construção da I perimetral. Elevado de acesso ao Túnel da Conceição. Circa 1970
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A I perimetral é o conector dos principais pontos de acesso do centro urbano, de um lado, e, do outro, meio de acesso direto aos bairros do primeiro anel residencial pericêntrico. Seu segmento sul (Av Loureiro da Silva), no entanto, erguido em fins da década de 1970, relança sob a forma da “via-parque” o esforço iniciado ainda na década de 1930, com o prolongamento da avenida Borges de Medeiros, de construção do sistema de acesso privilegiado ao centro da cidade para as expansões urbanas de média-alta renda situadas sobre os aterros do Guaíba (Menino Deus) e seus prolongamentos (Cristal, Tristeza, Ipanema).

II Perimetral - Av Goethe
A II Perimetral é um conjunto de bulevares ajardinados e arborizados, com características de via-parque na altura do Parque Moinhos de Vento (Parcão, 1972), consolidado no terceiro quarto do último século como principal suporte interno de interligação, e fator de valorização, do anel urbano de alta densidade que vai dos bairros afluentes da beira-rio sul às tradicionais zonas altas, quanto à renda familiar inclusive, a leste do Centro urbano (Rio Branco, Bela Vista, Montserrat, Moinhos de Vento, Auxiliadora). 

III Perimetral - Av Carlos Gomes
A III Perimetral foi consolidada, já nos anos 2000, com caráter de via mista provida de canaleta central exclusiva para ônibus, como sistema de ligação direta entre os bairros proletários ao norte e as expansões de média-alta renda e baixa densidade ao extremo sul do município. Em seu terço médio, serve de distribuidor de um anel residencial externo de média densidade e alto potencial de valorização residencial -
Jardim Botânico, Petrópolis, Três Figueiras, Boa Vista -, propiciando o surgimento, em grandes terrenos lindeiros, de novos centros de serviços e negócios em geral.[3] Dela se diz:
[embora a sua construção] tenha sido considerada um avanço para o trânsito da capital gaúcha, o projeto final (..) foi alvo de críticas da maneira como foi concebido, em razão do excessivo número de semáforos posicionados ao longo da avenida. A distância entre alguns deles chega a aproximadamente 100 metros ou menos, o que alegadamente dificulta o fluxo de veículos em horários de trânsito intenso.[4]
As Perimetrais de Porto Alegre são, portanto, vias eminentemente urbanas, que estruturam e delimitam o espaço classificado pelo Plano Diretor de 1999, e ratificado pelo de 2010, como “Cidade Radiocêntrica”:
Cidade Radiocêntrica - é a denominação dada à Macrozona 1 do PDDUA e é considerada a área de expansão natural do Centro Histórico. Nela se incentiva uma "mistura" de atividades (miscigenação). Engloba o Centro até a III Perimetral, ou seja, a cidade mais consolidada.[5]
Não se trata de capricho de planejadores: é realmente notável a nitidez com que a trama viária dessa grande região urbana de Porto Alegre apresenta a forma radiocêntrica [6] para a qual tendem, mas nem sempre assumem com clareza, por motivos que se esboçarão mais adiante, as redes de ruas das cidades modernas.


Rede viária e arranjo sócio-espacial

Embora claramente referida, como seu correlato "cidade xadrez", [7] à configuração da malha viária, a "cidade radiocêntrica" de Porto Alegre é dita "área de expansão natural do Centro Histórico" (destaque meu). Contudo, se isso parece fazer sentido no que tange às densidades construídas, à mistura dos usos e, em alguma medida, ao arranjo sócio-espacial, o mesmo talvez não se possa dizer da trama viária e, principalmente, da dinâmica econômica que presidiu à sua formação.

Porto Alegre 1772
Com efeito, o "mapa de chão" do Centro Histórico nada tem de radiocêntrico: como em tantos outros núcleos coloniais brasileiros, iniciais e tardios, sua base é um tabuleiro de quadras mais ou menos regulares adaptado à topografia do sítio - no caso de Porto Alegre, as linhas paralelas da beira-rio e da crista do promontório.

Não se trata de que inexistam tendências radiocêntricas na cidade colonial, isto é, de que sua organização sócio-espacial não manifeste a lei do menor custo-distância, mas de que aqui ela é uma força débil relativamente a outros determinantes - a pré-existência de um traçado fundacional, a pequena extensão dos percursos, o aproveitamento das quadras e parcelas -materializando-se via de regra como expansão linear ao longo da via principal, ou originária, do assentamento e, em menor medida, como reprodução mais ou menos regular da quadra padrão no sentido transversal.

Na Porto Alegre colonial, a expansão linear se concentra na Rua da Praia (atual Andradas), onde predomina o comércio, ao passo que a transversal sobe a encosta do promontório até a Rua da Igreja (atual Duque de Caxias), sítio dos principais edifícios do poder secular e religioso e localização residencial preferida de aristocratas, comerciantes abastados e autoridades em geral.[8]

Embora sujeitos aos mesmos princípios de economia espacial e por ela interrelacionados, arranjo sócio-espacial e trama viária são construtos distintos, "camadas" de estrutura urbana relativamente independentes e muitas vezes conflitantes. Ao passo que o arranjo sócio-espacial responde, na metrópole moderna, diretamente ao fenômeno da centralidade, que é o efeito generalizado da disputa dos agentes individuais pelas localizações mais acessíveis, ou reciprocamente vantajosas, relativamente às suas prioridades - geralmente as relações espaciais moradia/emprego e moradia/comércio e serviços -, a trama urbana pode ser severamente afetada pela tendência à disposição ortogonal dos arruamentos, princípio básico da economia do aproveitamento da terra urbana.

As forças que regem a organização sócio-espacial das metrópoles modernas não se subordinam, apenas se adaptam na medida da necessidade, aos traçados pré-existentes. A "economia da localização" se sobrepõe mais ou menos despoticamente à "economia da ocupação" segundo regras que lhe são próprias. As leis gerais da estrutura urbana são as mesmas, e seus efeitos análogos, na cidade radiocêntrica de Porto Alegre e nos vastos reticulados de Barcelona e Chicago. [9] [10] Se constrangidas por um plano regulador de rigidez absoluta, como em Brasília, impor-se-ão como coroa exterior de cidades satélites.
Barcelona
Acima: A cidade velha e as vilas periféricas são "soldadas" pelo vasto reticulado do Plano Cerdà (1860)
Abaixo: Seguindo o princípio da máxima acessibilidade agregada ao centro urbano, o Metrô é uma rede radial “subposta” ao reticulado de Cerdà
(Clique na imagem para ampliar)

O sistema viário é ele próprio um objeto complexo. De forma análoga às redes ferroviária e metroviária, o sistema rodoviário principal da metrópole moderna tende a apresentar a disposição radiocêntrica determinada pelo princípio geral da menor distância, ou, mais exatamente, da maior acessibilidade das localizações residenciais ao centro urbano principal, superposto, por meio de obras públicas de grande envergadura, ao arruamento legado pelos ciclos de parcelamento e ocupação privada do solo que o precederam.

Facilitadores da configuração radiocêntrica
Na capital gaúcha, o leque de caminhos rurais que suporta a expansão urbana a partir de fins do século XIX se consolida como rede de avenidas radiais bem antes do advento das vias expressas que, no Brasil, são um desenvolvimento urbano tardio relativamente à Europa e, principalmente, Estados Unidos.

A moderna “expansão radial em todas as direções”, postulada por Burgess em 1925 [11] como configuração padrão do crescimento das cidades, não foi afetada na capital gaúcha por condicionantes significativos do ambiente natural, salvo o próprio Guaíba. Nas palavras de Villaça, “no final do século XIX havia uma coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão urbana”. [12]

Além disso, a despeito de uma tradição de planejamento urbano das mais antigas e sólidas do Brasil, Porto Alegre não é o que se costuma chamar aqui e ali de “cidade planejada”: não foi construída do nada, tampouco expandida a partir da cidade colonial, com base em um projeto de urbanismo. Não teve, pois, o desenvolvimento de sua rede de ruas e avenidas condicionada por um traçado, um plano piloto ou um plano de expansão que se interpusesse à livre manifestação da “lei de Burgess”.

O parcelamento do solo e a urbanização privada já se deram, a partir de fins do século XIX, com base em glebas previamente delimitadas pela rede de caminhos radiais que faziam a comunicação entre a cidade colonial e as vilas e arraiais circundantes - Gravataí, Viamão, Azenha, Navegantes, S Miguel. Um único caso de obra de consolidação da rede de avenidas radiais implicando a subdivisão de uma gleba próxima à cidade colonial/imperial é mencionado nos materiais consultados.[13]

A segmentação do território, e da propriedade, em setores circulares compreendidos entre os caminhos radiais determinou, desde cedo, que os projetos de parcelamento tomassem como diretriz de traçado viário a linha de menor distância entre as radiais limítrofes, daí resultando, no agregado, a nítida disposição concêntrica não planejada da cidade de inícios do século XX.

Finalmente, e muito importante, a disposição circunferencial das “vias de ligação”e a correspondente expansão em leque ao redor da cidade colonial não foram bloqueadas, sequer significativamente perturbadas, como no Rio de Janeiro por exemplo, pela presença de radiais ferroviárias e respectivas estações. Em Porto Alegre, as principais vias de comunicação regional e nacional, incluindo a ferrovia implantada em fins do século XIX, se apresentam, como também observa Villaça, concentradas em uma única direção, a Norte,[14] na orla do Guaíba e, portanto, do próprio espaço urbanizável. 

Porto Alegre 1928 - Transportes públicos

Primórdios da Porto Alegre radiocêntrica: continuidade ou ruptura?
Será, então, a continuidade física de certas ruas do Centro Histórico nas grandes avenidas radiais manifestação de uma transição "natural" da "cidade xadrez" colonial [15] para a "cidade radiocêntrica" moderna? Ou será, como julgo mais acertado, que a disposição radiocêntrica do arruamento moderno expressa uma ruptura, uma mudança qualitativa do padrão de expansão da cidade a partir de seu núcleo pré-moderno?

Qual seria o conteúdo sócio-histórico dessa ruptura? Como ela se manifesta geográfica e urbanisticamente? Onde estariam os seus vestígios? É o que será tratado na segunda e terceira postagens desta série.



Porto alegre cidade radiocêntrica (2)
Postado neste blog em 21-05-2020

"Se fosses pobre, a tua virtude bastava para defender-te; mas rica!... 
Serias o prêmio da especulação, a vítima das trapaças, 
o alvo de todas as ambições, que te disputariam como 
um privilégio de bondes, ou um monopólio d'água."
José de Alencar, "Sonhos d'Ouro" 1872

Porto Alegre 1928 - Linhas de bonde
No primeiro artigo desta série [1] postulei que a Cidade Radiocêntrica, macrozona de planejamento definida no Plano Diretor da capital gaúcha, é uma estrutura urbana notável, não pela configuração radial da expansão, que é o padrão das metrópoles modernas, mas pela disposição nitidamente concêntrica da rede de ruas, base de seu sistema de Perimetrais intra-urbanas. 

Nesta segunda parte quero pôr em tela a noção, veiculada nesse mesmo Plano Diretor, de que a Cidade Radiocêntrica é uma “área de expansão natural” do Centro Histórico. [2] Não o faço como crítica ao PDDU, que não pode ser lido como um texto de história ou geografia urbana; tomo essa frase como gancho, e Porto Alegre como caso, para esboçar algumas ideias que julgo pertinentes sobre a transição da cidade colonial-imperial para a metrópole capitalista brasileira. 

Considero que, precisamente por ser “radiocêntrica” [3], essa região da cidade não pode ser considerada uma expansão natural do Centro Histórico, no sentido de ser dele a continuidade histórica, geográfica ou mesmo urbanística. Ao contrário, estamos falando de uma ruptura - um ciclo de expansão urbana radicalmente distinto de todos os anteriores, em quantidade e qualidade, forma e conteúdo.

A cidade pré-republicana 
Ao afirmar que “no final do século XIX havia [em Porto Alegre] uma coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão urbana”, Villaça [4] sugere que o crescimento da cidade implicava, a essa altura, uma demanda de espaço substancialmente maior, e de natureza distinta, da que teria existido em épocas precedentes. 

Com efeito, a cidade colonial-imperial nunca deixou de crescer, mesmo durante o conflito farroupilha [5], mas não demandou para tanto “uma coroa de 180 graus de terra firme” ao seu redor. Sua expansão se deu, em primeiro lugar, no âmbito espacial da própria vertente norte do promontório onde nasceu e, logo, por justaposição de quadras mais ou menos regulares ao longo do porto, onde se alinhava o comércio, e transversalmente em renques paralelos de uso residencial, político-administrativo e religioso, formando um tabuleiro irregular, adaptado à topografia do terreno. A crista do promontório (Rua Formosa, Rua da Igreja) era o "sítio dos principais edifícios do poder secular e religioso e localização residencial preferida de aristocratas, comerciantes abastados e autoridades em geral." [5a]

Fortemente marcada pelos principais condicionantes geográficos, a organização espacial do núcleo colonial porto-alegrense pode ser simplificadamente descrita em dois setores: a "frente fluvial", ao norte, é o setor dinâmico - portuário, comercial, governamental -, estendido entre o porto e a cumeeira do promontório (Crista da Matriz) onde se seguem a Rua Formosa, a Rua da Igreja e o Caminho da Aldeia dos Anjos; e a "retaguarda urbano-rural", que desce a encosta rumo à margem sul do promontório e às terras baixas da várzea do Dilúvio.       
Reprodução (1983) da primeira planta de Porto Alegre (julho de 1772), traçada pelo capitão-engenheiro Alexandre José Montanha. 
O segmento por mim assinalado em vermelho segue o arruamento implantado na crista do promontório, do Largo da Bronze até o Caminho das Aldeia dos Anjos (Gravataí) (atuais Duque de Caxias, Prof Annes Dias e Independência). Abaixo (norte) fica o setor portuário, comercial e governamental; acima (sul), a retaguarda urbano-rural. A setas azuis indicam as direções de expansão da cidade colonial.

