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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Apontamentos: Rolnik 2022 e a urbe desigual

Estes apontamentos são parte de um processo de estudo compartilhado. À beira do urbanismo está à disposição dos autores cujo trabalho aqui se comenta para suas considerações.

CBN Estudio
24-01-2022, entrevista com Raquel Rolnik
https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/364829/em-sao-paulo-todas-caracteristicas-da-cidade-sao-f.htm
 
Imagem e texto: CBN Estudio
Montagem: À beira do urbamnismo
A afirmação "vários fatores determinantes para os paulistanos, como a divisão entre centro e periferias, não surgiram espontaneamente, mas foram resultado de decisões de política urbana" me surpreende e intriga. A menos que tenha sido indevidamente tirada do contexto pela reportagem, ou que seja um exagero retórico de sua autora, não consigo alcançar o seu sentido. 

A proposição dá a entender que a urbanização de mercado não tem leis próprias nem iniquidades inerentes e que o planejamento socialmente orientado tudo poderia se não fosse  desvirtuado por decisões políticas, digamos, antidemocráticas. Ora, se as decisões políticas, executivas ou legislativas, não têm em nenhuma parte do mundo o condão de governar o processo de produção da riqueza - do contrário não haveria crises -, como podem tê-lo de governar a construção da cidade, processo 100% relacionado, direta ou indiretamente, à produção, circulação e consumo de mercadorias e serviços?


A propósito, recém escreveu o urbanista catalão Herce Vallejo: 

"La cuidad moderna (..) es distinta de cualquier tipo de ciudad anterior. Lo es porque es el espacio de concentración de los factores de producción, sobre todo del capital y la mano de obra y, por tanto, es el espacio de la reproducción de la fuerza de trabajo, por lo que favorece el incremento de productividad del trabajo y la rentabilidad del capital. Pero lo es también porque ha concentrado en ella los factores de producción sobre la base de un nuevo sistema económico basado en el capital. Y en ese sentido, la ciudad es también un producto en sí misma, una sumatoria de mercancías inmobiliarias que añaden valor a la propiedad. Si la propia construcción de ciudad se convierte en negocio, en motor de desarrollo económico a través de la multiplicación del capital, es obvio que se ha tendido progresivamente a ampliar el campo de la producción inmobiliaria, del territorio de generación de plusvalía por su proximidad a los factores de producción. (..) [1] 

Na cidade capitalista,“centro” e “periferia” são categorias inter-relacionadas, inerentes à economia do espaço, que contêm em si mesmas o fenômeno da segregação sócio-espacial, tanto mais intenso e perverso quanto mais desigual é a sociedade nacional e - agora sim - politicamente desarticulada a cidadania em geral e a classe trabalhadora em particular.

Cabe perguntar, então, se e como a sociedade teria modificado a relação essencialmente assimétrica, mais exatamente subordinada, que se estabelece, na cidade capitalista, entre urbanização de mercado e políticas públicas, assim descrita por Benevolo no já longínquo ano de 1963:

O urbanismo moderno não nasceu junto com o processo técnico e econômico que gerou e modelou a cidade industrial. Veio mais tarde, quando se evidenciou que os efeitos quantitativos dessas transformações se tornaram conflitantes a ponto de tornar inevitável a necessidade de remediá-los. De modo geral, a técnica urbanística aparece com atraso relativamente aos acontecimentos que tem por missão controlar e guarda um caráter curativo. [2] 

Impelidas pela potência autorreprodutiva do mercado, vale dizer da concorrência capitalista, e ainda que em ciclos tão distintos quanto aqueles que a academia chama de "fordista" e "neoliberal", as grandes metrópoles planetárias não param de crescer, portanto de se expandir e gerar periferias mais ou menos sub-urbanizadas ao redor de seus centros históricos, comerciais e financeiros,  independentemente da opinião que possam ter sobre isso os urbanistas, planejadores, formuladores e executores de políticas públicas. 

