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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Apontamentos: Alonso 1964 - teorias histórica e estrutural da ordem espacial urbana


ALONSO W, “The Historic and the Structural Theories of Urban Form: Their Implications for Urban Renewal”. Land Economics Vol. 40, No.2 (May, 1964), pp. 227-231. University of Wisconsin Press.
https://docs.google.com/document/d/1-bHp274ABR8iKw3TvP4Et2Z6YOpjQbOq1ppaSC4mczk/edit?usp=sharing

Este não é, propriamente, um texto clássico, mas me parece de algum interesse tanto para a história da ciência /disciplina /estudos da organização espacial urbana quanto para a reflexão sobre a abrangência técnico-científica do urbanismo contemporâneo.

No mesmo ano (1964) da publicação de sua obra paradigmática Location and Land UseWillliam Alonso intervém no debate público sobre os planos de renovação (hoje diríamos gentrificação) de áreas centrais obsolescentes de Nova York alertando para os riscos da empreitada caso seus mentores se mantenham aferrados ao que chama de “teoria histórica” da ordem espacial urbana – baseada, segundo ele, nos “modelos” de Burgess (Círculos Concêntricos, 1925) e Hoyt (Setores de Círculo, 1937).

Em termos visivelmente diplomáticos, Alonso propõe que se leve também em conta os postulados da “teoria estrutural” da organização espacial urbana, vale dizer as leis do mercado de solo, àquela altura fortemente marcado pela preferência da ascendente classe média dos EUA pelas residências unifamiliares em amplos terrenos suburbanos.

Depois de observar a contradição entre a “convicção, própria dos planejadores, da necessidade de um plano geral” e o caráter espasmódico dos projetos de renovação urbana - “um atrás do outro sem qualquer visão de conjunto” -, Alonso afirma que a ausência da abordagem metropolitana impede que os defensores dos projetos de renovação urbana tenham uma visão clara da relação entre “os objetivos da comunidade e o entendimento de sua estrutura”.  

Em linguagem mais direta, Alonso conclui dizendo que os projetos de renovação urbana das áreas centrais “só dizem respeito a um setor muito restrito e especializado do mercado” e “correm o risco de fracassar completamente devido à incompreensão do funcionamento do sistema urbano e a uma interpretação equivocada da estrutura da demanda.”

Desconheço - ainda - as consequências desse debate, mas creio que Alonso tinha razão quanto à factibilidade dos projetos de renovação urbana das áreas centrais na escala pretendida.

O mesmo não diria de sua concepção de “teoria histórica” e “teoria estrutural” da ordem espacial urbana - tema para alguma reflexão e, com certeza, um futuro comentário. E é por isso que concluo afirmando: mesmo não sendo um clássico, este artigo é notável pelo seu valor bibliográfico e epistemológico. Para estudiosos das estruturas espaciais urbanas e, particularmente, da urbanização nos Estados Unidos de meados do século XX, Alonso discutindo Burgess e Hoyt não é assunto de pouca monta. 

2023-10-04

sábado, 26 de dezembro de 2020

Burgess 1929: “O arruamento ortogonal”

BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, an Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-38
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015005490290&view=1up&seq=17


Ilustração da mancha urbana em
"cruz de malta" sobre mapas 
antigos das cidades de Ft. Worth,
Texas e Columbus, Ohio.

Montagem: Àbeiradourbanismo 
Nesta seção por mim traduzida de seu artigo "Urban Areas", de 1929, o sociólogo Ernest Burgess esboça, a partir de seus estudos sobre Chicago mas abarcando outras cidades “de planície” do Meio-Oeste dos EUA, uma questão basilar da moderna organização espacial urbana: o “efeito combinado da expansão radial-concêntrica e do sistema de vias arteriais ortogonais”, a primeira tida por ele como uma espécie de lei geral da estruturação urbana, o segundo herdado do reticulado parcelário (grid) criado pelo governo dos Estados Unidos em 1785 para facilitar a venda, a colonos e urbanizadores, dos novos territórios conquistados a oeste do continente.