A propósito dessa expansão por assim dizer cartesiana, vale recordar o postulado no primeiro artigo desta série:
Não se trata de que inexistam tendências radiocêntricas na cidade colonial, isto é, de que sua organização sócio-espacial não manifeste a lei do menor custo-distância, mas de que aqui ela é uma força débil relativamente a outros determinantes [p. ex. a pré-existência de um traçado fundacional, a pequena extensão dos percursos, o aproveitamento das quadras e parcelas], materializando-se via de regra como expansão linear ao longo da via principal do assentamento e, em menor medida, como reprodução mais ou menos regular da quadra padrão no sentido transversal. [5b]
No período imperial predomina, ao norte, a expansão por aterros sucessivos visando a ampliação do porto e a instalação de edifícios, praças e equipamentos públicos, prolongando-se também o eixo comercial principal (Rua da Praia) pela 7 de Setembro e Voluntários da Pátria. Ao sul, a expansão e o adensamento são eminentemente residenciais e se dão, respectivamente, por incorporação de glebas limítrofes ao recinto urbanizado e por subdivisões sucessivas da propriedade motivadas por arranjo familiar, necessidade econômica ou herança.

A maior parte da área circunvizinha é ocupada por chácaras, algumas dedicadas ao abastecimento [6], outras ao retiro das famílias afluentes da capital, e por comunidades egressas da escravidão.[7] A combinação, nesse setor, de restos de propriedade senhorial, pequena propriedade agrícola e núcleos de ex-escravos assim aparece descrita na história da Cidade Baixa:
"Em meados do século XIX, “Cidade Baixa” foi a designação utilizada para toda a região situada ao sul da colina da Rua Duque de Caxias. (..) Era denominada Arraial da Baronesa, (..) alusão a uma grande extensão territorial abrangida por uma chácara de propriedade da Baronesa de Gravataí, cuja mansão localizava-se onde hoje é Fundação Pão dos Pobres. Faziam parte da área, também, propriedades semi-rurais, cuja base produtiva era a mão de-obra do escravo. Quando esse fugia de seus senhores, escondia-se nos matos que faziam parte do Arraial, sendo designado de território das “Emboscadas”. Em 1879, depois de um incêndio em sua propriedade, a Baronesa loteou e vendeu suas terras, que passaram a ser habitadas por negros libertos e famílias italianas. (..)" [8]

Outra interessante ilustração da fragmentação sócio-espacial do entorno imediato da cidade imperial, enriquecida porém com um significativo elemento de transição, é a trajetória da família Gonçalves, também conhecida como Mostardeiro. Comerciante rico de origem humilde, Gonçalves, além de chacareiro, tornou-se também um importante proprietário de terras peri-urbanas: 
"Antônio José Gonçalves nasceu em Mostardas, interior do Estado, de família humilde, e tornou-se vendedor de mercadorias diversas. Chegando a Porto Alegre em 1867 com sua esposa, Laura, comprou um terreno de 64 hectares que compreendia o Moinhos de Vento e parte do Rio Branco, onde ficava na época a colônia africana. Adquiriu também terrenos semi-rurais nos atuais bairros de Petrópolis e Santa Cecília, mas instalou-se na região do atual Moinhos de Vento, onde tinha horta, criação de gado e um lago com cisnes. O local ficou conhecido como a Chácara dos Mostardeiro. Ali, a família fez fortuna e desenvolveu o comércio, tornando-se uma das mais influentes de Porto Alegre. Antônio Mostardeiro faleceu em 1893." [8a]
Porto Alegre e seu entorno semi-rural em 1837, com indicação parcial da linha de fortificações que perdurou até o fim da Guerra dos Farrapos, em 1845. O grande arruamento a noroeste foi uma de várias tentativas de apropriação privada da Várzea do Portão (atual Parque Farroupilha, ou Redenção) área pública doada em 1807 para arrebanhamento do gado que abastecia a cidade.[9]

Com uma periferia imediata ainda marcadamente rural, Porto Alegre, mesmo tendo triplicado de tamanho no século decorrido desde o assentamento açoriano originário ainda é, portanto, em meados do século XIX, uma cidade de distâncias pedestres. 

No ápice de sua configuração cartesiana, a expansão longitudinal do setor norte se estenderia pelo Caminho Novo (Voluntários da Pátria) na direção de Navegantes, ensejando a ocupação da vertente da colina até o Caminho da Aldeia dos Anjos (Independência), ao passo que a expansão transversal se derramaria pela encosta sul do promontório até a orla e, na direção sudeste, entre o Caminho da Azenha e o prolongamento da Rua do Arvoredo, iniciando a formação do que viria a se tornar a Cidade Baixa. 

Imagem ilustrativa da expansão da mancha urbana de Porto Alegre entre 1780 e 1880, lançada sobre a Planta de 1881, com base nas imagens das Plantas de 1772, 1837 e 1881, disponíveis na Internet. Elaboração própria. 

A planta urbana de 1881 manifesta, com alguma clareza, a ambivalência inerente à transição urbana já em curso. De um lado ela exibe, ao longo de toda a vertente norte da Crista da Matriz, a pujança da capital comercial-portuária pré-republicana, da qual a expansão pela vertente sul constitui mero acréscimo residencial e, em alguma medida, retaguarda agrícola; de outro esboça, não menos nitidamente, a configuração radioconcêntrica que implica a comunicação regularmas ainda não pendular, entre a cidade e os arraiais circunvizinhos.

Contudo, a planta de 1881 não mostra os principais indícios da revolução urbana subjacente à expansão radial: a tendência à conurbação dos aldeamentos semi-rurais periféricos e, principalmente, a proliferação de loteamentos por toda a “coroa de 180 graus de terra firme” disponível ao redor da cidade imperial. Só o primeiro desses elementos, os arraiais, aparecem na planta de 1888.

Planta de Porto Alegre de 1888. Acervo do IHGRGS
Fonte: FIALHO D M, “As Plantas de Porto Alegre de 1876 e 1888”. Cartografia.org.br s/d

O novo ciclo de expansão: um esboço
O traço distintivo do ciclo de expansão urbana aberto no terceiro quarto do século XIX é o advento da indústria da urbanização, mais precisamente de um mercado de bens e serviços urbanos cujos principais segmentos são o parcelamento de terras periféricas à cidade imperial, os serviços públicos que lhes dão acesso e condições mínimas de uso, e a construção civil, que multiplica o estoque de residências, principalmente, mas também de edifícios comerciais - além, é claro, de instalações ferro-portuárias, armazéns, fábricas e equipamentos públicos. Nas duas pontas do circuito, o crédito, embora incipiente, já desempenha uma função crucial. 
"A reforma monetária empreendida nos primeiros anos da República, conhecida como Encilhamento, propiciou o surgimento de inúmeras empresas, fábricas e companhias em todo o país. No Rio Grande do Sul, os efeitos do Encilhamento se estenderam aproximadamente até 1895 (Pesavento, 1990: 76). Essa reforma dinamizou o setor financeiro em virtude das facilidades que concedeu à emissão e concessão de crédito." [10]
Além da disponibilidade de mão de obra local e de capitais, de quaisquer origens, ávidos por valorização, o advento de um mercado de bens e serviços inexoravelmente atados ao lugar, isto é, não exportáveis e de retorno a longo prazo, supõe a existência de uma pequena-burguesia de rendimentos razoavelmente estáveis e em contínuo crescimento, formada por lojistas, artesãos, especialistas e agentes públicos civis e militares. 

Dadas essas condições, o mercado da urbanização se desenvolve como uma vasta cadeia de negócios interdependentes e retro-alimentantes que integra bancos e entidades de crédito e poupança; empreendedores imobiliários e construtores; corretores e - dependendo do país - agentes cartorários; fornecedores e operadores de serviços urbanos de transporte, água, eletricidade, gás e telefonia; fabricantes e fornecedores de materiais de construção, veículos, mobiliário e equipamentos domésticos; profissionais especializados em topografia, engenharia, arquitetura, advocacia e contabilidade; lojistas dedicados ao comércio local; artesãos e reparadores; e um exército de trabalhadores de níveis diversos de qualificação. [10a] 

Subjacente a essa formidável invenção capitalista está a mais-valia do solo em vias de urbanização, inflada por espirais de valorização decorrentes do descompasso entre o crescimento contínuo da demanda e a escassez intrínseca da oferta - não se trata da quantidade de lotes, mas de suas vantagens relativas de localização -, que proprietários de terra e capitalistas repartem entre si, uns como como pura renda da propriedade outros como lucro extraordinário do empreendimento. 

A contrário, porém, do sucedido na Europa e Nova Inglaterra (EUA) a partir do segundo quarto do século XIX, a suburbanização das cidades brasileiras em fins desse século não resulta da fuga de famílias aristocráticas, burguesas e pequeno-burguesas dos centros industrializados densamente habitados por famílias proletárias, com seu cortejo de miséria e doenças; antes, a periferia é a “primeira locação” de uma pequena-burguesia e um trabalhadorado industrial nascentes para os quais a exígua cidade colonial-imperial não tem terra a oferecer a preços acessíveis. 

O crescimento demográfico e a formação da classe média
Em 1860, um quarto de século passado do fim da Guerra dos Farrapos - que durara dez anos, freara o crescimento econômico e demográfico e contivera a expansão da cidade -, Porto Alegre contava cerca de 20 mil habitantes [11]; em 1890, 53 mil; em 1920, 180 mil. A década de 1900 registrou a taxa recorde de crescimento anual, 5,9%, só rivalizada pela dos anos 1950, um ciclo expansivo potente, mas totalmente distinto, com 5,0%. [12]
Porto Alegre
crescimento demográfico 1860-1920

Parte considerável desse crescimento deve ser creditado à imigração iniciada ainda na década de 1820, quando chegaram à cidade, mais exatamente à localidade de Navegantes, os primeiros alemães trazidos pela Coroa no marco de um plano de colonização do Sul do país baseado na concessão de pequenas propriedades rurais. Interrompido pelo conflito farroupilha, o fluxo migratório foi retomado de maneira contínua a partir de 1850, agregando poloneses, platinos e, notadamente, um grande contingente de italianos a partir de 1875. Entre 1882 e 1914, 75 mil italianos chegam à província, perfazendo mais de 82% dos imigrantes ingressados entre 1882 e 1889 [13]

Na segunda metade da década de 1860, Porto Alegre recebeu, também, um aporte extraordinário de recursos humanos, financeiros e técnicos (serviço telegráfico, estaleiros, quartéis e instalações portuárias) como principal base de apoio ao esforço de guerra imperial no Paraguai. A aquisição estatal, com a interveniência do Banco da Província fundado em 1858, dos produtos da florescente agricultura alemã “pelo seu justo valor” foi um relevante fator de impulso à economia da província e à expansão da capital [14]
"(..) diferente de outras regiões do país para onde os imigrante foram trabalhar sobretudo como assalariados e artesãos, no Sul as autoridades lhes concedem pequenas propriedades rurais, onde se estabelecem como agricultores. (..) No último quarto do século XIX, graças às chamadas colônias a atividade comercial conhece um notável fortalecimento, favorecendo o desenvolvimento de setores da indústria, cujos produtos começaram a substituir artigos importados." [15]
A imigração tem particular importância na formação da nova classe média urbana porto-alegrense. De seu impulso provém um contingente expressivo de pequenos-burgueses, principalmente, mas também de trabalhadores qualificados aptos a converter excedentes de consumo em renda de terrenos periféricos e gastos de transporte. 

Dos cerca de 20 mil habitantes de 1860, 3 mil eram alemães que “conseguiram rapidamente conquistar um padrão de vida confortável.”[16] A partir de então,
“(..) a economia da cidade se diversificou, instalando-se restaurantes, pensões, pequenas manufaturas, alambiques e estabelecimentos comerciais diversos, com uma contribuição marcante dos imigrantes alemães, ocupados nos mais variados afazeres”. [17]
Em seu estudo sobre a vida cultural das comunidades de imigrantes na Porto Alegre de fins do século XIX, mais exatamente sobre “as muitas e variadas formas de usar o tempo livre na cidade de acordo com a posição do imigrante na estrutura social”, Constantino [18] nos fornece, à margem do retrato principal da “gente pobre, representativa da condição dos estrangeiros que chegavam à cidade”, um sem-número de pistas do nascimento dessa nova classe média, deixadas por depoimentos de origem diversa. 

Relata-se, por exemplo, que entre os alemães, “diferentes classes organizavam-se em diferentes sociedades”. A colônia tinha clubes desportivos e de categorias profissionais, como “combatentes e cantores, ginastas e atiradores, ciclistas e remadores, evangélicos e católicos, trabalhadores e comerciantes”. A sede da Sociedade Germânia, em cujo restaurante havia, desde 1860, “um gabinete de leitura”, era “magnífica”, com “estátuas de gesso alusivas à Germânia da Baixa Floresta e um busto do imperador alemão”. 

Dentre os “recreios” que desde 1867 se espalharam por toda a cidade, como o Navegadores, em Navegantes, “com orquestra aos domingos”, e o Carlos Obst, na Azenha, o Harmonia, localizado junto ao Campo da Redenção, era frequentado pela “fina flor da colônia alemã”. Em 1873 foram fundadas as sociedades carnavalescas Venezianos e Esmeralda, um carnaval ‟culto e sofisticado (..) privilégio de uma elite selecionada”. Por volta de 1880, sociedades como a Germânia promoviam “bailes de máscaras no Salão Roth, extraordinariamente luxuoso”. 

A comunidade italiana, por sua vez, “na segunda metade do século XIX começa a crescer e diversificar”: os fundadores da Sociedade Vittorio Emanuelle II (1877) eram “comerciantes, profissionais liberais, artistas e artesãos”. Em relatório a Roma no início da década de 1880, o cônsul italiano em Porto Alegre registra que “há súditos do Reino da Itália em todas as profissões, artes e ofícios, especialmente na capital” e que o consulado uruguaio gasta cinco vezes mais com repatriamentos, prova das “boas condições que a Província oferece aos estrangeiros.”