Nenhum conjunto de decisões de política urbana, tampouco a sua ausência, podem explicar por si mesmos, por exemplo, o fato de o PIB do estado de São Paulo, inequivocamente capitaneado pela megalópole paulistana, ter crescido cinco vezes mais do que o PIB brasileiro nos últimos três anos. [3] As respostas dos planejadores a esse processo avassalador de concentração econômica e expansão / agregação urbana podem ser mais ou menos progressistas e eficazes, mas hão de ter, necessariamente, caráter reativo e adaptativo. Como dito em 1947 pela Comissão do Plano de Copenhagen, mundialmente conhecido como Finger Plan:

"O Finger Plan partiu da premissa de que a expansão do parque comercial e habitacional era inevitável e impossível de deter". [4]  

Realismo técnico similar, temperado com pragmatismo filosófico e uma pitada de ambiguidade, sustenta a visão do economista e avaliador colombiano Oscar Borrero, adepto das políticas de recuperação e mobilização de mais-valias imobiliárias para fins de financiamento urbano, sobre a contribuição das políticas urbanas no processo de estruturação da cidade contemporânea:   

El conocimiento e identificación de la fase de desarrollo en que se encuentra cada sector de una ciudad es igualmente importante para los organismos de planeación de esa ciudad para saber en qué momento conviene adoptar una determinada política para estimular un proceso de rehabilitación, de renovación o de desarrollo de un sector. (..) Cuando la planeación urbana va en contra de las necesidades sociales y las leyes del mercado, genera un mayor caos urbano. La planeación debe ir delante de la demanda encauzando las necesidades. [5] [Itálico meu]

Não duvido nem por um momento que políticas urbanas inadequadas venham contribuindo, há décadas, para ampliar as desigualdades espaciais e gerar na metrópole paulistana “um maior caos urbano”. Mas não concebo nenhum conjunto de decisões governamentais capaz de anular os efeitos perversos, para não dizer caóticos no caso dos países ditos 'emergentes', da operação das leis do mercado no processo de urbanização. 

Devemos supor que a urbanização de mercado é capaz de produzir cidades sustentáveis e socialmente equilibradas desde que balizada por políticas corretas? A segregação sócio-espacial pela via do mercado de localizações deixou de ser o modo normal de estruturação da cidade capitalista? Serão as políticas urbanas pró-mercado o fundamento dessa segregação, como sugere Rolnik, ou apenas sua agravante nos ciclos históricos desfavoráveis às lutas populares e às ambições das organizações estatais de planejamento?

Para ilustrar a divergência e corroborar minha crítica, trago uma passagem de São Paulo: o planejamento da desigualdade:

“(..) Afastada do núcleo urbanizado, a avenida Paulista contava com rede de água e esgoto, iluminação e piso macadamizado com pedregulhos brancos antes de ser ocupada. Em 1894, Joaquim Eugênio de Lima, incorporador da Paulista, conseguiu aprovar uma lei na Câmara Municipal exclusivamente para a avenida, obrigando as futuras construções a obedecer a um afastamento de dez metros em relação à rua, bem como dois metros de cada lado, a serem ocupados por, de acordo com a lei, “jardins e arvoredos”. Dessa forma, por meio de leis que definem um modo de construir que corresponde clara e exclusivamente a um segmento social, garantiu-se ao longo da história da cidade que os espaços com melhor qualidade urbanística fossem destinados a esses grupos, apesar da imensa pressão representada permanentemente pelo crescimento populacional das massas imigrantes. Nesse episódio se esboça o fundamento de uma geografia social da cidade, da qual até hoje não se conseguiu escapar. (..)” [6] [destaque meu]

A propósito do "fundamento da geografia social" da cidade capitalista, já em 1903 o economista-avaliador estadunidense Richard Hurd, pioneiro dos estudos de organização espacial urbana, era tão taxativo quanto esclarecedor:
 

“A terra é de quem paga mais - os ricos escolhem as localizações que lhes agradam, as classes médias ficam o mais perto deles que conseguem e assim por diante na escala da riqueza, restando aos trabalhadores pobres as áreas fabris, ferroviárias, portuárias etc., ou a periferia distante.” [7]

Os limites do planejamento urbano em face da urbanização de mercado é assunto fascinante, e da maior importância. Vou escutar com atenção a entrevista completa da profa. Rolnik e continuar refletindo.
  
2022-02-01

 _____

[1] HERCE VALLEJO Manuel, “Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista”. Café de las Ciudades, Abril 2021 

[2]  BENEVOLO Leonardo, Le Origini dell’Urbanistica Moderna, 1963. Tradução livre PJ.

