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sexta-feira, 25 de julho de 2025

O MCMV e o subsídio público à renda - de incorporação e de aluguel


O Estado de S Paulo 25-07-2025
https://www.estadao.com.br/economia/localizacao-tamanho-do-imovel-interessa-ao-mais-jovem-nprei/

Montagem: Àbeiradourbnanismo
Mesmo sabendo que o Minha Casa Minha Vida está longe de resolver o problema do imenso contingente de trabalhadores cujos rendimentos só lhes dá acesso à moradia informal, julgo que o programa é um sucesso no que tange à ampliação da demanda solvável de incorporações imobiliárias, portanto do acesso de trabalhadores qualificados à casa própria, pelo qual já foi dito, por gente da própria incorporação, a “salvação do setor imobiliário brasileiro”.

Há que considerar, porém, dois aspectos.

Primeiro, o inevitável - a conversão, por intermédio do adquirente, do subsídio ao juro fornecido pela CEF em renda imobiliária nos cofres das incorporadoras - objeto do negócio da incorporação sem o qual não haveria a sua participação no MCMV. Isso torna a cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir nas faixas superiores da demanda habitacional, para além da elementar ‘obrigação de urbanizar’, uma incontornável política compensatória do subsídio federal (CEF) à renda de incorporação, ainda que em favor dos municípios.

Segundo, o inaceitável - o uso de uma parte substancial do subsídio da CEF aos juros imobiliários para a produção de unidades destinadas ao aluguel rotativo nas regiões centrais das grandes metrópoles, sob a confortável cobertura do adensamento planejado dos corredores de transporte a da “preferência dos jovens por apartamentos compactos em lugares onde as coisas acontecem” - o que significa a conversão (aparentemente descontrolada) do subsídio ao juro destinado às famílias adquirentes em renda apropriada por investidores em moradia de aluguel.

2025-07- 27

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Atribulações do zoneamento inclusivo

Público / Espanha 20-02-2025, por Ferran Espada
https://www.publico.es/economia/vivienda/centro-barcelona-ricos-vivienda-publica-extrarradio-maniobra-promotores.html

La norma que fija en Barcelona la obligatoriedad de reservar el 30% de las nuevas promociones de viviendas –o en su caso de la remodelación integral de un inmueble– para protección oficial, es en estos momentos el gran caballo de batalla que se disputan promotores, movimiento por la vivienda, el Gobierno municipal socialista y los partidos políticos. (..) En esta discusión surgen argumentos de índole política, económica, jurídica o logística que utilizan defensores y detractores del 30%. Pero más allá de todos ellos, últimamente surge con fuerza un elemento escondido que nadie se atrevía a utilizar, al menos hasta ahora. Y no es otro que el clasismo.
Y es que si bien, al principio, los promotores ponían como excusa para cargar contra la norma del 30% justificaciones de índole económica, asegurando que con esta cláusula no les sale a cuenta construir, ahora parece que este argumento no pesaría tanto como el hecho de que la norma fuerza la convivencia en un mismo inmueble de "ricos y pobres". Es decir, la gente que accede a pisos de protección oficial en una finca con pisos de lujo, con unos precios de entre tres y seis veces más reducidos, según explica el responsable de una inmobiliaria. El diferente poder adquisitivo de unos y otros es evidente y aquí entraría la perspectiva clasista, en la que los promotores consideran "molesto" para los acomodados tener que compartir edificio con gente con menos recursos económicos. (..)

2025-02-26

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A renda da terra é a alma do negócio (rewind)

MARX K, “Renda dos Terrenos Destinados à Construção. Renda de Mineração. Preço da Terra” (Excerto). Em O Capital, Vol III Livro Terceiro, p. 238). São Paulo: Abril Cultural 1983 

The Final Plan for Tyburnia: What is Now the Hyde Park Estate
Paddington Map, k1266639 (Collage 30361), The London Archives: Main Print Collection
The London Metropolitan Archives
Montagem: Àbeiradourbanismo

(..) Que nas cidades em crescimento rápido, especialmente onde a construção é feita, como em Londres, em escala industrial, o objeto principal da especulação não é o imóvel, mas a renda fundiária, demos um exemplo no Livro Segundo, cap. XII, p. 215 e 216,* com as declarações de um grande especulador imobiliário londrino, Edward Capps, perante a Comissão Bancária de 1857. Ele afirma aí, nº 5435:

“Creio que um homem que queira progredir neste mundo dificilmente pode esperar progredir atendo-se a negócios sólidos (fair trade) (...) necessariamente ele precisa, além disso, construir com base na especulação, e isso em larga escala, pois o empresário só consegue muito pouco lucro dos próprios prédios; obtém seu lucro principal das rendas fundiárias acrescidas. Ele assume, digamos, um terreno pagando por ano 300 libras esterlinas; se, depois de um cuidadoso plano de construção, erige aí a classe certa de casas, é possível que obtenha delas 400 ou 450 libras esterlinas por ano, e seu lucro consistiria muito mais na renda fundiária acrescida de 100 ou 150 libras esterlinas por ano do que no lucro obtido com os prédios, o qual, em muitos casos, ele quase não leva em consideração”.

Não se deve esquecer que depois de expirar o contrato de arrendamento, em geral de 99 anos, a terra, com todas as construções que nela se encontram e com a renda fundiária, que nesse ínterim geralmente dobrou ou triplicou, retorna do especulador imobiliário ou de seus sucessores legais para o último proprietário da terra original. (..)
___

* (..) Nos estágios menos desenvolvidos da produção capitalista, empreendimentos que requerem longo período de trabalho, portanto grande gasto de capital por tempo mais longo, particularmente só podem ser executados em larga escala, ou não são realizados ao todo em base capitalista, como por exemplo estradas, canais etc., construídos à custa da comunidade ou do Estado (em tempos antigos feitos mormente por meio de trabalhos forçados no que tange à força de trabalho). Ou, então, aqueles produtos cuja feitura exige período mais longo de trabalho somente são fabricados com proporção mínima da fortuna do próprio capitalista. Por exemplo, na construção de casas, a pessoa para a qual a casa é construída paga parceladamente adiantamentos ao empreiteiro. De fato paga, portanto, a casa em parcelas, à medida que o processo de produção dela avança.