Ao passo que na Porto Alegre das primeiras décadas do século XIX “eram apenas sete os taverneiros [e] só havia casas-de-pasto nos becos de má-fama, perto das docas (..), por volta de 1867 Karl Andrée registrou 19 bodegas e 10 cafés."  No início do período republicano eram “116 tavernas, 38 botequins, bares e restaurantes, 10 quiosques (..) e cafés famosos que atraiam vasta clientela: América, Roma, Guarany, Colombo, Marchetti”. Mais de vinte cervejeiros operavam na capital, muitos dos quais “estabeleceram chalets para a venda dos seus produtos”. 

O centro de consumo das famílias desafogadas era a tradicional Rua da Praia, “linda e larga, com lojas finas, modistas, joalherias, grandes magazines do vestuário, alfaiatarias e chapelarias alemãs, duas livrarias brasileiras e duas alemãs, tipografias, hotéis (..) e até comerciantes sírios, que publicavam um jornal em árabe”. Em 1913, o jornalista Nivaldo Coaracy escreveu que a cidade apresentava "progresso material, maior requinte de hábitos e uma multiplicidade de casas de diversão, clubes novos, maior apuro nas confeitarias e restaurantes." 

Nos estratos mais elevados da pirâmide social, a influência da imigração é assim sintetizada por Souza, citando Pesavento: 
“(..) a configuração urbana de Porto Alegre foi marcada pela dinamização do comércio, praticado pelos descendentes de imigrantes alemães que acumularam ‘um capital dinheiro passível de ser aplicado em grandes estabelecimentos comerciais de importação e exportação assim como indústrias e bancos’. Consequência disso, na virada do século ‘parte significativa da ascendente burguesia urbana local era de origem alemã e dominava inclusive o setor da construção civil, agregando engenharia e arquitetura.” [19]

A indústria dos loteamentos

A associação dos parcelamentos das chácaras e glebas semi-rurais à origem dos bairros da Porto Alegre contemporânea remonta à década de 1870. É o caso de Partenon (1873), Vila São José (1875), Teresópolis (1876), Navegantes (1877), Moinhos de Vento (1878) e Cidade Baixa / Areal da Baronesa (1879),[20] onde proprietários lotearam terras com óbvios objetivos pecuniários, mas sem claros propósitos empresariais.[21] 

Ainda que nenhuma dessas iniciativas se traduza imediatamente, ou mesmo a curto prazo, em novos "fragmentos de cidade", elas indicam que o processo de expansão da urbe já não se resume ao acréscimo de novas quadras ao antigo recinto, a essa altura total ou parcialmente dotado de serviços de telégrafo (1867), transporte ferroviário (1874), iluminação a gás (1874), abastecimento d’água (1876) e, o que é crucial para proprietários de terras e investidores, bondes de tração animal (1873)[22]. Segundo Macedo,
“A década de 1880 foi caracterizada pelo avanço do processo de conurbação do centro histórico com os arraiais vizinhos. As áreas intermédias começavam a ser valorizadas para loteamentos, surgindo os núcleos dos futuros bairros Floresta, Bom Fim, Independência, Moinhos de Vento e vários outros.” [23]
O surgimento de um mercado de terras periféricas à cidade imperial indica uma mudança qualitativa no processo de expansão da cidade, cuja maturidade é assinalada pelo advento das companhias loteadoras na década de 1890:

"A partir da última década do século XIX, a figura isolada do proprietário fundiário começa a desaparecer do cenário da capital cedendo lugar às companhias de loteamento, criadas especificamente para atuar no mercado de terras. [24] [24a]

Em seu estudo sobre o mercado de terras de Porto Alegre, Strohaecker descreve a trajetória e as áreas de atuação das quatro empresas que operaram nessa década, aduzindo preciosos elementos sobre suas práticas de mercado e sobre a íntima relação de seus principais proprietários e acionistas com agências estatais e capitais de investimento em serviços públicos.

Segundo a autora, essas novas tecnologias urbanas “fornecerão os serviços e equipamentos indispensáveis à emergência do capitalismo”; na verdade, elas já são a metrópole capitalista em construção, como atesta a relação dos cargos exercidos pelos três principais acionistas da mais importante empresa loteadora, a Companhia Predial e Agrícola, em instituições financeiras (Banco Comercial Franco-Brasileiro, Banco Nacional do Comércio, Cia. Previdência do Sul) e empresas de serviços públicos urbanos (Hidráulica Porto Alegrense, Força e Luz Porto Alegrense, Telefônica Rio Grandense, Carris Porto Alegrense) [25].

A Companhia Territorial Porto Alegrense, que tinha dentre seus objetivos estatutários “a compra de bens de raiz, especialmente de terrenos e prédios no município de Porto Alegre, a venda de terrenos e lotes, [a] abertura de ruas ou avenidas, a exploração e venda de materiais (,,) [e a] construção de prédios em suas propriedades”, promoveu, entre 1892 e 1902, “loteamentos distintos para grupos de renda diferenciados, conforme o sítio e a localização” [26]: 

(..) o loteamento Bela Vista, localizado em área salubre e adjacente aos bairros nobres da Independência e Moinhos de Vento, foi lançado visando o mercado de classe média, constituído basicamente de descendentes de portugueses que exerciam atividades ligadas ao comércio da cidade. Por outro lado, os loteamentos Navegantes, São João e Várzea do Gravataí, localizados em áreas sujeitas a inundações e distantes do centro urbano, foram destinados às classes operárias, principalmente imigrantes (italianos, alemães e poloneses), que procuravam residir nas proximidades das fábricas. Nesse período, a indústria porto-alegrense distribuía-se longitudinalmente às margens do lago Guaíba e à ferrovia. [27]
A Companhia Rural e Colonizadora, que operou entre 1896 e 1898, tinha seu patrimônio fundiário concentrado “nos arrabaldes de Teresópolis e Glória”. A Companhia Territorial Rio Grandense, que operou de 1895 a 1899, promoveu loteamentos no arraial da Piedade (hoje bairro Rio Branco), nas adjacências do Campo da Redenção (atual bairro Bom Fim) e nos arrabaldes de Teresópolis, Partenon e Glória. A Companhia Predial e Agrícola, empresa fundada em 1897 que absorveu as duas primeiras e existe até os dias atuais, atuou na zona sudeste de Porto Alegre, principalmente nos atuais bairros da Glória e Teresópolis. [28]

A situação do mercado de terras periféricas a Porto Alegre na aurora do século XX é assim resumida:
Com a incorporação das extintas companhias Territorial Porto Alegrense, Territorial Rio Grandense e Cia. Rural e Colonizadora, a Companhia Predial e Agrícola praticamente monopolizou o mercado de terras da capital do Estado até a metade da década de 1920. (..)
De 1908 até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, ocorre um incremento significativo no volume de negócios do setor imobiliário. Esse aumento da demanda reflete-se no âmbito de toda a cidade com a introdução dos bondes à tração elétrica, a implantação de várias fábricas e melhoramentos urbanos. (..) em média, eram contratados cerca de cinqüenta imóveis por ano. Mas, em 1909, ocorre um aumento no volume de vendas para 184 imóveis, um incremento de 268%. Esse desempenho se deve primordialmente à introdução dos bondes à tração elétrica na cidade, a partir de 1908, o que permitiu o deslocamento dos estratos de renda média para bairros mais distantes do centro com a facilidade e rapidez do novo sistema de transporte coletivo. [29]
Segundo as fontes consultadas, loteamentos criados entre os anos de 1870 e 1930 aparecem associados à origem ou desenvolvimento inicial dos seguintes bairros de Porto Alegre:

1870-1889: Partenon, Vila S. José, Teresópolis, Navegantes, Moinhos de Vento, Cidade Baixa

1890-1900: Navegantes, Glória, Rio Branco, Bom Fim, Bela Vista, São João, Medianeira, Higienópolis, Mário Quintana, São Geraldo

1900-1930 Auxiliadora, Bom Jesus, Cristo Redentor, Jardim do Salso, Mont’Serrat, Petrópolis, Rio Branco, São João

A configuração espacial desses elementos está indicada na imagem abaixo, que tomo como representação aproximada -  fontes primárias estão fora do alcance deste autor - 
do que seria um mapa dos loteamentos do período. 

Porto Alegre - bairros originários de loteamentos criados entre 1870 e 1930
Fontes: Strohaecker e PROCEMPA. Elaboração própria.
Base Google Maps. O Centro Histórico aparece como registrado na Planta de 1881. As linhas vermelhas representam o traçado aproximado das modernas Perimetrais. 

Os assentamentos negros e os arraiais
Os loteamentos não são, por certo, os únicos elementos da expansão periférica da Porto Alegre de fins do século XIX: são o componente principal do ciclo expansivo impulsionado pelo mercado de bens e serviços urbanos. Precedem-nos, e com eles convivem enquanto são absorvidos ou deslocados pela nova trama urbana em rápida expansão, dois  tipos de núcleos populacionais: os assentamentos negros e os arraiais.

Embora o termo apareça muitas vezes na literatura como genérico para núcleo populacional peri-urbano, inclusive proveniente de loteamentos - o “bairro de antigamente” -, o arraial constitui, na Porto Alegre de meados do século XIX, um tipo específico de assentamento de caráter semi-rural que emerge do processo de fragmentação da propriedade senhorial em chácaras produtivas e propriedades de recreio dos setores afluentes da capital. Em geral ele é descrito como aldeamento satélite relativamente autônomo que mantinha com a cidade certas relações comerciais e administrativas. [30] [31]

As comunidades de trabalhadores egressos da escravidão - fugitivos, alforriados e libertos - se estabelecem desde muito cedo em alagadiços e matas de difícil acesso na várzea do Arroio Dilúvio, periferia imediata da capital, onde permanecerão, em alguns casos, durante muitas décadas. Como em muitas outras grandes cidades brasileiras, esses assentamentos, com caráter de ocupação, serão ao longo do século XX um fator de distúrbio no processo “normal” de estruturação sócio-espacial da cidade radiocêntrica - o da segregação pela via do mercado de localizações.

A transição periférica
A plotagem das colônias afro-brasileiras, arraiais e loteamentos sobre uma mesma base espacial nos oferece um panorama mais completo da expansão periférica de Porto alegre no período 1870-1930.
Porto Alegre - Loteamentos, arraiais e principais assentamentos negros no período 1870-1930. Base Google Maps. Elaboração Própria. Fontes: STROHAECKER e PROCEMPA.
A linha tracejada cinza delimita a Cidade tal como representada na Planta de 1881; a linha tracejada preta é o limite urbano de 1892 cf. FIALHO; as linhas vermelhas representam, aproximadamente, as modernas Perimetrais que contém a Cidade Radiocêntrica   

Observa-se que a distribuição espacial dos loteamentos para os três intervalos temporais considerados não guarda clara relação com a distância à cidade, medida por sua posição relativa às atuais Perimetrais, em cujo âmbito se define a "Cidade Radiocêntrica".

A maioria dos loteamentos do período 1870-1930 situa-se no espaço contido entre a 2a e a 3a Perimetrais, externos portanto ao limite urbano de 1892, sugerindo que o novo mercado de bens e serviços urbanos integra um ciclo expansivo que, desde a década de 1870, transcende largamente o processo, inegavelmente em curso, de "conurbação do Centro Histórico com os arraiais circundantes".

Muito mais do que o preenchimento dos vazios existentes entre a cidade e os aldeamentos legados pela época das chácaras, o que se vê é a proliferação de parcelamentos de terra por toda a "coroa de 180 graus de terra firme disponível ao redor" da cidade imperial, ao alcance de qualquer caminho ou ramificação radial por onde se dá, ou se presume que se dará, a passagem do serviço de transportes que lhes proporcione condições básicas de acesso à “cidade”; um processo inexorável e até certo ponto caótico, guiado pela oportunidade de se dispor de uma gleba, retalhá-la e, com base em seus atributos naturais e nas condições presumíveis de acesso cotidiano à “cidade” onde estão o porto, o comércio, os escritórios, o governo e, portanto, a maioria dos postos de trabalho, venderem-se os lotes pela melhor oferta de renda disponível no mercado. Com a primazia do fator acessibilidade, atributo da localização que inclui o suporte viário, os meios de transporte e o custo do deslocamento e subjaz à crescente movimentação pendular da população economicamente ativa, a urbe adquire, em definitivo, uma dinâmica "radiocêntrica".

O limite de 1892 tem o claro propósito de incorporar ao recinto urbano os arraiais, já arruados conforme a Planta de 1888, mas não os loteamentos, que ainda não são "cidade". Pseudo-subúrbios anteriores à suburbanização, esses núcleos semi-rurais que com a expansão "normal", espacialmente progressiva, da cidade imperial estariam destinados à conurbação acabaram todos "engolidos" pela urbanização de mercado de inícios do século XX, misturando-se aos loteamentos na complexa trama dos novos bairros da cidade radiocêntrica. 

Ao incorporar os arraiais, o limite urbano de 1892 incorpora também, voluntariamente ou não, as comunidades negras concentradas nas áreas alagáveis da várzea do Dilúvio, periferia imediata da cidade imperial - atuais bairros da Cidade Baixa, Farroupilha, Bom Fim, Santana e, muito especialmente, Rio Branco, onde existia na virada do século a Colônia Africana. Segundo Pesavento, elas formam um "cinturão negro" situado entre o centro e os demais distritos da cidade [31a]. Numa época em que ainda não se fala em grandes obras de drenagem e saneamento, esses assentamentos, sujeitos ao duplo opróbrio da etnia e da pobreza extrema, não parecem competir com a indústria dos loteamentos, que, salvo no que tange aos bairros operários da Zona Norte, busca as áreas mais elevadas e salubres potencialmente acessíveis pelo sistema de bondes em franca expansão.

O processo de absorção-extrusão, pela urbanização de mercado, desses dois componentes previamente alojados na periferia imediata do Centro Histórico fez surgir um espaço urbano de transição cujas peculiaridades serão estudadas na terceira postagem desta série. 

