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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Apontamentos: M Abreu e a transição urbana no Brasil


ABREU Maurício*, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62
(*) Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


Concordo inteiramente com Abreu que o período 1870-1930 é aquele em que “os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras”. Nelas surgiram, de fato, “relações de trabalho de tipo assalariado capitaneadas pela produção industrial e pelo setor de serviços urbanos” e “um mercado urbano de terras” coroado pela “promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário”. 

Por uma coincidência que nada tem de casual, foi este o exato intervalo temporal que deduzi, das leituras de Strohaecker sobre Porto Alegre [1], de Queiroz Ribeiro e Lima Barreto (!)  sobre o Rio de Janeiro [2] [3] e de outras mais sobre São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte, como sendo o do nascimento das metrópoles capitalistas brasileiras

Essa concordância, aliás, ocorre-me agora, é um bom motivo para escrever um comentário sobre o problema da periodização na história urbana brasileira.

Deixando de lado por ora - para focar no meu campo de investigação - o seu ótimo resumo do desenvolvimento do urbanismo e das políticas urbanas brasileiras nesse período, observo um aspecto do texto de Abreu em que não coincido, ao menos em parte: a assimilação do novo mercado de lotes suburbanos a um processo de “desconcentração urbana” [4]. 

É certo que “as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço”. Por isso mesmo, me parece, a “desconcentração” é apenas relativa. Ao nascente espraiamento suburbano dessa época corresponde o início de uma radical transformação das cidades herdadas do período colonial, para se tornarem centros das metrópoles radiadas com aumentos brutais das densidades edificadas exigidos pelos negócios em geral e, principalmente, pelas grandes firmas comerciais e bancárias.

Como muito bem observou o economista e avaliador Richard Hurd em sua única obra Principles of City Land Values, publicada em 1903, a expansão da cidade do século XX é, ao mesmo tempo, periférica e central.

A ‘revolução da centralidade’, unindo num só movimento reciprocamente determinado o adensamento do núcleo central de negócios e o espraiamento residencial suburbano, com a relativa compactação do pericentro residencial e a proliferação de subcentros, é, a meu juízo, o fenômeno geográfico / urbanístico que melhor define o advento da cidade capitalista por oposição às urbanizações precedentes. 

2024-11-10

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NOTAS

[1] STROHAECKER T M, “Atuação do Público e do Privado na Estruturação do Mercado de Terras de Porto Alegre (1890-1950)”. Scripta Nova - Revista Electrónica de Geografía Y Ciencias Sociales / Universidade de Barcelona, Vol. IX, núm. 194 (13), 1 de agosto de 2005.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-13.htm

[2] QUEIROZ RIBEIRO L C, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro, p. 32. Observatório das Metrópoles, 2015. Embora essa referência temporal permeie boa parte do texto, o Capítulo 5, especificamente, intitula-se “Transformações do parque imobiliário - 1870-1930”.

[3] LIMA BARRETO A H, Lima Barreto Completo I: Sátiras e Romances Completos. Edição do Kindle. 

[4] "Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. [ABREU M, “Cidade brasileira: 1870-1930”] [Destaque PJ]
https://pt.scribd.com/document/162723437/62

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

M Abreu: A cidade brasileira 1870-1930

ABREU Maurício*, “Cidade brasileira: 1870-1930”
https://pt.scribd.com/document/162723437/62
(*) Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


(..)

Mercantilização: a formação de um mercado urbano de terras

Imagem: http://www.mauricioabreu.com.br/

Foi entre 1870-1930 que os processos capitalistas modernos firmaram-se solidamente nas cidades brasileiras. A nível da produção de mercadorias, foi nessa fase que as relações sociais de base capitalista se difundiram, substituindo aquelas que vigoraram em tempos anteriores. A escravidão  urbana, já em decadência em meados do século XIX, esgotou-se rapidamente. O trabalho familiar ainda mostrou algum crescimento. Mas foram as relações de trabalho de tipo assalariado, capitaneadas pela  produção industrial e pelo setor de serviços urbanos, aquelas que mais se expandiram nas cidades, tornando-as cada vez mais diferentes do campo, onde relações pretéritas de produção e de trabalho  ainda mantiveram-se predominantes. 

Foi nas cidades, e nesse período, que se verificou também uma outra faceta do enraizamento acelerado do capitalismo moderno. Trata-se da emergência de um mercado urbano de terras, que se estruturou primeiramente nas cidades que sofriam forte pressão imigratória (notadamente Rio de Janeiro e São Paulo), difundindo-se depois pelo restante das áreas urbanas. Transações com terras e moradias tiveram lugar no Brasil desde o século XVI. O que ocorreu de novo no final do século XIX - e nas grandes cidades - foi que ambas transformaram-se rapidamente em ativo  financeiro. Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. E algo mais ocorreu. O retalhamento deixou de ser produto da ação isolada de um proprietário fundiário que dividia sua chácara em poucos lotes urbanos. Surgiu a promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário. 

Como resultado, grandes loteamentos surgiram na paisagem urbana, tanto para a burguesia em ascensão quanto para o proletariado em formação. Diferenciaram-se uns dos outros por sua localização no tecido urbano, já que as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço. Diferenciaram-se também pelo produto oferecido, que passou a variar da alta qualidade dos bairros criados para os mais abastados, inspirados no modelo howardiano da cidade-jardim e grandemente beneficiados pelo Estado com infraestrutura, ao nada urbanístico oferecido nos loteamentos proletários. Agravou-se a partir daí o processo de acesso diferencial dos grupos sociais às benesses urbanas, o que exigiu que os mais mais pobres passassem a lutar cada vez mais para obter do poder público os benefícios que este, não raro antecipadamente, concedia aos bairros mais ricos. 

A estruturação do mercado capitalista da habitação não se limitou, entretanto, à grande promoção fundiária, ainda que tenha sido essa a direção preferencial tomada pelo grande capital imobiliário até 1930. O rápido crescimento demográfico ofereceu também condições para o surgimento de um capital imobiliário mais modesto, em alguns lugares associado ao capital industrial, que produziu boa parte do estoque de habitações construído nessa época, simbolizado por vilas, avenidas e correres de casas. 

Crise e superação do pensamento sobre as cidades: do higienismo ao sanitarismo
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Acesse o texto integral pelo link
https://pt.scribd.com/document/162723437/62