[3] ‘PIB de SP cresce 5 vezes mais que o do Brasil em 3 anos, aponta Seade”. Portal do Governo 26-01-2022
https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/pib-de-sp-cresce-5-vezes-mais-que-o-do-brasil-em-3-anos-aponta-seade-2/

[4] SØRENSEN E e TORFING J, “The Copenhagen Metropolitan ‘Finger Plan’”. Em HART P e COMPTON M, Great Policy Successes, Oxford Scholarship Online: October 2019. Tradução livre PJ.
https://oxford.universitypressscholarship.com/view/10.1093/oso/9780198843719.001.0001/oso-9780198843719-chapter-12

[5] BORRERO Oscar, “Formación de los precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, 2005.
https://drive.google.com/file/d/12719bJhO6ztK8uQ2cj6MhJzEwVuiH6Vv/view?usp=sharing

[6] ROLNIK Raquel. São Paulo: o planejamento da desigualdade. Fósforo. Edição do Kindle, p. 29.

[7] “(..) the land goes to the highest bidder - the rich selecting the locations which please them, those of moderate means living as near by as possible, and so on down the scale of wealth, the poorest workmen taking the final leavings, either adjacent to such nuisances as factories, railroads, docks, etc., or far out of the city.” [HURD R M, “Cap VI, “Distribution of Utilities”, em Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903]
https://docs.google.com/document/d/1DpC1cKyp8bHu_MAyegpfnGOYmlcZoYR18urRW1w_BUQ/edit?usp=sharing
 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Lei e desordem

Deu no Evening Standard
05-07-2021, por Sophia Sleigh

City will crumble if workers don’t start going back to the office, expert warns

Foto: Getty Images / Evening Standard

Com todo o respeito ao recém-falecido mestre, todos esses alertas sobre a iminência de uma catástrofe urbanística e econômica derivada de algo tão razoável, e até certo ponto previsível, como a maré do trabalho remoto sempre me trazem à mente o postulado, que me parece insustentável, de Flavio Villaça sobre a relação entre anarquia na produção e desenvolvimento urbano, à página 77 de sua obra magna Espaço Intra-Urbano no Brasil:

Não é possível associar aqui a aglomeração urbana à desordem da concorrência que Marx diz existir na sociedade. Numa visão social mais ampla, as cidades são uma força produtiva e, como tal, trabalham segundo uma lei, uma lógica, e não em desordem. [*]

Ora, as "leis / lógicas" da produção capitalista e a “desordem / anarquia” que ela promove na economia com um todo não se excluem absolutamente: são um antagonismo gerado pelas forças motrizes do mesmo processo, como na relação entre concorrência e monopólio e, em outro plano, entre liberdade individual e controle social. A contradição entre o planejamento rigoroso no âmbito da empresa privada e a competição predatória no da sociedade, ambos voltados à obtenção do máximo lucro sobre o capital investido, tem um lugar nada menos que central n'O Capital de K Marx.

A convicção de que as grandes metróp0les são imprescindíveis à riqueza das nações tornou-se tão avassaladora em nossa época que tendemos a esquecer o caráter tsunâmico de suas deseconomias e a escassez, virtualmente insolúvel para a imensa maioria dos cidadãos trabalhadores, de seu bem mais precioso: a terra urbanizada e adequadamente localizada.

Sim, a reprodução das cidades modernas está sujeita a certas leis da economia e da sociologia, mas nem por isso deixa de ser anárquica - errática do ponto de vista das necessidades do presente, temerária quanto às possibilidades do futuro e mais ou menos alheia, a depender do país e das circunstâncias, aos ideais de apuro estético, justiça social e sustentabilidade ambiental de urbanistas-planejadores, reformadores e legisladores. Não há, aliás, nenhum motivo para que o desenvolvimento das cidades em geral seja menos anárquico do que o das próprias economias nacionais e mundial.

Mesmo que não venha a realizar-se, o espectro da súbita desvalorização e obsolescência dos hipercentros financeiros, alguns recém-construídos sob a rubrica dos Grandes Projetos Urbanos, é um augúrio de que a tragédia de Detroit pode não ter sido "um raio em céu azul". 

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[*] VILLAÇA Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: FAPESP 2001, p. 77


2021-07-05

domingo, 15 de março de 2020

Megacidade capitalista africana

Quartz Africa 05-10-2019, por Ndubisi OnwuanyiThe unplanned journey that led Lagos to becoming an overwhelmed megacity

Lagos was an orderly urban environment 70 years ago. This was the case from the 1950s, when the city was a federal territory through to the 1960s when it became federal capital – a status it held until 1991.
Lagos 1999

The foundations of orderliness for any city are planning and management. Lagos had this in place in the early days. The city was governed by an elected Lagos City Council, Nigeria’s oldest, established in 1900. It was governed according to colonial legislation, particularly the 1948 Building Line regulations and the 1957 Public Health Law.