As vias radiais e os serviços de bondes
Embora situados no coração da indústria da urbanização, loteamentos são empreendimentos especulativos que, por definição, não se convertem imediatamente em cidade - o que explica o atraso com que são muitas vezes incorporados aos mapas urbanos e, eventualmente, à própria literatura urbanística. Entre a aurora dos parcelamentos de terras na Porto Alegre imperial da década de 1870 e a maturação da rede urbana da capital republicana por volta de 1930 cabe, para os padrões de longevidade da época, mais de uma vida inteira. Como faces de uma mesma moeda, porém, os dois fenômenos, embora temporalmente defasados, têm igual alcance espacial e respondem ao mesmo princípio: o da centralidade despoticamente governada pela regra da menor distância-custo, vale dizer a configuração radiocêntrica. Sua expressão operacional são os sistemas radiais de circulação e transporte.
“Os primeiros caminhos de Porto Alegre. 
CRUZ, Transparência de aula”, 
em RUSCHEL P. 25
Fonte: Internet
Nos albores de sua existência, Porto Alegre se comunicava com os povoados de sua hinterlândia por três caminhos que irradiavam do Portão da cidade protegida pelas paliçadas: o Caminho da Azenha e o Caminho do Meio levavam a Viamão respectivamente pela várzea do Dilúvio e pela Crista da Matriz, e o Caminho da Aldeia dos Anjos partia do alto do promontório rumo a Gravataí.

A formação dos arraiais, em meados do século XIX, à beira de tais caminhos estabelece o esboço de uma expansão urbana radiada. Contudo, é o sistema de transportes que detalha a cronologia e a geografia dessa expansão. E ela mostra claramente que, a despeito da coincidência temporal, os bondes, inaugurados em 1873, não chegam à cidade casados com os loteamentos: prometidos seria uma metáfora mais adequada. Em 1888 eles ainda aparecem como melhoramento a serviço da cidade imperial e seus, àquela altura, principais aldeamentos periféricos: os arraiais de Navegantes e do Menino Deus, os mais antigos e populosos da região. A dinâmica que governa a rede em seus primeiros anos não é a da "indústria da urbanização", mas a da capital portuária e comercial que constrói um eixo de comunicação regional com as colônias agrícolas do Vale dos Sinos e além, e em cuja retaguarda semi-rural, ao sul, se forma um "arraial de chácaras e casas de fim de semana de famílias de alta renda" [32].

Porto Alegre 1888 e 1896,
rede de transporte público
Fonte: Internet 
A história do vetor regional norte começa em 1806 com a abertura do Caminho Novo, descrito por vários autores como um bucólico passeio à beira-rio que dava acesso às chácaras situadas na margem norte do Guaíba. Em sua extremidade erigiu-se um “solar para residência dos governadores (..) usado para este fim até 1824” [33], quando se tornou a principal via de comunicação entre a capital e os novos assentamentos agrícolas do Vale dos Sinos e mais além. Consta que, por força dos sucessivos cercos durante o conflito farroupilha, o setor da cidade imperial que lhe corresponde tornou-se a principal alternativa de expansão urbana [34]. Após prolongada transição que inclui o nascimento do arraial de Navegantes, a transfiguração do Caminho Novo se consuma, no terceiro quarto do século XIX e já sob o nome de Rua Voluntários da Pátria, como peça central do “corredor regional” integrado pela ferrovia implantada em 1874, pelo prolongamento do porto com suas respectivas estruturas de apoio e pelas novas indústrias e bairros operários da capital atendidos, desde 1888 pelo menos, por serviços de bondes de tração animal.

A Rua do Menino Deus (atual Getúlio Vargas) tem um desenvolvimento totalmente distinto. Quando lá chegou o bonde de tração animal por volta de 1873, por um trajeto não litorâneo devido aos problemas da transposição do Dilúvio, o arraial  
“(..) caracterizava-se pela presença de casas bem arranjadas e hortas, ligadas a uma camada da população de maior poder aquisitivo, que desfilava por suas ruas em finas carruagens. Destacava-se como o mais movimentado de Porto Alegre, em função de suas festas paroquiais e pela instalação, em 1888, do hipódromo Rio-Grandense (..)”. [35]
Embora tenha tido seu período áureo já na virada do século, quando, segundo Sanhudo, "começou a ser um bairro chique (..) [de] vistosos sobrados revestidos dos mais artísticos mosaicos da cerâmica de Maiorca, ressaltados por figuras representativas da mitologia grega em fina louça italiana e portuguesa", [36] o Menino Deus tampouco estabelece a margem sul do Guaíba como direção principal de expansão da urbanização de mercado: como mostra cristalinamente a rede de bondes de 1896, esta se espraia pelos antigos caminhos rurais e suas ramificações a partir das terras altas da Crista da Matriz.
Porto Alegre 1916 e 1928,
rede de transporte público
Fonte: Internet 

É com a tração elétrica, a partir de 1908, implantada pela recém criada Companhia de Força e Luz Portoalegrenseque se consolida a associação dos negócios do parcelamento de terras e dos transportes urbanos. Não é casual que os primeiros bairros atendidos pelo novo serviço sejam Menino Deus, Glória, Teresópolis e Partenon, [37] principal região de atuação da Companhia Predial e Agrícola: como referido acima, o mesmo grupo de acionistas comanda as duas empresas e exerce, pelas vias executiva e legislativa, grande influência sobre a administração pública.

Logo os bondes passam a servir toda a “coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão” ao redor da capital, alcançando não apenas os arraiais há muito existentes junto aos caminhos pioneiros - Moinhos de Vento, São Manoel, São Miguel - mas também os novos parcelamentos surgidos ao seu redor e mais além. O serviço do antigo Caminho da Azenha (João Pessoa) se ramifica, de um lado, na direção dos novos loteamentos de Medianeira, Glória e Teresópolis, de outro na de Santo Antônio e Partenon; o do antigo Caminho do Meio (Oswaldo Aranha / Protásio Alves) segue o rumo do Bom Fim, Rio Branco e Santana; o do antigo Caminho da Aldeia (Independência) se ramifica também, de um lado na direção dos novos loteamentos de Moinhos de Vento, Auxiliadora, Mont'Serrat e Higienópolis, de outro, na direção da Floresta e São João. Também o serviço de Navegantes, pelo antigo Caminho Novo (Voluntários da Pátria), se ramifica rumo aos loteamentos de São Geraldo e São João.

Mais do que expansão geográfica, a rede de bondes de 1916 mostra o adensamento da malha urbana resultante do preenchimento dos interstícios legados pela expansão suburbana.

A suburbanização de mercado aparece perfeitamente cristalizada em "cidade radiocêntrica" na rede de 1928, com o adensamento dos setores circulares e a formidável expansão, agora apoiada por serviços de ônibus, ao longo de todos os eixos radiais, atingindo os bairros de Bela Vista, Petrópolis e Bom Jesus na área de influência da Protásio Alves; São José na da Bento Gonçalves; Passo d'Areia e Cristo Redentor na da Assis Brasil.

Conclusão
Numa rara passagem de Espaço Intra-Urbano no Brasil  explicitamente dedicada à gênese da moderna metrópole brasileira, Villaça observa que “a nova espacialização urbana” oriunda da “transição da sociedade patriarcal, escravocrata e colonial para capitalista” é "pouco notável" em Porto Alegre devido ao pequeno tamanho da cidade relativamente aos velhos centros coloniais – Salvador, Recife e, principalmente, Rio de Janeiro, “onde inclusive os transportes coletivos se difundiram bem antes que nas outras metrópoles.”[38]

Eu espero ter demonstrado, ou ao menos argumentado convincentemente, que, muito ao contrário, um conjunto de circunstâncias dentre as quais o aparecimento de "uma nova estratificação social, uma nascente burguesia e classe média urbanas”[39] fez surgir na periferia da Porto Alegre de fins do século XIX, de maneira talvez precoce para o tamanho da cidade, um próspero mercado de terras, moradias e serviços urbanos e seu corolário espacial – a cidade radiocêntrica, servida por bondes de tração elétrica não mais que dezesseis anos depois do Rio de Janeiro, onze depois de Salvador e seis antes de Recife. 

Facilitada por fatores já apontados no primeiro artigo desta série e por isso antecipada à construção, típica da segunda metade do século XX, das redes de vias expressas e semi-expressas de acesso ao centro urbano, a clara configuração radiocêntrica da rede urbana de Porto Alegre já nas primeiras décadas do século XX é o que de mais notável poderia exibir a gênese de uma metrópole capitalista. 

Ao invés, porém, da expansão gradativa por acréscimos adjacentes à fronteira urbana, característica da cidade colonial e, em boa medida, também da imperial, a formação da urbe radiocêntrica se dá, por assim dizer, de fora para dentro, saltando o perímetro da cidade para, desde a sua periferia semi-rural, a ela soldar-se pouco a pouco incorporando em sua marcha inexorável os antigos arraiais e expelindo, cedo ou tarde, por meio de remoções a cargo do Estado se necessário, famílias e assentamentos impossibilitados de competir economicamente pela localização que ocupam. 

Refluindo sobre o núcleo colonial-imperial, a cidade radiocêntrica em contínua expansão e adensamento o revoluciona de acordo com as necessidades da economia de mercado e as exigências culturais e estéticas dos novos segmentos sociais econômica e politicamente dominantes, vale dizer pela renovação acelerada do estoque edificado, pela multiplicação de edifícios de escritórios e galerias comerciais, pela formação de um hipercentro financeiro, pela busca incessante de uma arquitetura própria dos arranha-céus, pela inserção da cidade no circuito das exposições agrícolas e industriais, pela elaboração de um Plano de Melhoramento e Embelezamento da Capital e por intervenções urbanas modernizadoras como a ampliação do porto, o ajardinamento do Campo da Redenção com base em projeto de Alfred Agache e, fechando com chave de ouro este primeiro ciclo, a abertura da Avenida Borges de Medeiros, a partir de 1925, para a ligação do núcleo urbano ao bairro do Menino Deus e daí a toda a margem sul do Guaíba, aí incluída a construção do Viaduto Otávio Rocha - provavelmente a obra urbana mais emblemática da história de Porto Alegre.
Porto Alegre 1933.
Avenida Borges de Medeiros e Viaduto Otávio Rocha, projetado por Manoel e Duilio Bernardi, com esculturas de Alfred Adloff. Concluído em 1932 e tombado em 1988

É a indústria da urbanização, ou urbanização de mercado, que dá conteúdo e forma à urbe radiocêntrica. É ela que converte as chácaras semi-rurais em bairros residenciais, os antigos caminhos rurais em vetores radiais de expansão, os aldeamentos satélites estrategicamente situados em embriões de futuros subcentros e, finalmente, a própria “cidade” em “centro”! - uma mudança geográfica radical e meteórica na escala temporal da modernidade urbana, portadora de uma percepção coletiva do espaço inteiramente renovada ainda que pouco acessível aos hábitos mentais das antigas gerações: sua transposição para a linguagem corrente levaria ainda algumas décadas para se completar. [40]

Chego, aqui, a uma ideia bastante distinta da expressa por Villaça a respeito da renovação espacial das cidades coloniais brasileiras:

Quando, nos primeiros vinte anos deste século, o quadro imobiliário do centro de nossas cidades foi totalmente renovado com a demolição do colonial e a implantação do neoclássico e do ecletismo, não houve alteração na estrutura urbana, pois esses centros não perderam sua importância, sua posição, natureza nem localização. [41]

As duas primeiras décadas do século XX marcam, no Brasil, o nascimento das metrópoles capitalistas, que tem como um de seus traços distintivos, como vimos, o novo mercado de lotes suburbanos. Por não considerar o salto qualitativo realizado na transição da urbanização mercantil-escravista para a urbanização capitalista, Villaça perde de vista que é assim que nasce o “centro” no que até então era “a cidade”.  Embora não perca a sua "localização, importância e posição", o velho núcleo colonial-imperial perde, sim, a sua “natureza”: sobre a cidade que comanda o campo ao seu redor, nasce o centro que comandará a metrópole. O novo centro da urbanização de mercado começará, então, a se estender na direção da migração dos abastados e a se desdobrar em subcentros em todas as direções. Em algum deles poderá se fixar, muito mais tarde, o novo polo financeiro da metrópole.

Não é, pois, a “cidade radiocêntrica” a expansão natural do “centro histórico” - termo ambíguo que carrega consigo uma patente contradição: a cidade colonial não era “centro” senão de seu espaço rural; ao contrário, é a cidade colonial-imperial revolucionada pelo mercado de bens e serviços urbanos e convertida em “centro” da urbe radiada que pode ser dita, com propriedade, “expansão natural da cidade radiocêntrica.”

*
Na terceira e quarta postagens desta série pretendo abordar, respectivamente, o espaço de transição do núcleo colonial para a metrópole radiocêntrica e o postulado villaciano de Porto Alegre como “a mais linear das metrópoles brasileiras”.




De 'cidade' a 'Centro': Juntando as peças 
Postado neste blog em 28-09-2022
 
Por seres tão inventivo e pareceres contínuo,
Tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos...
Tempo tempo tempo tempo...
Oração ao Tempo (Caetano Veloso 1979)

Pesquisando a origem do bairro da Cidade Nova, Rio de Janeiro, encontrei na Wikipedia a seguinte afirmação:

Rio de Janeiro 1835
O nome "Cidade Nova" tem registros que remontam ao período do reinado de D João VI. Até o início do século XIX, a região era um alagadiço que servia de rota de passagem entre o Centro e as zonas rurais da Tijuca e São Cristóvão. [1]

Chamou-me a atenção que o autor tenha descrito a Cidade Nova como um lugar situado "entre o Centro e as zonas rurais da Tijuca e São Cristóvão". A pergunta inevitável é: no início do século XIX, quando Tijuca e São Cristóvão eram 'zonas rurais', existia 'o Centro'?

Em busca de respostas, recorri ao testemunho de romances clássicos da segunda metade do século XIX, ambientados no Rio de Janeiro.