Na era capitalista desenvolvida, em que, por um lado, capitais enormes estão concentrados em mãos de indivíduos e, por outro, aparece, ao lado do capitalista individual, o capitalista associado (sociedades por ações) e, ao mesmo tempo, o sistema de crédito está desenvolvido, um empreiteiro capitalista só excepcionalmente constrói por encomenda para pessoas individuais. Seu negócio é construir séries de casas e bairros para o mercado, assim como o negócio de capitalistas individuais é construir estradas de ferro por contrato.

Como a produção capitalista revolucionou a construção de casas em Londres dão-nos conta as declarações de um empreiteiro de obras perante a Comissão Bancária de 1857. Em sua juventude, disse ele, casas eram geralmente construídas por encomenda, sendo o montante pago em prestações ao empreiteiro durante a construção, ao se completarem determinados estágios. Para especular só se construía pouco; os empreiteiros só entravam nisso principalmente para manter seus trabalhadores regularmente ocupados e, assim, reunidos. Nos últimos 40 anos tudo isso mudou. Por encomenda só se constrói muito pouco. Quem precisa de uma nova casa escolhe entre as construídas por especulação ou ainda em construção. O empreiteiro já não trabalha para o cliente, mas para o mercado; exatamente como qualquer outro industrial, é obrigado a ter mercadoria pronta no mercado. Enquanto antigamente um empreiteiro tinha talvez, ao mesmo tempo, para especulação, 3 ou 4 casas em construção, agora ele precisa comprar um terreno extenso (isto é, em termos do continente, arrendá-lo geralmente por 99 anos), edificar sobre ele 100 ou até 200 casas e, assim, meter-se num empreendimento que supera 20 a 50 vezes sua fortuna. Os fundos são arranjados mediante a tomada de hipotecas, e o dinheiro é posto à disposição do empreiteiro à medida que a construção das casas individuais progride. Se vem, então, uma crise que paralisa o pagamento das prestações do adiantamento, todo o empreendimento normalmente fracassa; no melhor dos casos, as casas ficam inacabadas até os tempos melhorarem; no pior, são postas em leilão e alienadas pela metade do preço. Sem construção especulativa, e isso em larga escala, nenhum empreiteiro pode ir em frente. O lucro obtido da própria construção é extremamente pequeno; seu ganho principal consiste na elevação da renda fundiária, na hábil escolha e exploração do terreno da construção. Por esse caminho da especulação, que antecipa a demanda de casas, foram construídas quase toda a Belgravia e Tyburnia e os inúmeros milhares de vilas ao redor de Londres. (Abreviado do Report from the Select Committee on Bank Acts. Parte Primeira, 1857. “Evidence”, perguntas 5413-5418, 5435-5436.)”


2025-01-26

domingo, 19 de janeiro de 2025

A renda da terra é a alma do negócio


Exame 13-07-2023
https://exame.com/mercado-imobiliario/microapartamentos-inundam-sao-paulo-a-maior-metropole-da-america-latina/

Clique na imagem para ampliar
“(..) Embora seja comum em outras capitais pelo mundo, em São Paulo, o boom dos apartamentos de até 30m² é mais recente: entre 2016 e 2022, a oferta saltou de 461 unidades para 16.261, o que representa 21% do total, segundo o Secovi-SP, sindicato de empresas do setor imobiliário do estado. (..) Alguns, com móveis encaixados como peças de tetris ou a cozinha a centímetros do banheiro, se tornaram alvo de piadas e viralizaram nas redes sociais, onde um usuário os descreveu como "cativeiro gourmet". Isso não abalou a demanda, composta principalmente por adultos entre os 20 e 39 anos, de acordo com uma pesquisa da imobiliária digital Quinto Andar. "É um público jovem, profissional, que está iniciando a carreira, a maioria solteiros com um apelo de modernidade, bem localizado, perto dos trabalhos ou transporte público", algo muito valioso em uma cidade com trânsito caótico, explica Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP. (..)

A "inundação" de micromoradias é explicada, além disso, pelas taxas de juros, que registraram uma queda entre 2018 e 2021 (de 6,75% para uma mínima histórica de 2% devido à pandemia), diz José Armenio, secretário adjunto da Secretaria Municipal de Urbanismo de São Paulo. Esses níveis elevaram o capital no setor imobiliário e estimularam investidores a comprar imóveis para alugar. Também contribuiu uma redução nas outorgas de construção de apartamentos pequenos implementada pela Prefeitura em 2014, aponta Armenio. O objetivo era aumentar a concentração de habitantes em áreas servidas por transporte público, com moradias mais acessíveis para uma classe menos privilegiada.

Porém, o resultado foi diferente: "Os apartamentos de até 30m² têm o metro quadrado mais caro da cidade", detalha Campos. (..)

*

Esta matéria da Exame, de julho de 2023, ainda me parece atual.

As publicações do mercado imobiliário brasileiro vêm dizendo há algum tempo que a incorporação não está construindo para a ‘classe média’. 

Alegam os juros altos. É certo. Mas não menos certo é que

a) uns estão permanentemente ocupados em construir para o ‘alto padrão’, onde o número de unidades por empreendimento é pequeno, o custo de construção relativamente alto, mas a fração ideal caríssima e a rentabilidade garantida por uma demanda imune às taxas de juros e crises econômicas; 

b) outros em construir para o Minha Casa Minha Vida, onde a fração ideal é barata, mas multiplicada por centenas de unidades com custo de construção relativamente baixo, juro subsidiado e demanda garantida, pré-aprovada pelo próprio Estado; 

c) e os que construíam para a classe média descobriram a mina de ouro da moradia rotativa pericentral aos velhos e novos núcleos de negócios, que, como bem observa a própria matéria, apesar do tamanho (<30m2) tem o metro quadrado privativo mais caro da cidade - portanto também uma enorme rentabilidade em frações ideais, vale dizer em solo-localização, que é a alma do negócio da incorporação. 