The city was much smaller and was made up of Lagos Island (Eko) which included Ikoyi and Obalende neighborhoods. It was a beautiful environment that featured Portuguese, Brazilian, and British Victorian architecture. Its streets were clean and tree-lined. Urban crime was virtually non-existent.

Governance standards declined when political control of Lagos, and the rest of Nigeria, came under military rule between 1966 and 1979 and again from 1984 to 1999. Proximity of the two capitals – federal and state, respectively—in the Ikoyi and Ikeja neighborhoods of the same conurbation, put more pressure on the city. In the 1970s the city expanded to link up previously distinct areas such as Ikeja, Mushin, Orile, Ojo, Oshodi and Agege. (..) 

2020-03-15 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Sai de baixo!

Época Negócios 18-12-2019 
‘Vem avalanche de investimentos no ano que vem’, diz Guedes 
Montagem: À beira do urbanismno
Imagem original: “Wolfgang Schäuble and the refugee avalanche”, Marian Kamensky
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta quarta-feira que o Brasil vai viver uma “avalanche de investimentos” em 2020, que virão tanto do mercado interno quanto de estrangeiros. Segundo Guedes, os recursos inundarão, sobretudo, a seara da infraestrutura, principalmente do saneamento, cujo marco legal está em processo de atualização no Congresso. Ainda de acordo com ministro, isso vai permitir que economia brasileira cresça elo menos 2% em 2020, numa projeção, segundo o próprio Guedes, conservadora. (..)
"O ‘S’ do BNDES agora é de saneamento. O Brasil tem 100 milhões de brasileiros com lixo a céu aberto, sem água, sem esgoto. Como (projeto de lei) foi aprovado agora (na Câmara), isso vai empurrar o Brasil para outro patamar. De um lado, investimentos em saneamento, de outro, investimentos em infraestrutura. Agora, vamos disparar uma onda de investimentos privados internos e internacionais.  Vem uma avalanche de investimentos no ano que vem", afirmou Guedes ao fazer um balanço sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro, no Ministério da Economia. (..) 
2020-01-15

quinta-feira, 31 de março de 2016

Déjà vu

Deu n’O Globo online 31-03-2016, por O Globo 
Desabamento de viaduto na Índia deixa ao menos 15 mortos
Calcutá, março de 2016
Qualquer semelhança com a tragédia do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, em novembro de 1971, não é mera coincidência: é a calamidade do desenvolvimento urbano nos países ditos periféricos (quanto ao custo da mão de obra e padrões de qualidade e, por isso mesmo, centrais quanto às taxas de crescimento e lucro) de uma economia mundial manifestamente insustentável.
Rio de Janeiro, novembro de 1971

2016-03-31



segunda-feira, 5 de maio de 2014

Urbanização na África

Publicado em urbanNext
Maio 2014, por Jérôme Chenal
https://urbannext.net/the-african-city/


The African City: Urbanisation in Africa
Excerpt from The West African City by Jérôme Chenal, published by EPFL Press.
 
The history of African cities is ancient. For instance, we know today that urbanisation in Africa existed long before Arab and Portuguese influences (Coquery-Vidrovitch, 1993). However, while this urban history is ancient, it is clear that Europeans introduced a new type of city based on grid patterns and ‘monumental’ architecture (Coquery-Vidrovitch, Georg, 1996). In the colonial era, the ‘real’ city was that of the whites (founded on the European economy), while ‘indigenous’ areas were not considered part of the city and tended to be identified with the village model (i.e. without rules). The importation of traditional village building techniques further reinforced this idea. 
 
But beyond the relationship between the white and black city, this separation marked “the collective imagination, giving credence to the belief that ‘African culture’ (traditional, authentic, etc.) was that of the village” (Coquery-Vidrovitch, 1997). Thus, the African city only exists through the lens of European culture – or so recent works still tell us.
 
The metropolitanisation process of Third World countries is a form of urban development that is measured namely by urban sprawl, the development of large-scale agglomerations, and the formation of a hierarchical armature of cities at the global level (Bassand, 1997). The African continent is not an exception to this rule, with the emergence of ever larger, increasingly populated cities in a part of the world that, today, still has the highest population growth rates in the world (Schoumaker, 1999, Tabutin, Schoumaker, 2004). Hence, the African city should take its place in the network of globalised cities, in this de-territorialised universe of great metropolises. (Continua)

2014-05-05