Em A Pata da Gazela, de José de Alencar (1870), podemos ler:

“Naquela mesma tarde em que o deixamos na sua casa de Botafogo, terminado o jantar, mandou aprontar o tílburi e voltou à cidade. Seu aparecimento àquela hora na Rua do Ouvidor causou estranheza: um leão de raça, como ele, não passeia ao escurecer, sobretudo no centro do comércio, onde só ficam os que trabalham.” [2]

Em O Cortiço (1890), romance que tinha como cenário uma habitação coletiva em Botafogo, diz Aluísio de Azevedo:

"Uma verdadeira patuscada esse passeio à cidade! (..) Ninguém tomou bonde; e por toda a viagem discutiram e altercaram em grande troça, comentando com gargalhadas e chalaças gordas o que iam encontrando, a chamar a atenção das ruas por onde desfilava a ruidosa farândola. [3]

Em “Maria Cora”, conto de Machado de Assis ambientado no Rio de Janeiro de 1893, o narrador-protagonista Correia, que reside numa casa de pensão no Catete, diz:

“De manhã tinha o relógio parado. Chegando à cidade, desci a Rua do Ouvidor, até a da Quitanda (..)” [4]

Essas passagens literárias me sugerem: (a) que a noção de 'centro' urbano era, se não estranha, ao menos pouco familiar aos autores de obras de ficção passadas no Rio de Janeiro do último quarto do século XIX, portanto muito provavelmente também aos habitantes da cidade; (b) que já existia, a essa altura, uma “urbe exterior à ‘cidade’” formada por lugares como Catete, Botafogo, São Cristóvão, Engenho Velho e Andaraí, vale dizer um processo já em curso de suburbanização; (c) que termo 'cidade', herdado do período colonial, ainda era o designativo preferencial da centralidade metropolitana em gestação; (d) que a expressão 0 'centro do comércio', utilizada por José de Alencar para definir a Rua do Ouvidor, contém uma ambiguidade própria da transição em curso e da pena de um autor de romances históricos impregnados de referências e insaites geográficos - de que logo veremos outro exemplo. 

O surgimento do “Centro” – com maiúscula porque já não se trata de uma entidade geográfica, mas de um lugar urbano - supõe, precisamente, o amadurecimento do processo de suburbanização pela via do mercado de terras, construções e serviços urbanos, muito especialmente os de transportes de passageiros, e sua consolidação em uma nova forma de expansão urbana radiada e tendencialmente concêntrica - ainda que desigualmente distribuída no espaço por força de condicionantes naturais e institucionais -, regulada pelo princípio da acessibilidade.

Tal processo, que identifico com o nascimento da urbanização capitalista em nosso país, está analisado com base em evidências empíricas em meu artigo “Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)”, publicado em 21-05-2020 neste blog. Replico a primeira de uma série de generalizações que considero relevantes para esta discussão:

As duas primeiras décadas do século XX marcam, no Brasil, o nascimento das metrópoles capitalistas, cujo traço distintivo é a urbanização de mercado: de um lado as empresas loteadoras, construtoras e prestadoras de serviços públicos urbanos, de outro uma classe média ascendente - comerciantes, militares, funcionários, especialistas, artesãos e trabalhadores qualificados - capaz de arcar com custos de transportes e financiamentos a longo prazo. (..)

É a indústria da urbanização, ou urbanização de mercado, que dá conteúdo e forma à urbe radiocêntrica. É ela que converte as chácaras semi-rurais em bairros residenciais, os antigos caminhos rurais em vetores radiais de expansão, os aldeamentos satélites estrategicamente situados em embriões de futuros subcentros e, finalmente, a própria “cidade” em “centro”! [5]

Isso não significa, em absoluto, que o fenômeno quintessencialmente geográfico da centralidade seja exclusivo da cidade capitalista, mas que o vértice da estrutura radiada da grande metrópole, conhecido na literatura técnico-científica internacional como Central Business District (CBD), é a sua forma mais desenvolvida, símbolo maior de uma ruptura radical nos padrões de adensamento e expansão territorial urbana vigentes, nas capitais brasileiras, pelo menos até o início do Segundo Império, em 1840:

Não se trata de que inexistam tendências radiocêntricas na cidade colonial, isto é, de que sua organização sócio-espacial não manifeste a lei do menor custo-distância, mas de que aqui ela é uma força débil relativamente a outros determinantes - a pré-existência de um traçado fundacional, a pequena extensão dos percursos, o máximo aproveitamento das quadras e parcelas -, materializando-se via de regra como expansão linear ao longo da via principal do assentamento e, em menor medida, como reprodução mais ou menos regular da quadra padrão no sentido transversal. [6]


A forma tipicamente "cartesiana", ou ortogonal, da expansão urbana colonial brasileira corresponde às observações de Hurd em seu "vôo de pássaro" de 1903 sobre as "direções de expansão" das cidades comerciais. Ele observa que, nos assentamentos marítimos, fluviais e lacustres, o crescimento começa ao longo da costa, "seja porque as novas docas e os edifícios fronteiros formam um eixo de tráfego ou porque a própria margem constitui um caminho natural para os assentados". [7] Segue-se a 
formação de um feixe de ruas paralelas que, com o tempo, converte-se em malha reticulada mais ou menos regular 'centrada' no ponto de partida das transversais principais, tipicamente a 'praça do mercado'. 

A predominância da organização 'cartesiana' da rede urbana, à base de quadras mais ou menos regulares adaptadas à topografia do terreno, significa que nessa etapa do processo formativo das cidades, em que a distância ainda não tem um papel decisivo na vida econômica da coletividade - salvo, evidentemente, para os negócios diretamente relacionados à atividade portuária -, a 'economia da ocupação' do solo se impõe à 'economia da localização'.

Essa mesma configuração está presente no relato alencariano do processo expansivo do Rio de Janeiro colonial (1659) contido nas crônicas ficcionais reunidas em Alfarrábios, de 1873. Trocando momentaneamente o chapéu de ficcionista pelo de historiador-geógrafo, diz Alencar:

"Com o incremento natural da população, foi a cidade descendo das encostas da colina e estendendo-se pelas várzeas que a rodeavam, sobretudo pela orla da praia que cinge o regaço mais abrigado da formosa baía, e corre em face à Ilha das Cobras. Aí, fronteiro ao ancoradouro dos navios, com o fomento do comércio, se ergueram as tercenas e os cais, onde não tardaram a agrupar-se em volta das casas das alfândegas e dos contos as lojas e armazéns dos mercadores. Após essas, embora já mais arredadas da beira-mar, vinham as outras classes trazidas pelo desejo de estarem mais próximas ao centro do povoado, onde é mais ativo o tráfego." [8] [destaques meus]  

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Pode-se inferir desse relato que, numa época muito anterior à Rua do Ouvidor alencariana [8a], a centralidade urbana do Rio de Janeiro, ainda funcionalmente dividida entre o paço, a sé e o mercado, era comandada pela localização do ancoradouro, principal ponto de contato com o mundo exterior. A julgar pelo mapa de 1713, vale dizer meio século passado dos eventos narrados no romance, as expressões “ao redor” e “centro do povoado” são meramente retóricas: o casario, boa parte do qual abriga residência e negócio, se estabelece à 
menor distância possível do ancoradouro em ruas transversais e paralelas ao cais. Pode-se extrair daqui uma importante lição: em cidades pré-existentes, a nascente centralidade moderna é constrangida pela inércia do espaço urbanizado a engatinhar ziguezagueando por arruamentos de tipologia ortogonal.

Uma passagem do capítulo VI sugere a inevitável ambiguidade entre o novo padrão de centralidade urbana em formação à época em que escreve o romancista e a permanência de um passado colonial em que o centro geográfico da vida econômica era a própria “cidade”, agrupada em um pequeno tabuleiro às margens da baía, por oposição ao “campo”:

“Ficou o Ivo como queria, vivendo à mangalaça pelas ruas de São Sebastião, e nos arrabaldes, que a pouco e pouco se foram transformando em bairros, e estão agora dentro da cidade.” [destaque meu] 

Este mapa de 1907, aparentemente produzido e editado nos Estados Unidos, se intitula “Rio de Janeiro City – Commercial District”, expressão que naquele país precede em algumas décadas o contemporâneo CBD - Central Business District.
Fonte: ImagineRio https://www.imaginerio.org/iconography/maps/2589147

A começar pela separação de comércio e residência, o advento da urbanização de mercado modifica radicalmente a dinâmica espacial da expansão urbana, e com ela a sua geometria, à qual o núcleo reticular herdado do período colonial é obrigado a se adaptar - o que, em se tratando da cidade, é um processo secular.

Para além de seus aspectos estritamente urbanísticos, e da ideologia subjacente tantas vezes assinalada, o conjunto de obras modernizadoras executadas no Rio de Janeiro ao longo do século XX - abertura das avenidas Mem de Sá (1906), Beira-Mar (1906), Rodrigues Alves (1910), Presidente Vargas (1944), Av. Chile (1960) e Parque do Flamengo (1960) - são intervenções destinadas a consolidar a estrutura radiada de acesso ao Centro da metrópole.      

Direções de expansão do Rio de Janeiro colonial
e republicano, lançadas sobre mapa do ano 1935

Um importante marco da transição de uma a outra modalidade de expansão no Rio de Janeiro é a inauguração, em 1858, do primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II, que "permitiu, a partir de 1861, a ocupação acelerada das freguesias suburbanas por ela atravessadas" - o que supõe o advento de um mercado de terras periféricas à 'cidade', uma nova classe média capaz de adquiri-los e uma estrutura empresarial capaz de financiá-los -, seguida, em 1868, da implantação das primeiras linhas de bondes de tração animal, que vieram a "facilitar a expansão da cidade em direção aos bairros das atuais zona sul e zona norte". [9] 

A mudança da matriz espacial da expansão urbana, de ortogonal a radial, e a consequente transformação da 'cidade' em 'Centro', é, portanto, um problema tanto de forma quanto de conteúdo. Aqui vale a pena recuperar, do mesmo texto sobre Porto Alegre, a discussão sobre a ideia de 'centro' na transição da cidade colonial-imperial para metrópole capitalista tal como interpretada por Villaça. Ele nos diz:

Quando, nos primeiros vinte anos deste século, o quadro imobiliário do centro de nossas cidades foi totalmente renovado com a demolição do colonial e a implantação do neoclássico e do ecletismo, não houve alteração na estrutura urbana, pois esses centros não perderam sua importância, sua posição, natureza nem localização. [10] 
Porto Alegre: direções de expansão
(1) expansão cartesiana: planta de 1772
(2) transição sobre planta de 1881
(3) expansão radiada: planta 1928 

Esta passagem resume o que me parece uma importante lacuna teórica de Espaço Intra-Urbano no Brasil: a omissão da mudança qualitativa imposta ao processo urbanizador brasileiro, em fins do século XIX, pela urbanização de mercado. Implícito na afirmação de que “no final do século XIX havia [em Porto Alegre] uma coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão urbana” [11], esse salto histórico é por outro lado negado – inadvertidamente, por certo – pela ideia de que “nos primeiros vinte anos deste século (..) não houve alteração na estrutura urbana, pois esses centros não perderam sua importância, sua posição, natureza nem localização”.  [destaques meus]

Como dito no artigo,

Por não considerar o salto qualitativo contido na transição da urbanização mercantil-escravista para a urbanização capitalista, Villaça perde de vista que é assim que nasce o “centro” no que até então era a “cidade”. Embora não perca a sua "localização, importância e posição", o velho núcleo colonial-imperial perde, sim, a sua “natureza”: sobre a cidade que comanda o campo ao seu redor, nasce o centro que comandará a metrópole. O novo centro da urbanização de mercado começará, então, a se estender na direção da migração dos abastados e a se desdobrar em subcentros em todas as direções. Em algum deles poderá se fixar, muito mais tarde, o novo polo financeiro da metrópole. [12]

O fato de os Centros metropolitanos brasileiros terem se erguido sobre e ao redor das aglomerações comerciais das cidades coloniais-imperiais, portanto em alguma medida como suas continuidades históricas, não apaga o fato de que se trata, agora, de centralidades qualitativamente distintas sob todos os pontos de vista:

Refluindo sobre o núcleo colonial-imperial, a cidade radiocêntrica em contínua expansão e adensamento o revoluciona de acordo com as necessidades da economia de mercado e as exigências culturais e estéticas dos novos segmentos sociais econômica e politicamente dominantes, vale dizer pela renovação acelerada do estoque edificado, pela multiplicação de edifícios de escritórios e galerias comerciais, pela formação de um hipercentro financeiro, pela busca incessante de uma arquitetura própria dos arranha-céus, pela inserção da cidade no circuito das exposições agrícolas e industriais, pela elaboração de um Plano de Melhoramento e Embelezamento da Capital e por intervenções urbanas modernizadoras como a ampliação do porto, o ajardinamento do Campo da Redenção com base em projeto de Alfred Agache e, fechando com chave de ouro este primeiro ciclo, a abertura da Avenida Borges de Medeiros, a partir de 1925, para a ligação do núcleo urbano ao bairro do Menino Deus e daí a toda a margem sul do Guaíba, aí incluída a construção do Viaduto Otávio Rocha - provavelmente a obra urbana mais emblemática da história de Porto Alegre. [13]

*

Entre a emergência de novos fenômenos sociais, sua percepção pela inteligência coletiva e sua designação na linguagem corrente medeia, geralmente, um período, que pode ser mais ou menos longo a depender da “camada” da realidade de que se trate. 

A transformação da espacialidade urbana, embora onipresente, por não afetar imediata e simultaneamente a vida dos cidadãos leva tempo para ser percebida, e sobretudo assimilada, mesmo nas esferas mais especializadas da informação e do conhecimento. Dou como exemplo o tempo decorrido, na aurora do século XX, entre o loteamento das glebas suburbanas, que não exigia intervenções imediatas sobre o terreno, e seu registro nos mapas e plantas das cidades.

O verbete da Wikipedia que abre este comentário me sugere um curioso paradoxo temporal: parece que passamos de uma longa transição, na primeira metade do século XX, em que o Centro da metrópole ainda era dito 'a cidade', como no período colonial-imperial, para uma época em que a cidade colonial-imperial é muitas vezes referida, por leigos mas também por especialistas, como se tivesse sido, todo o tempo, 'o Centro' da metrópole capitalista.

Como sugerem as referências literárias acima citadas, em fins do século XIX a centralidade urbana ainda era identificada, no Brasil, não com a nascente forma histórica do “Centro” metropolitano, mas com um conjunto de entidades, ou funções, centrais - o palácio, o cais do porto, a praça do mercado, o comércio, a sé - simbolicamente representadas, na literatura como no jornalismo, e não por acaso, pelo “passeio comercial” frequentado pela burguesia em ascensão.