A dedução mais interessante desse esboço, que repousa, sem dizê-lo, sobre o princípio do custo da distância formulado por Von
Thünen em 1826 e postulado como fundamento econômico da organização espacial urbana por Haig exatos cem anos depois, é a tendência à desvalorização relativa, em Chicago, dos lotes urbanos situados nas direções diagonais de expansão a partir do centro de negócios, e a formação de manchas urbanas com aspecto de “cruz de malta” em cidades de planície do Meio-Oeste estadunidense.

Tal efeito pode ser visto como a manifestação mais acabada de uma contradição espacial inerente à urbanização de mercado, e que subjaz à estrutura do espaço por ela construído, entre a “economia da localização” e a 
“economia da ocupação do solo”. A primeira, sujeita à primazia do fator acessibilidade, tende à disposição radial-concêntrica desigualmente distribuída do conjunto; a segunda, governada pelo aproveitamento das parcelas, impõe a preferência dos urbanizadores privados pelo arranjo ortogonal. 

Leia também neste blog: "Burgess 1925: urbanista acidental"
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/10/burgess-1925-urbanista-acidental.html

*


III. O arruamento ortogonal
Chicago, como a maioria das cidades dos Estados Unidos, tem quase todas as vantagens e desvantagens do arruamento ortogonal. Fosse este fator o único relevante, o crescimento urbano não seria radial, mas em ângulos retos a partir do centro da cidade. O arruamento nas direções cardeais torna mais acessíveis ao centro urbano, portanto mais desejáveis para uso residencial, os distritos urbanos situados a norte, sul, leste e oeste e, inversamente, indesejáveis os setores ao longo das direções diagonais. Uma tendência natural sob o sistema reticulado tem sido a instalação do sistema local de ferrovias urbanas e transporte rápido nas arteriais norte-sul e leste-oeste. ou próximo a elas.

Acelera-se, assim, a força da expansão radial nas arteriais perpendiculares ao CBD e retarda-se, obstaculiza-se até, a tendência à expansão radial nas direções diagonais que cortam o reticulado. O efeito geral da superposição do padrão ortogonal dos arruamentos com o padrão circular das zonas urbanas é a configuração em cruz de malta que assumem cidades norte-americanas típicas como Columbus, em Ohio, e Fort Worth, no Texas (isto é, cidades de planície desprovidas de extensas frentes lacustres e fluviais).

Em Chicago, o rio tornou os setores diagonais ainda mais inacessíveis e desfavoráveis para uso residencial, acarretando a ocupação de suas margens pela indústria pesada e por bairros de população pobre e moradias de baixo padrão. As poucas vias diagonais da cidade, quase todas ao longo de estradas construídas sobre antigos caminhos indígenas, ainda que mitiguem as tendências inerentes ao arruamento reticulado pouca influência exercem, no conjunto, porque apenas uma delas, a Milwaukee Avenue, é uma autêntica arterial a serviço de uma grande área. E mesmo esta padece da desvantagem de todas as demais diagonais de Chicago, a saber, o fato de não partir do CDB como é o caso das ortogonais North Clark Street, West Madison Street e South State Street.

O efeito combinado da expansão radial-concêntrica com o sistema de vias arteriais ortogonais é concentrar o deslocamento centro-periferia nas direções cardeais. Na lacustre Chicago, os troncos principais de movimento populacional - para usar a sugestiva expressão do Professor A. E. Holt - foram o Norte ao longo da orla, o Sul ao longo da ferrovia Illinois Central e o Oeste ao longo da West Madison Street e Washington Boulevard. Esses três movimentos principais de população originária do país geraram o desenvolvimento de uma sucessão de subúrbios residenciais de alto padrão.

Nos interstícios das três direções de rápido crescimento permanecem dois setores de crescimento mais lento, o Noroeste e o Sudoeste, ocupados por colônias de imigrantes europeus, negros oriundos do sul do país e latino-americanos em geral. O mapa da próxima página mostra o movimento de todos esses grupos ao longo das vias mais importantes.