Desconfio que a classe média que demanda moradia permanente terá de esperar o esgotamento do filão.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Adensar o lote ou a cidade?


Sul Vinte Um 24-11-2024

"(..) A retórica do adensamento de Porto Alegre tem sido bastante difundida pelo governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) em meio ao debate sobre o novo Plano Diretor. A questão, entretanto, para o professor de Geografia da UFRGS, é que o tema causa confusão ao misturar quantidade e altura de prédios com o adensamento populacional. Ele acredita que a Prefeitura tem o conceito de que liberar construções mais altas causará adensamento, porém, a realidade tem mostrado que não é bem assim.

“Adensamento é a quantidade de população que vive numa determinada área. Todos os números estão mostrando que as áreas cada vez mais verticais da cidade não estão ficando mais adensadas. Elas foram mais adensadas no passado porque as famílias eram maiores, mais pessoas moravam naqueles bairros. Na prática, a relação é muito pequena entre a altura dos prédios e o adensamento”, explica, citando o conhecido caso de Barcelona, uma cidade sem prédios altos e com um dos maiores adensamentos do planeta. “Toda a discussão (em Porto Alegre) não trata de como as pessoas podem ocupar as unidades já construídas.” (..)"


2024-11-04

sábado, 23 de novembro de 2024

Subsídio é bom e eu gosto!


Infomoney / Estadão conteúdo 23-11-2023
https://www.infomoney.com.br/consumo/incorporadoras-do-minha-casa-minha-vida-vivem-fase-de-ouro-e-lucro-somado-sobe-143/

"As incorporadoras que atuam no Minha Casa Minha Vida (MCMV) apresentaram resultados bastante positivos no terceiro trimestre, confirmando o melhor momento do programa habitacional desde a sua criação, há 15 anos. (..) O aumento do lucro em um ritmo maior que o da receita se deve à diluição das despesas administrativas e comerciais, com melhora das margens de lucro. A margem bruta média do setor atingiu 34,7% alta de 2,8 pontos porcentuais. E a margem líquida chegou a 9%, avanço de 4 pontos porcentuais. O levantamento foi realizado pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) com os números das cinco incorporadoras do segmento econômico com ações listadas na bolsa de valores: Cury, Direcional, MRV, Plano & Plano e Tenda. (..)
Montagem: Àbeiradourbanismo

2024-11-23

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Obsolescência sui generis


Diário do Rio 28-09-2024
https://diariodorio.com/nem-os-mais-novos-escapam-construtora-derruba-predio-moderno-para-erguer-espigao-de-luxo-em-ipanema

Este exemplo mostra como a hipervalorização de certas localizações pode 'explodir' o efeito característico dos ciclos de obsolescência e renovação urbana dos bairros mais valorizados das cidades, que me ocorre chamar de obsolescência não-catastrófica’, ou relativa, de uma edificação por oposição às situações em que as receitas de aluguel das antigas moradias e comércios não cobrem o custos de manutenção do conjunto.

Em Icaraí, Niterói, como em Botafogo e Tijuca e tantos outros  bairros do Rio de Janeiro, inúmeras esquinas que já foram os lugares mais movimentados e valorizados do bairro, tornando-se por isso núcleos de comércio e serviços locais, conservam antigas edificações de 3 ou 4 pavimentos e uso misto encravadas entre novos condomínios residenciais de 10-15 pavimentos pelo simples fato de não ser economicamente viável demoli-los para renovação. A imagem abaixo é o edifício na esquina das Ruas 5 de Julho e Santa Rosa, no bairro Jardim Icaraí, Niterói.


Curioso é a matéria dizer que os preços dos terrenos em Ipanema são "exorbitantes", mas não os principescos 4o mil reais por metro quadrado de área privativa que os demandantes estariam dispostos a pagar na aquisição dos novos apartamentos. 

Como se 'uma coisa fosse uma coisa e outra coisa outra coisa'.

A propósito, vale citar uma passagem do livro Economía Urbana y Plusvalía del Suelo, do economista e avaliador colombiano Oscar Borrero:

(..) el precio del suelo urbano es un residuo del negocio de la construcción. El suelo no tiene un valor autónomo. Es un VALOR RESIDUAL del negocio. Los avaluadores aplican un método que denominam TÉCNICA RESIDUAL para obtener el posible valor de un lote urbano a partir de lo que allí se permite desarrollar, su precio de venta y los costes de construcción incluyendo la utilidad del promotor.* (Destaques do autor)

2024-10-26
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* BORRERO OCHOA Oscar, Economía Urbana y Plusvalía del Suelo. Bogotá, Bhandar Editores Ltda., 2018, p. 98 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Déficit habitacional em Nova York (2)


New York Times s/d, por Vishaan Chakrabarti
https://www.nytimes.com/interactive/2023/12/30/opinion/new-york-housing-solution.html

Este artigo foi publicado no NYT junto com o que aqui postei, dias atrás, sob o provocativo título “I Want a City, not a Museum”. 

Neste, porém, o autor, além de indicar os estudos com base nos quais estima a factibilidade de 500 mil novas unidades a serem construídas sem grandes impactos nos ambientes urbanos considerados, tem a decência de enumerar um leque de motivos pelos quais a indústria imobiliária novaiorquina tem deixado de atender às necessidades da demanda:

“There are many reasons it is so difficult to build new housing in New York City - including zoning, the under-taxation of vacant and underutilized land, the continuing rise of construction costs, the elimination of important tax incentives, and intense and often misguided anti-development sentiments.”

Como se vê, ao "conservacionismo” normativo e comunitário açoitado pelo artigo anterior se juntam agora: (1) “a alta persistente dos custos da construção”, que é um 'desequilíbrio de mercado' sem qualquer relação com normas urbanísticas e movimentos conservacionistas; (2) “a eliminação de importantes incentivos fiscais”, vale dizer da ajuda pública a empreendimentos de baixa rentabilidade; (3) a sub-taxação de lotes vazios e subutilizados, isto é, a leniência da municipalidade com a 'engorda' de terrenos por parte dos proprietários, em muitos casos os próprios incorporadores.