Nos termos do texto sobre Porto Alegre já citado, o nascimento do “Centro” metropolitano é

(..) uma mudança geográfica radical e meteórica na escala temporal da modernidade urbana, portadora de uma percepção coletiva do espaço inteiramente renovada ainda que pouco acessível aos hábitos mentais das antigas gerações: sua transposição para a linguagem corrente levaria ainda algumas décadas para se completar. Trata-se, mais exatamente, de uma revolução semântica fundada na mudança de percepção da estrutura do espaço em que se vive: não mais uma coleção de arraiais ao redor da cidade, mas uma única urbe expandida por justaposição de parcelamentos lindeiros a vias radiais servidas por transportes mecânicos, que tudo ligam ao que agora é “centro”. [15]

Para corroborar o quão lenta parece ter sido, nas metrópoles brasileiras, a incorporação do novo fato geográfico - o Centro da cidade - à linguagem cotidiana, acrescentei às notas daquele artigo um depoimento pessoal:

Ainda na minha infância, na Niterói na década de 1960, meus pais diziam “vamos à cidade”. O ônibus 30 era a linha Martins Torres-Cidade. [16]

A emergência, no transcurso do século XX, do termo 'centro' para designar o que antes era apenas 'cidade' se apresenta, pois, como uma interessante linha de pesquisa acessória ao tema da transformação da urbe colonial-imperial em metrópole capitalista. Ainda que tardia, ela é uma prova material, e das mais convincentes, de que uma cidade radicalmente diferente surgiu da urbanização de mercado iniciada, no Brasil, em fins do século XIX.

*

Não faz muito tempo encontrei, em um excelente artigo de Capretz e Manhas (2006) sobre a urbanização do Núcleo Colonial Antônio Prado, fundado em 1887 na periferia rural de Ribeirão Preto, a seguinte informação:

Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [17] [Aspas dos autores]


Ao longo do século XX, toda a área do Núcleo Colonial Antônio Prado foi absorvida pela expansão urbana radiada de Ribeirão Preto - como ocorre, aliás, com a maioria, se não a totalidade, das cidades e urbanizações ditas planejadas. Como explica Capretz em outro texto, hoje a maior parte dos bairros oriundos da Colônia participa da “geografia social da cidade” como “território da pobreza”, por oposição ao vetor que parte do “quadrilátero central”, a antiga ‘cidade’, em direção ao sul, onde se concentram “valores imobiliários altos, habitações luxuosas, alto consumo e mais investimentos públicos”. [18] [Os termos entre aspas são da autora].

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A pesquisa continua. E a metrópole que escolhi para hospedar sua próxima etapa é Salvador, Bahia, onde a construção da centralidade recebe de Milton Santos, na "Nota Prévia" ao seu ensaio de 1959 intitulado O Centro da Cidade de Salvador, o seguinte relato:

O crescimento recente da cidade e a expansão de suas atividades conduziram à modificação da fisionomia do centro, provocando o aparecimento de grandes edifícios, construídos nos espaços vazios, ou substituindo velhas casas. É a esse conjunto que os baianos chamam "A Cidade", quando se referem à parte alta, e "O Comércio", quando falam da parte baixa do centro de Salvador. É aí que a vida urbana e regional encontra o seu cérebro e o seu coração." [19]




Apontamentos: Medeiros & Medeiros 2022 - o subúrbio de Lima Barreto
Publicado originalmente neste blog em 11-10-2023 

Lima Barreto é, com toda certeza, uma valiosíssima testemunha da formação dos subúrbios do Rio de Janeiro e, provavelmente, dos subúrbios brasileiros em geral. Sua obra corresponde, muito precisamente, ao período apontado por mais de uma fonte - Queiroz Ribeiro para o Rio de Janeiro[1] e Strohaecker para Porto Alegre [2] - como sendo o da formação do mercado de terras periféricas às nossas capitais recém convertidas ao status de republicanas. Esse artigo é, portanto, absolutamente oportuno e relevante para leitores interessados na história urbana brasileira e, particularmente, na formação das metrópoles capitalistas em nosso país. Vale uma análise muito mais atenta e profunda do que trago nesses apontamentos. 

Apenas adianto aqui algumas observações, derivadas de meus estudos para o artigo "Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)"[2a], de maio de 2o2o, acompanhadas de esclarecedoras citações da obra de Queiroz Ribeiro.
 
Não penso que a suburbanização em geral possa ser dita “política urbana”[3], tampouco que a suburbanização retratada na obra de Lima Barreto seja “resultado da estratégia de afastamento da classe proletária do centro urbano”[4], como foi o caso, por exemplo, da transferência de favelados da Zona Sul do Rio de Janeiro para conjuntos habitacionais periféricos nas décadas de 1960 e 1970.

Como nas demais capitais provinciais do Império brasileiro, a suburbanização do Rio de Janeiro tem início nas décadas de 1880-90 com o surgimento do mercado de terras periféricas à capital, e suas companhias loteadoras, ainda à margem de políticas e regulamentos urbanísticos e sujeitas somente às leis do próprio mercado. 

Importa destacar que este primeiro ciclo da suburbanização carioca não se baseia no assentamento de proletários, que não tinham crédito para adquirir lotes e casas nem recursos para arcar com deslocamentos diários ao centro urbano: 

(..) o desenvolvimento dos transportes coletivos por trens e bondes irá incorporar ao tecido urbano uma grande quantidade de terras, diminuindo fortemente o poder monopolista dos proprietários de cortiços, estalagens e casas-de-cômodos localizados na parte central da cidade. Num primeiro momento, porém, não há um deslocamento das camadas mais pobres para os subúrbios recém-urbanizados, em razão do elevado preço dos trens e bondes e da precariedade dos serviços. Para aquelas camadas sociais, o morar no centro é vital, pois seu sustento depende da “viração” diária e seu rendimento muito magro para cobrir os custos do deslocamento. (..) [QR p. 216]

Essa circunstância dará outro destino à maioria dos trabalhadores residentes nos cortiços e casas de cômodos das áreas centrais afetadas pelas grandes obras de modernização urbana da primeira década do século XX (Rua Mem de Sá,  Avenidas Central e Rodrigues Alves):       

A crise do sistema rentista de produção de moradias gera uma piora nas condições de vida das “classes pobres” da cidade. Deslocadas do centro, elas irão aumentar a densidade de ocupação das casas-de-cômodos nas zonas contíguas ao centro, especialmente na Gamboa, Sant’Anna, Santa Rita e São José. (..) [QR p. 217]

A proliferação de loteamentos suburbanos no Rio de Janeiro de Lima Barreto supunha, dentre outras coisas, a existência de uma camada social de adquirentes de imóveis com algum patrimônio e/ou capacidade de endividamento. Essa "demanda solvável" provinha dos estratos inferiores da nascente classe média, formados por pequenos comerciantes, barnabés, militares, artesãos e, em pequena medida, operários qualificados. [5] [6] 

O surgimento de "camadas médias" na cidade também terá um importante papel na expansão da zona suburbana da Central do Brasil  e da zona norte verificado nas últimas décadas do século XIX e nos primeiros anos deste século. [QR p. 230] 

Ainda que extraordinariamente matizado, o ambiente em que se desenrola a trama de Clara dos Anjos é regido por personagens ciosos de suas conquistas materiais e expectativas de ascensão em uma sociedade até há pouco marcada pelo contraste primordial entre senhores (proprietários de terras, de casas de comércio e seus prepostos) e trabalhadores escravizados. O primeiro dentre esses personagens é o próprio Joaquim dos Anjos, pai de Clara:

"(..) Toda sua ambição se cifrou em obter um pequeno emprego público que lhe desse direito a aposentadoria e a montepio, para a família que ia fundar. Conseguira, ao fim de dois anos de trabalho, aquele de carteiro, havia bem quatro lustros, com o qual estava muito contente e satisfeito da vida, tanto mais que merecera sucessivas promoções. Casara meses depois de nomeado; e, tendo morrido sua mãe, em Diamantina, como filho único, herdara-lhe a casa e umas poucas terras em Inhaí, uma freguesia daquela cidade mineira. Vendeu a modesta herança e tratou de adquirir aquela casita nos subúrbios em que ainda morava e era dele. O seu preço fora módico, mas, mesmo assim, o dinheiro da herança não chegara, e pagou o resto em prestações." (..)" [LB p. 1035 ]

Assim também os pais de Cassi: 

Ao melhorarem as suas condições financeiras, com uma promoção a propósito e a compra daquela casa, na estação do Rocha, com o produto de uma herança que tocara à mulher, Manuel de Azevedo veio encontrar, aos treze anos, o filho completamente viciado (..)  [LB p.1062] 

Propôs, dias depois, à sua esposa, que pusesse o rapazola a aprender um ofício, a fim de discipliná-lo. Dona Salustiana revoltou-se e esbravejou: — Meu filho aprender um ofício, ser operário! Qual! Ele é sobrinho de um doutor e neto de um homem que prestou muitos serviços ao país.  [LB p. 1063]

E outros mais:

O armazém em que Marramaque era empregado havia de tudo: ferragens, roupas feitas, isto é, camisas, calças, ceroulas grosseiras, para trabalhadores; armas, louças etc. etc. Comprava diretamente nos atacadistas da Corte; além disso, o seu proprietário era intermediário entre os pequenos lavradores e as grandes casas da Capital do Império, isto é, comprava as mercadorias àqueles, por conta destas, com o que ganhava comissão. [LB p. 1065]

Num dos subúrbios, na proximidade da casa de Cassi, veio a residir um casal. A mulher era moça, fruída de carnes, alta, louçã, grandes olhos negros, um tipo do Sul, ao que parece do Rio Grande. O marido, que era oficial de Marinha, maquinista, era amorenado, tirando a mulato, baixo, sempre triste, curvado e pensativo. (..) Tomavam comida fora e só tinham uma rapariguita preta, de uns dezesseis anos, para os serviços leves da casa. [LB p. 1071]

Não me parece razoável, portanto, qualificar-se o subúrbio de Lima Barreto como “lugar de segregação da classe proletária”,[7] atributo que no início do século XX pertencia, principalmente, aos cortiços, casas de cômodos e favelas do nascente centro metropolitano. 

No subúrbio de Lima Barreto habitavam proletários, com certeza - e esta é uma relevante exceção à regra geral enunciada por Queiroz Ribeiro -, principalmente biscateiros e serviçais, geralmente mulheres, empregadas e agregadas às famílias da nova classe média suburbana, além de comerciários e uns poucos trabalhadores fabris. Vejamos um simples exemplo:

— Qual calúnia, qual nada! Este rapaz é um perverso, é sem-vergonha. Eu sei o nome das outras. Olhe: a Inês, aquela crioulinha que foi nossa copeira e criada por nós; a Luísa, que era empregada do doutor Camacho; a Santinha, que ajudava a mãe a costurar para fora e morava na rua Valentim; a Bernarda, que trabalhava no “Joie de Vivre”… [LB p. 1048]

Contudo, as vívidas imagens com que Lima Barreto descreve os assentamentos mais afastados da ferrovia deixam claro que eram as franjas do subúrbio, tipicamente as encostas e grotas das elevações ao longo do "eixo da Central do Brasil", os lugares onde se reproduziam, em alguma medida, os processos de segregação proletária já materializados nos cortiços e casas de cômodos da região central, e que mais tarde iriam generalizar-se por toda a cidade em forma de favelas mais ou menos vizinhas aos bairros de classe média que são a fonte principal do seu sustento. 

A segregação proletária, já nessa época, era portanto a dos que não tinham acesso ao mercado de terras, todos "pretos ou quase pretos de tão pobres" [8], incluídos obviamente os trabalhadores recém-liberados do regime de escravidão. 

O subúrbio pequeno-burguês de Lima Barreto é, sem dúvida, bastante distinto dos bairros pequeno-burgueses de José de Alencar e Machado de Assis - Laranjeiras, Tijuca, Andaraí -, antigas "estações de repouso e prazer"[9] já incorporadas à cidade do terceiro quarto do século XIX. Mas a segregação social, neste caso, é um aspecto inerente à urbanização de mercado: a imensa maioria dos adquirentes de imóveis, vale dizer as famílias de classe média, busca morar o mais próximo possível dos que lhe parecem 'superiores' na hierarquia social e decididamente apartados dos 'inferiores'. 

É suficientemente clara, no relato de Lima Barreto, a acentuada redução da qualidade da habitação e da urbanização, consequentemente dos níveis de rendimento familiar, com o aumento da distância à linha férrea da Central (itálicos meus):

Afastando-nos do eixo da zona suburbana, logo o aspecto das ruas muda. Não há mais gradis de ferros, nem casas com tendências: há o barracão, a choça e uma ou outra casa que tal. Tudo isto muito espaçado e separado; entretanto, encontram-se, por vezes, “correres” de pequenas casas, de duas janelas e porta ao centro, formando o que chamamos “avenida”.

As ruas distantes da linha da Central vivem cheias de tabuleiros de grama e de capim, que são aproveitados pelas famílias para coradouro. De manhã até à noite, ficam povoadas de toda a espécie de pequenos animais domésticos: galinhas, patos, marrecos, cabritos, carneiros e porcos, sem esquecer os cães, que, com todos aqueles, fraternizam. [LB p. 1117]

Também significativa é a diferença social observada por Lima Barreto entre os bairros suburbanos de 1920 e a nascente periferia metropolitana:  

Nessas horas, as estações se enchem, e os trens descem cheios. Mais cheios, porém, descem os que vêm do limite do Distrito com o estado do Rio. Esses são os expressos. (..)