2020-12-26

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Apontamentos: Burgess 1925, urbanista acidental

BURGESS E W (1925), “O crescimento da cidade: Uma introdução a um projeto de pesquisa”. Tradução Raoni Barbosa, Universidade Federal de Pernambuco
https://www.researchgate.net/publication/318278050_O_crescimento_da_cidade_Uma_introducao_a_um_projeto_de_pesquisa
Diagramas das 
zonas concêntricas 
e áreas urbanas 
de Chicago tais como
aparecem na edição
de 1925 de The City


Ao leitor desse artigo de Ernest Burgess eu sugiro ter em conta que o diagrama das “zonas concêntricas” que o tornou famoso entre geógrafos e urbanistas não é o resultado de um estudo sobre a estrutura urbana, mas algo muito mais parecido com uma hipótese de trabalho do autor, auxiliar do projeto de pesquisa explicitado no título da obra: The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment [1] - uma espécie de programa da corrente acadêmica que veio a ser mundialmente conhecida como a “escola de sociologia urbana de Chicago”. 

O foco de Burgess, professor e pesquisador da Universidade de Chicago, são as perturbações do “metabolismo social” derivadas da expansão migratória acelerada, vertiginosa no caso de Chicago, das grandes cidades do meio-oeste estadunidense na aurora do século XX, na forma de processos espaciais que denominou “invasão-sucessão” de zonas socialmente estruturadas ao redor do centro de negócios (The Loop [2]).

O “modelo de Burgess” que chegou até nós é, em boa medida, uma invenção dos geógrafos Harris e Ullman, que o designaram, num clássico texto de 1944 intitulado "The Nature of Cities", a pioneira de uma sequência histórica de “generalizações da estrutura interna das cidades” a incluir o arranjo residencial por setores de círculo de Homer Hoyt, de 1939, batizado “teoria dos setores”, e o seu próprio construto alternativo chamado “núcleos múltiplos”. Ironicamente, foi o imenso poder heurístico do “modelo de Burgess”, refinado pelos resultados da pesquisa empírica de Homer Hoyt, não a consistência de sua crítica, que tornou o resumo de Harris-Ullman tão popular na geografia quanto é, na física, a série temporal das representações gráficas do átomo.

De todo modo, creio ser correto dizer que, na ausência de precedentes sobre o qual se apoiar, Burgess construiu, neste texto e em sua sequela “Urban Areas" [3], de 1929, um notável esboço de geografia urbana abrangendo temas como a expansão radial-concêntrica da cidade moderna, os obstáculos naturais e não naturais à expansão radial-concêntrica, a “descentralização centralizada” das cidades em rápido crescimento, a mobilidade dos grupos sociais ao longo dos corredores radiais urbanos e, mais amplamente, a análise espacializada, isto é, relativa ao meio físico da cidade como requer a “ecologia humana”, das três “formas de organização" social: econômicas, culturais e políticas.

De especial interesse para os urbanistas é a seção III [4] do artigo de 1929, um pequeno ensaio sobre como a expansão radial-concêntrica é afetada pelo grid - arruamento reticulado que define o design das cidades do Meio Oeste e Oeste dos EUA, derivado do sistema nacional de parcelamento das terras federais instituído em 1875. 

Fico devendo ao leitor um ensaio sobre o tema.

2020-10-12
___
[1] BURGESS, E W e PARK R E, The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf

[2] The Loop (O Laço) é o termo que designa, em Chicago, o segmento central do sistema de trens urbanos da cidade. Todas as linhas do sistema original de fins do século XIX convergiam, e assim se mantêm, para um circuito retangular compartilhado de cerca de 600 x 400m, elevado sobre o tabuleiro de ruas do centro de negócios, onde se realizam as integrações. Por extensão de sentido, o termo The Loop passou a designar o próprio Centro da metrópole.

[3] BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, an Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-38
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015005490290&view=1up&seq=17

[4] A tradução para o português da Seção III, "O arruamento ortogonal", de minha autoria, pode ser acessada pelo link https://docs.google.com/document/d/1FT2s26XEOfQQ_M-bFL_2xVxFNPRBhXjpKRUd1r2n_cY/edit?usp=sharing