O passo seguinte neste interessante exercício de planejamento urbano seria o autor esmiuçar, quantificando na medida do possível, cada um desses obstáculos e quem sabe outros mais.

Os estunidenses têm um modo bastante persuasivo de defender a primazia absoluta do homo economicus mesmo quando ele não funciona sem uma ajudinha da coletividade.

2024-01-14

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Déficit habitacional em Nova York


New York Times 30-12-2023
https://www.nytimes.com/2023/12/30/opinion/new-york-housing-costs.html

Binyamin Appelbaum, articulista de economia e negócios - convém tê-lo em mente - do Conselho Editorial do NYTimes, consegue ser bastante convincente. Mas não diz quantas unidades habitacionais se poderiam construir, em que partes da cidade, com a legislação hoje vigente e quantas não se constroem por outras razões.

Por que isso é importante?

Porque não está descartado que dentre os maiores responsáveis pela escassez de terrenos, consequentemente de moradias, estejam os proprietários de imóveis, muitas vezes os próprios incorporadores, que os retêm à espera da oportunidade de incorporá-los pelo máximo VGV que acreditam poder alcançar. Incorporadoras não constroem para atender à demanda em geral, mas aos demandantes que se dispõem a pagar o maior preço possível pelos lugares urbanos que lhes estão, em princípio, reservados. 

Com a ofensiva em curso no Brasil contra qualquer espécie de planejamento urbano, o primeiro reflexo quando se fala em “desregulação urbanística” é desconfiar.

2024-01-10

domingo, 7 de janeiro de 2024

Para estudiosos da incorporação imobiliária


Jornal Tribuna 14-12-2023, por Claudia Xavier
https://jornaltribuna.com.br/2023/12/aquisicao-de-fracao-de-terreno-e-novo-modelo-de-investimento-do-mercado-imobiliario-do-litoral-catarinense/

A valorização do mercado imobiliário do litoral norte de Santa Catarina não atrai apenas novos investidores e empreendimentos, mas vem estimulando também a abertura de modelos de negócios inéditos no Brasil. Em Porto Belo, considerado um fenômeno do segmento, além de vender, alugar ou permutar áreas e imóveis, agora é possível investir de outra forma, comprando uma fração de terreno.

De acordo com dados da DWV, plataforma que reúne informações de imóveis de todo o país, o valor do metro quadrado na cidade é de R$12.706,00, um dos mais altos do país. Outro diferencial que interessa o setor é que no município 90% das negociações de terreno são feitas por meio de permutas, onde a construtora não faz uma exposição de caixa para aquisição de terrenos.

Mas, apesar da permuta predominar no mercado, algumas das melhores áreas estão disponíveis apenas para venda. E é neste contexto que surge, de forma pioneira no país, um novo modelo de investimento, o Plano de Alavancagem de Patrimônio com Investimento Imobiliário.

Desenvolvido pela Arkidá Gestão de Investimentos, localizada em Porto Belo, o Plano consiste na aquisição de cotas de terrenos que estão à venda e são áreas de alto valor para permuta, e esse é o investimento que garante a melhor rentabilidade do capital dentro do mercado imobiliário, além de ser totalmente seguro.

A primeira etapa do Plano é a escolha dos terrenos com alto poder construtivo em localizações estratégicas, estudo de viabilidade da área, elaboração do projeto e a abertura de SPE (Sociedade de Propósito Específico) e SCP (Sociedade em Conta de Participação), opções societárias muito utilizadas no mercado imobiliário.

É por meio da Sociedade em Conta de Participação que os investidores, por meio de Contrato de Participação, adquirem sua cota de investimento imobiliário. Cada SCP possui sua própria SPE (Sociedade de Propósito Específico), que irá gerir o patrimônio dos investidores, os imóveis que estão sendo adquiridos, mantendo este empreendimento apartado do patrimônio da construtora e seguro para os investidores. (..)


quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Dinheiro mesmo e nada mais!


Isto é Dinheiro 17-12-2023
https://istoedinheiro.com.br/setor-da-construcao-pede-que-zoneamento-em-sp-libere-mais-predios-e-mais-altos/

Montagem:Àbeiradourbanismo

"Aumentar a oferta de moradia", "reverter a periferização", "diminuir os tempos de viagem ao centro da cidade", "controlar o espraiamento urbano", "evitar que as pessoas sejam obrigadas a morar em bairros distantes dos polos de emprego" são mantras com que a indústria da incorporação  imobiliária brasileira vem tentando obter as boas graças da opinião pública para a ofensiva desencadeada nos últimos anos contra os esforços de planejamento e regulação urbana materializados nos Planos Diretores municipais das grandes cidades. 

Trata-se, no entanto, de algo bem mais simples: a competição cada vez mais acirrada entre capitais de investimento pela rentabilidade de suas operações de financiamento imobiliário.

É o que se depreende da preocupação manifestada pelo CEO J Melnik, da incorporadora Melnik, que acabara de abrir seu capital na Bolsa de Valores, ao secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, numa live transmitida pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul em 28-10-2020:

“O descrédito que existe entre grupos de fora do Estado é tão grande que tivemos que fazer uma série de defesas em relação a nossa praça. Eles [os fundos que investem em empresas de capital aberto] não acham normal ter que fazer tantos lançamentos, mas o VGV que a gente consegue fazer é infinitamente menor que outras capitais. Enquanto outras empresas precisam fazer três, nós temos que fazer dez”.[1]

A queixa de que em Porto Alegre a incorporadora precisava de três lançamentos para perfazer o Valor Geral de Vendas de um único lançamento em outras praças talvez se refira ao mercado paulistano, onde o Plano Diretor, para promover o adensamento urbano ao longo dos eixos servidos pelo Metrô, permitiu a construção de grandes torres de apartamentos de pequeno tamanho e altíssima rentabilidade por m2 privativo.