Toda essa gente que vai morar para as bandas de Maxambomba e adjacências, só é levada a isso pela relativa modicidade do aluguel de casa. Aquela zona não lhes oferece outra vantagem. Tudo é tão caro como no subúrbio, propriamente. Não há água, ou, onde há, é ainda nos lugarejos do Distrito Federal, que o governo federal caridosamente supre em algumas bicas públicas; não há esgotos; não há médicos, não há farmácias. Ainda dentro do Rio de Janeiro, há algumas estradas construídas pela prefeitura, que se podem considerar como tal; mas, logo que se chega ao estado, tudo falta, nem nada há embrionário. [LB p. 1120]

Pergunto-me a esta altura se a qualificação, por Medeiros & Medeiros, do subúrbio de Lima Barreto como "lugar de segregação proletária" não teria origem na passagem em que o autor, num arroubo de indignação em face da significativa distância social tantas vezes assinalada entre a "cidade" e o "subúrbio", bem como das péssimas condições de moradia e trabalho dos proletários em geral, atropela a complexa tessitura sócio-espacial do seu próprio romance e pontifica:

O subúrbio é o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação normal vão se aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura de amigos fiéis que os amparem, que lhes deem alguma coisa, para o sustento seu e dos filhos. [LB 1119-20]

*

Assim como Clara dos Anjos começou a ser escrito em 1904, foi publicado como conto em 1920, transformado em romance em 1922, publicado postumamente em folhetim em 1923-24 e como livro em 1948, [10] também esta pesquisa, de correção em correção, de acréscimo em acréscimo, será um dia publicada neste blog sob o título "O Subúrbio de Lima Barreto", com uma análise bastante mais minuciosa de seus textos, enriquecida com maior quantidade de referências acadêmicas e acrescida de uma introdução, que julgo pertinente, sobre o uso de material literário como fonte de investigação urbanística.





São Paulo, o nascimento da metrópole (1)
Publicado neste blog em 25-02-24 

 
O mapa ao lado, produzido pela Companhia Cantareira e Esgotos no ano de 1881, talvez seja o mais emblemático da meteórica transformação da São Paulo colonial-imperial, classificada por Cândido Malta Campos como “núcleo provinciano de segunda categoria antes de 1870”, em Centro da metrópole capitalista radiada.

O marco distintivo desse processo é o advento da indústria dos loteamentos periféricos destinados a adquirentes com capacidade de endividamento - vale dizer os estratos sociais de médios e altos rendimentos -, parcialmente servidos por bondes de tração animal (elétricos só a partir de 1900), mas também influenciados pela presença das estações ferroviárias Luz (1868) da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí) e São Paulo (1872, futura Júlio Prestes), da EF Sorocabana, peças-chaves da cafeicultura capitalista de exportação que subjaz à rápida transformação de São Paulo.

Essa primeira expansão periférica se faz acompanhar da expansão do próprio núcleo colonial-imperial para abrigar tanto os novos proletários que buscam os cortiços para fugir ao custo dos deslocamentos urbanos quanto os novos comércios, serviços e pequena indústria que, em muitos casos, substituem as residências dos comerciantes nos sobrados recém-valorizados.

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Assinalei sobre o mapa de 1881 as primeiras áreas loteadas referidas por Candido M Campos* – Santa Ifigênia entre Aurora e Duque de Caxias, Morro do Chá e Campos Elíseos, onde começam a se estabelecer os comerciantes abastados e os novos capitalistas agrícolas.

A construção, na Chácara do Carvalho, futuro bairro da Barra Funda, do palacete do conselheiro Antônio Prado - grande cafeicultor, presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sócio da Prado & Chaves, maior casa exportadora nacional, presidente do Banco de Comércio e Indústria de São Paulo, senador vitalício do Império, deputado por São Paulo (1869-1872), Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1885-1888), Ministro das Relações Exteriores (1888) e prefeito de São Paulo (1899-1911) - assinala, talvez, o ápice desse primeiro impulso suburbanizador paulistano, à qual se seguiria a formação de novos bairros em todas as demais direções.

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Transparece aqui a noção hurdiana (1903) de crescimento urbano [capitalista] 
central axial simultâneo e reciprocamente determinado, em todas as direções disponíveis, claramente materializado não mais de 10 anos depois nas urbanizações de Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Mooca, Brás, Pari, Luz e Bom Retiro (mapa de 1890).

A inauguração do Viaduto do Chá em 1892 viabilizará a expansão do centro urbano nascente para o lado Oeste do Anhangabaú, às expensas da área residencial do Morro do Chá, seguindo a direção de preferência dos estratos sociais mais abastados. Na direção oposta, onde em 1881 já se delineia a ocupação residencial ao redor da estação ferroviária do Brás (1867), mais tarde surgirá o lado proletário da centralidade metropolitana paulistana.

O compacto arruamento colonial-imperial (mapa 1881) propicia à centralidade em formação as condições ideais para o desenvolvimento da aglomeração comercial e sua subsequente especialização – o centro financeiro do “Triângulo”, o mais antigo e tradicional da cidade, onde até hoje opera a Bolsa de Valores.

Sintomático, talvez, dessa etapa formativa da centralidade capitalista, é o fato de que a planta de 1890, que segundo o pesquisador Eudes Campos** tinha por objetivo “orientar os forasteiros”, contendo por isso ruas de largura uniforme, indicação dos principais edifícios e pontos de parada dos bondes da Companhia Ferro Carril de São Paulo, não traz a inscrição “CENTRO” para indicar a área da cidade colonial-imperial, a essa altura já caracterizada como origem de uma expansão urbana nitidamente radiada, qualitativamente distinta, em forma e conteúdo, do crescimento vegetativo dos séculos precedentes.

2024-02-28

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NOTAS

De Porto Alegre cidade radiocentrica 
[2] “Metroplan acelera projeto para Perimetral Metropolitana”. Metroplan 23-09-2014 http://www.metroplan.rs.gov.br/conteudo/2056/?Metroplan_acelera__projeto_para_Perimetral_Metropolitana
[3] Sehnem, M. e Campos, H. “Análise De Tipologias Arquitetônicas Ao Longo Da III Perimetral Em Porto Alegre (RS)”, Revista Jovem Pesquisador, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 120-127, 2010
[4] “3a. Perimetral” https://pt.wikipedia.org/wiki/3%C2%AA_Perimetral
[5] “Conheça a terminologia utilizada no PDDUA” 
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?p_secao=14
[6] O termo “radiocêntrico” parece redundante. Toda estrutura radial é, por definição, cêntrica. RadioCONcêntricas são estruturas radiais que apresentam elementos dispostos em forma de anéis, ou coroas circulares, concêntricos. Dado o caráter heterogêneo e assimétrico da expansão radial urbana, a formação de círculos e anéis concêntricos de quaisquer natureza (uso do solo, tipologia edilícia, densidade, rendimento familiar) é altamente improvável – donde a crítica generalizada, mas muitas vezes injusta, ao que ficou conhecido na história do urbanismo como o “modelo de círculos concêntricos” de Burgess, que não ignorava o caráter irregular da expansão radial das cidades. No caso de Porto Alegre, o uso do termo “radiocêntrico” parece derivar da percepção de uma quase singularidade: um tecido urbano – vias, urbanizações, ocupações, usos, densidades – de disposição radioconcêntrica, patente ciclicidade e notável homogeneidade, sobre uma grande extensão do território municipal. De todo modo, neste artigo e em suas continuações usarei sempre o termo "radiocêntrico/a". 

[7] “(..) denominação dada à Macrozona 3 do PDDUA [situada além da “cidade radiocêntrica”] e recebe este nome porque nela serão fortalecidas ligações viárias nos sentidos norte/sul e leste/oeste, que formam justamente uma trama viária xadrez. (..)” http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?reg=3&p_secao=17
[8] A propósito, vale observar a descrição que faz José de Alencar da expansão do Rio de Janeiro colonial: "Com o incremento natural da população, foi a cidade descendo das encostas da colina e estendendo-se pelas várzeas que a rodeavam, sobretudo pela orla da praia que cinge o regaço mais abrigado da formosa baía, e corre em face à Ilha das Cobras. Aí, fronteiro ao ancoradouro dos navios, com o fomento do comércio, se ergueram as tercenas e os cais, onde não tardaram a agrupar-se em volta das casas das alfândegas e dos contos as lojas e armazéns dos mercadores. Após essas, embora já mais arredadas da beira-mar, vinham as outras classes trazidas pelo desejo de estarem mais próximas ao centro do povoado, onde é mais ativo o tráfego." (José de Alencar, Alfarrábios, 1873)
[9] No capítulo introdutório de seu célebre estudo de 1939 sobre a estrutura e crescimento dos bairros residenciais nos EUA, Homer Hoyt faz uso da seguinte citação: "(..) vistas do alto, as cidades norte-americanas são uma coleção de arruamentos reticulados de vários tamanhos, formas e níveis de edificação, com pouquíssimas irregularidades [...] uma monotonia mecânica, estereotipada e desprovida de imaginação onde raramente se enxerga algo parecido com um padrão orgânico”. ["Our Cities, Their Role in the National Economy", Report of the Urbanism Committee to the National Resources Committee(Washington, D. C., June 1937), p. 5.] Isso não o impediu de postular para essas cidades o padrão de organização socioespacial urbana que veio a ser conhecido como o “modelo de setores de círculo”, cuja matriz é, obviamente, a malha radioconcêntrica. 
[10] “O plano reticular foi levado para o Oeste com os pioneiros, dado que era o método mais simples de dividir o território. Sua vantagem particular era que uma nova cidade podia ser planejada nos escritórios das imobiliárias do Leste e as terras vendidas sem que nem comprador nem vendedor tivessem nunca visto o lugar". (Britannica 1963 V 5 p 816, “City Planning”)
[11] "This chart represents an ideal construction of the tendencies of any town or city to expand radially from its central business district". BURGESS, E. “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em BURGESS, E e PARK R E. The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p. 50
[12] VILLAÇA F. Espaço Intra-Urbano no Brasil, p 132
[13] FRANCO S C associa a atual Avenida Independência à antiga estrada dos Moinhos de Vento, caminho da capital para a Aldeia dos Anjos de Gravataí contornando os limites da Chácara da Brigadeira. Foi somente depois da desapropriação de parte das terras da Brigadeira (D. Josefa Eulália de Azevedo), mediante "vultosa desapropriaçao" em 1846, que ela “passou a ser reconhecida como continuação da Rua da Praia”.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_Independ%C3%AAncia_(Porto_Alegre)
[14] VILLAÇA F, Espaço Intra-Urbano no Brasil Cap 4, "Direções de expansão urbana", pp 103-107.
[15] O autor do desenho que ilustra a abertura desta postagem compartilha, inadvertidamente com certeza, essa caracterização.

Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)
[1] JORGENSEN P, "Porto Alegre Cidade Radiocêntrica (1)", À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019 
http://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html
[2] PMPA, “Conheça a terminologia utilizada no PDDUA”
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?p_secao=14
[3] Ver comentário sobre esse termo em JORGENSEN P, "Porto Alegre cidade radiocêntrica (1)", À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019, Nota [6] 
[4] Villaça F, Espaço Intra-Urbano no Brasil Cap 5 “A estrutura urbana básica”, p. 132.
[5] "Contam alguns historiadores que o período da Revolução Farroupilha (1835-45) foi crucial para o crescimento da importância desta área na vida urbana portoalegrense uma vez que a cidade de Porto Alegre, sitiada inúmeras vezes pelas tropas revolucionárias, espremida contra seus muros de defesa continuava se expandido, deslocando sua ocupação para a região norte, na direção das colônias". MELLO e ROCHA A L C, “De Arraial a Bairro Industrial – O Que o Navegantes Ainda Tem?” Iluminuras,  NUPECS/LAS/PPGAS/IFCH/UFRGS https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/9220/5305 
[5a] JORGENSEN P, "Porto Alegre Cidade Radiocêntrica (1)", À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019 

http://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html
[5b] Id.
[6]“Em meados do século XIX várias ruas foram sendo abertas na região, a fim de dar acesso a pequenas propriedades e escoar sua produção de hortifrutigranjeiros até o Centro”. WIKIPEDIA, “Areal da Baronesa” (Cidade Baixa) 
[7] Caso, por exemplo, dos atuais bairros Bonfim e Rio Branco. O primeiro tinha "matas nativas que, muitas vezes foram utilizadas por escravos como refúgio. Após a abolição, muitos libertos que não tinham para onde ir abrigaram-se nessa região, que passou a se chamar popularmente Campo da Redenção." O segundo "era chamado Colônia Africana, pois abrigava os escravos alforriados e, mais tarde, os libertos pela Lei Áurea."  PROCEMPA / SMC, História dos Bairros de Porto Alegre, "Bom Fim", p.16 e "Rio Branco", p.85  http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/historia_dos_bairros_de_porto_alegre.pdf 
[8] PROCEMPA / SMC, História dos Bairros de Porto Alegre, "Cidade Baixa"”  http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/historia_dos_bairros_de_porto_alegre.pdf

[8a] BROCKER L. “A Família Mostardeiro” e “A Chácara dos Mostardeiros”. Guascatur blog. Editado pelo autor em benefício da fluência do texto.

http://www.guascatur.com.br/2016/04/hidraulica-moinhos-de-vento-porto-alegre.html
[9] WIKIPEDIA, “Parque Farroupilha” ed. 17-02-2020
[10] SOUZA, C F. “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre, 1900-1945”, em LEME, M C S (coord.). Urbanismo no Brasil -- 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel/FAU-USP/FUPAM, 1999, pp 83-101.
https://archive.org/details/urbanismo-gs
[10a] “Desde la idea de construir una nueva capital para la provincia hasta las primeras décadas de la fundación de La Plata [1882-1912], el país vivió épocas de bonanza y de fuerte desarrollo económico. (..) El ingreso rural se difundió en la ciudad, lo que multiplicó el empleo y generó a su vez nuevas necesidades de comercios, servicios y finalmente de industrias, pues las ciudades constituyeron un mercado atractivo del sector industrial, que alcanzó una dimensión significativa y ocupó a mucha gente.” LOSANO G, “La Plata: de la ciudad apreciada a la ciudad ignorada”. Geograficando año 2, no. 2, 2006, p. 201-223
[11] CONSTANTINO N S, “Nas horas vagas: Porto Alegre dos imigrantes (1880-1914)”. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1296508898_ARQUIVO_art.Lena3.pdf 
[12] STROHAECKER T M e CABETTE A, “A dinâmica demográfica e a produção do espaço urbano em Porto Alegre, Brasil”. Cad. Metrop., São Paulo, v. 17, n. 34, pp. 481-501, nov 2015