Não se trata aqui, portanto, da competição abstrata entre margens de lucro de incorporadoras de distintas praças, mas dmargem de lucro que incorporadoras de distintas praças podem oferecer a capitais de investimento que não são de praça alguma: circulam em todas as metrópoles do país e, quem sabe, até do exterior; capitais cujo objetivo é, meramente, a sua própria valorização, e em nenhum caso a oferta de moradias necessárias para a redução do déficit habitacional, o combate à periferização, a revitalização dos centros urbanos obsolescentes, a redução das distâncias aos locais de trabalho etc.

Mais adiante na mesma live, o CEO lança mão do mantra mais popular entre os adeptos do liberalismo urbanístico: o “adensamento”:

“Se não mexermos no adensamento, a cidade vai consumir seu solo rapidamente. Ela tem um limite”, comentou Melnick. “Então, talvez, nós possamos, em uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema, resolver esses gargalos e destravar a cidade para o caminho do adensamento”.

Se alguma dúvida pairava sobre a existência de uma "ofensiva política contra os Planos Diretores", ou pela subordinação de suas atualizações ao comando das incorporadoras, ela desaparece ante a frase “uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema”.

À parte este aspecto, que diz respeito ao ambiente político em que se dá o ciclo atual de "revisão" dos Planos Diretores e daí a um aspecto que sempre faço questão de ressaltar - a turbulência e a incerteza inerentes ao exercício da nossa profissão -, eu observo que a reivindicação do "adensamento” característica do urbanismo liberal não se refere ao adensamento construtivo distribuído por toda a cidade, para todas as faixas de demandantes de moradia - uma cidade compacta e relativamente homogênea -, tampouco o adensamento associado aos serviços de transporte de alta capacidade (metrô, trem e corredores de ônibus), como adotado pelo Plano Diretor Estratégico paulistano de 2014, mas a um adensamento aleatório - que pouco adensará a cidade com um todo, é preciso dizer - pela via da multiplicação de torres de apartamentos nos nichos urbanos de solo-localização promovidos pelos próprios incorporadores e valorizados pelos adquirentes de altos e médios rendimentos. Em suma: uma senha para a política urbana do "liberou geral".

Não poderia ter sido mais claro o presidente da Federação Internacional Imobiliária (Fiabci) no Brasil, Flávio Amary, em entrevista ao site Terra no dia 20 deste mês. Indagado sobre a lei de zoneamento em São Paulo, recém-aprovada em primeira votação na Câmara Municipal, ele declarou:

O balanço é positivo, porque nós teremos uma regra mais clara. Mas estamos ainda longe de contar com um planejamento urbano que busque ter um adensamento mais profundo. Sem esse adensamento, a cidade vai se espraiando, as pessoas estão indo para moradias cada vez mais distantes da região central. Em outras cidades do mundo tem prédios de 30 a 40 andares, enquanto nós aqui estamos discutindo se pode ter prédio de 7 ou 8 em determinadas regiões. Com um gabarito nesse nível, a situação me preocupa. O adensamento permite redução de custos com infraestrutura, tem melhora na qualidade de vida, as pessoas perdem menos tempo com deslocamento e tem mais acessos a transporte. Ainda vejo com preocupação os problemas que o baixo adensamento vai continuar provocando em São Paulo no longo prazo. [3]

Concluo citando trecho de uma postagem por mim escrita e publicada neste blog em 13-04-2022 sob o título "Solo urbano: escassez e planejamento": [4]

(..) A alegação recorrente de que as restrições normativas "encarecem o solo por limitar a oferta" é uma falácia que esconde a natureza segmentada do mercado imobiliário e o papel preponderante dos proprietários - via de regra os próprios incorporadores - na limitação da oferta de terrenos. Terrenos no Centro urbano só excepcionalmente são destinados, pela via do mercado, a imóveis residenciais de "baixo padrão"; indiferente à imensa procura dos demandantes de poucos recursos por residências nessa parte da cidade, seu proprietário tende a retê-lo à espera da oportunidade de cedê-lo ao empreendimento mais rentável que fareje no horizonte, que em economia da urbanização atende pelo nome de "maior e melhor uso" - comercial-financeiro ou, no melhor dos casos, residencial rotativo de área mínima, alta densidade e elevado preço por m2. 

O mesmo vale para outras áreas da cidade. Bairros pericentrais com boas condições de acessibilidade ao centro comercial e de negócios podem passar anos "reservados" para o uso residencial de segmentos populacionais mais abastados, independentemente da pressão de demanda de segmentos menos "aptos" em termos de oferta de renda. (..) a reivindicação de “liberação da oferta” do jugo das restrições normativas não visa a produção de habitações para quem precisa, mas concentrar a produção imobiliária destinada a cada segmento da "demanda efetiva" em uma quantidade menor de terrenos - para aumentar a rentabilidade de cada empreendimento! (..)

2023-12-27 

_____
[1]“Como um restrito grupo de empresários mudou a lógica do planejamento urbano de Porto Alegre”. Sul21 07-11-2023, por Lidiane Blanco
https://sul21.com.br/especiais/como-um-restrito-grupo-de-empresarios-mudou-a-logica-do-planejamento-urbano-de-porto-alegre/

[2] Idem.

[3] “'As pessoas estão indo para moradias cada vez mais distantes da região central', diz ex-Secovi”. Terra 20-12-2023, por Circe Bonatelli
https://www.terra.com.br/economia/as-pessoas-estao-indo-para-moradias-cada-vez-mais-distantes-da-regiao-central-diz-ex-secovi,ac675a27cc83a0bccd001976769cde293473tlgz.html

[4] "Solo urbano: escassez e planejamento". À beira do urbanismo 13-04-2022, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2022/04/solo-urbano-desmistificar-escassez.html

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Real estate, fictitious capital


NY Times 28-08-2022, por Farah Stockman 

Texto: Farah Stockman/NYT
Imagem: Álvaro Bernis/NYT
Que os imóveis ditos de alto padrão são um meio privilegiado de lavar grandes somas de dinheiro ilegal não é de estranhar. Nas localizações privilegiadas do mundo inteiro, hoje ao alcance da demanda planetária, o preço de transação dos produtos imobiliários não tem qualquer relação com o preço de produção: vale o que o demandante estiver apto e disposto a pagar pelo direito de ocupar o solo que os ancora. Quando muito o fisco poderá alegar que o preço é um outlier da própria espiral de valorização.