[13] WIKIPEDIA/POA, “História de Porto Alegre”, ed 07-04-2020.
[14] WIKIPEDIA “História do Rio Grande do Sul” ed. 27-04-2020
[15] SOUZA, C F. “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre, 1900-1945”, em LEME, M C S (coord.). Urbanismo no Brasil -- 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel/FAU-USP/FUPAM, 1999, pp 83-101.
[16] WIKIPEDIA/POA, “História de Porto Alegre”, ed 07-04-2020.
[17] WIKIPEDIA/POA, “História de Porto Alegre”, ed 07-04-2020.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Porto_Alegre
[18] CONSTANTINO N S, “Nas horas vagas: Porto Alegre dos imigrantes (1880-1914)”. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1296508898_ARQUIVO_art.Lena3.pdf 
[19] SOUZA, C F. “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre, 1900-1945”, em LEME, M C S (coord.). Urbanismo no Brasil -- 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel/FAU-USP/FUPAM, 1999, pp 83-101.

https://archive.org/details/urbanismo-gs
[20] PROCEMPA / SMC, História dos Bairros de Porto Alegre
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/historia_dos_bairros_de_porto_alegre.pdf
[21] “(..) após o falecimento desta proprietária, em 21 de dezembro de 1876, seu genro Ângelo Ignácio Barcellos torna-se inventariante de seus bens. Ele registra sua ação no 2° Cartório de Orphãos de Porto Alegre em Janeiro de 1877. Ângelo contrata um engenheiro para elaborar uma planta de loteamento das terras de sua sogra.” OLIVEIRA A e MATTAR L, “Os Loteamentos do Quarto Distrito de Porto Alegre”. X Salão de Iniciação Científica , p. 2161 – PUCRS, 2009
http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Sociais_Aplicadas/Arquitetura_e_Urbanismo/70646-ALINE_DE_OLIVEIRA.pdf
[22] STROHAECKER T M, “Atuação do Público e do Privado na Estruturação do Mercado de Terras de Porto Alegre (1890-1950)”. Scripta Nova -  Revista Electrónica de Geografía Y Ciencias Sociales / Universidade de Barcelona, Vol. IX, núm. 194 (13), 1 de agosto de 2005.http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-13.htm

[23] WIKIPEDIA/POA, “História de Porto Alegre”, ed 07-04-2020.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Porto_Alegre
[24] STROHAECKER T M, op. cit.
[24a] “Fomos obrigados a recuar ao final do século XIX na medida em que aí se inicia o processo de separação entre propriedade da terra e capital, com o surgimento de um amplo mercado suburbano de terras.” QUEIROZ RIBEIRO L C, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, p. 32. Observatório das Metrópoles, 2015
[25] Ib.
[26] Ib.

[27] Ib.

[28] Ib.

[29]Ib.

[30] O Menino Deus é considerado o mais antigo arraial de Porto Alegre, pois foi o primeiro território a ter sido reconhecido enquanto agrupamento semi-independente do Centro Histórico, com que mantinha relações comerciais e administrativas. Muitas de suas terras pertenceram a Sebastião Francisco Chaves, dono da estância São José.

[31] Em sua passagem por Porto Alegre entre por volta de 1920, o botânico e naturalista francês Augustin Saint-Hilaire observou as “inúmeras chácaras quase auto-suficientes que proliferavam ao redor da cidade” (VILLAÇA op. cit. p. 206)

[31a] SILVEIRA A B, De Colônia Africana a Bairro Rio Branco: desterritorialização e exílio social na terra do latifúndio - Porto Alegre, 1920 – 1950. Dissertação de Mestrado. PPG em História PUC RGS. Porto Alegre 2015, p. 31.

[32] VILLAÇA F, op. cit., p. 205.
[33] WIKIPEDIA/ VOLUNTARIOS, “Rua Voluntários da Pátria”, ed. 16-01-2020
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rua_Volunt%C3%A1rios_da_P%C3%A1tria_(Porto_Alegre)
34] MELLO L e ROCHA A (Orient), “De Arraial a Bairro Industrial – O Que o Navegantes Ainda Tem?” Iluminuras,  NUPECS/LAS/PPGAS/IFCH/UFRGS

https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/9220/5305
[35] POA 24hs. “Conheça a história do bairro Menino Deus

https://www.poa24horas.com.br/conheca-historia-do-bairro-menino-deus/
[36] VILLAÇA F, op. cit., p.205
[37] WIKIPEDIA, “História do transporte urbano de Porto Alegre”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_transporte_urbano_de_Porto_Alegre
[38] "Em meados do século XIX ocorre um período de transição na produção do espaço urbano carioca, que coincide com um período de transição na sociedade - de patriarcal, escravocrata e colonial, para capitalista, com uma nova estratificação social, uma nascente burguesia e classe média urbanas. Essa transição e a nova espacialização urbana foram mais claras e pioneiras apenas do Rio, onde inclusive os transportes coletivos se difundiram bem antes que nas outras metrópoles; foi marcante também nas outras duas grandes cidades brasileiras da primeira metade do século 19: Salvador e Recife. Em São Paulo e Porto Alegre, então muito pequenas, essa transição foi bem menos notável." VILLAÇA F, op. cit., p.160
[39] VILLAÇA F, id.
[40] A prolongada sobrevivência do termo “cidade” para designar o centro da urbe moderna está registrada em um sem-número de obras literárias brasileiras. Em “Maria Cora”, por exemplo, conto de Machado de Assis situado no Rio de Janeiro de 1893, o narrador-protagonista Correia, que reside numa casa de pensão no Catete, diz: 
“De manhã tinha o relógio parado. Chegando à cidade, desci a Rua do Ouvidor, até a da Quitanda (..)” Na Niterói na década de 1960, não eram apenas os meus pais, ambos cariocas, que diziam “vamos à cidade”: o ônibus 30 era a linha “Martins Torres-Cidade”. Bastante tardia relativamente aos fatos, a conversão da “cidade” em “centro” na língua falada parece supor uma percepção generacionalmente renovada da estrutura do espaço: não mais uma coleção de arraiais ao redor da cidade, mas uma única cidade constituída de bairros lindeiros a vias radiais servidas por transportes mecânicos, que tudo ligam ao que agora é “centro”.
[41] VILLAÇA, id, p. 33

REFERÊNCIAS ADICIONAIS
FIALHO D M, “As Plantas de Porto Alegre de 1876 e 1888”. Cartografia.org.br s/d
http://www.cartografia.org.br/vslbch/trabalhos/72/71/plantas1876e1888revf2_1380668070.pdf
FIALHO D M, “A Planta de Porto Alegre (RS) de 1906”. III Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica, Out 2016 Belo Horizonte
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio2016/pdf/29DanielaFialho_3SBCH.pdf
MATTAR L N, Porto Alegre: Voluntários da Pátria e a Experiência de Rua Plurifuncional (1900-1930). PUC RGS, Janeiro 2001
http://livros01.livrosgratis.com.br/cp000265.pdf
MELLO L e ROCHA (orient), “De Arraial a Bairro Industrial – O Que o Navegantes Ainda Tem?” Iluminuras,  NUPECS/LAS/PPGAS/IFCH/UFRGS
https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/9220/5305
NUNES J S (acad) e CÉ A R S (orient), “Avenida Ipiranga: Processo Evolutivo ao Longo do Século XX”. X Salão de Iniciação Científica 2009, FAU / PUCRS 
http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Sociais_Aplicadas/Arquitetura_e_Urbanismo/71395-JULIA_SCHIEDECK_NUNES.pdf
OLIVEIRA A e MATTAR L, “Os Loteamentos do Quarto Distrito de Porto Alegre”. X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009
http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Sociais_Aplicadas/Arquitetura_e_Urbanismo/70646-ALINE_DE_OLIVEIRA.pdf 
PMPA (Prefeitura Municipal de Porto Alegre), “A origem do Centro”, em Viva o Centro.
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?p_secao=16 
PMPA (Prefeitura de Porto Alegre) / Povo Negro, “Areal da Baronesa”. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/gpn/default.php?p_secao=74
PORTO ALEGRE ANTIGO, “Ilhota”,
http://lealevalerosa.blogspot.com/2017/03/ilhota.html
RUSCHEL P S, A Modernidade na Avenida Farrapos. PROPAR/UFRGS Nov 2004
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/5138
WIKIPEDIA/CARRIS "Companhia Carris Porto-Alegrense" ed 20-03-2020
https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_Carris_Porto-Alegrense

De 'cidade' a 'Centro': juntando as peças
[1] WIKIPEDIA, "Cidade Nova (Rio de Janeiro)", edição 03-09-2022
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Nova_(Rio_de_Janeiro)
[2] ALENCAR José de, A Pata da Gazela (1870), em Obras Completas de José de Alencar II: Romances Urbanos p. 454. Edição do Kindle.
[3] AZEVEDO Aluísio, O Cortiço (1890), em Obras Completas de Aluísio Azevedo II: Romances vol. 2 (1889-1901). Edição do Kindle.
[4] MACHADO DE ASSIS J M, "Maria Cora", em Relíquias da Casa Velha (1906). Edição do Kindle.
[5] JORGENSEN P, "Porto Alegre cidade radiocêntrica". À beira do urbanismo (blog) 21-05-2020
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html
[6] Ibid.
[7] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, p. 56
https://archive.org/details/principlesofcity00hurdrich/page/n4/mode/1up
[8] ALENCAR José de, Alfarrábios - crônicas dos tempos coloniais (1873). Edição do Kindle.
[8a] Ibid.
[9] ABREU M, Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO 1997, p. 43.
[10] VILLAÇA F, Espaço Intra-Urbano no Brasil p. 33.
[11] Ibid. p. 132.
[12] JORGENSEN P,  op. cit.
[13] Ibid.
[14] VILLAÇA F, op. cit.
[15] JORGENSEN P, op. cit.
[16] JORGENSEN P, op. cit.
[17] CAPRETZ A e MANHAS M, "Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto (SP), 1887". I Simposio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011.
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf
[18] SILVA A C B, Campos Elíseos e Ipiranga: memórias do antigo Barracão. Ribeirão Preto SP: Editora COC 2006
https://aeaarp.org.br/upload/downloads/20200527153648acapretz-camposeliseosipiranga.pdf
[19] SANTOS M (1959), O Centro da Cidade de Salvador, p20.
https://www.academia.edu/38732387/MILTON_SANTOS_o_Centro_da_Cidade_do_Salvador

Apontamentos: Medeiros & Medeiros 2022 - o subúrbio de Lima Barreto
REFERÊNCIAS
BARRETO, Lima. Lima Barreto Completo I: Sátiras e Romances Completos. Edição do Kindle
MEDEIROS, Juliane P. C. e MEDEIROS, Ana Elisabete de A. “Os subúrbios cariocas no olhar de Lima Barreto”, Thésis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p. 160-173, dez. 2022.
https://thesis.anparq.org.br/revista.../article/view/303/314
QUEIROZ RIBEIRO L C, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, p. 32. Observatório das Metrópoles, 2015
http://www.observatoriodasmetropoles.net/new/images/abook_file/dos_corticos_aos_condominios_fechados.pdf

NOTAS
[1] QUEIROZ RIBEIRO L C, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, p. 32. Observatório das Metrópoles, 2015
http://www.observatoriodasmetropoles.net/new/images/abook_file/dos_corticos_aos_condominios_fechados.pdf
[2] STROHAECKER T M, “Atuação do Público e do Privado na Estruturação do Mercado de Terras de Porto Alegre (1890-1950)”. Scripta Nova - Revista Electrónica de Geografía Y Ciencias Sociales / Universidade de Barcelona, Vol. IX, núm. 194 (13), 1 de agosto de 2005.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-13.htm
[2a] JORGENSEN P, “Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)”, À beira do urbanismo (blog), 21-05-2020.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html
[3] "Como política urbana, a suburbanização é um modo de alienar os trabalhadores da vida citadina, resumindo o cotidiano do proletariado a grandes deslocamentos casa-trabalho-casa, afastando-o da verve da capital e do sentido da vida urbana". MEDEIROS & MEDEIROS p. 165.
[4] "(..) os subúrbios cariocas são resultado da estratégia de afastamento da classe proletária do centro urbano." MEDEIROS & MEDEIROS p. 160 / Resumo.
[5] "A consideração dos operários qualificados como "camada média" justifica-se se atentarmos para o fato de que desde 1870 forma-se um grande contingente de "pobres" na cidade, pessoas que vivem de trabalhos temporários e intermitentes (..). QUEIROZ RIBEIRO p. 231.
[6] "(..) operários das Oficinas do Engenho de Dentro, nos quais se incluíam os cargos de operários, guardas, feitores, serventes e jornaleiros. Esses, correspondiam a quase totalidade dos empregados da oficinas, que submetidos a 4ª Divisão da companhia, somavam em 1907 cerca de 1.217 funcionários, ao passo que as categorias superiores de chefes, mestres e ajudantes de mestre somavam 22 empregados na mesma data". SERFATY E R C, Pelo trem dos subúrbios: disputas e solidariedades na ocupação do Engenho de Dentro (1870-1906). Dissertação de Mestrado, PUC Rio de Janeiro 2017, p. 75.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/32190/32190.PDF
[7] "Para Fernandes, o conceito carioca de subúrbio representa um “rapto ideológico”, pois a corrupção do significado da palavra é um recurso da ideologia capitalista para legitimar a segregação da classe proletária. Assim, o sistema capitalista reinterpreta a noção de subúrbio para atender a sua ideologia: (..)" MEDEIROS & MEDEIROS p. 165.
[8] VELOSO C & GIL G, Haiti. 1993
[9] BARRETO, Lima. Lima Barreto Completo I: Sátiras e Romances Completos. Edição do Kindle p. 1038.
[10] NASCIMENTO A S et al, “Clara dos Anjos, de Lima Barreto: o conto e o romance”. Encontros de Vista, Recife, 21 (1): 106-119, jan./jun. 2018
https://www.journals.ufrpe.br/index.php/encontrosdevista/article/download/4743/482484409

São Paulo, o nascimento da metrópole (1)
* CAMPOS Candido Malta, Os rumos da idade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Senac 2002. Edição do Kindle.
** CAMPOS Eudes, “São Paulo antigo: plantas da cidade”. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (20): set/out.2008
https://www.academia.edu/37066912/S%C3%A3o_Paulo_antigo_plantas_da_cidade