Por essa mesma razão eu considero a hipótese, menos respulsiva mas muito mais instigante, de que o mercado imobiliário de médio e alto padrão também lava dinheiro "limpo": por exceder em muito o valor que o trabalho é capaz de criar considerando os meios colocados à sua disposição, parte considerável, se não a maior, do lucro gerado na indústria da incorporação é pura renda fundiária de localização; em vez de produto real, mera transferência patrimonial. 
Sem falar da faculdade que têm os bens imobiliários de gerar rendas - vale dizer receitas que excedem em muito o custo + lucro médio dos investimentos em reformas - até muito depois de cumprida a sua missão como mercadoria. 

Não por acaso, em uma época de concentração imparável dos rendimentos, redução relativa da massa salarial, precarização generalizada do trabalho e altas taxas de desemprego, o crescimento econômico vem sendo sustentado em boa parte do mundo pela alavancagem financeira lastreada na expectativa de valorização acelerada dos imóveis urbanos bem localizados.

Não foi o dinheiro sujo investido em imóveis que derrubou a economia planetária em 2008 (e hoje atormenta a economia chinesa e todos os que dela dependem): foi o dinheiro limpo.

A propriedade imobiliária e as montanhas de capital, incluídos o fictício e o ilegal, que circulam pelo mundo sem encontrar aplicações ao mesmo tempo produtivas e suficientemente lucrativas parecem fazer um casamento perfeito. Ou não?

2022-09-07


quarta-feira, 29 de junho de 2022

Vem aí o Cimento Verde-Amarelo


Construa Negócios 21-06-2022
Construtoras reclamam de preço de cimento ao governo

Empresários da construção voltaram a levar ao governo as queixas da indústria sobre o preço do cimento. A pressão do setor contra os reajustes foi forte nos últimos anos e deve voltar a crescer nos próximos meses.

Em reunião com o Ministério da Economia na semana passada, o SindusCon-SP (sindicato da construção civil) diz que entregou um documento sobre o impacto da escalada do produto nos custos das obras.

A entidade afirma que também relatou ao secretário-adjunto de advocacia da concorrência, Alexandre Messa, que as cimenteiras têm enviado às construtoras muitos avisos de novas tabelas de preços.

No documento levado ao órgão, a entidade aponta que as altas do cimento, superiores à variação do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), afetam os valores de concreto, argamassas e blocos.

Os aumentos provocam desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos, encarecem a execução das obras públicas e ameaçam programas de governo como o Casa Verde e Amarela, segundo o SindusCon.

2022-06-29

 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Outorga onerosa, para que te quero

Deu no Globo
24-01-2022, por Rennan Setti
https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/o-que-incomoda-construtoras-do-rio-no-plano-diretor-proposto-por-paes.html


Clique na imagem para ampliar
Imagem e texto: O Globo
Observação #1. "(..) outorga onerosa, que prevê o pagamento de contrapartidas ao poder público para quem construir em um terreno acima de um limite estabelecido na lei" é uma definição equivocada. A Outorga Onerosa permite construir acima dos coeficientes básicos de aproveitamento dos terrenos, mediante pagamento de contrapartida, até os coeficientes máximos estabelecidos pela lei.

Observação #2. A ADEMI Rio é o suprassumo da cupidez empresarial no Brasil. Transição de 10 anos a essa altura do campeonato é o mesmo que Dia de São Nunca.

Observação #3. A outorga onerosa "vai desacelerar lançamentos na cidade" é a ameaça-padrão. Dentro de certos limites e proporcional ao preço de venda do m2 privativo, a outorga onerosa de potencial construtivo apenas recupera, para fins de financiamento urbano, parte da renda de localização de que o incorporador se apropria como sobrelucro do empreendimento.

Observação #4. A outorga onerosa de potencial construtivo deve ser vista como modalidade da obrigação de urbanizar. Da mesma forma como o loteador (negociante de lotes) tem a obrigação de custear a urbanização da gleba e ceder terrenos para equipamentos públicos, o incorporador (negociante de frações ideais) tem a obrigação de custear serviços públicos e equipamentos compatíveis com o adensamento urbano (circulação e transportes, por exemplo) ou compensatórios da distribuição desigual dos benefícios da urbanização.

2022-01-28

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Coliving, micromoradia, renda do solo

Deu no G1
19-11-2021, por Gustavo Honório
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/11/19/a-vida-nas-casas-compartilhadas-de-sp-moradores-pagam-r-12-mil-de-aluguel-em-quartos-de-9-m.ghtml


A vida nas casas compartilhadas de SP: moradores pagam R$ 1,2 mil de aluguel em quartos de 9 m² 

Montagem: àbeiradourbanismo. Texto: Folha S Paulo
Incorporadoras e imobiliárias em geral garantem que a redução paulatina do tamanho das unidades habitacionais, incluindo a modalidade "moradia compartilhada", é um signo de progresso que lhes cabe materializar no interesse de inquilinos e compradores: as unidades são super-práticas e, o mais importante, aliviam o orçamento das famílias.
[1] 

De fato, quem alugava 15m2 a $100,00/m2 (=$1.500,00) e agora aluga 10m2 a $120,00/m2 (=$1.200,00), ainda que pagando mais caro pelo m2 passou a dispor de uma unidade habitacional mais acessível.

O que as imobiliárias não dizem é que quanto menor e mais próxima ao centro urbano (ou à praia, parque, etc.) a moradia, mais se paga pela terra-localização e menos pela benfeitoria - e isto é a alma do seu negócio. 

Uma unidade imobiliária é formada por dois ativos combinados, benfeitoria e solo, cujos valores de mercado têm natureza e comportamento distintos e por vezes até contraditórios. A benfeitoria é mercadoria durável, cujo valor gravita ao redor do preço de produção (custos totais + taxa média de lucro) e diminui inexoravelmente com o uso e o passar do tempo (depreciação); o solo é um bem natural pelo qual se paga um preço que nada tem a ver com a atividade produtiva, ou com a quantidade de trabalho nela empregado, consistindo simplesmente na maior oferta que lhe façam os demandantes pelo direito exclusivo de usufruir e dispor de suas vantagens de urbanização e localização, externalidades que, regra geral, propiciam a sua contínua valorização no processo de crescimento econômico e expansão da cidade. 

Ao passo que a benfeitoria está inexoravelmente sujeita à depreciação pelo tempo e pelo uso, a localização, embora possa desvalorizar-se relativamente a outras localizações, só em situações de degradação urbana sofre desvalorização absoluta, isto é, maior que a da moeda por efeito da inflação. [2]

O segredo do negócio imobiliário está em que, nas localizações preferidas pelos segmentos de médios e altos rendimentos, a renda do solo agrega considerável sobrelucro ao processo de produção de novas unidades e sua valorização no tempo muito mais do que compensa a inevitável depreciação das benfeitorias. A combinação benfeitoria-solo confere ao bem imobiliário a singular capacidade de ganhar valor de mercado e gerar renda até muito depois de cumprida a sua “missão” como mercadoria, isto é, de ter seu preço total quitado pelo adquirente e seus eventuais sucessores, consequentemente realizado o lucro do capital incorporador.

O exemplo mais simples desse efeito combinado é o do apartamento de três quartos que passa a ser alugado em regime de coliving. Dado que o valor da benfeitoria, no curtíssimo prazo, se mantém constante, a totalidade do aumento da receita de aluguel provém... da propriedade do solo - e o que é sumamente interessante, sem investimento algum! É pura renda de localização.

O princípio que rege a prática atual do coliving nos bairros de classe média é rigorosamente o mesmo que há mais de um século preside a formação de cortiços em zonas centrais desvalorizadas das grandes cidades. Ele foi assim descrito por Richard Hurd, pioneiro do estudo do espaço intra-urbano, em 1903:

(..) mansões obsolescentes convertidas em casas de cômodos geralmente perdem valor, efeito que tende a ser compensado pela utilização mais intensa do solo: mais pessoas pagando alugueis menores pode resultar em aumento da renda total. [3]

Na incorporação imobiliária, a redução do tamanho das unidades gera um resultado similar. Consideremos dois empreendimentos A e B, quase simultâneos (ou seja, a inflação é desprezível), vizinhos, de igual padrão de qualidade e mesmo tamanho total (3.000m2 privativos), em que a unidade de A (30m2) é vendida ao preço de R$150 mil (R$5.000,00/m2),  e a unidade de B (25m2) é vendida ao preço de R$135 mil (R$5.400,00/m2).


EMPREENDIMENTO A
3.000m2 com unidades de 30m2 à 100 unidades * R$150 mil/ un à receita total = R$15,0 milhões

EMPREENDIMENTO B
3.000m2 com unidades de 25m2 
à 120 unidades * R$135 mil/ un à receita total = R$16,2 milhões

Vendendo 120 unidades de 25m2 do Empreendimento B, 10% mais baratas no preço total ainda que 8% mais caras por m2 do que as do Empreendimento A, o incorporador obtém um aumento de receita de 8% com a mesma quantidade de m2 privativos produzidos.

Àbeiradourbanismo
Sim, o custo/m2 de construção de 3.000m2 privativos perfazendo 120 unidades é maior do que o custo/m2 de construção de 3.000m2 privativos perfazendo 100 unidades - devido, principalmente, ao maior volume de instalações. Basta, porém, que esse aumento de custo seja menos que proporcional ao aumento da receita - o que é muito provável em todos os casos que envolvam as localizações mais valorizadas na cidade -, para que o empreendimento B seja mais rentável do que o empreendimento A, acréscimo inteiramente derivado da renda da terra-localização.

*

Nas grandes cidades de todo o mundo, 
a produção de micro-apartamentos e a adoção da moradia compartilhada seguem num ritmo imparável. Significa que, por relevante que seja a maré de trabalho remoto trazida pela pandemia de Covid-19, para a imensa maioria dos assalariados a única opção continua sendo o trabalho presencial a 15, 30, 45, 60 minutos, ou até mais, de seus habitáculos, pelos quais são obrigados, além do mais, a despender parcelas cada vez maiores de seus vencimentos mesmo com o barateamento proporcionado, no curto prazo, pela redução do tamanho das unidades.

Assim se materializam as expectativas dos consultores das grandes organizações dedicadas ao desenvolvimento, para os quais as megalópoles contemporâneas em contínuo crescimento são, a despeito de suas fabulosas deseconomias e obscenas desigualdades, as insubstituíveis e benfazejas usinas da riqueza planetária.

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[1] "Os apartamentos com os quais a Vitacon trabalha são compactos para locação nas regiões mais procuradas de São Paulo. “Quem investe com a gente, investe em desenvolvimento urbano e atende uma alta demanda que procura por qualidade de vida, mobilidade, proximidade do trabalho e dos eixos estratégicos da cidade”, diz o empreendedor. [ Nos últimos 12 anos, a Vitacon desenvolveu mais de 70 projetos, visando uma cidade mais inteligente, dinâmica e acolhedora para todos." “Investimento em produtos imobiliários é alternativa na crise”. MoneyLab 30-11-2021
https://www.infomoney.com.br/mercados/investimento-em-produtos-imobiliarios-e-alternativa-na-crise/

[2] “A chave do tamanho” (08-03-2020)
http://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/03/tamanho-e-documento.html

[3] "(..) when these good residences become old-fashioned and are converted into boarding houses, a drop in value will ordinarily occur. This is sometimes offset by the more intense utilization of the land, a larger rent being earned from more people even at lower rates.(..)" HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903, "VI - Distribution of Utilities", p. 87.
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up

 
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Sobre este tema, ver também neste blog

“O traseiro da TV e o lucro imobiliário” (07-06-2011)
http://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/06/o-traseiro-da-teletela-e-o-lucro_07.html

‘O coeficiente de aproveitamento e a valorização do solo” (23-02-2013)
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2013/02/o-coeficiente-de-aproveitamento-e.html

“Dracula de Bram Stoker” (20-12-2019)
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/12/dracula-de-bram-stoker.html


2021-11-29

sábado, 9 de outubro de 2021

Faz parte do meu show

Deu no El Financiero (México)
22-09-2021, por Fernando Navarrete

La buena: hay más casas en México; la mala: están cada vez más caras

Las desarrolladoras enfrentan escasez y encarecimiento de materias primas

Los desarrolladores de vivienda en México recuperaron el ánimo para reactivar proyectos detenidos por la pandemia, pues en los primeros ocho meses de este año se registraron casi 213 mil viviendas para iniciar construcción, un alza del 59 por ciento en comparación con enero agosto del 2019, previo al COVID, según datos del Registro Único de Vivienda (RUV).

Las unidades en construcción registradas en los primeros ocho meses de este año ya superan en 12.5 y 16 por ciento al número total de proyectos registrados durante todo el 2019 y 2020, respectivamente, mientras que en niveles de producción, es decir en obra ya ejecutada, la diferencia es de 3.7 por ciento de enero a agosto de este año, frente al mismo periodo del 2019. (..)

Sin embargo, la escasez de materiales para la construcción como el acero y la fuerte demanda de cemento, varilla, concreto, estructuras, alambrón, mallas y tubos, entre otros, ha ocasionado el encarecimiento en la construcción de viviendas de entre un 6 y 8 por ciento en el país, costos que en muchos casos son absorbidos por los propios desarrolladores. (Continua)

2021-10-09

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

La guerre de la rentabilité (2)

Deu no Le Monde
08-09-2021, por Isabelle Rey-Lefebvre
Trop petits, trop bas, trop sombres… Pour améliorer la qualité des appartements neufs, le gouvernement envisage un nouvel avantage fiscal
O Estado francês dá uma
mãozinha Providencial,
mais exatamente fiscal,
aos incorporadores para
garantir a qualidade dos
apartamentos da periferia
de Paris, que vem sendo
fortemente afetada pela
guerra da rentabilidade.

(..) La qualité des appartements produits par les promoteurs – leur superficie réduite, leurs plafonds de plus en plus bas, leur conception incohérente, leur mono-orientation qui réduit la luminosité et empêche tout courant d’air en été, voire l’absence d’espaces de rangement et de cave – régresse depuis dix ans. Ce constat inquiétant est établi, une fois de plus, dans le rapport de l’architecte François Leclercq et du directeur de l’établissement public d’aménagement EpaMarne, Laurent Girometti, remis, ce mercredi 8 septembre, à la ministre du logement, Emmanuelle Wargon.

Ce travail vient corroborer les résultats d’une récente enquête de l’Institut des hautes études pour l’action dans le logement (Idheal), « Nos logements, des lieux à ménager », rendue publique le 27 août. Elle mesurait ce recul avec précision, entre 2000 et 2020, à propos des logements vendus sur plan. (Continua)

2019-09-15


sábado, 11 de setembro de 2021

La guerre de la rentabilité

Deu no Le Monde / Logement
27-08-2021, por Isabelle Rey-Lefebvre
https://www.lemonde.fr/societe/article/2021/08/27/en-vingt-ans-les-appartements-neufs-franciliens-ont-perdu-jusqu-a-15-de-leur-surface_6092551_3224.html

A redução da área dos apartamentos,
que aumenta a proporção da
terra-localização no preço total dos
imóveis e a extração de renda
fundiária na revenda do terreno aos
adquirentes de unidades, é um
resultado inexorável da corrida
pela rentabilidade na indústria da
incorporação imobiliária.

Duas coisas me parecem sintomáticas:
que esse processo tenha se acelerado
na França na retomada que se segue
à debacle sistêmica de 2007-8 e que
ele se concentre na periferia
metropolitana (grande courone) de
Paris, onde a competição locacional
é menor e a luta pela rentabilidade,
consequentemente, mais acirrada.

Imagem: planta da unidade de 2
quartos (61m2) no empreendimento
Nature&Coteaux, Torcy, Île de France.
En vingt ans, les appartements neufs franciliens ont perdu jusqu’à 15 % de leur surface
 
La qualité des logements neufs baisse depuis vingt ans, quoi qu’en disent les promoteurs. Leurs superficies se réduisent, les espaces de rangement disparaissent, les appartements sont moins lumineux et de plus en plus souvent mono-orientés, ce qui est préjudiciable notamment au confort d’été, sans oublier les parties communes des immeubles, de plus en plus mesquines… C’est l’implacable démonstration d’une étude originale de l’Institut des hautes études pour l’action dans le logement (Idheal), révélée le 27 août au cours des Entretiens d’Inxauseta, qui réunissent tous les acteurs français du logement, un week-end par an, au Pays basque.

L’équipe d’Idheal, une dizaine d’universitaires et d’étudiants en urbanisme, a épluché les plans de 1 706 logements, dans 56 immeubles de 17 communes d’Ile-de-France, livrés entre 2000 et 2021 par 24 promoteurs et bailleurs sociaux qui ont bien voulu ouvrir leurs archives.

Les résultats sont éloquents : les studios (T1) n’ont, en vingt ans, perdu que 0,6 mètre carré (passant en moyenne de 30,4 m² à 29,8 m²) ; mais les deux pièces (T2), 2,8 mètres carrés (de 45,9 à 43,1) ; les trois pièces (T3), 2,5 mètres carrés (de 65,9 à 63,4) ; les quatre pièces (T4), 10 mètres carrés (de 89,3 à 79,3) ; et les cinq pièces (T5), 15 mètres carrés (de 114 à 99…). La perte s’est surtout produite à partir de 2012, lorsque la production a redémarré après la crise financière de 2008, et elle est plus accentuée en grande couronne qu’à Paris. (Continua)

2021-09-11